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Informações online relacionadas ao câncer infantil e pandemia da COVID-19: uma análise temática

RESUMO

Objetivo:

Analisar informações online disponibilizadas na internet acerca da COVID-19 e câncer infantil e discutir seu potencial alcance em termos de suporte ao funcionamento familiar.

Método:

pesquisa documental apoiada na análise temática e nos conceitos de funcionamento e suporte familiar. Foram analisadas 27 publicações disponíveis em sites de instituições de referência em oncologia pediátrica, no período de 01 de março a 31 de maio de 2020.

Resultados:

Dois temas direcionam a apresentação dos resultados com destaque à linguagem e pressupostos de sustentabilidade ao conteúdo, e aos sentidos e intencionalidades veiculados. As publicações prospectaram famílias/pessoas lacunares de conhecimentos elementares acerca da COVID-19 e portaram poucas informações específicas à relação com o câncer infantil.

Considerações finais:

Circunstâncias ameaçadoras requerem suporte informacional, mas este estudo revelou incipiências de especificidade e um tom prescritivo nas informações online disponíveis em tempos iniciais da pandemia, questionando os alcances de suporte ao funcionamento familiar.

Descritores:
Acesso à Informação; COVID-19; Câncer; Família; Pandemia

ABSTRACT

Objective:

To analyze online information available on the internet about COVID-19 and childhood cancer and discuss its reach potential with regard to supporting family functioning.

Method:

Documentary research supported by thematic analysis and the concept of family functioning and support. A total of 27 publications available on the websites of reference institutions in pediatric oncology, from March 1 to May 31, 2020, were analyzed.

Results:

Two themes guided the presentation of results with emphasis on language and sustainability assumptions to content, and to conveyed meanings and intentionality. The publications prospect families/people with basic knowledge about COVID-19 and have little information specific to the relationship with childhood cancer.

Final considerations:

Threatening circumstances require informational support. This study revealed incipient of specificity and a prescriptive tone in the online information available in early times of the pandemic, questioning the scope of support for family functioning.

Descriptors:
Access to Information; COVID-19; Cancer; Family; Pandemics

RESUMEN

Objetivo:

Analizar informaciones en línea disponibles en Internet sobre la COVID-19 y el cáncer infantil y discutir su alcance potencial en términos de apoyo al funcionamiento familiar.

Método:

Investigación documental, sustentada en el análisis temático y los conceptos de funcionamiento y apoyo familiar. Se analizaron 27 publicaciones disponibles en los sitios web de instituciones de referencia en oncología pediátrica, del 1 de marzo al 31 de mayo de 2020.

Resultados:

Dos temas orientan la presentación de los resultados, con énfasis en el lenguaje y los supuestos de sustentabilidad del contenido, y a los significados e intenciones transmitidos. Las publicaciones prospectan a familias/personas con conocimientos básicos sobre la COVID-19 y tienen pocas informaciones específicas sobre la relación con el cáncer infantil.

Consideraciones finales:

Circunstancias amenazantes requieren apoyo informativo. Este estudio reveló insipiencias de especificidad y un tono prescriptivo en las informaciones en línea disponibles en los primeros días de la pandemia, cuestionando el alcance del apoyo al funcionamiento familiar.

Descriptores:
Acceso a la Información; COVID-19; Cáncer; Familia; Pandemias

INTRODUÇÃO

O suporte informacional à família de crianças com câncer é essencial, integra seu processo de enfrentamento, bem como ameniza estresse, incertezas e inseguranças(11 Domínguez M, Sapiña L. Pediatric cancer and the internet: exploring the gap in doctor-parents communication. J Cancer Educ. 2015;30(1):145-51. https://doi.org/10.1007/s13187-014-0700-4
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). A internet é recurso para tal(11 Domínguez M, Sapiña L. Pediatric cancer and the internet: exploring the gap in doctor-parents communication. J Cancer Educ. 2015;30(1):145-51. https://doi.org/10.1007/s13187-014-0700-4
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2 Levine DR, Liederbach E, Johnson L, Kaye EC, Spraker-Perlman H et al. Are we meeting the informational needs of cancer patients and families? perception of physician communication in pediatric oncology. Cancer. 2019;125(9):1518-1526. https://doi.org/10.1002/cncr.31937
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-33 Phillips CA, Hunt A, Salvesen-Quinn M, Guerra J, Schapira MM, Bailey LC, et al. Health-related Google searches performed by parents of pediatric oncology patients. Pediatr Blood Cancer. 2019;66(8):e27795. https://doi.org/10.1002/pbc.27795
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), inclusive famílias de crianças com câncer gostariam de receber, da parte dos médicos, indicativas de sites a título de consultas informacionais(11 Domínguez M, Sapiña L. Pediatric cancer and the internet: exploring the gap in doctor-parents communication. J Cancer Educ. 2015;30(1):145-51. https://doi.org/10.1007/s13187-014-0700-4
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). Porém, por vezes, a qualidade da informação encontrada na internet é fonte de preocupação para pais e profissionais, promovendo receio em seu uso(11 Domínguez M, Sapiña L. Pediatric cancer and the internet: exploring the gap in doctor-parents communication. J Cancer Educ. 2015;30(1):145-51. https://doi.org/10.1007/s13187-014-0700-4
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-22 Levine DR, Liederbach E, Johnson L, Kaye EC, Spraker-Perlman H et al. Are we meeting the informational needs of cancer patients and families? perception of physician communication in pediatric oncology. Cancer. 2019;125(9):1518-1526. https://doi.org/10.1002/cncr.31937
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). Apesar disso, esse meio é utilizado, com destaque para a prontidão na obtenção da informação(22 Levine DR, Liederbach E, Johnson L, Kaye EC, Spraker-Perlman H et al. Are we meeting the informational needs of cancer patients and families? perception of physician communication in pediatric oncology. Cancer. 2019;125(9):1518-1526. https://doi.org/10.1002/cncr.31937
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).

