Instrumento de coleta de dados para doenças hematológicas em ambulatório: estudo de validação

RESUMO

Objetivos:

construir e validar um instrumento de coleta de dados para pacientes onco-hematológicos em tratamento quimioterápico ambulatorial.

Métodos:

estudo metodológico que objetivou construir um instrumento de coleta de dados consistente cientificamente para avaliar pacientes hematológicos. Foram cinco etapas: identificação dos indicadores empíricos, avaliação dos indicadores empíricos por grupo focal, construção do instrumento, validação de conteúdo por juízes e validação clínica. Construído com base na Teoria das Necessidades Humanas Básicas de Horta, ajustada por Garcias e Cubas.

Resultados:

o instrumento construído contém dados de identificação do paciente, percepção e expectativas relacionadas à doença, avaliação das necessidades psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais. Atingiu IVC de 95%, assegurando a validade de conteúdo do instrumento e teste alfa de Cronbach com confiabilidade de 0,93.

Conclusões:

o instrumento constitui-se em uma tecnologia válida para auxiliar o enfermeiro na coleta de dados e poderá servir como ferramenta para a assistência, ensino e pesquisa em enfermagem onco-hematológica.

Descritores:
Processo de Enfermagem; Estudos de validação; Quimioterapia; Neoplasias; Hematologia

ABSTRACT

Objectives:

to build and validate a data collection instrument for onco-hematological patients undergoing outpatient chemotherapy.

Methods:

methodological study that aimed to build a scientifically consistent data collection instrument to evaluate hematological patients. There were five stages: identification of empirical indicators, evaluation of empirical indicators by focus group, construction of the instrument, content validation by judges and clinical validation. Built based on the Theory of Basic Human Needs of Horta, adjusted by Garcias and Cubas.

Results:

the built instrument contains data on patient identification, perception and expectations related to the disease, assessment of psychobiological, psychosocial and psychospiritual needs. It reached 95% CVI, ensuring the instrument’s content validity and Cronbach’s alpha test with a reliability of 0.93.

Conclusions:

the instrument is a valid technology to assist nurses in data collection and may serve as a tool for onco-hematological nursing care, teaching and research.

Descriptors:
Nursing Process; Validation Studies; Chemotherapy; Neoplasms; Hematology

RESUMEN

Objetivos:

construir y validar instrumento de recopilación de datos para pacientes oncohematológicos en tratamiento quimioterápico en ambulatorio.

Métodos:

estudio metodológico objetivó construir un instrumento de recopilación de datos consistente científicamente para evaluar pacientes hematológicos. Fueron cinco etapas: identificación de indicadores empíricos, evaluación de esos por grupo focal, construcción del instrumento, validez de contenido por jueces y validez clínica. Construido basado en Teoría de las Necesidades Humanas Básicas de Horta, ajustada por Garcias y Cubas.

Resultados:

el instrumento construido contiene datos de identificación del paciente, percepción y expectativas relacionadas a la enfermedad, evaluación de necesidades psicobiológicas, psicosociales y psicoespirituales. Atingió IVC de 95%, asegurando la validez de contenido del instrumento y test alfa de Cronbach con confiabilidad de 0,93.

Conclusiones:

el instrumento se constituye en una tecnología válida para auxiliar el enfermero en la recopilación de datos y podrá servir como herramienta para la asistencia, enseñanza e investigación en enfermería oncohematológica.

Descriptores:
Proceso de Enfermería; Estudios de Validez; Quimioterapia; Neoplasias; Hematología

INTRODUÇÃO

Atualmente, a quimioterapia antineoplásica (QTA) continua sendo uma opção terapêutica indispensável, que possui os melhores resultados de cura para muitos tipos de tumores, aumentando a sobrevida dos portadores de câncer^(1-2). É um tratamento sistêmico do câncer administrado a intervalos regulares, que variam de acordo com os esquemas terapêuticos⁽³⁾.

