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Família compondo a trilha sonora de seu processo de reintegração: modelo teórico

RESUMO

Objetivo:

compreender o significado do processo da reintegração familiar atribuído pela família que o vivencia e construir um modelo teórico representativo dessa vivência.

Método:

estudo qualitativo, conduzido com quatro famílias com um total de 20 entrevistados, tendo o Interacionismo Simbólico como referencial teórico, a Grounded Theory, como metodológico, a observação participante e a experiência do fazer musical mediando a entrevista como estratégias de coleta de dados.

Resultados:

a análise comparativa dos dados levou à identificação da categoria central e à construção do modelo teórico TENTANDO RECONSTRUIR O QUE FOI QUEBRADO.

Conclusão:

a família que vivencia a reintegração experimenta um processo de reconstrução que permite revisitar as situações de abandono e de rever o comportamento de cuidar e de ressignificar a convivência familiar. Para o profissional de saúde, este estudo convida a pensar essa temática e a rever o conceito de família, em busca de criar seu próprio sentido de cuidar.

Descritores:
Família; Música; Enfermagem Familiar; Poder Familiar; Saúde da Família

ABSTRACT

Objective:

to understand the meaning of the family's reintegration attributed by the family experiencing it and to construct a representative theoretical model of this experience.

Method:

this is a qualitative study, conducted with four families with a total of 20 interviewees, with Symbolic Interactionism as theoretical framework, Grounded Theory as methodological, participant observation and the experience of musical making, mediating the interview as strategies of data collection.

Results:

a comparative analysis of the data led to the identification of the main category and to the construction of the theoretical model TRYING TO REBUILD WHAT WAS BROKEN.

Conclusion:

the family experiencing reintegration lives a process of reconstruction that allows to revisit situations of abandonment and review the behavior of caring and re-meaning of family coexistence. For the health professional, this study invites to think about this theme and to review the concept of family, in order to create their own sense of care.

Descriptors:
Family; Music; Family Nursing; Family Power; Family Health

RESUMEN

Objetivo:

comprender el significado del proceso de la reintegración familiar atribuido por la familia que lo vivencia y construir un modelo teórico representativo de esa vivencia.

Método:

estudio cualitativo, conducido con cuatro familias con un total de 20 entrevistados, teniendo el Interaccionismo Simbólico como referencial teórico, la Grounded Theory, como metodológico, la observación participante y la experiencia del hacer musical mediando la entrevista como estrategias de recolección de datos.

Resultados:

el análisis comparativo de los datos llevó a la identificación de la categoría central ya la construcción del modelo teórico TENTANDO RECONSTRUIR LO QUE FUE QUEBRADO.

Conclusión:

la familia que vive la reincorporación experimenta un proceso de reconstrucción que permite revisar las situaciones de abandono y de revisar el comportamiento de cuidar y de resignificar la convivencia familiar. Para el profesional de la salud, este estudio invita a pensar esta temática ya revisar el concepto de familia, en busca de crear su propio sentido de cuidar.

Descriptores:
Familia; Música; Enfermería Familiar; Poder Familiar; Salud de la Familia

INTRODUÇÃO

A família costuma se configurar como o primeiro grupo ao qual o ser humano pertence e sua principal função social é o cuidado, a proteção e a educação de seus membros. Espera-se que a família exerça sua função, mas se não o fizer, o Estado, por meio de políticas públicas, pode e deve intervir(11 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [Internet]. 2015 [cited 2017 Aug 14]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
).

Assim, quando a proteção da criança e do adolescente encontra-se ameaçada, esses indivíduos são retirados da entidade familiar e passam a viver em acolhimento institucional para, posteriormente, retornarem para suas famílias ou serem recolocados em outra instituição(22 Brasil. Senado Federal. Secretaria Especial de Editoração e Publicações. Subsecretaria de Edições Técnicas. Estatuto da Criança e do Adolescente [Internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 2016 [cited 2017 Aug 14];14-34. Available from: https://www.faneesp.edu.br/site/documentos/estatuto_crianca_adolescente.pdf
https://www.faneesp.edu.br/site/document...
).

Nesse contexto, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é aplicado para garantir os direitos e deveres de cidadania dessa população(22 Brasil. Senado Federal. Secretaria Especial de Editoração e Publicações. Subsecretaria de Edições Técnicas. Estatuto da Criança e do Adolescente [Internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 2016 [cited 2017 Aug 14];14-34. Available from: https://www.faneesp.edu.br/site/documentos/estatuto_crianca_adolescente.pdf
https://www.faneesp.edu.br/site/document...
). Para assegurar a preservação do vínculo, a reintegração ou reinserção familiar, apresenta-se como a primeira modalidade de intervenção para as crianças e adolescentes que se encontram em acolhimento institucional.

