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Fatores associados à infecção de trato urinário em Instituição de Longa Permanência para idosos

RESUMO

Objetivo:

analisar os fatores associados à ocorrência de infecção do trato urinário em idosos institucionalizados.

Métodos:

estudo transversal, analítico, de abordagem quantitativa, com 116 idosos de uma Instituição de Longa Permanência. O diagnóstico de infecção urinária foi por meio de urocultura e avaliação clínica. Os dados demográficos e fatores associados foram obtidos dos prontuários. A análise estatística compreendeu análise bivariada e modelos de regressão logística.

Resultados:

os fatores associados à infecção de trato urinário (p<0,05) foram: sexo feminino; cadeirante; uso de fraldas; uso de diuréticos; incontinência urinária e fecal; diabetes tipo 1; hiperplasia benigna de próstata; desidratação.

Conclusão:

o estudo revelou que é importante considerar os fatores não modificáveis como sexo e comorbidades clínicas, mas a presença de desidratação, um fator modificável, aumentou em 40 vezes a chance de desenvolver infecções de trato urinário entre os idosos institucionalizados e demanda maior atenção da equipe de saúde.

Descritores:
Idoso; Infecções Urinárias; Instituição de Longa Permanência para Idosos; Fatores de Risco; Saúde do Idoso Institucionalizado

ABSTRACT

Objective:

to analyze the factors associated with urinary tract infection occurrence in institutionalized elderly.

Methods:

this is a cross-sectional, analytical, quantitative study with 116 elderly people from a Nursing Home. Urinary tract infection diagnosis was carried out through urine culture and clinical assessment. Demographic data and associated factors were obtained from medical records. Statistical analysis included bivariate analysis and logistic regression models.

Results:

the factors associated with urinary tract infection (p<0.05) were being female; wheelchair user; diaper use; diuretic use; urinary and bowel incontinence; type 1 diabetes; benign prostatic hyperplasia; dehydration.

Conclusion:

this study revealed that it is important to consider non-modifiable factors such as sex and clinical comorbidities; however, dehydration, a modifiable factor, increased the chances of developing urinary tract infections by 40 times among institutionalized elderly and demands greater attention from the health team.

Descriptors:; Aged; Urinary Tract Infections; Nursing Homes; Risk Factors; Health Services for the Aged

RESUMEN

Objetivo:

analizar los factores asociados a la ocurrencia de infección del tracto urinario en ancianos institucionalizados.

Métodos:

estudio transversal, analítico con abordaje cuantitativo, con 116 ancianos de um Hogar para Ancianos. El diagnóstico de infección del tracto urinario se realizó mediante urocultivo y evaluación clínica. Los datos demográficos y los factores asociados se obtuvieron de las historias clínicas. El análisis estadístico incluyó análisis bivariado y modelos de regresión logística.

Resultados:

los factores asociados a la infección del tracto urinario (p<0.05) fueron: mujeres; silla de ruedas; uso de pañales; uso de diuréticos; incontinencia urinaria y fecal; diabetes tipo 1; hiperplasia prostática benigna; deshidración.

Conclusión:

es importante considerar factores no modificables como el sexo y las comorbilidades clínicas, pero la presencia de deshidratación, un factor modificable, aumentó 40 veces la posibilidad de desarrollar infecciones del tracto urinario entre los ancianos institucionalizados y exige una mayor atención por parte del equipo de salud.

Descriptores:; Anciano; Infecciones Urinarias; Hogares para Ancianos; Factores de Riesgo; Salud del Anciano Institucionalizado

INTRODUÇÃO

O processo de envelhecimento brasileiro pode ser observado, nas últimas décadas, por meio dos contínuos incrementos populacionais significativos no padrão demográfico. Em 2015, os idosos representavam 12,31% da população geral e a projeção para 2025 é 19,0 %. No mesmo ano, a expectativa de vida passou de 75,44 anos e a projeção para 2025 é 78,74 anos(11 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Projeções Populacionais [Internet]. 2018[cited 2018 Sec 12]. Available from: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/9109-projecao-da-populacao.html
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).