A trajetória da doença e o tratamento do câncer infantil requerem das famílias tomadas de decisões. Nesse cenário, informações são necessárias(44 Robertson EG, Wakefield CE, Shawn J, Darligton AS, McGill BC, Cohn RJ, Fardell JE. Decision-making in childhood câncer: parent´s and adolescent´s viwes ad perceptions. Support Care Cancer. 2019;27:4331-40. https://doi.org/10.1007/s00520-019-04728-x
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), costumando conduzir as famílias na sua busca mais intensa em tempos de diagnóstico e/ou na introdução de terapêuticas(33 Phillips CA, Hunt A, Salvesen-Quinn M, Guerra J, Schapira MM, Bailey LC, et al. Health-related Google searches performed by parents of pediatric oncology patients. Pediatr Blood Cancer. 2019;66(8):e27795. https://doi.org/10.1002/pbc.27795
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). A desinformação e/ou sobrecarga informacional não costumam contribuir com o funcionamento familiar(44 Robertson EG, Wakefield CE, Shawn J, Darligton AS, McGill BC, Cohn RJ, Fardell JE. Decision-making in childhood câncer: parent´s and adolescent´s viwes ad perceptions. Support Care Cancer. 2019;27:4331-40. https://doi.org/10.1007/s00520-019-04728-x
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). Porém, toda situação cotidiana vivenciada como crise, a exemplo das pandemias, demanda informações. O alinhamento entre o acesso à informação e o momento em que ela é clamada é de relação direta com sentimentos de controle e segurança, em contraponto com a ansiedade e o senso de caos(55 Mu P-F, Lee M-Y, Sheng C-C, Tung P-C, Huang L-Y, Chen Y-W. The experiences of family members in the year following the diagnosis of a child or adolescent with cancer: a qualitative systematic review. JBI Database System Rev Implement Rep. 2015;13(5):293-329. https://doi.org/10.11124/jbisrir-2015-1698
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).

Frente à declaração de pandemia da COVID-19, famílias de crianças que vivenciam a doença oncológica ou sua recuperação depararam-se com o seguinte questionamento: “Como câncer infantil e COVID-19 se relacionam?”. A COVID-19 é uma doença viral causada pelo vírus SARS-CoV-2, que se dissemina em especial por meio de gotículas respiratórias de pessoas infectadas e contatos estreitos(66 Ruggiero A, Romano A, Attinà G. Covid-19 and children with cancer: are they at increased risk of infection?. Pediatr Res. 2020[cited 2020 Apr 23]. https://doi.org/10.1038/s41390-020-0919-1
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). Até início de junho de 2020, não foram publicados artigos específicos e densos sobre a infecção em crianças com câncer(66 Ruggiero A, Romano A, Attinà G. Covid-19 and children with cancer: are they at increased risk of infection?. Pediatr Res. 2020[cited 2020 Apr 23]. https://doi.org/10.1038/s41390-020-0919-1
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). A pandemia confronta a experiência do câncer infantil e determina, entre outras necessidades, as informacionais.

O Instituto do Cuidado Centrado no Paciente e na Família destaca que as palavras adotadas e o teor das comunicações que envolvem a COVID-19 devem ter o intuito de fortalecer o papel das famílias como parceiras importantes para o cuidado e a segurança dos seus membros(77 Institute for patient - and family - centered care [Internet]. PFCC and COVID-19 [cited 2020 Jul 12]. Available from: https://www.ipfcc.org/bestpractices/covid-19/index.html
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). A informação compartilhada e sensível à singularidade de cada situação é pressuposto da filosofia do cuidado centrado na criança e na família (CCCF)(77 Institute for patient - and family - centered care [Internet]. PFCC and COVID-19 [cited 2020 Jul 12]. Available from: https://www.ipfcc.org/bestpractices/covid-19/index.html
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). Sustentado pela prerrogativa do CCCF, o conceito de funcionamento familiar é importante e refere-se às habilidades da família em lidar com os eventos estressores, retratando o modo como seus membros se comportam uns com os outros, tanto nas atividades diária quanto nos aspectos relacionados a comunicação, papéis, solução de problemas e crenças(88 Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias-um guia para avaliação e intervenção na família. 5a ed. São Paulo: Editora Roca;2012. 294 p.). É de conhecimento que famílias acessam informações na internet, as quais têm potencial desdobramentos no enfrentamento familiar. Discussões acerca dessas informações na internet e seu reflexo na família são relevantes ao cuidado em saúde na direção de promoção da saúde familiar.

A partir do exposto, este estudo questionou: “Quais informações estavam disponíveis às famílias de crianças com câncer na internet, nos tempos iniciais da pandemia por COVID-19? Como essas informações se relacionavam com o funcionamento familiar?”.

OBJETIVO

Analisar informações online disponibilizadas na internet acerca da COVID-19 e do câncer infantil e discutir seu potencial alcance em termos de suporte ao funcionamento familiar.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Trata-se de um estudo documental, o qual se volta para a busca de informações em documentos que não receberam tratamento analítico no sentido da reconstrução crítica e novas inferências e conclusões(99 Kripka LMR, Scheller M, Bonotto DL. Pesquisa documental na pesquisa qualitativa: conceitos e caracterização. Rev Investig UNAD [Internet]. 2015 [cited 2020 Aug 15];14(2)55-73. Available from: https://core.ac.uk/download/pdf/322589335.pdf
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). Neste caso, trata-se de publicações em sites de acesso público no âmbito da oncologia pediátrica.