Pacientes oncológicos estão expostos a diversas fontes de sofrimento físico e psicológico e, para prevenção e redução do mesmo, diversas intervenções podem ser implementadas. Contudo, a formulação de tais intervenções é feita mediante avaliação das necessidades humanas apresentadas pelo paciente⁽⁴⁾. O cuidado individualizado está associado à qualidade na assistência. Assim, a personalização da assistência é um dos meios para o aprimoramento da assistência de enfermagem ao paciente oncológico⁽⁵⁾.

No que tange à qualidade da assistência, a sistematização da assistência de enfermagem trouxe grandes avanços nos últimos anos, e se configura como ferramenta válida para obtenção de resultados positivos para o paciente e para os profissionais de enfermagem⁽⁶⁾. Logo, sabendo que o processo de enfermagem é constituído de etapas inter-relacionadas e dinâmicas, e que a etapa inicial de construção do histórico do paciente é primordial para o desenvolvimento das demais, há a necessidade do uso de instrumentos de coleta de dados completos e de fácil compreensão, que permitam a obtenção de dados relevantes para a enfermeira⁽⁷⁾.

Considera-se que essa ferramenta, após validada, traga contribuições no âmbito ambulatorial de cuidado a pacientes com doenças onco-hematológicas em tratamento antineoplásico, haja visto a inexistência de tecnologia semelhante publicada em periódicos da área.

OBJETIVOS

Construir e validar um instrumento de coleta de dados para pacientes onco-hematológicos em tratamento quimioterápico ambulatorial.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Seguiram-se os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, de modo que o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará.

Desenho, local do estudo e período

Estudo metodológico norteado pela ferramenta Consolidated Criteria for reporting qualitative research (COREQ), referenciado na rede Equator, que apresenta um checklist de 32 itens para fornecer subsídios a estudos que utilizam grupos focais⁽⁸⁾. O estudo foi desenvolvido segundo referencial metodológico da Teoria das Necessidades Humanas Básicas, de Wanda de Aguiar Horta⁽⁹⁾, no período de fevereiro a outubro de 2017.

População e amostra

Foi realizado em um grupo focal, por uma enfermeira especialista coordenadora, de um ambulatório de QTA, que é treinada em conduzir grupo focal, e com quatro enfermeiras de um ambulatório de quimioterapia de um hospital-escola, pertencente ao Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará (UFC). E objetivou avaliar o agrupamento dos indicadores empíricos encontrados e sua relação com as NHB alteradas no paciente onco-hematológico, por meio de análise das entrevistas com análise de conteúdo das respostas dos participantes. A escolha dos participantes foi por conveniência, e os mesmos foram abordados presencialmente, considerando a experiência das enfermeiras no cuidado desse público. Não houve desistências de participação. Foram gravadas e transcritas as entrevistas logo após seu término, além de anotações de campo feitas durante a realização do grupo. Foram dois encontros, tendo em vista que os dados obtidos no primeiro encontro foram devolvidos aos participantes para possíveis correções e validação.

Após a elaboração do instrumento, o mesmo foi validado quanto ao conteúdo por sete juízes com experiência em onco-hematologia e sistematização da assistência de enfermagem. Para o recrutamento dos juízes foram adotados os critérios de Jasper⁽¹⁰⁾: possuir habilidade/conhecimento especializado, o que torna o profissional uma autoridade no assunto; possuir habilidade e conhecimento adquiridos pela experiência; possuir habilidade no tipo de estudo; possuir aprovação em um teste específico para identificar juízes; possuir classificação alta, atribuída por uma autoridade. Ressalta que deveriam ser atendidos no mínimo dois desses critérios.

Adotou-se os critérios propostos por Pasquali⁽¹¹⁾ para a escolha do número de juízes participantes, que considera um número entre seis a vinte especialistas. A seleção de juízes foi realizada por meio da amostragem de rede ou bola de neve, a qual é utilizada quando a população é composta de pessoas com características que podem ser difíceis de ser encontradas.

No processo de validação clínica, dos 40 pacientes no referido ambulatório, 31 concordaram em participar, que seguiram os seguintes critérios de inclusão: apresentar doença onco-hematológica; estar orientado e em condições clínicas de ser entrevistado; ter idade mínima de 18 anos.