As doenças crônicas não transmissíveis são prevalentes nesse segmento populacional. Além disso, as infecções constituem uma intercorrência clínica que favorece o aumento das internações hospitalares com altos índices de morbimortalidade. Nesse contexto, sobressaem as infecções do trato urinário (ITU), frequentes em idosos, como resultado da interação entre virulência bacteriana e fatores biológicos e comportamentais do hospedeiro. Entre os idosos com mais de 65 anos, as ITU causam 15,5% das hospitalizações e 6,2% de óbitos(22 Cortes-Penfield NW, Trautner BW, Jump R. Urinary tract infection and asymptomatic bacteriuria in older adults. Infect Dis Clin North Am. 2017;31(4):673-88. https://doi.org/10.1016/j.idc.2017.07.002
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).

A institucionalização do idoso tem sido uma alternativa à falta de condições de suporte no âmbito familiar. Estima-se que 40% das pessoas com 65 anos ou mais necessitarão de cuidados em uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI)(33 Lini EV, Portella MR, Doring M. Fatores associados à institucionalização de idosos: estudo caso-controle. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(6):1004-14. https://doi.org/10.1590/1981-22562016019.160043
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).

Os idosos institucionalizados são considerados uma população de risco para o desenvolvimento de ITU, visto que coexistem diversos fatores, como idade avançada, comorbidades, imobilização e intervenções do trato urinário. Além da estrutura de co-habitação nas ILPI e dos aspectos característicos da senescência e senilidade (fase em que ocorrem alterações anátomo-funcionais, mudanças bioquímicas e psicológicas), há diminuição da resposta imune, doenças concomitantes e déficit cognitivo, que contribuem para piores prognósticos(44 Melo LS, Ecolel FF, Oliveira DU, Pinto TS, Vitoriano MA, Alcoforado CLGC. Infecção do trato urinário: uma coorte de idosos com incontinência urinária. Rev Bras Enferm. 2017;70(4):838-44. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0141
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).

Entre as ocorrências, de 12 a 30% apresentam a infecção pelo menos uma vez ao ano, o que corresponde a duas vezes mais do que uma pessoa residente em domicílio, além de encontrarem-se mais suscetíveis para as formas mais graves e complicadas da doença(22 Cortes-Penfield NW, Trautner BW, Jump R. Urinary tract infection and asymptomatic bacteriuria in older adults. Infect Dis Clin North Am. 2017;31(4):673-88. https://doi.org/10.1016/j.idc.2017.07.002
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). De 25 a 50% das ITU ocorrem em mulheres e 15 a 40% em homens, resultando em índices mais altos do que aqueles que moram em comunidades ou que se encontram hospitalizados.

O contexto que envolve a prevenção de ITU em idosos institucionalizados deve considerar fatores do próprio processo de envelhecimento e da estrutura das ILPI, o que se torna um desafio para a prática assistencial da equipe multiprofissional. Dessa forma, investigações que caracterizem os fatores de risco associados podem promover o desenvolvimento de estratégias qualificadas e eficientes de controle de infecção nesses espaços de cuidado ao idoso.

OBJETIVO

Analisar os fatores associados à ocorrência de infecção do trato urinário em idosos institucionalizados.

MÉTODO

Aspectos éticos

Esta pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Santa Cruz e Universidade Federal de São Paulo.

Desenho, período e local de estudo

Trata-se de um estudo transversal norteado pela ferramenta STROBE, realizado no período de julho a dezembro de 2018, em uma ILPI localizada em um município do sul da Bahia.

População; critérios de inclusão e exclusão

Estudo realizado com 116 idosos. Critérios de inclusão: idade igual ou superior a 60 anos, de ambos os sexos, institucionalizados há pelo menos 1 semana. Critérios de exclusão: estar em uso de antibioticoterapia para ITU, em uso de cateter vesical ou sua retirada menor que 72 horas, internação hospitalar há menos de 2 semanas.

Protocolo do estudo

Para o diagnóstico de ITU, utilizaram-se os critérios internacionais de McGeer: urinálise apresentando piúria (> 10 leucócitos por campo), urocultura com bacteriúria maior que 105 UFC/ml associados a presença de pelo menos 2 dos componentes: febre > 38º, disúria aguda, dor/sensibilidade suprapúbica, dor/sensibilidade no ângulo costovertebral, piora ou urgência miccional, incontinência urinária atual(55 Toward Optmized Practic (TOP). Diagnosis and management of urinary tract infection in long term care facilities clinical practice guideline [Internet] 2015[cited 2018 Dec 12]. Available from: http://www.topalbertadoctors.org/download/401/urinary_tract_infection_guideline.pdf?20190922124328
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-66 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Critérios Diagnósticos de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde. Brasília: ANVISA; 2017. 86 p.). Dessa forma, procedeu-se a coleta de amostras de urina para análise laboratorial de todos os idosos, seguindo as técnicas e recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial(77 Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica Medicina Laboratorial: Coleta e Preparo da Amostra Biológica. Manole: Minha Editora, 2014.). A coleta com todos idosos subsidiou a diferenciação entre sintomáticos e assintomáticos.