A reintegração não configura o retorno das crianças e/ou adolescentes para casa da mãe e/ou do pai, mas sim seu retorno ao contexto familiar. Ela pode ser feita com a família de origem ou natural (pai e mãe), extensa (avós, tios, irmãos mais velhos, padrinhos) ou substituta (preferencialmente pessoas próximas à criança)(22 Brasil. Senado Federal. Secretaria Especial de Editoração e Publicações. Subsecretaria de Edições Técnicas. Estatuto da Criança e do Adolescente [Internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 2016 [cited 2017 Aug 14];14-34. Available from: https://www.faneesp.edu.br/site/documentos/estatuto_crianca_adolescente.pdf
https://www.faneesp.edu.br/site/document...
-33 Brasil. Conselho Nacional do Ministério Público. Relatório da Infância e Juventude - Resolução nº 71/2011: um olhar mais atento aos serviços de acolhimento de crianças e adolescentes no País [Internet]. Brasília; 2013 [cited 2017 Aug 14];11-95. Available from: http://www.cnmp.mp.br/portal/images/stories/Destaques/Publicacoes/Res_71_VOLUME_1_WEB_.PDF
http://www.cnmp.mp.br/portal/images/stor...
).

Estudando as trajetórias das famílias que vivenciam o processo de reintegração familiar, verifica-se que a mesma é permeada por rupturas e desenraizamento familiar e social(33 Brasil. Conselho Nacional do Ministério Público. Relatório da Infância e Juventude - Resolução nº 71/2011: um olhar mais atento aos serviços de acolhimento de crianças e adolescentes no País [Internet]. Brasília; 2013 [cited 2017 Aug 14];11-95. Available from: http://www.cnmp.mp.br/portal/images/stories/Destaques/Publicacoes/Res_71_VOLUME_1_WEB_.PDF
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), sendo este um contexto desafiador para os profissionais da saúde, ao terem que levar em consideração os aspectos sociais em suas intervenções de cuidado(44 Silva SA, Fracolli LI. Evaluating child care in the Family Health Strategy. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [cited 2016 Aug 1]; 69(1):47-53. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n1/en_0034-7167-reben-69-01-0054.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n1/en_...
).

Considerando que o sistema familiar representa um espaço propício para a pesquisa, foram fixados o olhar e o pensamento sobre a família em sua complexidade com relação à convivência, despertando os seguintes questionamentos: como a família define o processo de reintegração familiar? Que interações permearam a vivência da família e levaram muitas vezes não ditas à desintegração familiar? Quais as expectativas da família em relação à retomada do convívio familiar? Quais as implicações do fazer musical durante a interação familiar?

Sabe-se que a música está para o humano, assim como o humano está para a música e que em uma sociedade democrática, a paisagem sonora não é imposta, mas sim composta por aqueles que nela vivem. Assim, a música pode ser uma maneira de compartilhar emoções vitais, muitas vezes não ditas por meio da fala, justamente porque faltam as palavras apropriadas para dizer o que se quer dizer(55 Valente HD. Paisagens sonoras, trilhas musicais: Brazilian sound portraits. Per Musi [Internet]. 2013 [cited 2017 Aug 14];239-249. Available from: http://www.scielo.br/pdf/pm/n28/a19n28.pdf
http://www.scielo.br/pdf/pm/n28/a19n28.p...
).

Diante desse panorama interacional, que envolve crianças e adultos na reintegração familiar, refletimos que a música pode ser aliada e mediadora na facilitação, abertura e ampliação dos canais de comunicação entre os sujeitos, favorecendo uma maior proximidade, integralidade e corresponsabilidade, oportunizando uma relação de ajuda de maior confiança entre os profissionais de saúde e essa população.

Assim, os objetivos deste estudo foram: compreender o significado do processo da reintegração familiar atribuído pela família que o vivencia, mediada pelo fazer musical e construir um modelo teórico representativo dessa vivência.

MÉTODO

Aspectos éticos

O desenvolvimento do estudo atendeu eticamente a resolução 466/12, que envolve seres humanos, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A representação das famílias foi expressa pelo vocabulário musical para garantir o sigilo e o anonimato das mesmas, durante todo o processo de pesquisa.

Referencial teórico-metodológico e tipo de estudo

Esse é um estudo de investigação qualitativa que utiliza o Interacionismo Simbólico (IS)(66 Ennes MA. Interacionismo simbólico: contribuições para se pensar os processos identitários. Perspect Rev Cienc Soc [Internet]. 2013 [cited 2017 Aug 14]; 43:63-81. Available from: http://seer.fclar.unesp.br/perspectivas/article/view/5956
http://seer.fclar.unesp.br/perspectivas/...
) como referencial teórico e a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD)(77 Urquhart C. Grounded theory for qualitative research: a practical guide. London: Sage; 2013.