Protocolo do estudo

O estudo foi realizado em cinco etapas⁽¹²⁾. 1) Revisão integrativa da literatura científica. A busca ocorreu nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE/Pubmed), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Base de dados em Enfermagem (BDENF) e Scopus, utilizando-se os Descritores em Ciências da Saúde e Medical Subject Headings (DeCS/MeSH): “enfermagem” (“nursing”), “diagnóstico de enfermagem” (“nursing diagnosis”), “quimioterapia” (“chemotherapy”) e “efeitos adversos” (“adverse effects”). Foi utilizado o descritor controlado “neoplasias hematológicas” (“hematologic neoplasms”/“neoplasias hematológicas”) associado por meio do operador booleano AND aos descritores supracitados. Foram incluídos estudos primários na íntegra, publicados no período de 2012 a 2017, em inglês, português ou espanhol. 2) Avaliação de indicadores empíricos através de grupo focal. Essa técnica de pesquisa, quando empregada na construção de indicadores, visa adquirir consenso sobre os dados encontrados, que posteriormente serão analisados pelo pesquisador e transformados em instrumentos ou dispositivos⁽¹³⁾. Esse processo ocorreu de janeiro a fevereiro de 2018; 3) Construção do instrumento de coleta de dados; 4) Validação de conteúdo por juízes docentes e assistenciais; 5) Validação clínica com a população alvo.

Os sete juízes e as quatro enfermeiras receberam e entregaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado. Aos juízes, encaminhou-se via correio eletrônico o instrumento a ser avaliado e um roteiro com os itens de avaliação, além das orientações sobre seu preenchimento. Essa fase ocorreu de maio a dezembro de 2018.

Utilizou-se, na estruturação do instrumento, o Conjunto Internacional de Dados Essenciais de Enfermagem (CIDEE), com o objetivo de se obter um instrumento conciso, claro e com informações suficientes e necessárias à avaliação inicial do estado de saúde do paciente⁽¹⁴⁾. Já o Conjunto Internacional de Dados Essenciais em Enfermagem (CIDEE) o divide em três categorias, quais sejam: Itens demográficos dos pacientes, Itens do cuidado de enfermagem e Itens do serviço, que objetivam obter um instrumento conciso, claro e com informações suficientes e necessárias à avaliação inicial do estado de saúde do paciente⁽¹⁴⁾. Entretanto, as necessidades psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais foram classificadas, tendo como embasamento a Teoria das Necessidades Humanas Básicas de Horta (TNHB)⁽⁹⁾.

A relevância dos itens foi pontuada por escala tipo Likert, contendo quatro níveis de valoração: 1 - irrelevante; 2 - pouco relevante; 3 - relevante e 4 - extremamente relevante, além de espaço para sugestões. A primeira versão do instrumento foi composta por dados da instituição, dados de identificação, percepções e expectativas relacionadas à doença e o conjunto de IE distribuídos nas classificações das NHB de Horta.

Em relação à coleta com os pacientes, estes foram convidados a participar no momento da consulta de enfermagem. Tal processo ocorreu de maio a dezembro de 2019. Para a aplicação do instrumento de consulta de enfermagem participaram duas enfermeiras assistenciais da unidade ambulatorial, bem como dois pesquisadores treinados para essa finalidade, que já atuam em projetos de extensão no referido ambulatório. Durante as entrevistas foram registradas anotações de comentários, opiniões e sugestões dos enfermeiros sobre o instrumento.

Análise dos resultados e estatística

Os dados obtidos no grupo focal foram codificados, conforme recomendação do COREQ⁽⁸⁾, em indicadores empíricos necessários para constar no instrumento. Esses dados empíricos foram separados pela classificação da teoria de enfermagem de Horta, em necessidades psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais⁽⁹⁾.

Para determinar o nível de concordância entre os juízes de forma quantitativa, calculou-se o Índice de Validade de Conteúdo (IVC) para cada um dos itens e para o conjunto total de itens do instrumento. Ressalta-se também que todas as sugestões realizadas pelos juízes foram consideradas e analisadas de forma descritiva. Os dados foram analisados no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0, e apresentados em tabelas.