Na avaliação de desidratação, considerou-se urinálise com urina em cor âmbar e densidade > de 1,035 associada a exame físico (estado da pele, turgor, elasticidade, umidade de mucosas, sensação de sede)(55 Toward Optmized Practic (TOP). Diagnosis and management of urinary tract infection in long term care facilities clinical practice guideline [Internet] 2015[cited 2018 Dec 12]. Available from: http://www.topalbertadoctors.org/download/401/urinary_tract_infection_guideline.pdf?20190922124328
http://www.topalbertadoctors.org/downloa...
-66 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Critérios Diagnósticos de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde. Brasília: ANVISA; 2017. 86 p.).

Para identificar os fatores associados, utilizou-se um formulário estruturado para o levantamento das informações em prontuário, composto das variáveis: faixa etária - intervalada de 5 em 5 anos -, sexo, escolaridade, acamado, cadeirante, uso contínuo de fraldas, realização de auto-higiene, uso contínuo de diuréticos, polifarmácia - uso contínuo de mais de 3 medicamentos -, hiperplasia benigna de próstata (HBP), desidratação, incontinência urinária, incontinência fecal, diabetes tipo 1, diabetes tipo 2, insuficiência renal aguda, insuficiência renal crônica e comprometimento cognitivo.

Para o rastreamento de comprometimento cognitivo, foi utilizado o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), considerados os pontos de corte com base nos anos de estudo do idoso de acordo com os critérios de Brucki e colaboradores de 2003(88 Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do miniexame do estado mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3B):777-81. https://doi.org/10.1590/S0004-282X2003000500014
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). A diferença de 2 pontos abaixo do ponto de corte foi considerada comprometimento cognitivo leve; 4 pontos abaixo, moderado; mais do que 4 pontos abaixo do ponto de corte, comprometimento cognitivo grave.

Análise dos resultados e estatística

Utilizou-se estatística descritiva com cálculo de média e desvio padrão (mínimo e máximo) para as variáveis faixa etária, sexo e escolaridade. Realizou-se análise bivariada com todas as variáveis do estudo. Constituíram-se os modelos de regressão logística a fim de determinar quais variáveis estatisticamente significantes estariam associadas à chance de desenvolver ITU.

O primeiro modelo foi ajustado para as variáveis qualitativas faixa etária, sexo, escolaridade e comprometimento cognitivo em que se comparou a chance de um indivíduo de determinada categoria com um indivíduo de uma categoria de referência. A variável incremento de idade, derivada de faixa etária, foi analisada ao atribuir 5 anos (x + 5) a partir da primeira faixa etária (60 a 65 anos) e analisar se o aumento da idade, de uma faixa etária para outra, interferiria nos casos de ITU. A categoria de referência “masculino” foi utilizada para analisar a diferenciação entre os sexos. Para escolaridade, utilizou-se a categoria “0” (analfabetos). O comprometimento cognitivo foi avaliado ao comparar os níveis de comprometimento leve, moderado e grave a partir dos pontos de corte do MEEM, com aqueles que não apresentaram essa condição clínica.

Constituiu-se, na sequência, o modelo final de análise multivariada, composto das variáveis estatisticamente significativas (p value < 0,05) das fases anteriores. As análises estatísticas foram realizadas com Teste Exato de Fisher, com cálculos de razão de chances (Odds Ratio), aplicando-se o software R.

RESULTADOS

Na amostra geral dos idosos estudados (116), as faixas etárias de 81 a 85 anos e acima de 85 anos predominaram (21,55% em cada categoria), maioria longevos, ou seja, idade acima de 80 anos, representando 43,1% no conjunto. A média de idade foi de 77,97 anos (desvio padrão (DP) +- 8,69), com idade mínima de 60 anos e máxima de 102 anos para ambos os sexos. O sexo feminino apresentou mais da metade do quantitativo dos idosos institucionalizados da amostra (64,66%). A escolaridade variou de 0 a 9 anos de estudo, com média de apenas 2,12 anos de estudo (DP +- 2,81). Evidenciou-se que quase 80% dos idosos do estudo se encontravam na situação de baixa escolaridade, 51,72% de analfabetos (0 anos de estudo) e 26,72% com 1 a 3 anos de estudo.

