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Integração ensino-serviço: construindo o ateliê pedagógico em saúde

RESUMO

Objetivo:

Conhecer as estratégias pedagógicas e os elementos que determinam a construção do ateliê pedagógico em saúde no processo de integração ensino-serviço.

Método:

Estudo de caso coletivo com abordagem qualitativa. Os casos foram dois cursos de graduação em enfermagem. Foram realizadas 31 entrevistas com profissionais de saúde, docentes e discentes, além de observação participante em sete unidades básicas de saúde (UBS) que receberam os estudantes entrevistados.

Resultados:

Emergiram as seguintes categorias analíticas: integração ensino-serviço: articulando situações idealizadas com situações reais; o ateliê pedagógico em saúde: desenvolvimento de ações pedagógicas coletivas; reflexão sobre o vivido no ateliê pedagógico em saúde: articulando o conhecimento do mundo do trabalho com o mundo do ensino.

Considerações Finais:

Apesar das dificuldades de integração entre ensino e serviço, pode-se concluir que o encontro destes gera um campo fértil para o desenvolvimento do ateliê pedagógico em saúde. Para tal, é necessária a pactuação das estratégias apresentadas na constituição do ateliê.

Descritores:
Educação em Enfermagem; Enfermagem; Educação Continuada em Enfermagem; Política; Política de Saúde

ABSTRACT

Objective:

To identify the pedagogical strategies and the elements that determine the construction of the educational workshop in healthcare at the teaching-service integration process.

Method:

Collective case study with qualitative approach. The cases consisted of two undergraduate courses in nursing. Thirty-one interviews were conducted with healthcare professionals, professors and students, in addition to participant observation in seven basic health units (UBS) that received the students interviewed.

Results:

The following analytical categories emerged: teaching-service integration: articulating idealized situations with real situations; pedagogical workshop in health: development of collective pedagogical actions; reflection on the experiences in the pedagogical workshop in health: articulating the knowledge of the work world with the teaching world.

Final Consideration:

Despite the integration difficulties between teaching and service, we can conclude that their encounter generates a fertile field for the development of the educational workshop in healthcare. To this end, the agreement of the strategies presented in the constitution of the workshop is necessary.

Descriptors:
Education in Nursing; Nursing; Continuing Education in Nursing; Policy; Health Policy

RESUMEN

Objetivo:

Conocer las estrategias pedagógicas y los elementos que determinan la construcción del taller pedagógico en salud en el proceso de integración enseñanza-servicio.

Método:

Estudio de caso colectivo con abordaje cualitativo. Los casos fueron dos cursos de graduación en enfermería. Se realizaron 31 entrevistas con profesionales de salud, docentes y discentes, además de observación participante en siete unidades básicas de salud (UBS) que recibieron a los estudiantes entrevistados.

Resultados:

emergieron las siguientes categorías analíticas: integración enseñanza-servicio: articulando situaciones idealizadas con situaciones reales; el taller pedagógico en salud: desarrollo de acciones pedagógicas colectivas; reflexión sobre lo vivido en el taller pedagógico en salud: articulando el conocimiento del mundo del trabajo con el mundo de la enseñanza.

Consideraciones Finales:

A pesar de las dificultades de integración entre enseñanza y servicio, se puede concluir que el encuentro de estos genera un campo fértil para el desarrollo del taller pedagógico en salud. Para ello, es necesario pactar las estrategias presentadas en la constitución del taller.

Descriptores:
Educación en Enfermería; Enfermería; Educación Continua en Enfermería; Política; Política de Salud

INTRODUÇÃO

As ações comprometidas com a relevância social da universidade e a formação de profissionais de saúde e enfermagem do Brasil têm procurado, há pelo menos 50 anos, aproximar ensino e serviço, almejando articular os espaços de formação à diversificação dos cenários da vida real e de produção de cuidados à saúde(11 Tanji S, Silva CMSLMD, Albuquerque VS, Viana LO, Santos NMP. Integrating teaching, work on nursing and citizenship. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2010 [cited 2017 Nov 20];31(3):483-90. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1983-14472010000300011
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).

Um marco importante na mudança do perfil profissional foi a partir das reformas universitária e sanitária, em que se exige um profissional de saúde atuante em distintos campos de prática, mais qualificado e apto às mudanças para acolher as reais necessidades da população. Desse modo, percebe-se que as universidades tendem a se articular com os serviços de saúde para proporcionar melhor capacitação profissional(22 Baldoino AS, Veras RM. Analysis of service-learning activities adopted in health courses of Federal University of Bahia. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2016 [cited 2017 Nov 20];50(Spe):17-24. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v50nspe/pt_0080-6234-reeusp-50-esp-0017.pdf
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).

Ao mesmo tempo, contraditoriamente, as instituições de ensino superior em todo mundo estão colocando cada vez mais ênfase na aquisição de uma gama mais ampla de habilidades ou atributos no currículo,como objetivo de elevar as chancesdo sucesso escolardo estudante,em particular,para o mercado de trabalho(33 Leal Filho W, Shiel C, Paço A. Implementing and operationalising integrative approaches to sustainability in higher education: the role of project-oriented learning. J Clean Prod [Internet]. 2016 [cited 2017 Dec 1];133(1):126-35. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2016.05.079
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),remetendo, muitas vezes, para um ensino especializado e hospitalocêntrico.