Os itens analisados foram considerados validados quando os juízes apresentaram um índice de concordância ≥78%⁽¹⁵⁾. Logo, o item que não atingiu este percentual foi revisto ou excluído. Paralelamente, foi avaliada a confiabilidade do instrumento pelo teste α de Cronbach, considerando-se os seguintes valores > 0,90 - excelente, > 0,80 - bom, > 0,70 - aceitável, > 0,60 - questionável; > 0,50 - pobre e < 0,50 inaceitável⁽¹⁶⁾.

No processo de aplicação do instrumento com a população alvo contemplou-se, para cada item, a opção discordo ou concordo. E em caso de discordância, um espaço para propor sugestões. Esse processo permitiu a verificação da pertinência e aplicabilidade do instrumento proposto.

RESULTADOS

1ª etapa: Identificação dos indicadores empíricos

A busca resultou em uma amostra de 27 artigos, nos quais foram identificados 83 IE relacionados às necessidades humanas, sendo distribuídos de acordo com cada nível de necessidade descrita por Horta, equivalendo a 60 nas necessidades psicobiológicas, 22 nas necessidades psicossociais e uma na necessidade psicoespiritual.

2ª etapa: Avaliação dos indicadores empíricos pelo grupo focal

As enfermeiras que compuseram o grupo focal possuíam idade entre 39 a 51 anos, dentre as quais, um era mestre e três especialistas, com tempo de atuação na área de enfermagem oncológica entre quatro a 20 anos. As alterações e sugestões foram registradas em um formulário e, após obtenção da opinião consensual, realizou-se apresentação da síntese das discussões.

De acordo com as sugestões foram reposicionados quatro IE inseridos nas necessidades psicobiológicas (estresse psicológico, insônia, hiperglicemia e fadiga). Os itens insônia e fadiga foram realocados para a necessidade de sono e repouso. O item estresse psicológico foi realocado para a necessidade de segurança emocional e o item hiperglicemia para a necessidade de regulação hormonal. Houve acréscimo de 20 IE relacionados a 10 classificações das necessidades psicobiológicas e nove indicadores referentes a cinco classificações das necessidades psicossociais. Também houve mudança na escrita de alguns IE e acréscimo de itens referentes aos dados da instituição, dados de identificação e percepções/expectativas relacionadas à doença. Essas recomendações seguiram os princípios apontados no COREQ.

3ª etapa: Construção do instrumento de coleta de dados

O instrumento construído contou com 146 itens e foi organizado por tópicos, a saber: dados da instituição; dados de identificação, percepção e expectativas relacionadas à doença; avaliação das necessidades psicobiológicas; avaliação das necessidades psicossociais e espirituais, todos esses com seus respectivos itens (indicadores).

4ª etapa: Validação do instrumento com juízes

Todos os juízes que avaliaram o instrumento eram do sexo feminino, predominando na faixa etária de 41 a 50 anos (42,8%), 21 a 30 anos de formação profissional (57,1%) e com titulação de doutores e mestres (42,8%, cada). Referente ao tempo de atuação na área oncológica, prevaleceu juízes com experiência entre 17 a 21 anos (42,8%), sendo que a maioria (42,8%) exerce atividade de docência e assistência. A anuência das respostas manteve-se entre 86 a 100%. Dos 146 itens avaliados, 143 obtiveram concordância acima de 78% dos juízes. O IVC do instrumento, como um todo, atingiu o IVC de 95%, assegurando, assim, a validade de conteúdo e a representatividade do instrumento para coleta de dados de enfermagem na população alvo. Além disso, o teste de alfa (α) de Cronbach foi de 0,93, o que demonstrou excelente confiabilidade do instrumento.