Das 116 amostras de urina, 51 apresentaram piúria e bacteriúria (43,97%), e, dessas, 39 eram de idosos sintomáticos, com prevalência de ITU de 33,62%. Somente 12 idosos (10,34%) não apresentaram demais critérios diagnósticos (assintomáticos).

A Tabela 1 mostra a primeira análise bivariada com todas as variáveis no intuito de analisar a associação de fatores ao desenvolvimento de ITU, comparando os grupos com ITU (39 idosos) e sem ITU (77 idosos). A variável situacional acamado obteve apenas 1 registro, e as variáveis clínicas insuficiência renal aguda e insuficiência renal crônica não apresentaram registros entre os idosos do estudo; portanto, foram retiradas das análises estatísticas por não apresentarem informações suficientes para avaliar sua influência nas ITU.

Tabela 1
Fatores associados ao desenvolvimento de infecção do trato urinário entre os idosos institucionalizados, 2018

As características sociodemográficas faixa etária, sexo e escolaridade não apresentaram significância estatística. Ressalta-se que, nesta análise, a variável sexo foi avaliada entre idosos do mesmo sexo com e sem ITU. A comparação entre os sexos está no modelo seguinte.

Nas características situacionais, o uso de cadeira de rodas (cadeirante) mostrou associação (p = 0,040, IC: 0,2 - 0,97), inferindo que estar nessa situação apresenta aproximadamente 1 chance e meia para a ocorrência de ITU. O uso contínuo de fraldas apresentou 2 vezes mais chance (p = 0,041, IC: 1,03 - 4,94), e o uso contínuo de diuréticos potencializou em quase 3 vezes a chance para desenvolver ITU (p = 0,023, IC: 1,18 - 6,69).

Já entre as características clínicas, a HBP entre os idosos do sexo masculino foi um fator importante, que pode influenciar nas ITU, representando que um idoso com HBP possuía 13 vezes mais chance de apresentar o quadro (p = 0,02, IC: 1,8 - 293,0). As incontinências urinária e fecal também contribuíram nesse aspecto, pois apresentaram razão de chances 2,7 (p = 0,031, IC: 1,14 - 5,54) e 5,3 (p = 1,79, IC: 15,42), respectivamente. Ocorreu também com o diabetes tipo 1, em que o idoso com essa patologia apresentou chance 7 vezes maiores de adoecer por ITU do que um não diabético (p = 0,019, IC: 1,31 - 35,57).

Contudo, entre os fatores clínicos mais relevantes, sobressaiu a desidratação, pois aumentou em até 40 vezes a chance de desenvolver ITU nos idosos institucionalizados (p<0,001, IC: 12,9 - 120,61). As demais variáveis não apresentaram significância estatística para a associação em tela.

O primeiro modelo de regressão logística, ajustado para as variáveis faixa etária, sexo, escolaridade e comprometimento cognitivo, apontou que ser do sexo feminino duplicou a chance de um idoso apresentar o quadro de ITU (p = 0,016, IC; 1,02 - 5,06). As demais variáveis não demonstraram significância estatística.

A Tabela 2 apresenta o modelo final de regressão logística, com todas as variáveis que apresentaram significância estatística no estudo, com o objetivo de modelar as chances de desenvolver ITU a partir da interferência independente dessas variáveis.

Tabela 2
Fatores associados ao desenvolvimento de infecção do trato urinário entre idosos institucionalizados, 2018

A variável cadeirante foi a única que não permaneceu como fator predisponente para desenvolvimento de ITU entre os idosos estudados (p = 0,909). As demais variáveis mantiveram padrões semelhantes aos primeiros modelos, ou seja, ser do sexo feminino (p = 0,015, IC: 0,99 - 4,06) e utilizar fraldas continuamente (p = 0,039, IC: 1,5 - 4,8) duplica a chance para ITU.

O uso de diuréticos (p = 0,03, IC: 1,20 - 6,55) e a incontinência urinária (p = 0,03, IC: 1,1 - 5,6) são fatores que quase triplicam essa possibilidade.

A incontinência fecal ou o diabetes tipo 1, se presentes, aumentam em 5 (p = 0,002, IC: 1,78 - 15,4) e 7 vezes (p = 0,021, IC: 1,3 - 34,0), respectivamente, as chances de ocorrer ITU.