Além da integração entre ensino e serviço, destaca-se a importância do uso de pedagogias centradas nos estudanteseevidenciadas na literatura científica como positivas parao processodeensino-aprendizagem(44 Mackintosh-Franklin C. Pedagogical principles underpinning undergraduate nurse education in the UK: a review. Nurse Educ Today [Internet]. 2016 [cited 2017 Nov 20];40:118-22. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27125160
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). Há o reconhecimento de que as práticas pedagógicas ajudam na consolidação de um estudante crítico e reflexivo, influenciando a determinação do grau de consciência do mundo e na sua capacidade de promover as mudanças necessárias(55 Kempfer SS, Prado ML. Reflecting about assessment by reflective-critical and creative thinking in nursing education in Brazil. J Nurs Care [Internet]. 2014 [cited 2017 Nov 3];3(6). Available from: https://www.omicsonline.org/open-access/reflecting-about-assessment-2167-1168-3-e118.pdf
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)na realidade em que atua.

Considera-se que a integração ensino-serviço pode proporcionar o pensamento crítico, criativo e reflexivo, pois trata-se deuma interação profunda entre seus protagonistas e a realidade dos serviços de saúde. Para tal, faz-se necessárioutilizar estratégias pedagógicas eaefetiva aproximação com os serviços de saúde,objetivando favorecer essa integração. Contudo, a integração ensino-serviço também pode ser uma estratégia pedagógica limitada, tanto para o ensino, quanto para o serviço. Ela não ocorre sem um acolhimento entre ambos, em uma prática do ensino no serviço solitária, sem uma relação dialógica que promova a reflexão sobre o vivido entre seus protagonistas (docentes, estudantes, profissionais de saúde, gestores, comunidade, entre outros).

O encontro e o acolhimento entre ensino e serviço estimulam a reflexão sobre os problemas da prática, o debate sobre o vivido, o diálogo reflexivo e um crescimento mútuo, denominados de ateliê pedagógico em saúde.

O ateliê pedagógico em saúde é um espaço destinado ao entrelaçamento do serviço com o ensino, da prática com a teoria, a partir do aprender imerso em um processo constante de reflexão sobre as ações desenvolvidas. Esse entrelaçamento é permeado pelo diálogo reflexivo, pelo compartilhamento de objetivos afins e pelos conhecimentos ressignificados no desenvolvimento das ações em saúde. Trata-se de um espaço fértil para a aprendizagem e para a formação dos profissionais em saúde, no qual o compartilhamento de saberes e a construção de novos conhecimentos mesclam-se com a curiosidade dos protagonistas desse processo.

Para que a integração ensino-serviço, na proposição do ateliê pedagógico, se torne uma prática de consolidação e construção de novos conhecimentos formando profissionais aptos a atuarem na realidade, pressupõe-se que são necessárias estratégias pedagógicas ancoradas na epistemologia da prática reflexiva. Esta prática é consideradauma experiência altamente interpessoal, em que os dilemas da aprendizagem, a vulnerabilidade dos estudantes, o comportamento dos professores e estudantes influenciam criticamente os resultados do processo pedagógico(66 Schön DA. Educating the reflective practioner: toward a new design for teaching and learning in the professions. Porto Alegre: Artmed; 2000.).

Na epistemologia da prática reflexiva, o ensino reflexivo possui três níveis de atividade: 1) a reflexão na ação é realizada durante o desenvolvimento dela, repensando estratégias para solucionar determinado problema; 2) a reflexão sobre a ação constitui um momento retrospectivo a fim de refletir sobre o que foi feito;e, por fim, 3) a reflexão sobre a reflexão-na-ação consiste na observação das respostas dadas às atividades(66 Schön DA. Educating the reflective practioner: toward a new design for teaching and learning in the professions. Porto Alegre: Artmed; 2000.).

A epistemologia da prática reflexiva(66 Schön DA. Educating the reflective practioner: toward a new design for teaching and learning in the professions. Porto Alegre: Artmed; 2000.) na integração ensino-serviço necessita de estratégias que estimulem o estudante a utilizar a diversidade de cenários dos serviços de saúde como um momento de consolidação de seus conhecimentos técnicos e teóricos, um espaço de construção, em conjunto, do novo, do crítico, do reflexivo. Buscam-se, assim, soluções apropriadas para as necessidades de saúde e do ensino existentes. Nesse contexto, a relevância das estratégias pedagógicas para aformação de profissionais de enfermagem capazes de atuar de forma crítica e reflexivano contexto do Sistema Único de Saúde (SUS) fortalece o propósito da integração ensino-serviço.

OBJETIVO

Conhecer as estratégias pedagógicas e os elementos que determinam a construção do ateliê pedagógico em saúde no processo de integração ensino-serviço.

MÉTODO

Aspectos éticos

Esta investigação foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH), atendendo ao disposto na Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012.

Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para garantir o anonimato dos casos, ao longo do texto, eles foram identificados como Caso A (CA) e Caso B (CB). Para os docentes, foi atribuída a letra D seguida por um número cardinal (1,2). O mesmo ocorreu com os profissionais de saúde (PS) e estudantes (E).