Referencial teórico-metodológico

O estudo adotou a premissa sistêmica de que as doenças e os desafios da vida impactam a unidade familiar e, reciprocamente, o funcionamento familiar, com influências na saúde e no bem-estar de cada membro da família e desta como um todo(88 Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias-um guia para avaliação e intervenção na família. 5a ed. São Paulo: Editora Roca;2012. 294 p.). Isso é especialmente verdadeiro na atual pandemia da COVID-19. Nosso pressuposto é de que a doença e a sua prevenção é um assunto de família, manifestando-se em todo o espectro e escala da atual pandemia(1010 Luttik MLA, Mahrer-Imhof R, García-Vivar C, Brødsgaard A, Dieperink KB, Imhof L, et al. The COVID-19 pandemic: a family affair. J Fam Nurs. 2020;26(2):87-9. https://doi.org/10.1177/1074840720920883
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), nos quais as informações compõem esse panorama.

Para a análise dos dados, foi selecionada a Análise Temática (AT) na propositura de Clarke e Braun(1111 Braun V, Clarke V. Reflecting on reflexive thematic analysis. Qualit Res Sport, Exerc Health. 2019;11(4):589-97. https://doi.org/10.1080/2159676X.2019.1628806
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), cujo processo analítico é desenvolvido a partir de um constante e ativo movimento recursivo pelos dados, com leituras e (re)leituras do material empírico. A familiarização é o movimento inicial, para o qual repetidas leituras são desenvolvidas na direção de imersão, atenção aos significados, ideias e padrões ali presentes. A partir desse movimento, percepções globais e ideias para códigos tomam corpo e introduzem o pesquisador na etapa seguinte, voltada ao estabelecimento de códigos iniciais, estabelecidos a partir de características dos dados apreciadas à luz do fenômeno em exploração. O esforço analítico seguinte direciona-se a tomar os códigos para identificação de temas ‘iniciais’ e as relações deles entre si. Estabelecidos os temas, são refinados em termos de coerência do conjunto e do que lhe é central, para então relatar os resultados neles apoiados.

Fonte dos dados

A identificação dos sites para a localização das publicações ocorreu a partir de um “brainstorming” entre as autoras deste estudo, na intenção de replicar um processo similar ao movimento familiar na busca por informações. Identificaram-se 12 possíveis fontes de informações (10 brasileiras e 2 internacionais). Em seguida, mantendo os esforços de desenvolver algo próximo ao efetivado por famílias, realizou-se busca livre e assistemática no Google, utilizando-se as palavras “câncer / cancer”, “criança / child” e “COVID-19”. Esse movimento revelou 10 sites internacionais e 3 brasileiros. Desse modo, na totalidade, 12 sites internacionais e 13 brasileiros foram explorados.

Coleta e análise dos dados

Os seguintes critérios de inclusão para seleção das publicações foram adotados: (1) estar direcionada a famílias de crianças com câncer; (2) abordar temas relacionados à pandemia pelo COVID-19; (3) ter a data da publicação entre março e maio de 2020. A delimitação do período de busca tomou o apontamento de concentrarem-se as buscas de informações por famílias com crianças com câncer nos primeiros sessenta dias após o diagnóstico do câncer, decaindo após(33 Phillips CA, Hunt A, Salvesen-Quinn M, Guerra J, Schapira MM, Bailey LC, et al. Health-related Google searches performed by parents of pediatric oncology patients. Pediatr Blood Cancer. 2019;66(8):e27795. https://doi.org/10.1002/pbc.27795
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). Portanto, este estudo tomou publicações datadas entre 11/03 a 11/05/2020.

O processo de busca das publicações nos sites foi realizado no período de 15 de abril a 15 de maio de 2020. Identificaram-se 25 publicações para análise, das quais foram excluídas 3 (três) por não atenderem aos critérios de inclusão. Além disso, entre os dias 13 e 14 de maio de 2020, foi desenvolvida busca ativa de outras publicações junto aos parceiros listados nos sites brasileiros elencados ao estudo e que não apareceram nos procedimentos iniciais para a localização do corpus de análise. Identificaram-se mais 14 publicações, das quais 5 (cinco) atenderam aos critérios deste estudo. No conjunto, 27 publicações (Quadro 1) foram submetidas à análise.

Quadro 1
Informações acerca do corpus de análise do estudo "Informações online relacionadas ao câncer infantil e pandemia da COVID-19: uma análise temática", Brasil, 2020

Destaca-se que o processo de busca e análise se deu de forma pareada e o corpus final resultou de reunião de consenso entre todas as autoras deste estudo. Os processos interpretativos indutivos permitiram o estabelecimento de temas, a partir dos quais os achados foram reportados. O estudo seguiu os padrões para relatórios de pesquisa qualitativa, especificamente as recomendações do Standards for Reporting Qualitative Research (SRQR)(1212 O’Brien BC, Harris IB, Beckman TJ, Reed DA, Cook DA. Standards for Reporting Qualitative Research, Acad Med. 2014;89(9):1245-51. https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000000388
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).

RESULTADOS

Os resultados estão organizados a partir de dois temas: ‘Linguagem e pressupostos teóricos’ e ‘Conteúdo informacional e funcionamento familiar’.