8 Santos JLG, Erdmann AL, Sousa MGF, Lanzoni GMM, Melo ALSF, Leite JL. Methodological perspectives in the use of grounded theory in nursing and health research. Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Aug 14]; 20(3):e20160056 Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n3/en_1414-8145-ean-20-03-20160056.pdf
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-99 Penna CMM, Queiróz ES. Conceptions and practices of nurses working with families. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015 [cited 2016 Aug 1]; 24(4):941-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n4/0104-0707-tce-24-04-00941.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n4/0104-...
), ou Grounded Theory, como referencial metodológico. Esses referenciais propiciam explorar temas ainda pouco estudados, possibilitando que a pesquisa adquira contribuições originais.

Procedimentos metodológicos

Cenário do estudo

O cenário de referência foi uma associação de acolhimento, fundada em 1973, localizada na Zona Sul da cidade de São Paulo (SP), que mantém crianças e adolescentes em casas lares. Enquanto acolhidas, as crianças que estavam em processo de reintegração familiar recebiam a visita de seus familiares aos finais de semana, quinzenalmente ou mensalmente; ainda, regularmente, os familiares levavam as crianças e os adolescentes para casa nos finais de semana, retornando para a associação no final do dia de domingo, com a liberação de um juiz.

Na época da realização do estudo a associação acolhia 73 crianças e adolescentes de zero a 17 anos, em seis casas lares e as crianças participantes foram captadas em três diferentes casas.

Fonte de dados

Participaram do estudo quatro famílias que, no total, constituíram 20 participantes e atenderam aos critérios de inclusão: estarem vivenciando o processo de reintegração, com crianças com idades entre 3 e 12 anos de ambos os sexos e que encontravam-se acolhidas institucionalmente por medida protetiva. Foram excluídas as famílias cujas crianças estavam iniciando o processo de adoção.

A busca das famílias foi intermediada pela psicóloga da instituição que, após conhecer os propósitos da pesquisa, fez a seleção delas intencionalmente e teoricamente, localizando aquelas que se encaixavam no perfil estabelecido pelos critérios de inclusão, contatando-as e convidando-as a participarem da pesquisa. De acordo com a TFD, os participantes são, aos poucos, selecionados para integrarem a amostra, conforme o desenvolvimento e a densificação das categorias, até que os resultados obtidos tornem-se repetitivos e os conceitos sejam identificados com profundidade(77 Urquhart C. Grounded theory for qualitative research: a practical guide. London: Sage; 2013.-88 Santos JLG, Erdmann AL, Sousa MGF, Lanzoni GMM, Melo ALSF, Leite JL. Methodological perspectives in the use of grounded theory in nursing and health research. Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Aug 14]; 20(3):e20160056 Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n3/en_1414-8145-ean-20-03-20160056.pdf
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).

Assim, o número de famílias participantes foi determinado pela amostragem teórica, processo em que o pesquisador coleta, codifica e analisa os dados, definindo se haverá necessidade de coletar mais dados e onde encontrá-los, direcionando-os para a construção da teoria. Esse processo se encerra ao se atingir a saturação teórica, quando se obtém o desenvolvimento das categorias e os mesmos se tornam redundantes, ou seja, não há necessidade de se obter mais dados que possam desenvolver outras propriedades das categorias ou suscitar novas intuições teóricas(88 Santos JLG, Erdmann AL, Sousa MGF, Lanzoni GMM, Melo ALSF, Leite JL. Methodological perspectives in the use of grounded theory in nursing and health research. Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Aug 14]; 20(3):e20160056 Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n3/en_1414-8145-ean-20-03-20160056.pdf
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).

As características das famílias participantes na época da entrevista são apresentadas a seguir (Quadro 1).

Quadro 1
Características das famílias na época da entrevista

Coleta e organização dos dados

A coleta dos dados ocorreu no período de abril a setembro de 2013. Utilizou-se a observação participante e uma entrevista para cada família mediada pela experiência do fazer musical, realizada em local e horário predefinidos pela instituição, as quais tiveram duração aproximada de 1 hora, guiada pelas seguintes questões norteadoras: Qual o significado da reintegração familiar para vocês? Vamos compor uma trilha sonora que a represente? As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra para serem submetidas à análise dos dados.

Vale ressaltar que a partir de uma decisão metodológica, adotada após a análise das primeiras observações e entrevistas, também foi realizada entrevista com a psicóloga do serviço, na qualidade de informante da experiência da família, para elucidar alguns aspectos das interações observadas com as mesmas, como: o tempo de permanência do acolhimento, a vinculação com a associação e algumas características correspondentes a elas.