Tipo de estudo

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que usa como método o estudo de caso coletivo. Este consiste em estudar vários casos, objetivando fazer melhor análise, compreensão e teorização acerca do universo a que pertencem. Os casos, de forma individual, são estudados e comparados para expressar características comuns a partir do entendimento de que o conhecimento do todo traz uma compreensão, a teorização sobre um conjunto maior de casos representativos(77 Stake R. The art of case study research. Thousand Oaks, CA: Sage; 1995.).

Cenário do estudo

Os casos deste estudo foram dois cursos de graduação em enfermagem públicos da região Sul do Brasil, contemplados com o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), editais2005 e 2007.A opção por cursos que participam do programa Pró-Saúde ocorreu em virtude da sua essência: integração entre o mundo do ensino e do trabalho como uma estratégia de mudança do processo de formação e trabalho em saúde(88 Ministério da Saúde (BR). National Program of Reorientation of Professional Training in Health - Pro-Health: objectives, implementation and potential development. Brasília (DF): MS; 2007.).

Entende-se que as escolas participantes reformularam ou aperfeiçoaram suas práticas curriculares de acordo com os eixos do programa, voltando o processo de ensino-aprendizagem à realidade dos serviços e comunidade, instituindo competências pautadas na integralidade do cuidado e em práticas pedagógicas libertadoras que estimulam o desenvolvimento do profissional reflexivo a partir do processo de integração ensino-serviço.

Para a seleção dos casos, foram adotados os seguintes critérios: escolas contempladas com o edital nº I do Pró-Saúde tendo, assim, tempo hábil para realizar as mudanças propostas pelo programa em seus currículos; escolas mais antigas de enfermagem de cada estado; escolas e secretarias municipais de saúde que aceitaram participar da pesquisa.

Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada entre os meses outubro e dezembro de 2015, sendo realizadas concomitantemente a observação participante e a entrevista, que utilizou um roteiro semiestruturado. As observações foram realizadas em sete unidades básicas de Saúde (UBS) durante o desenvolvimento do estágio supervisionado do último ano dos casos selecionados. As UBS foram definidas em conjunto com os coordenadores do curso dos casos estudados, assim como a indicação dos protagonistas a serem entrevistados. As observações foram registradas em um diário de campo.

Foram entrevistados 31 protagonistas divididos em docentes com tempo de atuação na escola superior a quatro anos (9), estudantes do último ano do curso de enfermagem (12) e profissionais de saúde que receberam os estudantes no serviço (10). A escolha por docentes com atuação superior a quatro anos está relacionada à sua participação ou acompanhamento do programa Pró-Saúde do caso pesquisado. A escolha por estudantes do último ano do curso de enfermagem justificou-se pelo fato de terem um olhar mais ampliado sobre o processo de formação, podendo detalhá-lo melhor.

As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra. Todos os estudantes e profissionais de saúde entrevistados também foram observados.

Análise dos dados e referencial teórico

A análise de um estudo de caso ocorre concomitantemente à coleta dos dados, sendo orientada pelos processos de codificação dos dados para sinalizar conceitos que permitiram responder ao objetivo da pesquisa(77 Stake R. The art of case study research. Thousand Oaks, CA: Sage; 1995.).

Os resultados foram organizados em três categorias analíticas que se complementam entre si. As categorias foram analisadas a partir da epistemologia da prática reflexiva proposta por Schön(66 Schön DA. Educating the reflective practioner: toward a new design for teaching and learning in the professions. Porto Alegre: Artmed; 2000.).

RESULTADOS

Integração ensino-serviço: articulando situações idealizadas com situações reais

A inserção no serviço é considerada, pelos participantes, como fundamental para que o estudante conheça a realidade da sua profissão e os desafios que serão vivenciados no seu dia a dia, a partir de uma pedagogia problematizadora. Acrescenta-se a possibilidade de adotarem orientações que sejam plausíveis de serem realizadas de acordo com a realidade dos usuários do SUS. Contudo, há o embate entre o ideal e o real.

O estudante tem que estar inserido no que é real. Na unidade que não dispõe de material, que tem uma região carente ou não, que está sem agente comunitário […] não conseguiria visualizar um profissional enfermeiro sem essa inserção no campo de prática. (D3CA)

Utilizamos o caso do paciente para aprender, nem sempre o serviço é como na teoria. Então, muitos casos não conseguiram ver na prática. (E1CA)

As notas de observação das atividades práticas dos estudantes evidenciaram que há um tímido processo de integração ensino-serviço, permeado pela ausência de diálogo entre os protagonistas e pelas ações em saúde voltadas principalmente para o desenvolvimento de habilidades técnicas.

O planejamento das atividades que articulam o serviço e o ensino é realizado de forma distinta entre os casos. No CA, os participantes relatam que as atividades para o semestre seguinte são planejadas a partir da avaliação do semestre executado. Docentes e estudantes avaliam as fragilidade se as fortalezas. Os profissionais do serviço relatam que recebem o convite para participar das reuniões que são realizadas no interior da universidade. Contudo, os gestores, muitas vezes, não os liberam ou as reuniões são agendadas no período em que a UBS está em funcionamento.