Tabela 1
Distribuição dos itens do instrumento que obtiveram Índice de Validade de Conteúdo de 100%, Fortaleza, Ceará, Brasil, 2017

		IVC
AVALIAÇÃO DAS NECESSIDADES PSICOBIOLÓGICAS
Oxigenação	Frequência respiratória, Dispnéia Tosse, Expectoração Característica da secreção	1,0
Nutrição	Peso/Altura/IMC, Emagrecimento Desnutrição, Obesidade Anorexia, Odinofagia Disfagia, Xerostomia, Náusea, Tipo de dieta / nº refeições/dia, Apetite	1,0
Eliminação	Urinária e Intestinal (frequência/ característica) Disúria, Hematúria Anúria, Oligúria Polaciúria, Incontinência urinária Diarreia, Constipação Vômito, Melena	1,0
Sono e repouso	Hábito de sono/Período/Duração Insônia, Sonolência Fadiga: frequência/horário de maior fadiga	1,0
Atividade física	Pratica exercícios, Limitação física	1,0
Integridade física	Pele íntegra, Hematomas Petéquias, Mucosite Infecções cutâneas Palidez, Urticária Adenomegalias, Outras lesões de pele	1,0
Crescimento celular e desenvolvimento funcional	Neutropenia, Plaquetopenia Anemia, Alopécia Valores de neutrófilos/plaquetas/ hemoglobina	1,0
Regulação térmica	Temperatura, Frio/Calafrios	1,0
Regulação neurológica	Consciência Confusão, Ansiedade Depressão, Sonolência Formigamento, Dormência Fraqueza muscular	1,0
Regulação hormonal	Níveis glicêmicos, Sede excessiva Micção frequente, Fome intensa Cansaço fácil	1,0
Sensopercepção	Dor, Disgeusia	1,0
Terapêutica e de prevenção	Apoio emocional, Apoio de informações Apoio familiar, Apoio social Apoio econômico, Forma de adesão ao tratamento	1,0
AVALIAÇÃO DAS NECESSIDADES PSICOSSOCIAIS E PSICOESPIRITUAIS
Comunicação	Alterações da fala Dificuldade para entender o que os profissionais falam	1,0
Gregária	Sente apoio da família / Relações sociais Recebe suporte financeiro da família para tratamento	1,0
Recreação e lazer	Participa de atividades de recreação e lazer	1,0
Segurança emocional	Angústia / Estresse / Desesperança, Preocupações/ Incerteza /Medo da propagação e/ou recorrência do câncer / Sofrimento/Desespero	1,0
Amor, aceitação	Sente-se rejeitado e estigmatizado por pessoas Problemas no relacionamento com seu companheiro após diagnóstico e tratamento	1,0
Autoestima, autoconfiança e autorrespeito	Diminuição da autoestima, Vergonha Imagem corporal alterada	1,0
Religiosidade/ espiritualidade	Possui religião, crença ou fé	1,0

• Nota: IVC - Índice de Validade de Conteúdo; IMC - Índice de Massa Corporal.

Referente às necessidades psicossociais, os itens “número de cômodos da residência, número de membros da família e privacidade em sua residência”, pertencentes à necessidade de espaço, obtiveram IVC igual a 71%, sendo, portanto, excluídos do instrumento.

Apesar dos resultados satisfatórios obtidos, optou-se por considerar as sugestões de inclusão, exclusão e reposicionamento de itens propostos pelos juízes, de modo a aperfeiçoar o instrumento.

As alterações sugeridas pelos juízes especialistas encontram-se organizadas e apresentadas no Quadro 1. Foram acatadas 13 sugestões de alterações, sendo essas sugestões referentes a itens do instrumento que apresentaram IVC superior a 0,78%.

Quadro 1
Sugestões de alterações dos itens do instrumento de coleta de dados, de acordo com análise dos juízes, Fortaleza, Ceará, Brasil, 2017

SUGESTÕES DE ALTERAÇÕES DE ITENS DO INSTRUMENTO

Dados de identificação

Substituir "idade" por "data de nascimento", incluir "sexo", "raça" e "nº de ciclos do protocolo quimioterápico", incluir fase do tratamento "inicial, recidiva, paliativa" e "tratamentos anteriores"; incluir "transplante de células tronco-hematopoéticas: tipo, data e intercorrências"

Percepções e expectativas relacionadas à doença

Incluir "intolerância a medicamentos"