Para a realização da experiência do fazer musical, foi preparado e adaptado um cenário musical contendo instrumentos musicais de percussão (tambores, caxixis, chocalhos, triângulos, cocos e clavas), além de melódicos e harmônicos (teclado, xilofone, metalofone e violão) em uma sala cedida pela instituição. Os instrumentos musicais foram utilizados como apoio para expressão de sentimentos, repertório e habilidades, e como um suporte projetivo, para facilitar a expressão verbal(1010 Ruud E. Can music serve as a cultural immunogen? an explorative study. Int J Qual Stud Health Well-being [Internet]. 2013 [cited 2016 Aug 1]; 8(1):10.3402. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3740498/pdf/QHW-8-20597.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

Durante as expressões musicais, as falas dos participantes referentes ao processo de reintegração surgiram e abriram espaço para o diálogo verbal, que foi articulado pela realização de perguntas circulares(1111 Zordan EP, Dellatorre R, Wieczorek L. A entrevista na terapia familiar sistêmica: pressupostos teóricos, modelos e técnicas de intervenção. Perspect [Internet]. 2012 [cited 2016 Aug 1]; 36(136):133-42. Available: http://www.uricer.edu.br/site/pdfs/perspectiva/136_314.pdf) complementares às questões norteadoras.

Análise dos dados

Conforme os pressupostos da TFD, a análise dos dados realizou-se concomitantemente à coleta dos mesmos, iniciando-se já após a realização da primeira entrevista e seguiu os passos previstos pela metodologia: categoria inicial ou aberta, categorização, codificação teórica, identificação da categoria central e descrição do modelo teórico representativo da experiência estudada(88 Santos JLG, Erdmann AL, Sousa MGF, Lanzoni GMM, Melo ALSF, Leite JL. Methodological perspectives in the use of grounded theory in nursing and health research. Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Aug 14]; 20(3):e20160056 Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n3/en_1414-8145-ean-20-03-20160056.pdf
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).

A codificação aberta, realizada após a transcrição de cada entrevista e do fazer musical, consistiu em comparar, questionar, interpretar e denominar cada segmento dos dados obtidos, examinados linha por linha e ressaltados em unidades de análise, constituindo-se os códigos. Os mesmos foram comparados, agrupados por similaridades e diferenças conceituais, formando-se temas que descrevem uma relação entre os códigos gerados, etapa esta denominada categorização.

Na etapa de codificação teórica, foram estabelecidas as conexões entre as categorias, que vão sendo ampliadas e reduzidas, até que elas assumissem uma forma mais completa, permitindo a identificação da categoria central, ou seja, aquela que integra todas as demais, permitindo o desenvolvimento do modelo teórico representativo da experiência.

Esse processo fez emergir um conjunto de categorias desenvolvidas e relacionadas entre si e nomeadas à luz da família de códigos denominada 6Cs, conforme descrito a seguir(77 Urquhart C. Grounded theory for qualitative research: a practical guide. London: Sage; 2013.-88 Santos JLG, Erdmann AL, Sousa MGF, Lanzoni GMM, Melo ALSF, Leite JL. Methodological perspectives in the use of grounded theory in nursing and health research. Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Aug 14]; 20(3):e20160056 Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n3/en_1414-8145-ean-20-03-20160056.pdf
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).

  • Causa: agrupa dados que representam as origens, razões e acontecimentos anteriores à experiência;

  • Covariância: agrupa dados que se estão em conexão com a causa;

  • Condição: agrupa dados que qualificam a experiência;

  • Contexto: agrupa dados que permeiam e circundam toda a experiência;

  • Contingência: agrupa dados de situações que podem facilitar ou dificultar a experiência;

  • Consequência: agrupa dados que representam os resultados e efeitos da experiência.

A cada entrevista, devido à intensa interação com os dados e por ser um processo de construção contínuo, foi sendo possível, sem comprometer o rigor e a densidade metodológica, conduzir a pesquisa até a codificação teórica, possibilitando a construção do modelo teórico

RESULTADOS

A análise dos dados, realizada à luz do IS e dos pressupostos metodológicos da TFD, permitiu a construção do modelo teórico TENTANDO RECONSTRUIR O QUE FOI QUEBRADO (Figura 1), constituído por categorias representadas por figuras geométricas, simbolizando um quebra-cabeça que, juntos, formam uma casa em reconstrução.

Figura 1
Modelo teórico TENTANDO RECONSTRUIR O QUE FOI QUEBRADO

Descrever a história do significado atribuído pela família à sua vivência do processo de reintegração familiar permitiu desvelar experiências que levaram as famílias à desintegração, à necessidade de se reorganizarem e aos esforços desenvolvidos por ela para conquistar a reconstrução no sentido de construírem uma nova família.

A história inicia-se quando a família, independente de sua configuração, vivencia situações que levaram à desintegração familiar.