Outro fator que pode dificultar o planejamento dessas atividades, conforme entrevistas com os docentes, pode estar relacionado à densidade de conteúdos a serem desenvolvidos em curto período. Apesar disso, durante o desenvolvimento do estágio, ocorrem feedbacks do desenvolvimento do estudante e a necessidade de se trabalhar com alguns problemas do serviço, por parte dos profissionais de serviço, em especial o supervisor do estágio em campo.

A gente conversa um pouco com os enfermeiros sobre o andamento do estágio e o que precisa mudar. Problemas e as prioridades são apontados pelos profissionais e a partir desse apontamento é que as alunas vão construindo [Planejamento Estratégico Situacional]. (D1CA)

No CB, o planejamento das atividades parece estar mais consolidado, harmônico e compartilhado. Por exigência da Secretaria Municipal de Saúde, o coordenador do curso de enfermagem primeiro precisa ir à UBS e solicitara autorização do coordenador da unidade para a realização das atividades, independentemente se essa parceria entre ensino e UBS perdura há mais de dez anos.

Quando foram reorganizar a grade curricular, nós sentamos e escrevemos juntos. No início do ano letivo, a gente senta com as professoras e a gente discute quais são as metas, os objetivos, as propostas, como devem ser abordados quando o estudante vem. (PS4CB)

Ressalta-se que, em ambos os casos, o docente supervisor avalia de forma muito próxima a realização dos estágios com visitas periódicas, conforme observado. Contudo, observou-se a necessidade de intensificar o diálogo com a equipe, não se restringindo ao contato entre o docente e o coordenador na UBS.

Professora chega à UBS e cumprimenta todos os membros da equipe. Relação muito cordial entre ambos. Em seguida, se reúne com as estudantes e discutem o andamento das atividades. Professora pede que as alunas validem os problemas levantados com a equipe. Orientação dura 20 minutos. (Dados observação CA)

Docente chega à UBS, cumprimenta todos os membros da equipe e se dirige à coordenadora da unidade questionando sobre o andamento das atividades. Coordenadora informa que está tudo tranquilo. Em seguida, a docente se reúne com as estudantes e o enfermeiro. Orientação dura 180 minutos. (Dados observação CB)

Nós sabemos que eles vêm, sabemos que está no currículo da instituição, mas não é dito para nós como é esse currículo […] a gente não senta para discutir isso […] é necessário ter um maior diálogo, nós temos experiências ótimas relacionadas aos estágios, vemos o quanto é um ganho. (PS2CB)

A articulação entre o ensino e o serviço é um campo fértil para o planejamento do trabalho de conclusão de curso (TCC). No CA, o planejamento está voltado para a realização de um projeto de prática assistencial. O estudante observa, registra e, a partir daí, lança seus questionamentos baseados na realidade para aplicá-los no semestre seguinte. O TCC será a necessidade apresentada pelo serviço e a comunidade. O CB utiliza a prática assistencial e a pesquisa para o desenvolvimento do trabalho, podendo estar voltado a uma necessidade direta do serviço ou a uma necessidade da academia em desenvolver determinada pesquisa.

O ateliê pedagógico em saúde: desenvolvimento de ações pedagógicas coletivas

A realização da integração ensino-serviço, em ambos os casos, tem início com uma fase mais observacional, debatendo-se sobre o processo saúde-doença e voltando-se a ações interdisciplinares, principalmente entre os cursos da própria universidade. No decorrer da graduação, o estudante vai ampliando seus conhecimentos teóricos de acordo com cada ciclo de vida, culminando com o estágio supervisionado e, com isso, a sua atuação no serviço.

No primeiro ano, o estudante é bem imaturo, depende de um acompanhamento mais próximo, ele tem pouco a contribuir com o serviço.O serviço contribui mais com esse estudante. Já no estágio supervisionado, ele vai fazer a sistematização, a consolidação do aprendizado. Nesse momento, ele contribui muito mais com o serviço. (D2CB)

Os módulos se integram somente no último ano, pois, até então, tudo é compartimentado: saúde do adulto, saúde criança, saúde mulher, saúde mental. No [estágio supervisionado], devemos unir o que estudamos e aplicar na prática. (E2CB)

No estágio supervisionado, o estudante percebe a necessidade de criar vínculo com a equipe, destacando a figura do docente como uma referência. Assim como sente a necessidade de atuar como um profissional inserido no espaço.

É a gente com a equipe e, a gente que tem de dar conta, então, todo aquele vínculo que o nosso docente tem durante os estágios é o que a gente tem que construir durante o [estágio supervisionado], é um objetivo […] criar esse vínculo e trabalhar de igual para igual. (E3CB)

A integração entre teoria e prática é fortalecida no desenvolvimento do estágio a partir da fundamentação teórica das ações e percepções do estudante, utilizando inúmeras estratégias, como o uso de portfólio e aulas teóricas uma vez por semana, além do incentivo à realização de relatos de experiência.

O portfólio no CB é uma estratégia pedagógica que estimula a reflexão a partir da prática, que pode ser ampliada ou mais pontual, conforme as orientações recebidas dos docentes.