Tema 1: Linguagem e Pressupostos Teóricos

As publicações foram apresentadas no formato textual e empregadas na direção de informação, sobressaindo questões relativas à doença COVID-19 e aos seus potenciais desdobramentos na vivência do câncer infantil. A linguagem denotativa prevaleceu e era acessível, direta, clara e objetiva, com potencial à assimilação e apreensão pelos pais/familiares. O predomínio foi de publicações de cunho descritivo e/ou explicativo, com intenções de prover conhecimentos acerca do comportamento epidemiológico da doença, contenção, prevenção e tratamento, assim como de ações para a garantia do bem-estar, de suporte social e econômico às famílias, com referência ao espaço político, econômico e geográfico.

Algumas publicações utilizaram como estratégias perguntas e respostas em primeira pessoa do singular, como “o que eu devo fazer se meu filho estiver no grupo vulnerável?”, “como o coronavírus pode afetar meu filho que está em tratamento contra o câncer?”. Além disso, identificamos em poucos sites um espaço para os pais publicarem relatos, compartilharem suas experiências, conhecimentos e dúvidas. As publicações nesse escopo adotavam linguagem simples, caracterizada por palavras e estruturas de texto que favoreciam um contexto de empatia, conversa e partilha de vivências. Ademais, eram menos impositivas e mais assertivas, considerando a avaliação que os pais/familiares fazem das suas condições de vida e possibilidades de reorganização exigida no momento da pandemia. Contudo, no conjunto das publicações, o predomínio foi de um tom argumentativo-persuasivo, com prescrição de atitudes e comportamentos, além de apelo ao emocional. A linguagem combinava termos e explicações mais simples com expressões mais técnicas. Cabe destacar, ainda, que algumas poucas publicações tinham um apelo à solidariedade, sendo que as informações relacionadas à COVID-19 tinham como objetivo sensibilizar e mobilizar a sociedade civil para doações para as instituições atuarem no combate ao coronavírus.

Os conteúdos disponibilizados às famílias sustentam-se em referenciais técnicos e científicos, produzidos em sua maioria por institutos e centros colaboradores para a prática baseada em evidências (a exemplo do The National Institute for Health and Care Excellence - NICE), sociedades (como a American Cancer Society), diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS), protocolos, normas, diretrizes e políticas públicas de saúde governamentais específicas de cada país e artigos científicos. Contudo, em muitas publicações, as fontes de sustentação teórica do conhecimento não estavam declaradas ou estiveram referenciadas à pessoa de um profissional, aspecto bem presente naquelas vinculadas a instituições de atenção à saúde da criança com câncer.

Tema 2: Conteúdo Informacional e Suporte ao Funcionamento Familiar

As publicações podem ser divididas em dois seguimentos principais de conteúdo: geral, voltados exclusivamente à COVID-19; e específico, trazendo a relação COVID-19 e câncer infantil. A prevalência do primeiro seguimento foi notável e expressiva nas publicações em sites brasileiros. Em ambos os seguimentos de conteúdo, intencionaram-se proposituras à dinâmica familiar, com vistas à proteção da criança contra a infecção pelo SARS-CoV-2, garantia da manutenção do acompanhamento oncológico e atenuação de desdobramentos emocionais.

O seguimento relacionado aos conteúdos gerais abarcou, no conjunto, publicações nas seguintes temáticas: caracterização da doença (o que é a COVID-19?), transmissibilidade e alto potencial de contágio do vírus (como à COVID-19 é transmitida?), sinais e sintomas, manejo e tratamento clínico. Em seu bojo, foi recorrente a colocação de serem as crianças um grupo de menor risco ao desenvolvimento da forma grave da doença, embora fossem seus vetores. Quanto aos limites, apontam escassez de estudos que exploram os efeitos do SARS-CoV-2 em crianças imunologicamente afetadas e não existência de tratamento medicamentoso específico ou vacina para a doença. Medidas de prevenção e controle da doença estiveram pautadas, em especial quanto a evitar contato próximo com pessoas com os sintomas da COVID-19 e viajantes, autoisolamento social (ficar em casa) e o distanciamento social (evitar aglomerações). Publicações de sites internacionais trataram ainda da contextualização sobre o comportamento epidemiológico da doença nas distintas regiões geográficas de abrangência das instituições, ações governamentais locais e as respectivas restrições sociais impostas em decorrência da epidemia. Nesse contexto, alguns versaram sobre como essas medidas afetam a assistência às crianças com câncer nos centros especializados, no que se refere à sustentabilidade, continuidade e qualidade dos serviços de saúde.

As publicações tiveram intenção de sensibilizar a família para medidas que previnam a ocorrência da infecção, quando quase a totalidade delas trouxeram sinais sugestivos da infecção pelo vírus SARS-CoV-2 e as ações que minimizam a contaminação.

Em instituições de referência à criança com câncer e sua família, o fluxograma de atendimento ocupou as páginas principais e/ou esteve de fácil acesso. Além disso, informações relativas ao teleatendimento diante suspeita de síndromes gripais/suspeita de infecção por coronavírus estiveram disponíveis em alguns sites, enquanto em outros havia um link para envio de perguntas. Em boa parte delas, havia notificação de restrição de atendimento aos pacientes já cadastrados. Alguns poucos sites traziam a recomendação para, diante suspeita de infecção, buscar o médico da criança.