Avaliação das necessidades psicobiológicas

Incluir "tipo de líquidos ingeridos" na necessidade de hidratação; incluir "nível de fadiga" na necessidade de sono e repouso; excluir os itens "aumento de risco de complicações e aumento do risco de mortalidade" na necessidade de segurança física e do meio ambiente; incluir "alteração na temperatura na última semana" na necessidade de regulação térmica; incluir "tonturas e vertigem" na necessidade de regulação hormonal

Avaliação das necessidades psicossociais

Substituir "exerce atividades remuneradas" por "possui fonte de renda fixa" na necessidade de autorrealização; incluir "enfrenta a doença de forma positiva" na necessidade de segurança emocional

Avaliação das necessidades psicoespirituais

Incluir "é praticante?" na necessidade de religiosidade

5ª etapa: Validação do instrumento com a população alvo

Após a etapa de validação por juízes, procedeu-se a validação junto à população-alvo. Por meio da aplicação dos instrumentos de consulta foi possível a caracterização de 31 pacientes onco-hematológicos atendidos em um ambulatório de quimioterapia. A média de idade dos mesmos foi de 50,94 anos, junto a isso, 54,1% eram do sexo feminino, 60,7% eram casados e 36% tinham finalizado o ensino médio. Os diagnósticos médicos com maior frequência foram Linfoma Não-Hodgkin (48,4%), em seus diversos subtipos; Linfoma Hodgkin (19,4%); Mieloma Múltiplo (16,1%).

Foi retirado o item Conhecimento sobre a doença e tratamento, pertencente ao segmento “Percepções e expectativas relacionadas à doença”. Justifica-se a alteração, pois tal informação encontrava-se contemplada em outros itens do instrumento.

No segmento Necessidades psicobiológicas foram eliminados os itens “emagrecido” e “obeso”, pois já constavam os itens peso, altura e IMC no domínio Nutrição, tornando os dados repetitivos. O item “disgeusia”, que antes constava no domínio Sensopercepção, foi realocado para o domínio Nutrição, pois, no momento das consultas de enfermagem, verificou-se que era mais adequado perguntar ao paciente juntamente com questionamentos semelhantes, como xerostomia e disfagia.

No domínio Regulação: crescimento celular e desenvolvimento funcional foram substituídos os termos “neutropenia”, “anemia” e “plaquetopenia”, por itens com espaço para anotar os valores do hemograma (neutrófilos, hemoglobina e plaquetas), pois o valor desses parâmetros em oncohematologia é mais relevante do que somente a classificação⁽¹⁷⁾.

No domínio Terapêutica e prevenção foram realocados os seguintes itens: “necessidade de apoio emocional”, “necessidade de apoio de informações”, “necessidade de apoio familiar”. Justificam-se essas alterações, pois as mesmas são obtidas em outros itens do instrumento referentes às necessidades psicossociais, como Gregária, Segurança emocional e Educação para saúde e aprendizagem, facilitando a abordagem pelo entrevistador no momento da entrevista.

No domínio Segurança emocional observou-se que os pacientes tendiam a limitar seu relato de enfrentamento da doença às questões religiosas. Em vista disso, o domínio Religiosidade/Espiritualidade foi realocado, antecedendo o domínio Segurança emocional, para permitir que o entrevistador aborde outros aspectos do enfrentamento à doença. Acrescentou-se o questionamento “Como o Sr./Sra. Enfrenta a doença?” para permitir uma abertura por parte do pesquisador para abordar o assunto. Também foram retirados os itens “preocupação” e “sofrimento”, pois foi avaliado que não caracterizavam uma forma de enfrentamento à doença, bem como acrescido o item “evitação”, por observar pacientes que não gostavam de falar sobre o assunto. No domínio Educação para saúde e aprendizagem foi removido o item Enfrentamento, já abordado previamente, tornando-se repetitivo no momento da consulta de enfermagem.

Observou-se, também, a necessidade de maior espaço para registro eficaz dos aspectos avaliados, justificando modificação no layout do instrumento. Assim, considerando a pertinência dos itens acrescentados referentes às sugestões dos juízes e durante o processo de validação clínica, elaborou-se a versão final do instrumento, que passou a contar com 178 itens e maior disponibilidade de espaço para registro das informações (Figura 1).