Fazer reflexão não é criticar, nem elogiar, é fazer reflexão mesmo, o que tem de ponto negativo, o que eu melhoraria, o que eu não falaria, o que eu deixaria de fazer, o que eu colocaria como prioridade, e ver se está batendo com padrões pré - estabelecidos.[…] Se eu cometer um deslize, […] vai acender uma luz. (E1CB)

Contudo, conforme observado durante a coleta de dados, apesar do estímulo à realização do portfólio, os profissionais do serviço não têm acesso ao documento. É um momento do estudante e do docente, oposto ao planejamento estratégico situacional (PES), que é construído e compartilhado com a equipe de profissionais de saúde.

No CA é utilizado o diário de campo, considerado um elemento fundamental para o desenvolvimento do PES que visa, também, ao estreitamento da relação entre o curso de enfermagem e o serviço.

A ideia de que a construção seja com a equipe […] a gente estimula o diálogo com a equipe […] reconhecer o lugar, o território, ver o que tem nesse território e pensar especialmente com a equipe. (D1CA)

O que está reforçado conforme registro da observação:

Aluna apresenta o PES para a equipe, que concordou com os apontamentos, dando sugestões em como eles poderiam resolver os problemas levantados. A apresentação ocorreu durante a reunião da equipe. Também sugerem que alguns problemas sejam redigidos, pois são pontuais e não podem ser generalizados para toda a equipe. Alunas concordam com sugestão. (Dados Observação CA)

É preconizado um período da semana para a realização de aulas teóricas, explorando as atividades desenvolvidas e trabalhando conteúdos que auxiliam o estudante a ampliar o seu olhar diante do que vivencia na prática. O CA realiza quatro encontros teóricos ao longo do semestre para debater as etapas do PES. Participam dos encontros os estudantes e docentes do último ano do curso.

A gente, então, vem para a unidade básica sem ter teoria nenhuma, então, a gente conhece, tenta entender como é o trabalho, a organização e, depois, nós vamos tendo as aulas teóricas […]. Na aula, a gente vê que realmente não é aquilo que estão fazendo, a gente consegue cruzar os dados, ver que o acolhimento aqui é totalmente diferente do que é posto na teoria e isso acrescenta bastante, porque parte da gente buscar para depois entender, acho que a graduação inteira é assim. (E3CB)

A partir do que os estudantes observam na prática, eles conseguem fazer uma relação com a teoria buscando estratégias que realmente possam contribuir com a realidade e mencionando a educação permanente em saúde. Os estudantes, em ambos os casos, assumem uma postura dialógica a fim de resolver os problemas que vão surgindo durante o estágio junto com os profissionais de saúde.

Não basta a gente sentar e bater na mesma tecla, “é, eu acho que tem que ser feito isso e isso” […] então, tem que partir da gente, enfermeiro que irá se formar fazer o diferente e tentar não uma educação continuada, mas uma educação permanente. (E3CB)

Estudante realiza acolhimento de uma gestante que está sentindo muita dor, repassa o caso para equipe de saúde. Juntos, eles debatem o caso, levantam hipóteses e concordam com os encaminhamentos. (Dados Observação CB)

Reflexão sobre o vivido no ateliê pedagógico em saúde: articulando o conhecimento do mundo do trabalho com o mundo do ensino

A reflexão feita com o serviço é considerada tímida em virtude da demanda dos serviços ou de um cronograma denso, com pouco tempo para que a atividade possa ser realizada, sendo mais enfaticamente desenvolvida no estágio supervisionado.

Destaca-se a compreensão integrada de ação e reflexão como um meio para atingir o perfil de estudante que se deseja formar.

O estudante precisa saber por que ele optou por fazer aquela técnica e não outra. Não se separa [ação e reflexão], o processo é conjunto. Nós não queremos apenas um bom executor de tarefas, mas um profissional que saiba por que executa aquela tarefa. (D1CA)

Às vezes, na primeira semana, eles falam: “fiz dois pré-natal, fiz visita domiciliar”, aí a gente fala que não quer saber só quantos procedimentos você fez, mas como você fez, qual era a situação, como você conseguiu resolver o problema. (D2CB)

Durante a realização dos estágios, foram observados, pela pesquisadora, poucos momentos de reflexões com a equipe sobre o vivenciado em ato. Contudo, em uma das UBS, as estudantes eram extremamente incentivadas a pensar sobre o que estavam fazendo, a articular o fazer como saber teórico, a partir de conversas estimuladas pela equipe de saúde, principalmente pelo enfermeiro supervisor. Em outra UBS, as estudantes eram integradas à rotina da equipe com reflexões realizadas com a docente/supervisora do estágio. Pontualmente, a enfermeira entrava na sala, questionava, mas, em geral, era um momento do docente com as estudantes. Assim como foi observado em uma UBS, em que a estudante estava totalmente perdida, querendo se integrar com a equipe, porém, sem encontrar espaços para debater, para se incluir.

Percebeu-se, a partir das observações, que os espaços para a reflexão dependem de como os profissionais de saúde assumem ou se ausentam da responsabilidade com o processo de formação do estudante, bem como a forma como o docente conduz a realização do estágio e estimula a integração com a equipe. Em nenhum momento foi observado o estudante distante das suas responsabilidades, não querendo se integrar com a equipe ou na realização de alguma atividade.