Ela [mãe] queimou ele [filho], e chegou bater tanto na outra menina [filha mais velha do casal] tanto na cabeça que a menina não vê, não anda e se encontra no outro abrigo [em estado muito grave]. (Pai - Família Clave de Dó)

Eu dei a casa, mobiliada, dei tudo pra eles. Venderam tudo para comprar droga, e ficaram sem comida. (Avó - Família Pentagrama)

Todas essas situações levaram a denúncias, culminando com a retirada das crianças da família. A denúncia quase sempre foi feita por vizinhos ou até mesmo pelos familiares mais próximos que presenciaram as dificuldades vividas por eles. Assim, a família se vê sofrendo pela ação do Conselho Tutelar.

Por que você [avó] resolveu denunciar sua filha? (Pesquisadora)

O risco que as crianças corriam. A minha neta mais velha me falou que eles tinham dormido num lugar que tinha uma cama redonda. Quando ela me falou isso eu não acreditei, eu fiquei assim perplexa. (Avó - Família Pentagrama)

O cuidado das crianças torna-se compartilhado entre a família e o abrigo durante o processo de reintegração familiar. A família se depara com sentimentos de culpa e de incapacidade, por ter sido denunciada pelo fato de não saber cuidar das crianças, mas ao mesmo tempo identifica o abrigo como um local adequado para cuidar da criança por considerá-lo planejado e estruturado para exercer o cuidado, por ter recursos financeiros e materiais importantes para o desenvolvimento das crianças, embora reconheça que elas sentem falta dos pais.

Eles [a instituição] têm ajuda de outras pessoas, eles têm um controle. Eu falo pro meu marido que as crianças têm de tudo aqui no abrigo, que não falta nada... em questão de bens materiais... Eles [as crianças] só sentem mesmo falta do pai e da mãe deles. (Mãe- Família Clave de Fá)

Tem tudo para as crianças da família clave de fá no abrigo, acho que a mãe sente que não conseguirá oferecer para os filhos o que o abrigo oferece e com isto a reintegração dessas crianças na família vai ficando cada vez mais prolongada. (Psicóloga)

Diante desse panorama, o processo de reintegração vai se mostrando demorado, pois a família necessita de disponibilidade afetiva e de tempo para se reconstruir para cuidar das crianças e com o passar do tempo a família vai vivenciando dificuldades para realizar as visitas ao abrigo.

Não é questão de ser difícil vir aqui no abrigo, mas é demorado resolver isto. Eu saí da cadeia no dia 24 de agosto do ano passado, já tem 1 ano e eu estou bem, trabalho em um posto de gasolina e por conta também. Estou disposto a cuidar do meu filho. (Pai - Família Clave de Dó)

Ao mesmo tempo, a família demonstra aceitar o seu insucesso enquanto grupo e a se engajar em um movimento de resgate da sensibilidade e do comportamento de cuidar, preocupando-se em mostrar que pode cuidar da casa e das crianças. Nesse processo, enquanto seus membros interagem consigo mesmo e entre si, o desejo de conviver e de desenvolver o cuidado mútuo aflora, mostrando que são capazes e que desejam conviver em família.

Eu sei cuidar de criança, já cuidei de criança há muito tempo. Tenho três filhos homens e tenho dois netinhos, das meninas que eu criei. Eu criei duas órfãos de pai e mãe, e outra que a mãe foi presa por motivo de drogas; ela tinha quatro filhos e ficaram todos comigo pra eu cuidar. (Tia - Família Clave de Sol)

Aos poucos, a família assume os riscos desse desafio de uma nova composição e funcionamento, o que representa uma disposição para se reorganizar, ou seja, para tentar reconstruir o que foi quebrado. Porém, diante de tantas dificuldades anteriormente vivenciadas e das necessidades decorrentes das exigências dessa reorganização, conhecer esse percurso faz com que a família sinta-se ambivalente em relação à reintegração, temerosa de não dar conta de se reconstruir e ter que reviver um novo processo de desintegração.

Você não quer ir embora do abrigo? (Tia - Família Clave de Sol)

Não sei. Você promete que nunca vai bater em ninguém? (Criança - Família Clave de Sol)

Essa é uma condição para que vocês possam morar juntos? (Tia - Família Clave de Sol)

É. (Criança - Família Clave de Sol)

O abrigo, no processo de reintegração, torna-se coadjuvante no contexto do cuidado e desperta a aproximação entre a família e a criança. Nessa interação simbólica que os familiares estabelecem com as crianças e com o abrigo, a família, enquanto grupo de referência, valoriza-se e vai se fortalecendo, no sentido de se reconstruir para intensificar os laços familiares, revelando que estar “em” e “com” a família pode ser muito prazeroso, agradável, confortável e seguro. Neste cenário, os familiares e as crianças se conhecem e estabilizam as relações, buscando a intimidade familiar e expressando seus desejos e a função que cada membro idealiza exercer dentro dela.