Figura 1
Versão final do instrumento para coleta de dados ao paciente onco-hematológico, Fortaleza, Ceará, Brasil, 2020

DISCUSSÃO

O instrumento construído, denominado “Instrumento de coleta de dados ao paciente onco-hematológico”, compõe-se de dados de identificação, percepções e expectativas relacionadas à doença, bem como a avaliação das necessidades psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais.

Os dados de identificação do paciente assumem relevância no instrumento para a primeira etapa do processo de enfermagem, por pertencerem ao conjunto de elementos essenciais de enfermagem que atendem às necessidades de informação de vários usuários no sistema de saúde⁽¹⁸⁾.

Uma sugestão dos juízes voltou-se para a inclusão e associação do item “intolerância a medicamentos” ao item “alergia a medicamentos”. Esses dados foram avaliados como relevantes, visto que é essencial ao enfermeiro conhecer e registrar alergias e intolerâncias medicamentosas. O conhecimento e registro dessas informações subsidia uma adequada análise de prescrições e cuidados de enfermagem, sendo elencados como boas práticas na administração de quimioterápicos⁽¹⁹⁾.

As modificações recomendadas pelos juízes referentes às necessidades psicobiológicas detiveram-se no tópico hidratação e sono. No tópico repouso foi acrescentada a importância de mensurar a intensidade de fadiga. Ressalta-se a alta prevalência da fadiga nessa população, sendo incapacitante e prejudicial à qualidade de vida, além de subavaliada e subnotificada. Além de ser reportada como um dos sintomas mais importantes e estressantes relacionados ao câncer e seu tratamento⁽²⁰⁾.

Ainda com relação às necessidades psicobiológicas, foi pontuado no tópico “regulação térmica” o acréscimo de presença de febre na última semana. A febre é um sinal de alerta e, quando associada à neutropenia, é considerada uma emergência oncológica. A administração de antibioticoterapia em tempo hábil está relacionada a melhores desfechos. A enfermagem participa no manejo da febre neutropênica, atuando na identificação do evento e intervindo através do fornecimento de informações ao paciente, parte importante do manejo⁽¹⁷⁾.

Também foram acrescidos ao instrumento os indicadores “tontura e vertigem” por serem sintomas que sugerem alterações nos níveis de glicemia⁽²¹⁾. A vertigem é uma das formas de tontura, sendo uma alucinação de movimento, rotacional ou translacional. Pacientes com vertigem relatam sensação de movimento, mesmo em posição estática⁽²²⁾. Nas leucemias linfocíticas agudas, episódios de hiperglicemia podem ocorrer durante o protocolo terapêutico de indução, isso devido à administração concomitante de corticosteróides. A detecção precoce e o tratamento da hiperglicemia são passos fundamentais na prevenção de complicações agudas, como síndrome hiperglicêmica não cetoacidótica⁽²³⁾.

Nas necessidades psicossociais e psicoespirituais, a questão de exercício de atividade remunerada e/ou renda fixa foram considerados relevantes pelos juízes, bem como a forma de enfrentamento da doença pelo indivíduo.

O enfrentamento nada mais é que uma mudança adaptativa ao ambiente, podendo ser positivo ou negativo, dependendo dos mecanismos de defesa empregados. Tais registros agregam relevância ao instrumento, visto que a saúde de uma pessoa sofre influência de determinantes socioeconômicos. Logo, o enfrentamento dos pacientes pode estar focalizado na emoção, por meio da busca de suporte social ou de informação, assim como a busca de práticas religiosas, assimilando pensamentos de esperança que servem para auxiliar no enfrentamento do câncer⁽²⁴⁾. Conhecer esse aspecto vai de encontro ao que é preconizado para o trabalho do enfermeiro sobre o que investigar em um contexto ambulatorial⁽²⁵⁾. No processo de validação com o público alvo verificou-se a evitação como forma de enfrentamento, sendo, por esse motivo, incluído no instrumento.