Há uma agenda para cumprir, tem que fazer isso e aquilo, mas, depois que a gente para […], a gente [refere-se ao enfermeiro da UBS, acadêmicos e residente de enfermagem] troca muita informação sobre os pacientes, aí, a gente consegue entender […], a gente discute o caso, vai conversar com a coordenadora da UBS para poder tomar uma conduta, […] a gente vai buscando, trocando bastante informação. (E3CB)

Por outro ângulo, os profissionais e docentes relatam a demanda de trabalho em que reconhecem a importância de parar e refletir, mas sem tempo hábil para tal ação.

Falta o tempo para essas meninas realizarem uma reflexão porque, muitas vezes, chega uma demanda muito grande que, no nosso caso aqui, nós estamos na periferia, onde o número de pré - natal é muito grande, números de preventivos que têm que ser coletados […] então, a gente vê que não existe esse tempo. (PS2CB)

Ao serem questionados sobre a relação existente entre o conhecimento do mundo do trabalho e do mundo do ensino, todos os participantes ficaram alguns segundos em silêncio e, em seguida, perguntaram em voz alta “que relação existe?”. A maioria dos entrevistados não conseguiu responder, de forma clara e objetiva, à pergunta, o que não significa que eles não saibam a relação existente, mas se pressupõe que há necessidade de tempo para responder a essa questão, tempo para refletir que relação, que articulação é essa.

Alguns participantes atribuíram à relação entre teoria e prática a execução de procedimentos técnicos com maior destreza e habilidade, avaliando sinais e sintomas de uma forma mais segura. Para outros, a relação consiste em trazer a teoria para o real, para o vivenciado pela equipe e comunidade, de uma prática associada, dialógica, questionadora com o estudante no cenário de prática.

A universidade, ela não promove só a teoria, ela promove a prática associada, quando a gente faz com que o estudante pare para refletir, buscar o conhecimento perante a realidade de um fato. (PS1CB)

DISCUSSÃO

Os resultados apontam que há uma preocupação das escolas em integrar o conhecimento teórico abordado em sala de aula com a prática cotidiana dos serviços. Todavia, essa integração muitas vezes resulta no embate entre o idealizado e o real, como apontado na fala da aluna, que não consegue visualizar o caso que estudou na teoria e a sua aplicação na prática do serviço.

O embate entre o real e o ideal pode ter como origem a forma como se depara com um problema. Pode-se pautar em uma prática rigorosa, baseada na racionalidade técnica ou pode-se ter a consciência de que se anda em zonas indeterminadas, pantanosas, que estão além dos manuais sobre determinado conhecimento nas quais o problema, muitas vezes, sequer aparece como um problema(66 Schön DA. Educating the reflective practioner: toward a new design for teaching and learning in the professions. Porto Alegre: Artmed; 2000.).

Para superar o desafio de integrar o mundo real com o ideal, é necessário integrar ensino-serviço como a base do desenho curricular, ao mesmo tempo em que os serviços de saúde necessitam preconizar na organização de seu trabalho a inclusão do processo educativo permanente em todos os níveis de atenção, construindo um único campo, no qual os limites do ensinar e assistir se tornem imperceptíveis(99 Zarpelon LFB, Batista NA, Terencio ML. Teaching-service integration in the context of Brazilian medical schools: integrative review. Cienc Saúde Colet [Internet]. 2017 [cited 2017 Nov 20]. Available from: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/integracao-ensinoservico-no-contexto-das-escolas-medicas-brasileiras-revisao-integrativa/16087
http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/...
).

A inserção na realidade pode facilitar o processo de ensino-aprendizagem do estudante, pois o coloca em uma zona pantanosa em que a demanda de serviço em saúde e as pessoas são reais. Colabora para que o estudante se torne crítico e reflexivo, tornando concreta a teoria na prática e, ao trazer suas vivências, estende seus horizontes de possibilidades na busca do saber(1010 Lima MM, Reibnitz KS, Kloh D, Vendruscolo C, Corrêa AB. Dialogue: network that intertwines the pedagogical relationship into the practical-reflective teaching. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 11];69(4):654-61. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690406i
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016...
).

Os resultados apresentados despertam para a reflexão do papel de educador do enfermeiro assistencial. Na percepção dos participantes deste e de outro estudo(1111 Meira MDD, Kurcgant P. Nursing education: training evaluation by graduates, employers and teachers. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Aug 26];69(1):16-22. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n1/0034-7167-reben-69-01-0016.pdf
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), alguns enfermeiros que recebem os estudantes para o estágio curricular supervisionado, por vezes, não desempenham o papel de educador. Isto é, o enfermeiro, junto do docente, deveria estar acompanhando o desenvolvimento do estudante, integrando-se ao suporte técnico e teórico, assim como em um processo constante de reflexão sobre o vivido no serviço, participando da avaliação e do compartilhamento de saberes. É o enfermeiro educador assumindo o seu compromisso com a formação de novos profissionais.

Na integração entre ensino-serviço, ocorrem encontros e desencontros entre seus protagonistas que não raramente sequer dialogam entre si. Todavia, para formar profissionais comprometidos com o SUS, é preciso assumir a responsabilidade com a formação e com a assistência prestada à população. Para haver mudanças, é preciso que os protagonistas interajam e contribuam para o crescimento de ambos(1212 Kleba ME, Krauser IM, Vendruscolo C. Situational strategic planning in family health management teaching. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2011 [cited 2017 Aug 26];20(1):184-93. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072011000100022
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072011...
).