Entretanto, o fator que continuou em destaque para maior influência na ITU entre os idosos institucionalizados estudados foi a desidratação, que potencializa a chance de desenvolver o quadro em 40 vezes (p < 0,001, IC: 12,8 - 120,1).

DISCUSSÃO

Apesar de o estudo apresentar uma conjuntura de idosos longevos em sua maioria, o fator faixa etária nos modelos apresentados e no incremento de 5 anos, a partir do intervalo de referência de 60 a 65 anos, não apresentou influência estatisticamente significante. Contudo, é importante considerar esse público na vigilância dos casos de ITU, haja vista suas condições fisiológicas e fragilidades que o próprio envelhecimento impõe. Em outras pesquisas de associação, idosos mais velhos apresentam maiores índices de ITU do que aqueles mais jovens em função, justamente, de características disfuncionais, que, com o passar dos anos, intensificam-se(44 Melo LS, Ecolel FF, Oliveira DU, Pinto TS, Vitoriano MA, Alcoforado CLGC. Infecção do trato urinário: uma coorte de idosos com incontinência urinária. Rev Bras Enferm. 2017;70(4):838-44. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0141
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,99 Caljouw MA, den Elzen WP, Cools HJ, Gussekloo J. Predictive factors of urinary tract infections among the oldest old in the general population. a population-based prospective follow-up study. BMC Med. 2011;9:57. https://doi.org/10.1186/1741-7015-9-57
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).

Em relação ao sexo feminino, a feminilização da velhice é um reflexo social, podendo ser observado nas instituições de longa permanência também, como confirmou o estudo realizado, culminando em um olhar mais dedicado a esse público e suas características peculiares. A chance de desenvolver ITU entre as mulheres idosas, a partir das análises realizadas, é duas vezes maior do que em homens. Fisiologicamente, as diferenciações do sistema geniturinário feminino e masculino podem explicar as circunstâncias de maior vulnerabilidade das idosas para ITU, pois o meato da uretra é mais proximal à área do períneo, facilitando a contaminação por via ascendente, além do alto grau de umidade local. Além disso, uma bexiga maior, que possibilita armazenar a urina por mais tempo, repercute no aumento da chance de crescimento bacteriano vesical e desenvolvimento de ITU. Além disso, na mulher idosa, há comprometimento da musculatura do assoalho pélvico, favorecendo o aparecimento de incontinência urinária, fator de risco para a ocorrência de ITU(99 Caljouw MA, den Elzen WP, Cools HJ, Gussekloo J. Predictive factors of urinary tract infections among the oldest old in the general population. a population-based prospective follow-up study. BMC Med. 2011;9:57. https://doi.org/10.1186/1741-7015-9-57
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).

No terceiro modelo de análise, não se incluiu o fator HPB para evitar confundimento, mas foi possível observar que, entre homens com e sem ITU, esse fator foi significativo, possibilitando a chance de desenvolver infecção em até 13 vezes. Na busca por literatura sobre a associação específica de HPB com ITU, não há estudos contundentes e definidores sobre a interação entre os dois aspectos; no entanto, é possível inferir que uma conjuntura de mudanças anátomo-funcionais que o idoso com HPB vivencia pode estar relacionada ao desenvolvimento de ITU. Ou seja, uma vez que a luz da uretra se estreita à medida que o volume prostático aumenta, isso implica um armazenamento vesical disforme, hipertrofia do músculo detrusor, espasmo e exaustão, resultando em alguns sintomas como nictúria, urgência urinária e, por último, incontinência(1010 Fabbri RMA, Pires SL. Infecção urinária. In: Freitas PY. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. p.449-456.).

A situação do uso de cadeira de rodas (cadeirante) por idosos é pouco explorada na associação com o desenvolvimento de ITU. O estudo não demonstrou, no último modelo de análise, significância estatística, mas, mesmo assim, é importante destacar que os idosos cadeirantes, por sua vez, estão em uma condição de imobilidade da parte inferior do tronco, e o esvaziamento vesical, muitas vezes, é atrasado pelas dificuldades de deslocamento desse idoso até o sanitário ou a troca de fraldas quando esse faz uso. Os longos períodos de estase urinária em vários estudos demonstraram aumentar o risco de ITU(1111 Rogers MAM, Fries BE, Kaufman SR, Mody L, McMahon LF, Saint S. Mobility and other predictors of hospitalization for urinary tract infection: a retrospective cohort study. BMC Geriatr. 2008;8:31. https://doi.org/10.1186/1471-2318-8-31
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). Ressalta-se, também, que a periodicidade de troca de fraldas é mínima na instituição estudada, situações que podem acarretar acúmulo vesical de urina ou resíduos nas fraldas, que podem ocasionar ITU.