A família Zia, bem agitada, legal, tudo bem, vai ser super legal, super legal. Eu quero morar com a minha mãe. Eu quero morar com a minha mãe. Vai ter churrasco, vai ter festa, vai ter aniversário, vai ter surpresa, vai ter presente, vai ser uma agitação total. Vai ter briga, vai ter funk. Tchum tcha tchatchum tchum tcha!” (letra do funk composto pela Família Clave de Fá)

Eu vou ter que te chamar de mãe? Não... você vai me chamar de tia, porque eu sou sua tia e seu pai e sua mãe estão vivos e eu tenho esperança que sua mãe vai voltar a ser o que ela era antes, uma boa mãe, e que eu vou ajudar no que ela precisar, e se ela quiser cuidar de você eu ajudo. (Tia- Família Clave de Sol)

Enquanto esse movimento é realizado em direção à reintegração, a família se mobiliza para se readequar à novos papéis e à nova configuração familiar, implicando em se deparar com novas separações e com novos laços. Isso ocorre, porque a família que reintegra muitas vezes não tem condições financeiras e de espaço para ficar com todas as crianças. Desse modo, os irmãos que estavam juntos na instituição podem não vir a conviver na mesma residência após a reintegração. Como decorrência, buscam-se outros membros familiares dispostos a acolher parte dos irmãos, com o compromisso de se manterem os laços afetivos entre eles. Ou seja, para reintegrar, é necessário readequar-se a novos papéis, novas situações, novo ambiente e até a uma nova configuração familiar.

Na época que eles foram abrigados eu só estava com ele aqui [mãe aponta para um dos filhos que mora com ela]. Depois veio ela [mãe aponta para uma das filhas que mora com ela] nesse tempo, assim que eles foram abrigados eu descobri que estava grávida dela e depois veio esta aqui [mãe aponta para outra filha que mora com ela], mais aí eu operei. Não é bom separar os irmãos, um tanto mora no abrigo e um tanto comigo. (Mãe -Família Clave de Fá)

Você fez o processo de reintegração com os cinco netos... Como foi pra você separar dos outros três? (Pesquisadora)

Foi muito difícil. [momento de muita emoção em que a avó chora muito]. Eles não queriam ir: “vó a gente não quer ir”. Eles não tiveram escolha. (Avó - Família Pentagrama)

O desejo e a satisfação de estar em família estimula a vontade de superar os desafios que poderiam impedir que a reintegração familiar se efetivasse. Nesse sentido, crianças e adultos seguem validando a convivência familiar, redefinindo “família” como algo bom, que traz felicidade, que todo mundo quer ter, que é fundamental para a estrutura do indivíduo, revelando união, apoio e aconchego como aspectos importantes e consideráveis à sua reconstrução.

O que significa conviver em família pra vocês? (Pesquisadora)

Pra mim é todo mundo unido. Como a gente é uma família, eu acho a união bem importante. Estar em família é um conforto, um aconchego que a pessoa tem quando precisa. É um ombro amigo. (Mãe - Família Clave de Fá)

Ao compor uma trilha sonora representativa de seu processo de reintegração, entre as inúmeras possibilidades de músicas disponíveis no teclado, a família, simbolicamente, escolhe aquelas que evidenciam o desejo de estarem juntos e se reconstruírem como uma nova família: London Bridge is Falling Down, La Cucaracha, Noite Feliz, Pinheirinho Agreste, Nona Sinfonia de Beethoven, Marcha Nupcial, Twinkle Twinkle Little Star (Brilha, Brilha Estrelinha) e Alegria de Quem já Conhece a Jesus, que expressam situação de processos de destruição, desintegração, esforço, reconstrução, nascimento, aconchego e acalanto. Tal fato se dá mesmo não tendo contato com as músicas e sem ter conhecimento prévio da mensagem expressa nessas composições.

Ao vivenciar o fazer musical, a família também produz um movimento corporal e sonoro, como se reformasse uma casa ou realizasse uma construção. Nesse sentido, uma das crianças também se dispõe a tentar consertar a corda do violão que estava quebrada, mesmo sem haver outra para reposição, não revelando em nenhum momento, o desejo de desistir de tocar o instrumento; a corda, mesmo frouxa, foi tocada pela criança e o violão não foi retirado do cenário musical. Nesse movimento constante, a família segue como se tivesse em suas mãos peças soltas da figura de uma casa, mas que não se encaixavam por terem sido quebradas e terem tido sua forma modificada, dificultando o encaixe. Quando a vivência da reintegração apresentou-se para a família, foi como se ela procurasse juntar os pedaços e recolocar cada um em seu lugar, para formar novamente a figura da casa, reconstruindo-a.

No entanto, essa reconstrução não se apresenta como uma tarefa fácil e rápida e, por mais difícil que fosse saber como começar, por conta de dúvidas e ambiguidades, foi necessário reconstruir-se, para que a família pudesse se reintegrar. Assim, o modelo teórico TENTANDO RECONSTRUIR O QUE FOI QUEBRADO representa a essência do que significa, para a família, vivenciar o processo de reintegração familiar.