Cabe destacar que muitas publicações enfatizavam que as medidas para a pandemia eram bem conhecidas pelas famílias que experienciam o câncer infantil, sem novidades em relação às recomendações a prevenção de infecção. As publicações perpassaram os seguintes subtemas: caracterização da vulnerabilidade e dos riscos da criança com câncer, em especial as que estão em fase ativa do tratamento, que realizaram o transplante de medula óssea nos últimos 12 a 24 meses e aquelas com condições crônicas secundárias ao tratamento ou ao câncer; suscetibilidade da criança com câncer à infecção e ao desenvolvimento de formas graves da COVID-19; medidas de restrição de contato, isolamento e blindagem da criança; medidas de higiene, etiqueta respiratória e autocuidado; uso de equipamentos individuais de proteção pela criança, familiares e pelos profissionais que prestam assistência; manutenção do tratamento oncológico e das consultas médicas e de enfermagem consideradas essenciais; e suporte frente às necessidades socioeconômicas e emocionais da família, potencializadas durante a pandemia.

A ideia de a criança com câncer ser de risco ou ter maior suscetibilidade à COVID-19 devido ao seu comprometimento imunológico perpassou as informações disponibilizadas às famílias. Para crianças classificadas como de vulnerabilidade extrema, do ponto de vista oncológico, o rigoroso isolamento social e as restrições ou cuidados adicionais nos contatos no âmbito doméstico, especialmente quanto aos irmãos que frequentam escola e aos pais que mantêm uma rotina de trabalho em serviços essenciais, estiveram sinalizados. Em alguns casos, as recomendações foram para que o irmão saudável não frequentasse a escola para proteger a criança com câncer. A ideia de alto risco associou-se ao de rigoroso isolamento social (“blindagem”), que adquire uma relevância como modo de manter a criança segura e a salva da COVID-19.

Temáticas como relações intrafamiliares, socialização e atividades escolares da criança com câncer e irmãos saudáveis, necessidades emocionais, dificuldades, sentimentos (preocupações, aflições e medos), incertezas e o enfrentamento de múltiplas situações difíceis como o câncer e a COVID-19 foram abordadas com menor frequência nas publicações, sobretudo quando tomado o cenário brasileiro. Nesse sentido, foram destaques as seguintes temáticas: interação com a criança, manejo de sentimentos e questões financeiras.

No tópico interação com a criança, as indicativas foram para haver diálogo acerca do coronavírus. Nesse escopo, destacou-se a exploração das repercussões ao cotidiano da criança, como a ausência/restrições ao convívio escolar e familiar extenso, e reforçou-se a importância da sensibilidade e do reconhecimento aos sentimentos expostos pela criança, assim como a adequação da conversa ao seu momento desenvolvimental e ao que é apresentado como curiosidades. As indicativas foram para interações que apostassem na atitude sensível, solidária e dialógica entre os membros da família. Alguns poucos sites disponibilizaram materiais lúdicos e educativos para mediar esse diálogo.

No conjunto das discussões relativas à interação com a criança, a importância do estabelecimento de uma rotina, o uso de estratégias para manter o seu contato com colegas de escola e familiares, assim como a promoção de brincadeiras e atividades lúdicas com vistas à ocupação, ao lazer e à saúde mental da criança foram pautados. A importância do diálogo entre os pais e destes com a criança foi evidenciada, sobretudo em sites internacionais, com ênfase para a exploração dos sentimentos, preocupações e medos de forma franca, honesta e compartilhada, sob a explicação que isso promove a apreensão do que estão a passar, com possibilidades de percepção de caminhos, estratégias de enfrentamento. Especificamente um site (https://www.childrenwithcancer.org.uk) contou com publicações de pais compartilhando percepções e manejo da situação da COVID-19, com dicas concretas de ações para minimizar estresse e angústia parental.

Na questão das preocupações e do anseio dos pais, pouquíssimos sites explicitam que os conhecimentos acerca da COVID-19 estão em franco desenvolvimento e com grande dinamismo.

Nas organizações não governamentais, nas quais o papel social de suporte material e financeiro está assumido como missão, identificaram-se publicações que buscavam apresentar à família o que pode encontrar de recursos. Especificamente naquelas em que as doações são uma meta, dar visibilidade à ação da instituição quanto aos esforços para a manutenção das doações e dos serviços advindos foi uma marca. A pandemia pela COVID-19 esteve mencionada como um tempo de “luta” e de “unir forças”, no qual a ajuda financeira pela sociedade é fundamental para a continuidade e sustentabilidade de ações de assistências às famílias e crianças.

DISCUSSÃO

O suporte informacional veiculado nos tempos iniciais da pandemia da COVID-19 e acessível às famílias de crianças com câncer centrou-se no risco e na suscetibilidade da criança em adquirir e desenvolver formas graves da doença, dada sua condição de imunossupressão. O predomínio foi de um padrão comunicacional argumentativo-persuasivo, com prescrição de atitudes e comportamentos preventivos à contaminação, de forte apelo emocional. Isso pode, ao contrário de fornecer suporte, gerar sentimentos de inadequação, medo e culpa(44 Robertson EG, Wakefield CE, Shawn J, Darligton AS, McGill BC, Cohn RJ, Fardell JE. Decision-making in childhood câncer: parent´s and adolescent´s viwes ad perceptions. Support Care Cancer. 2019;27:4331-40. https://doi.org/10.1007/s00520-019-04728-x
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). A persuasão é uma barreira à efetividade informacional, que tende a ser restrita em sensibilidade aos valores, emoções, necessidades, trajetórias de vida e de cuidado. Informações excessivas, contraditórias e inespecíficas não contribuem com confiança e segurança das famílias(44 Robertson EG, Wakefield CE, Shawn J, Darligton AS, McGill BC, Cohn RJ, Fardell JE. Decision-making in childhood câncer: parent´s and adolescent´s viwes ad perceptions. Support Care Cancer. 2019;27:4331-40. https://doi.org/10.1007/s00520-019-04728-x
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) que buscam informações em ambientes online.