Na instituição pesquisada, além dos cadeirantes, havia 1 idoso acamado. Nesse aspecto, vale ressaltar que, em um estudo americano sobre mobilidade e outros preditores de hospitalização por ITU, é apontado que a imobilidade é um fator de predisposição para ITU. Constataram, neste estudo, também, que andar reduz em quase 70% a chance de hospitalização por ITU e aumentar a mobilidade no leito ou realizar transferência reduz em 53% o mesmo risco(1111 Rogers MAM, Fries BE, Kaufman SR, Mody L, McMahon LF, Saint S. Mobility and other predictors of hospitalization for urinary tract infection: a retrospective cohort study. BMC Geriatr. 2008;8:31. https://doi.org/10.1186/1471-2318-8-31
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).

A incontinência urinária e fecal e o uso de fraldas, mesmo que independentes para desenvolvimento de ITU neste estudo, suscitam a perspectiva de que manter a região perineal com urina ou fezes armazenadas por longo período em fraldas pode explicar a associação desses fatores com ITU. Um estudo holandês sobre fatores relacionados ao desenvolvimento de ITU apontou a incontinência urinária como preditor independente, com aumento de 1,5 para o risco(99 Caljouw MA, den Elzen WP, Cools HJ, Gussekloo J. Predictive factors of urinary tract infections among the oldest old in the general population. a population-based prospective follow-up study. BMC Med. 2011;9:57. https://doi.org/10.1186/1741-7015-9-57
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). Apesar de os desenhos de estudo serem diferentes, também ficou clara a independência desse fator para desenvolver ITU (razão de chances de 2,80). Ressalta-se que, no Brasil, e na maioria dos estudos internacionais, a associação é demonstrada em inúmeras pesquisas ao contrário, analisando ITU como fator de risco ou preditor para incontinência, o que limita as inferências, mas reforça a perspectiva para novas pesquisas a partir dessa linha.

No que se refere ao uso contínuo de fraldas, um estudo japonês o associou com cistite, porém em contexto hospitalar, demonstrando que havia recorrência ou reinfecção maior naqueles idosos que faziam uso de fraldas(1212 Watsubo E. [ Diaper cystitis as recurrent cause of urinary infections in geriatric community hospital]. Nihon Ronen Igakkai Zasshi. Jap J Geriatrol. 2012;49(1):114-8. https://doi.org/10.3143/geriatrics.49.114 Japanese.
https://doi.org/10.3143/geriatrics.49.11...
). Em instituições para idosos na Noruega, uma pesquisa encontrou em seus resultados associação positiva entre uso de fraldas e ITU(1313 Omli R, Skotnes LH, Romild U, Bakke A, Mykletun A, Kuhry E. Pad per day usage, urinary incontinence and urinary infections in nursing home residents. Age Ageing. 2010;39(5)549-54. https://doi.org/10.1093/ageing/afq082
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). No contexto brasileiro, a pesquisa de ITU com uma coorte de idosos com incontinência em ILPI de Belo Horizonte apresentou aumento de 1,8 vezes para o risco para desenvolver ITU com o uso de fraldas(44 Melo LS, Ecolel FF, Oliveira DU, Pinto TS, Vitoriano MA, Alcoforado CLGC. Infecção do trato urinário: uma coorte de idosos com incontinência urinária. Rev Bras Enferm. 2017;70(4):838-44. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0141
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), valor próximo ao que se encontrou nesta pesquisa (razão de chances de 2,20). Contudo, mesmo com resultados satisfatórios, os autores são unânimes em afirmar que há ainda dilema clínico e desafios de pesquisa para comprovar, efetivamente, essa associação.