DISCUSSÃO

O uso da música para mediar e ampliar a comunicação na interação familiar mostra-se, neste estudo, um caminho para a compreensão do modo de agir da família, tanto dentro como fora dela, à medida que foram consideradas as relações entre seus membros e não somente os membros individualmente.

A interação entre a família e a música gerou o fazer musical da família, por meio da interação indivíduo/música, indivíduo/grupo/música. Isso propiciou a expressão do enfraquecimento dos laços familiares, de recursos importantes como o desejo de ter disponibilidade e sensibilidade para cuidar, e de validação da convivência familiar. Porém, vale ressaltar que, de acordo com essa perspectiva, a capacidade de realizar o fazer musical independe de se ter formação em música, pois propicia a reprodução e a construção de significado(1212 Dana RM, Loan S. Developing children's singing aptitudes using music therapy. South Africa. Procedia Soc Behav Sci [Internet]. 2013 [cited 2016 Aug 22]; 82:818-23. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1877042813014225
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
).

A família, no contexto estudado, expressa uma imagem de família abandonada, a partir da repetição de situações de abandono retratada pelo rompimento dos laços afetivos de seus membros, que para voltar a conviver em família necessita reconstituir-se, ou seja, reconstruir aquilo que foi quebrado. O conjunto de ausências, relacionado à renda, educação, trabalho, moradia, rede social e familiar de apoio leva ao abandono e, consequentemente, ao acolhimento institucional e até, muitas vezes, à destituição ou à suspensão do poder familiar(1313 Cavalcante LIC, Araújo CR, Góes ELC, Magalhães CMC. Análise das condições sóciofamiliares de crianças em acolhimento institucional: comparando dois momentos. Psicol Argum [Internet]. 2014 [cited 2017 Aug 14]; 32(76):79-92. Available from: http://www2.pucpr.br/reol/index.php/PA?dd1=14564&dd99=pdf
http://www2.pucpr.br/reol/index.php/PA?d...
).

Em seu discurso verbal, mediado pela trilha sonora, a família expressou sua história de vida permeada por situações de abandono, que convida para refletir sobre o abandono familiar ou o sistema familiar órfão vivido pela família no contexto da reintegração. Nos dias atuais, o abandono está associado à ausência de afeto e de cuidado, constituindo-se em um fenômeno socialmente construído, ou seja, um produto do sistema, que incita a exclusão social(1414 Silva JMM, Avelar TC. Crianças em situação de rua e suas representações sobre lar e família por meio do desenho. Psicol Argum [Internet]. 2014 [cited 2017 Aug 14]; 32(76):69-77. Available from: http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/pa?dd1=14563&dd99=view&dd98=pb
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).

A questão relacionada à destituição do poder familiar sobre as crianças suscita muitas reflexões, já que a convivência com o acolhimento institucional vivenciado pela família em reintegração é de caráter paliativo, pois nascem outros filhos e, novamente, deve haver o abandono(1414 Silva JMM, Avelar TC. Crianças em situação de rua e suas representações sobre lar e família por meio do desenho. Psicol Argum [Internet]. 2014 [cited 2017 Aug 14]; 32(76):69-77. Available from: http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/pa?dd1=14563&dd99=view&dd98=pb
http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/p...

15 Dias MO. O modelo de procriação real versus ideal. Millenium [Internet]. 2014 [cited 2017 Aug 14]; 46:57-80. Available from: http://www.ipv.pt/millenium/Millenium46/5.pdf
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-1616 Dias MB. Manual de direito de família. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais; 2013.). O nascimento de outros filhos, conforme apontado na literatura, também se verificou em uma das famílias participantes deste estudo.

Os dados também revelaram o quanto a família em reintegração tem necessidade de se mostrar em um modelo de família feliz, afetiva, perfeita, conforme veiculado pelo senso comum, bem diferente da realidade, demonstrando que tanto as famílias como os profissionais que acompanham o processo têm, como referência, definições cristalizadas e socialmente estabelecidas de família e isso parece ser mais um dificultador na brevidade da reintegração. Esses dados confirmam e mostram a influência da sociedade sobre o modo como a família deve agir, enfatizando o que se tem e não o que se é e sobressaindo-se a falta e não os seus desejos(1616 Dias MB. Manual de direito de família. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais; 2013.-1717 Aquino SR. Ética e moral nas relações humanas jurídicas. Rev Eletrôn Direito Pol [Internet]. 2014 [cited 2016 Aug 1]; 9(2):1141-66. Available from: https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rdp/article/view/6046
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).