A pandemia da COVID-19 tem modificado a prestação de cuidados às crianças com câncer em todo o mundo, sendo que a disseminação de informações e links úteis faz-se emergente, sobretudo pelos raros relatos acerca do impacto da COVID-19 na criança com câncer(4040 Bouffet E, Challinor J, Sullivan M, Biondi A, Rodriguez-Galindo C, Pritchard-Jones K. Early advice on managing children with cancer during the COVID-19 pandemic and a call for sharing experiences. Pediatr Blood Cancer. 2020;67:e28327. https://doi.org/10.1002/pbc.28327
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). Depreende-se daí que obter informação é essencial ao funcionamento familiar. A pandemia representa uma ameaça global ao cuidado seguro e eficaz às crianças com câncer e suas famílias(4141 Sullivan M, Bouffet E, Rodriguez-Galindo C. The COVID-19 pandemic: a rapid global response for children with cancer from SIOP, COG, SIOP-E, SIOP-PODC, IPSO, PROS, CCI, and St Jude Global. Pediatr Blood Cancer. 2020;67(7):e28409. https://doi.org/10.1002/pbc.28409
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). Nesse cenário, os pais experienciam alto nível de ansiedade, medo e incerteza, o que demanda compreensão dos profissionais(4141 Sullivan M, Bouffet E, Rodriguez-Galindo C. The COVID-19 pandemic: a rapid global response for children with cancer from SIOP, COG, SIOP-E, SIOP-PODC, IPSO, PROS, CCI, and St Jude Global. Pediatr Blood Cancer. 2020;67(7):e28409. https://doi.org/10.1002/pbc.28409
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) e estratégias interacionais e informacionais francas e realísticas. As duas maiores necessidades das famílias durante uma doença são de informação e suporte, as quais se intersectam(4242 Schroeder WK. Leveraging social media in #familynursing practice. J Fam Nurs. 2017;23(1):55-72. https://doi.org/10.1177/1074840716684228
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). As mídias sociais são recursos para que as famílias tenham suas vozes ouvidas, compartilhando suas histórias entre si e com os profissionais de saúde(4242 Schroeder WK. Leveraging social media in #familynursing practice. J Fam Nurs. 2017;23(1):55-72. https://doi.org/10.1177/1074840716684228
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), algo pouco presente nas publicações aqui analisadas.

O CCF busca o suporte ao funcionamento familiar a partir de um cuidado colaborativo(4343 Mooney-Doyle K, Santos MR, Woodgate RL. Family-Centered Care in Pediatric Oncology. In: Hinds P, Linder L (Eds). Pediatric Oncology Nursing. Pediatric Oncology [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 15]. 348 p. https://doi.org/10.1007/978-3-030-25804-7_2
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). Nesse contexto, destacamos que o panorama do câncer muda, bem como o da pandemia da COVID-19, com impactos para as necessidades informacionais da família. Assim, o pronto compartilhamento de informações é componente central(1111 Braun V, Clarke V. Reflecting on reflexive thematic analysis. Qualit Res Sport, Exerc Health. 2019;11(4):589-97. https://doi.org/10.1080/2159676X.2019.1628806
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,4343 Mooney-Doyle K, Santos MR, Woodgate RL. Family-Centered Care in Pediatric Oncology. In: Hinds P, Linder L (Eds). Pediatric Oncology Nursing. Pediatric Oncology [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 15]. 348 p. https://doi.org/10.1007/978-3-030-25804-7_2
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), com atenção à oferta de informações oportunas e precisas para dar suporte à reorganização da família frente a eventos complexos e desafiadores, como a vivência e o manejo do câncer infantil(4343 Mooney-Doyle K, Santos MR, Woodgate RL. Family-Centered Care in Pediatric Oncology. In: Hinds P, Linder L (Eds). Pediatric Oncology Nursing. Pediatric Oncology [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 15]. 348 p. https://doi.org/10.1007/978-3-030-25804-7_2
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) e pandemias. Informações adequadas e apropriadas ajudam as famílias a gerenciar problemas de saúde, adotar práticas saudáveis e adaptar-se aos desafios(4242 Schroeder WK. Leveraging social media in #familynursing practice. J Fam Nurs. 2017;23(1):55-72. https://doi.org/10.1177/1074840716684228
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). Contudo, estão dependentes da qualidade técnica, aspecto por vezes questionado(11 Domínguez M, Sapiña L. Pediatric cancer and the internet: exploring the gap in doctor-parents communication. J Cancer Educ. 2015;30(1):145-51. https://doi.org/10.1007/s13187-014-0700-4
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-22 Levine DR, Liederbach E, Johnson L, Kaye EC, Spraker-Perlman H et al. Are we meeting the informational needs of cancer patients and families? perception of physician communication in pediatric oncology. Cancer. 2019;125(9):1518-1526. https://doi.org/10.1002/cncr.31937
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,4444 Gonçalves RC, Tristão G, Chaves E, Moreira A, Assunção L, et al. Qualidade de páginas brasileiras da internet que disponibilizam informações sobre micoses humanas. Multi-Sci J [Internet]. 2019 [cited 2020 Aug 15];2(1):23-32. Available from: https://www.ifgoiano.edu.br/periodicos/index.php/multiscience/article/view/633/760
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). Escassos são os estudos que se voltam a avaliar essa qualidade, um limite deste estudo também. Porém, esteve ressaltado em nossos resultados que poucas são as publicações que deixavam explícito qual evidência científica ou profissional que a referendava. A baixa qualidade da informação compromete o efeito do suporte informacional e pode afetar negativamente o funcionamento familiar, sendo preocupação no contexto do câncer infantil(22 Levine DR, Liederbach E, Johnson L, Kaye EC, Spraker-Perlman H et al. Are we meeting the informational needs of cancer patients and families? perception of physician communication in pediatric oncology. Cancer. 2019;125(9):1518-1526. https://doi.org/10.1002/cncr.31937
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). Este dado pode ser foco de futuras explorações, a exemplo de “qual a confiança que famílias depositam em informações veiculadas na internet?”.