No que diz respeito à incontinência fecal, obteve-se, entre os resultados, que os idosos incontinentes apresentaram 5 vezes mais chances de desenvolver ITU. Em outras pesquisas, os resultados reafirmam essa relação em que os pacientes com incontinência intestinal desenvolveram ITU três vezes mais que os continentes(99 Caljouw MA, den Elzen WP, Cools HJ, Gussekloo J. Predictive factors of urinary tract infections among the oldest old in the general population. a population-based prospective follow-up study. BMC Med. 2011;9:57. https://doi.org/10.1186/1741-7015-9-57
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,1313 Omli R, Skotnes LH, Romild U, Bakke A, Mykletun A, Kuhry E. Pad per day usage, urinary incontinence and urinary infections in nursing home residents. Age Ageing. 2010;39(5)549-54. https://doi.org/10.1093/ageing/afq082
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). Por outro lado, é importante frisar que pesquisas com isolados de cultura de urina, além de reafirmarem essa associação, identificaram, em seus achados, alta prevalência em ILPI de idosos com Enterobacteriaceae produtoras de beta-lactamase de espectro estendido, ou seja, bactérias multirresistentes(1414 Yokoyama K, Uehara Y, Sasaki T, Hiramatsu K. Risk factors of fecal colonization with extended-spectrum β-lactamase-producing Enterobacteriaceae in special nursing homes in Japan. J Gen Fam Med. 2018;19(3):90-6. https://doi.org/10.1002/jgf2.161
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-1515 Zhao SY, Zhang J, Zhang YL, Wang YC, Xiao SZ, Gu FF, et al. Epidemiology and risk factors for faecal extended-spectrum β-lactamase-producing Enterobacteriaceae (ESBL-E) carriage derived from residents of seven nursing homes in western Shanghai, China. Epidemiol Infect. 2016;144(4):695-702. https://doi.org/10.1017/S0950268815001879
https://doi.org/10.1017/S095026881500187...
). Os autores ainda enfatizam que aqueles com incontinência intestinal não devem ficar sentados ou deitados com fezes por longos períodos, pois facilita o transporte de microrganismos, principalmente quando em situações diarreicas. Por outro lado, sabe-se que a lavagem de mãos pelos profissionais de cuidados diretos é fundamental, também, para reduzir o carreamento de bactérias.

Frente a essa conjuntura das incontinências e do uso de fraldas, considera-se que a troca sistemática e higienização seriam condições para reduzir esses fatores, mas nem sempre é possível em algumas ILPI com déficit de pessoal. Na instituição estudada, o número de profissionais em execução de cuidados diretos é baixo: 21 para 116 idosos em turnos alternados, o que interfere na qualidade de cuidados aos idosos.

Pode-se observar em estudos de missed nursing care, ao analisarem o impacto que os cuidados de enfermagem deixados sem fazer têm nos desfechos dos pacientes, que o nível adequado de pessoal de enfermagem é fator de associação para infecções nosocomiais(1616 Smith GB. In-hospital cardiac arrest: is it time for an in‐hospital ‘chain of prevention’? Resuscit. 2010;81(9):1209-11. https://doi.org/10.1016/j.resuscitation.2010.04.017
https://doi.org/10.1016/j.resuscitation....

17 Shin S, Park JH, Bae SH. Nurse staffing and nurse outcomes: a systematic review and meta-analysis. Nurs Outllook. 2018;66(3):273-282. https://doi.org/10.1016/j.outlook.2017.12.002
https://doi.org/10.1016/j.outlook.2017.1...
-1818 Nelson ST, Flynn L. Relationship between missed care and urinary tract infections in nursing homes. Geriatr Nurs. 2015 Mar-Apr;36(2):126-30. https://doi.org/10.1016/j.gerinurse.2014.12.009
https://doi.org/10.1016/j.gerinurse.2014...
). Assim como nos estudos hospitalares, pesquisas em casas de repouso nos EUA demonstraram que vários cuidados ausentes se associaram à maior chance de desenvolvimento de ITU, principalmente aqueles vinculados também a procedimentos de conforto e higiene(1818 Nelson ST, Flynn L. Relationship between missed care and urinary tract infections in nursing homes. Geriatr Nurs. 2015 Mar-Apr;36(2):126-30. https://doi.org/10.1016/j.gerinurse.2014.12.009
https://doi.org/10.1016/j.gerinurse.2014...
). Infelizmente, no contexto brasileiro, não se encontram pesquisas direcionadas a ILPI, somente hospitalares, o que dificulta algumas inferências e comparações.