O item prática de religião foi acrescido ao instrumento possuir crença ou fé, tendo em vista que os aspectos religiosos e espirituais diferem e devem ser compreendidos e valorizados⁽²⁶⁾. O uso da religião, espiritualidade ou fé como estratégia de enfrentamento frente a contextos desfavoráveis é chamado de coping espiritual/religioso. Indivíduos que apresentam estratégias decopingpositivas, também apresentam altos níveis de esperança. Assim, na relação com o paciente e familiares, o enfermeiro deve identificar necessidades religiosas e espirituais do binômio, prestando cuidado voltado à espiritualidade, utilizando suas estratégias de enfrentamento na manutenção da esperança⁽²⁷⁾. Esse elemento pode contribuir na adesão ao tratamento⁽²⁸⁾. Ressalta-se que, durante a validação com os pacientes, a questão religiosa surgiu em quase totalidade das consultas como um meio de enfrentamento da doença/tratamento.

A validação com o público alvo confirmou a relevância dos itens que constavam no instrumento validado pelos juízes, sendo que a maior parte das modificações efetuadas nesse processo de validação clínica referiu-se a modificações estruturais, realocação de itens em outros domínios e itens que se encontravam, de certa forma, repetidos.

A enfermagem tem importante papel de facilitadora e mediadora para que o paciente contemple suas necessidades biológicas, psicológicas, sociais e espirituais. Por isso, acredita-se que a utilização do instrumento construído poderá contribuir com a prática do enfermeiro oncologista que atua em unidade ambulatorial, pois traduz itens relevantes para a investigação de enfermagem.

Limitações do estudo

Durante o desenvolvimento da pesquisa foram encontradas limitações, como a dificuldade de elaborar um instrumento breve para não inviabilizar a aplicação na prática assistencial, mas que, ainda assim, contemplasse itens mínimos essenciais para garantir o cuidado de qualidade. Outra limitação foi a dificuldade da definição de juízes, tendo em vista a dificuldade de ser conceituado em sua totalidade. O critério utilizado no estudo foi o de Jasper, que considera itens de experiência clínica, porém não existe a garantia de que todos os pré-requisitos sejam, de fato, garantia de expertise clínica. Ademais, a não realização de validação de campo com enfermeiros também se configura como limitação do presente estudo.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Acredita-se que a elaboração e validação do instrumento de coleta de dados de enfermagem, pautado nas NHB e direcionado aos pacientes onco-hematológicos, constitui-se o primeiro passo para avaliar as reais necessidades desta clientela, possibilitando o planejamento e a implementação de intervenções adequadas e individualizadas dentro do contexto ambulatorial. Assim, será possível contribuir com o processo de enfermagem, visando compartilhar e ampliar os cuidados para o público alvo.

CONCLUSÕES

O instrumento construído foi submetido à validação de conteúdo por sete juízes especialistas, além da validação clínica com 31 pacientes. Os resultados demonstraram que as pontuações atribuídas pelos juízes validaram a maioria dos itens contidos no instrumento. O IVC do instrumento, como um todo, atingiu o valor de 95%. Portanto, assegurando a validade de conteúdo e a representatividade do instrumento para coleta de dados de enfermagem na população alvo. Além disso, o teste de alfa de Cronbach foi de 0,93, o que demonstrou excelente confiabilidade do instrumento. A validação clínica permitiu o aprimoramento do instrumento e obteve uma versão final com 178 itens. Desse modo, o instrumento constitui-se uma tecnologia válida para auxiliar o enfermeiro na coleta de dados e servirá como ferramenta para a assistência, ensino e pesquisa em enfermagem onco-hematológica.

Por fim, almeja-se que o instrumento de coleta de dados elaborado e validado seja inserido como ferramenta de gestão do cuidado de enfermagem, uma vez que essa etapa, primordial do processo de enfermagem, ao estar bem estruturada, fornecerá sustentação para as demais etapas. Além de proporcionar aos enfermeiros assistenciais o desenvolvimento do pensamento crítico e raciocínio clínico na elaboração dos diagnósticos de enfermagem e no estabelecimento de intervenções de enfermagem adequadas e específicas.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  09 Jun 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  20 Out 2020
• Aceito
  06 Jan 2021