Na maioria dos sites, a tentativa de abrandar a preocupação com o potencial risco da COVID-19 emergiu sob o apelo de que essas famílias já estavam suficientemente informadas e acostumadas a proteger os filhos da infecção. Não obstante ao significativo conhecimento que essas famílias adquirem para proteger seus filhos, atitudes de minimização como tais reforçam a sensação de solidão e abandono diante da peregrinação em busca da cura ou da preservação da vida da criança, além de não ir ao encontro da valorização do ser humano e possibilidades de funcionamento familiar(4545 Benedetti GMS, Higarashi IH, Sales CA. Experiences of mothers and fathers of children and adolescents with cancer: a phenomenological-existential Heideggerian approach. Texto Contexto enferm. 2015;24(2):554-62. https://doi.org/10.1590/0104-07072015002702014
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). O reconhecido papel da proteção parental assumido por essas famílias também cabe destaque, pois sua criança é percebida como vulnerável, mesmo anos após a conclusão da terapia contra o câncer. Sabe-se que famílias de sobreviventes à doença continuam a busca por informações(4646 Hogan S, Ross MJ, Balsamo WL, Mitchell HR, Kadan-Lottick, NS. Parental perception of child vulnerability in childhood cancer survivors. Pediatr Blood Cancer. 2018;65(11):e27364. https://doi.org/10.1002/pbc.27364
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).

A comunicação com as famílias de crianças com o câncer deve prever mais do que simplesmente o oferecimento de informações, sendo relevante ter o intuito de promover suporte alinhado com valores e necessidades(4747 Dobrozsi S, Tomlinson K, Chan S, Belongia M, Herda C, Maloney K, et al. Education milestones for newly diagnosed pediatric, adolescent, and young adult cancer patients: a quality improvement initiative. J Pediatr Oncol Nurs. 2019;36(2):103-18. https://doi.org/10.1177/1043454218820906
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), o que determina comunicação personalizada(4747 Dobrozsi S, Tomlinson K, Chan S, Belongia M, Herda C, Maloney K, et al. Education milestones for newly diagnosed pediatric, adolescent, and young adult cancer patients: a quality improvement initiative. J Pediatr Oncol Nurs. 2019;36(2):103-18. https://doi.org/10.1177/1043454218820906
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). Assim, os sites precisam apostar em canais mais interativos com a família, possibilitando sua colocação, a sua voz. A tentativa de tecer diálogo com a família não esteve presente em grande parte dos sites, com limites ao canal de interação. Além disso, a estrutura do site truncava a navegação, já que poucos foram os que tinham um campo para a colocação de termo de busca. Estudo norte-americano que examinou as temáticas presentes nas trocas estabelecidas por pais de crianças com leucemia, por meio de páginas publicamente disponíveis no Facebook, identificou que documentar a jornada do câncer, compartilhar a tensão emocional associada ao cuidado, promover a conscientização e a defesa da criança com câncer, captar recursos, mobilizar apoio e expressar gratidão pelo suporte retratam suas necessidades(4848 Gage-Bouchard EA, LaValley S, Mollica M, Beaupin LK. Cancer communication on social media: examining how cancer caregivers use Facebook for cancer-related communication. Cancer Nurs. 2017;40(4):332-8. https://doi.org/10.1097/NCC.0000000000000418
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). Os autores destacaram a importância de os profissionais de saúde utilizarem plataformas digitais para compartilharem suas experiências com as famílias, considerando-as como importantes ferramentas de comunicação, informação e suporte(4848 Gage-Bouchard EA, LaValley S, Mollica M, Beaupin LK. Cancer communication on social media: examining how cancer caregivers use Facebook for cancer-related communication. Cancer Nurs. 2017;40(4):332-8. https://doi.org/10.1097/NCC.0000000000000418
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). No âmbito da enfermagem familiar, está destacado o quanto as mídias sociais são ferramentas para alcançar e conectar as famílias ao suporte social. As conexões sociais e o apoio prático, voltado às necessidades concretas, são fatores de proteção às famílias em tempos de crise e necessidade(4242 Schroeder WK. Leveraging social media in #familynursing practice. J Fam Nurs. 2017;23(1):55-72. https://doi.org/10.1177/1074840716684228
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).