A realização do planejamento estratégico situacional é utilizada como uma prática pedagógica para identificar e intervir nos problemas da população e aproximar ensino e serviço. Contudo, a sua realização é um desafio, visto que a sua implementação requer o diálogo e a abertura de todos os protagonistas envolvidos(1313 Kloh D, Reibnitz KS, Boehs AE, Wosny AM, Lima MM. The principle of integrality of care in the political-pedagogical projects of nursing programs. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2014 [cited 2017 Aug 26];22(4):693-700. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-1169.3381.2469
http://dx.doi.org/10.1590/0104-1169.3381...
).

O diálogo no processo de planejamento e avaliação das atividades desenvolvidas na integração entre o ensino-serviço é uma das estratégias fundamentais para que se possa ampliar e, em algumas UBS, até mesmo criar espaços de reflexão sobre as ações realizadas. Ressalta-se que o diálogo reflexivo está centrado na reflexão sobre a prática e, por meio dele, procura-se contribuir para a tomada de decisões, a compreensão da realidade e o compartilhamento de experiências e conhecimentos(1414 Schmidt SMS, Backes VMS, Cartana MHF, Budó MLD, Noal HC, Silva RM. Facilities and difficulties in planning training-service integration: a case study. O Braz J Nurs [Internet]. 2011 [cited 2017 Nov 26];10(2). Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/3243
http://www.objnursing.uff.br/index.php/n...
). Nessa perspectiva, ensino e serviço podem rever o processo de trabalho, o processo de ensino e como eles podem ser potencializados, sem sobrecargas para ambos, deixando claro para a equipe a finalidade dos estágios e como podem ser criados laços que fortaleçam a integração ensino-serviço.

Para tal, também é necessário se distanciar do conhecimento na ação, que é um processo tácito, que funciona muito bem, proporcionando resultados positivos enquanto tudo estiver dentro de um parâmetro de normalidade(66 Schön DA. Educating the reflective practioner: toward a new design for teaching and learning in the professions. Porto Alegre: Artmed; 2000.). Logo, é preciso rever estruturas curriculares densas, pois se limita o tempo necessário para que o estudante possa vivenciar, criar, aprender e fazer a partir dos seus próprios conhecimentos e as suas ressignificações com a teoria científica sob o olhar cauteloso e questionador do facilitador, supervisor do campo e equipe de saúde.

A supervisão periódica do docente no campo pode ser considerada uma estratégia pedagógica que fortalece a integração ensino-serviço, não tendo, como única finalidade, o feedback sobre as ações dos estudantes, mas, na contextualização da prática, o debate sobre o vivido e um diálogo horizontal. O diálogo, o debate sobre o vivido, representa uma estratégia essencial para que flua a reflexão sobre os aspectos fundamentais do cuidado(1515 García MR, Moya JLM. The legacy of care as reflexive learning. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet] . 2016 [cited 2017 Dec 20];24:e2711. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0639.2711
http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0639...
).

Na trajetória acadêmica dos estudantes, as escolas voltam-se à complexidade do mundo real aproximando o acadêmico da realidade da comunidade e dos serviços logo nas fases iniciais do curso. Gradualmente, são incorporados novos saberes utilizando, para tal, diferentes estratégias pedagógicas para integrar teoria e prática, sendo enfatizado o portfólio como uma estratégia que ajuda o pensamento crítico.

O portfólio reflexivo é um instrumento de diálogo entre docente e estudante. Permite, ao estudante, outra forma de aprender e fazer, tornando o aprendizado algo significativo. Cabe ao docente o processo de autorreflexão constante, abrindo-se para novas possibilidades de feedback ao estudante e da sua prática como docente(1616 Costa GD, Cotta RMM. "Learning-by-doing": social representations of healthcare students regarding reflective portfolio as a teaching, learning and assessment method. Interface Comun Saúde Educ [Internet]. 2014 [cited 2017 Aug 26];18(51):771-84. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18n51/en_1807-5762-icse-1807-576220140150.pdf
http://www.scielo.br/pdf/icse/v18n51/en_...
).

Ao mesmo tempo, o portfólio reflexivo é um instrumento de avaliação que pode contribuir para o aprimoramento do estágio, estimulando o estudante a desenvolver o pensamento crítico e reflexivo. O docente avalia/contribui com esse processo e o serviço também deveria fazer parte dessa construção, considerando-a como uma estratégia pedagógica que remete à reflexão sobre as ações do campo que estão sendo compartilhadas entre ensino e serviços de saúde.

A partir dos resultados apresentados, é preciso questionara relação existente entre ensino e serviços de saúde, considerando que essa relação está diretamente relacionada à compreensão de integração ensino-serviço de seus protagonistas. Afinal, essa integração é uma ação pactuada em prol da qualidade assistencial e do ensino, ou como um cenário de prática e desenvolvimento de competências técnicas, o que, na literatura, apresenta-se cada vez mais obsoleta, mas que, na prática, ainda pode ser observada.

Assim, avança-se para descrever as estratégias pedagógicas e os elementos que remetem ao pensamento reflexivo no processo de integração ensino-serviço, derivados desta investigação, utilizando a Figura 1.