Durante a experiência da família, foi revelado, na trilha sonora, que o fato de assumir as crianças como filhos faz com que haja a redefinição de papéis sociais, para que ocorra o surgimento de um pai ou uma mãe por pessoas que anteriormente exerciam outros papéis dentro da família(1717 Aquino SR. Ética e moral nas relações humanas jurídicas. Rev Eletrôn Direito Pol [Internet]. 2014 [cited 2016 Aug 1]; 9(2):1141-66. Available from: https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rdp/article/view/6046
https://siaiap32.univali.br/seer/index.p...
). Porém, na experiência das famílias, ter alguém para chamar de mãe e ser chamado de filho parece transcender as definições de papéis, isto é, estes papéis necessitam ser reconstruídos de modo que a tia, a avó, por exemplo, passem a exercer o papel de mãe e quando se trata de reintegração na família de origem, o papel de mãe precisa ser reconstruído, para que ela possa receber os filhos de volta.

Assim, os dados que emergiram nesta pesquisa, em consonância com a literatura, permitem compreender que a família, no contexto de reintegração, vivencia o abandono ou a orfandade, que desencadeia rupturas, desenraizamento familiar e social, mas que, todavia, não excluem as representações do “sentimento de família”(1414 Silva JMM, Avelar TC. Crianças em situação de rua e suas representações sobre lar e família por meio do desenho. Psicol Argum [Internet]. 2014 [cited 2017 Aug 14]; 32(76):69-77. Available from: http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/pa?dd1=14563&dd99=view&dd98=pb
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,1717 Aquino SR. Ética e moral nas relações humanas jurídicas. Rev Eletrôn Direito Pol [Internet]. 2014 [cited 2016 Aug 1]; 9(2):1141-66. Available from: https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rdp/article/view/6046
https://siaiap32.univali.br/seer/index.p...
). Dessa forma, é possível reconstruir o que foi quebrado e realizar a recomposição familiar, considerada uma nova fase no ciclo da vida.

Nesse sentido, observa-se um movimento de construção e desconstrução nas relações afetivas e sociais dessas famílias, mas que indicam a família como sendo o melhor lugar para viver e conviver.

Cremos que a experiência aqui revelada possa contribuir para se pensar na família e para desconstruir a idealização de um modelo de família, ampliando a visão sobre os diferentes arranjos familiares e sobre a elaboração de estratégias para fortalecer os laços afetivos entre seus membros, preservando a própria vida familiar, conforme revelado no modelo teórico proposto a partir da compreensão de como ocorre esse processo.

Limitações do estudo

Apesar de este estudo apresentar limitações quanto ao tamanho da população devido à grande dificuldade de encontrar famílias que estejam vivenciando esse processo, não limita a validade dos resultados, pois essa experiência dá credibilidade à possibilidade de uma “reconstrução e de um renascimento”, provocando o repensar sobre a importância de outros estudos voltados para o enfrentamento do abandono familiar, na minimização das situações de pobreza e na construção e elaboração de leis que também inclua e pense a família, e que realmente considere a quebra do processo de convivência familiar em última instância.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Frente aos resultados revelados nesse estudo, pode-se afirmar que a reintegração familiar é um processo de reconstrução, no qual os membros da família revisitam as situações de abandono e reconsideram o comportamento de cuidar, havendo um movimento para a ressignificação da convivência familiar.

A partir da constatação acima, fica claro a necessidade de se investir na família e, com isto, esta pesquisa contribui para fundamentar as necessárias adequações nas políticas públicas em relação à viabilização do retorno seguro ao convívio familiar.

Além disso, este estudo é um convite aos profissionais de saúde da família a pensarem sobre família, considerando seus aspectos sociais em suas intervenções de cuidado no atendimento às famílias na atenção primária à saúde.

Dessa forma, contribui para que o profissional enfermeiro contemple o contexto familiar em suas ações de cuidar e não seus membros isoladamente, sendo capaz de utilizar o fazer musical, não como prática terapêutica, mas como uma estratégia de aproximação entre o profissional e a família assistida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em um processo de reintegração, a família necessita ser cuidada integralmente. Portanto, é necessária a criação e a ampliação de uma equipe multiprofissional, a fim de prepará-la para essa temática.

Há ainda que se refletir sobre a descredibilidade concedida às famílias em seu esforço de cuidar de seus filhos. A convivência familiar deve ser valorizada e preservada.

Os profissionais envolvidos no processo de reintegração precisam rever o entendimento do trabalho com família e reconsiderar o conceito de família para transpor essa visão midiática.

Vale ressaltar que este estudo limitou-se à compreensão da vivência do processo de reintegração familiar, portanto, não consiste em um modelo fechado, podendo ser ampliado a partir de novas pesquisas desenvolvidas com famílias que estão vivenciando ou tenham vivenciado o processo de reintegração familiar, ou com outros atores, como os profissionais envolvidos nesse processo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2016
  • Aceito
    31 Ago 2017
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