No que concerne às necessidades específicas da criança, as desenvolvimentais estiveram tematizadas em pouquíssimas publicações, sendo tratadas de modo genérico. O brincar esteve pouco abordado nas publicações. No contexto do câncer infantil, aponta-se o predomínio de uma concepção utilitarista do brincar, na direção do suporte terapêutico, para a elaboração de situações enfrentadas pela criança ao longo do diagnóstico e tratamento(4949 Silva LF, Cabral IE. Cancer repercussions on play in children: implications for nursing care. Texto Contexto Enferm. 2014;23(4):935-43. https://doi.org/10.1590/0104-07072014002380013
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), aspecto similar ao presente nas publicações analisadas. A criança como pessoa, com a necessidade essencial de brincar por brincar, foi pouco pensada. Tal lacuna pode repercutir em restrições, já que se sabe que pais de crianças com câncer revelam preocupações quanto à ocorrência de acidentes e lesões frente ao brincar, seja pelos dispositivos implantados no corpo da criança, seja por restrição física e dor(4949 Silva LF, Cabral IE. Cancer repercussions on play in children: implications for nursing care. Texto Contexto Enferm. 2014;23(4):935-43. https://doi.org/10.1590/0104-07072014002380013
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). As publicações poderiam ter ofertado contribuições mais robustas e específicas, dado o fato da família interagir com outras mídias que discutem o impacto do isolamento no desenvolvimento infantil e recomendam oferta de atividades lúdicas e brincadeiras, com vistas à saúde mental das crianças e amenização do distanciamento de seus pares frente à interrupção das atividades escolares. Prover espaços para a criança construir-se em ação, poder elaborar questões no ambiente em que se insere, assim como ter esforços para legitimar o modo como veem esse processo, olhando e escutando as crianças, foram incipientemente incorporados nas informações analisadas.

Ainda na direção de tomar a criança como pessoa e a sua necessidade de tentar entender e atuar diante do que o mundo lhes revela, tal aspecto foi pouco tratado nas publicações, com predomínio de recomendar aos pais o diálogo com os filhos. A escuta sensível para as questões que inquietam é passo essencial ao acolhimento, o que implica sensibilidade ao exposto pela criança. As publicações analisadas estiveram restritas ao palavreado adotado e às estratégias que podem mediar a conversa informativa sobre a COVID-19. Para se realizar uma comunicação efetiva, é importante considerar o que a criança entende sobre a doença e suas causas.

Por último, destacamos o lugar ocupado pelas Organizações Não Governamentais (ONGs), cujo papel social é inegável no contexto da oncologia pediátrica, em especial junto às famílias menos favorecidas econômica e culturalmente. Quando essas instituições se restringem à mensagem “seguimos com esforços para angariar doações”, perdem-se oportunidades de veicular contribuições informativas que poderiam ser utilizadas pelas famílias no enfretamento da situação. As ONGs estão reconhecidas como de grande influência no comportamento dos cidadãos(5050 Almeida CB, Lima GR. ONGs: prática cidadã ou omissão de um estado regulador? Periferia. 2019;11(1):240-59. https://doi.org/10.12957/periferia.2019.34455
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). Identificamos, neste estudo, um uso restrito do espaço informativo em detrimento dos relativos a doações.

Limitação do Estudo

O processo de localização de sites e consequentes publicações fez uso do brainstorm e busca junto ao Google. Contudo, a inserção das autoras na área da pediatria e oncopediatria minimiza a fragilidade do corpus de dados colocado em análise. Além disso, na mesma direção, estruturar essa localização, prospectando modos como as famílias provavelmente o fariam, desdobra-se em um conjunto de informações que têm chances próximas de serem aquelas que as famílias alcançariam.

Outra limitação é o período posto à análise, embora retrate o contexto real de informações disponibilizadas às famílias em tempos iniciais da pandemia, recorte do estudo.

Contribuições para a Área

Tematizar informações online disponibilizadas às famílias no contexto da atenção à saúde é relevante e de contribuição crítica para se repensar os modos e os referenciais que direcionam o suporte informacional na internet. Isso é mais premente ao tomar sites que de algum modo assumem tal ação em sua identidade e estão vinculadas a experiências de adoecimento já bem caracterizadas, como é o caso do câncer infantil. É urgente que o suporte informacional online em saúde tome referências outras para além do conhecimento técnico sobre a doença, buscando incorporar discussões acerca das vivências daqueles que estão a buscar suporte informativo.

Publicar informações online no contexto da atenção à saúde representa um suporte importante às pessoas e famílias, mas carece de desenvolvimento a partir de um olhar mais ampliado, ultrapassando uma postura prescritiva e esvaziada de consideração da experiência daqueles que estão remetidos no assunto pautado, pois, do contrário, os limites do alcance de suporte estão previamente dados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo deu visibilidade às concepções dos publicadores em relação ao interlocutor (famílias/pessoas que vivenciam o câncer infantil) na amplitude espaço-temporal dos tempos iniciais da pandemia. A interrelação entre o discursivo predominante (persuasivo) e o conteúdo temático (prevenir a contaminação da criança que é imunologicamente suscetível) sugere intenções de alcances comportamentais com o suporte informativo. Nessa direção, questiona-se sobre quais alcances as publicações tiveram junto ao funcionamento familiar. Obstaculizaram? Acresceram ansiedade?

Os enunciados contidos nas publicações prospectaram famílias/pessoas lacunares de conhecimentos elementares acerca da COVID-19 e sua contenção. Ademais, se todo enunciado é uma tomada de posição em relação ao outro, renovações fazem-se necessárias no campo do suporte informacional na oncologia pediátrica, sobretudo quanto à experiência e ao funcionamento familiar. Posto isso, as publicações internacionais alinharam-se mais ao CCCF, com postura dialógica e referenciais potentes às práticas de educação em saúde. Circunstâncias ameaçadoras, dinâmicas e incertas, a exemplo do câncer infantil e da pandemia pela COVI-19, requerem suporte informacional contínuo, no qual as informações veiculadas online despontam-se enquanto muito acessadas. Qualificar tal aspecto é urgente, para que não se efetive como sofrimento e obstaculize enfrentamentos familiares.

  • FOMENTO
    O presente trabalho foi realizado em parte com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 e em parte com apoio do Programa de Mestrado profissional em enfermagem do Hospital Israelita Albert Einstein.

REFERENCES 20201056

Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Priscilla Broca

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2020
  • Aceito
    16 Dez 2020
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