Figura 1
Elementos do ensino prático reflexivo na integração ensino-serviço, Brasil, 2017

O entrelaçamento entre o mundo real (serviços) e o mundo ideal (ensino) em saúde necessita ser pactuado entre ensino e serviço de modo a edificar um campo comum, solidário, de troca e de práticas, saberes e poderes dos protagonistas envolvidos, resultando no ateliê pedagógico em saúde.

O ateliê pedagógico em saúde estrutura-se no entrelaçamento dos elementos localizados no ensino e no serviço, dando origem a estratégias que constituem o ensino reflexivo. A sua constituição visa à sustentabilidade das políticas voltadas para a reorientação da formação em saúde, promovida pelos ministérios da Saúde e da Educação e Cultura do Brasil, devendo estar pautada em propostas de ensino que possam gerar a aproximação entre teoria e prática, o saber e o fazer.

O encontro desses dois contextos –ensino e serviço –estimula a reflexão sobre os problemas da prática, o debate sobre o vivido, o diálogo reflexivo e um crescimento mútuo. Mas, para tal, é necessário que os protagonistas desse encontro exerçam o diálogo reflexivo. A epistemologia da prática reflexiva(66 Schön DA. Educating the reflective practioner: toward a new design for teaching and learning in the professions. Porto Alegre: Artmed; 2000.) sustenta que o diálogo é efetivado por meio de palavras e ações, propiciando que docente e discente realizem, de forma mútua, a reflexão-na-ação(1010 Lima MM, Reibnitz KS, Kloh D, Vendruscolo C, Corrêa AB. Dialogue: network that intertwines the pedagogical relationship into the practical-reflective teaching. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 11];69(4):654-61. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690406i
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016...
).

O ateliê pedagógico em saúde pode ser conceituado como um espaço em que ocorre a união de estratégias pedagógicas realizadas pelo mundo ideal com os elementos que emergem da prática do mundo real, a partir do aprender fazendo, imerso em um processo constante de reflexão sobre as ações desenvolvidas. O entrelaçamento dos dois mundos é permeado pelo diálogo reflexivo, pelo compartilhamento de objetivos afins e pelos conhecimentos ressignificados no desenvolvimento das ações em saúde.

A integração ensino-serviço pauta-se na epistemologia da prática reflexiva, isto é, a partir de um processo de reflexão capaz de gerar inquietações entre o contexto do serviço e ensino e, dessas inquietações, produzir mudanças nas atuais práticas de formação e atenção em saúde. Desse modo, tem-se um ateliê que proporciona a geração de conhecimento sobre si, suas demandas, suas ações no presente e o planejamento do futuro.

Limitações do estudo

Como limitação deste estudo, destaca-se que não foram calculados os custos financeiros e o tempo necessário para a realização do ateliê pedagógico em saúde, considerado como ideal no currículo de enfermagem, assim como a proposição do ateliê pode constituir-se apenas se ocorrer a integração entre ensino e serviço. Todavia, este estudo contribui para esse debate, para o fortalecimento de ações que oportunizem a integração ensino-serviço, para a práxis da enfermagem, para o fortalecimento do SUS em seus princípios doutrinários e o compromisso ético e político com a realidade da população brasileira.

Contribuições para a área da enfermagem e políticas públicas de educação em saúde

A proposição do ateliê objetiva que o processo de ensino-aprendizagem englobe as necessidades dos indivíduos e coletivos e sua contextualização com as dimensões políticas, econômicas, sociais e profissionais, principalmente diante do desmonte que se vive na assistência de saúde gratuita e de qualidade. Assim como se volta para o processo de formação pautado nas necessidades de saúde, considerando suas origens estruturais e seus reflexos na singularidade das pessoas e do processo saúde-doença.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados evidenciam o encontro do ensino –com suas estratégias pedagógicas –e o serviço –com seus elementos da prática conformando no encontro do mundo ideal com o real. Esse encontro provoca embates entre a teoria e a prática, tornando-se, assim, um campo fértil para o desenvolvimento do ensino prático reflexivo que visa à transformação da realidade a partir do seu entendimento na totalidade.

A realização de um ensino reflexivo no campo do serviço é o que se chama de ateliê pedagógico em saúde, um espaço de compartilhamento das ações realizadas pelo ensino no serviço e vice-versa. Destaca-se que o sucesso ou o fracasso do ateliê pedagógico em saúde não depende de um protagonista ou outro, mas, sim, parte de um compromisso de responsabilidade de todos, inclusive em nível governamental.

Os desafios para a consolidação da integração ensino-serviço como um ateliê pedagógico em saúde são muitos e possuem algumas particularidades entre os casos, mas como similaridades destacam-se as necessidades de: a)se ter claro qual a relação existente entre o conhecimento do ensino e o contexto do serviço; b)aglutinar as estratégias pedagógicas aos elementos encontrados na prática dos serviços; c)transformação do espaço de serviço na fusão do ideal e o realizado e d) fazer desse contexto um espaço do diálogo reflexivo.

  • FOMENTO
    Este trabalho foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), edital Universal 14/2013 –Faixa B.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2018
  • Aceito
    18 Ago 2018
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