É comum observar que os idosos das ILPI apresentam de 3 a 4 situações de adoecimento crônico, sendo o diabetes a mais expressiva, na proporção de 10% a 30%(1919 Villas Bôas PJF, Ferreira ALA. Infecção em idosos internados em instituição de longa permanência. Rev Assoc Med Bras. 2007;53(2):126-9. https://doi.org/10.1590/S0104-42302007000200016
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). Na ILPI estudada, o diabetes tipo 2 foi o de maior prevalência, a mesma tendência de outros estudos com populações idosas(1919 Villas Bôas PJF, Ferreira ALA. Infecção em idosos internados em instituição de longa permanência. Rev Assoc Med Bras. 2007;53(2):126-9. https://doi.org/10.1590/S0104-42302007000200016
https://doi.org/10.1590/S0104-4230200700...
-2020 Aswani SM, Chandrashekar U, Shivashankara K, Pruthvi B. Clinical profile of urinary tract infections in diabetics and non-diabetics. Australas Med J. 2014;7(1):29-34. https://doi.org/10.4066/AMJ.2014.1906
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), mas não foi associado à ITU. Contudo, um achado que vale destacar é o diabetes tipo 1, que se apresentou como fator associado, com uma razão de chances de 7,00 no modelo final de regressão logística.

A possível explicação está relacionada à neuropatia autonômica, que causa danos no sistema geniturinário, e aos efeitos que a hiperglicemia produz nos níveis de imunidade. O sistema nervoso autônomo controla, entre outros órgãos, a bexiga, e o diabetes, quando presente, pode afetar os nervos dessa região e desencadear a neuropatia diabética autonômica. O risco dessa condição aumenta com o tempo de presença do diabetes, sendo mais prevalente em pessoas que têm diabetes durante, pelo menos, 25 anos, que é o caso de muitos idosos. Entre as consequências, está a incontinência urinária por lesão das inervações controladoras, esvaziamento incompleto da bexiga, retenção urinária, resíduo pós-miccional e a consequente proliferação de bactérias, que aumentam o risco de ITU(2020 Aswani SM, Chandrashekar U, Shivashankara K, Pruthvi B. Clinical profile of urinary tract infections in diabetics and non-diabetics. Australas Med J. 2014;7(1):29-34. https://doi.org/10.4066/AMJ.2014.1906
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).

Já o papel da hiperglicemia está relacionado à alteração da quimiotaxia (locomoção das células de defesa nos tecidos a partir da diferenciação de gradientes químicos), pois interfere na adesão dos microrganismos aos linfócitos e leucócitos polimorfonucleares, reduzindo sua função fagocitária(2020 Aswani SM, Chandrashekar U, Shivashankara K, Pruthvi B. Clinical profile of urinary tract infections in diabetics and non-diabetics. Australas Med J. 2014;7(1):29-34. https://doi.org/10.4066/AMJ.2014.1906
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). A literatura aponta que a glicemia alterada, observada através da hemoglobina glicosilada (HbA1c) elevada, está associada ao risco de ITU(2020 Aswani SM, Chandrashekar U, Shivashankara K, Pruthvi B. Clinical profile of urinary tract infections in diabetics and non-diabetics. Australas Med J. 2014;7(1):29-34. https://doi.org/10.4066/AMJ.2014.1906
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-2121 Ferreira RC, Barros CE, Braga AL. Perfil de Infecção urinária associada à taxa de glicemia alterada. RBAC [Internet]. 2016;48(4):346-51 [cited 2019 Jun 10]. Available from: http://www.rbac.org.br/artigos/perfil-de-infeccao-urinaria-associada-taxa-de-glicemia-alterada/
http://www.rbac.org.br/artigos/perfil-de...
). Mais uma vez reforça que, em idosos com diabetes, há um ambiente favorável ao crescimento bacteriano, de modo a permitir que casos de ITU se sobressaiam. Recentemente, outra pesquisa indiana, nesse aspecto, referenda que o diabetes predispõe a ITU complicadas e os dois fatores associados aumentam em quase 20% a taxa de mortalidade em idosos(2222 Kakde P, Redkar NN, Yelale A. Urinary tract infection in elderly: clinical profile and outcome. J Assoc Physicians India [Internet]. 2018[cited 2018 Dec 12];66(6):14-7. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31331128/
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31331128...
).

A relevância maior do presente estudo se destacou ao mostrar que a desidratação entre idosos da ILPI foi o fator que mais se associou à ITU, com uma razão de chances de 40 vezes. Apesar de a análise não ter o intuito de relacionar fatores de desidratação e uso de diurético conjuntamente no desenvolvimento de ITU, é importante considerar o seu sinergismo, haja vista que os diuréticos interferem no aumento da frequência urinária e, consequentemente, nos casos de incontinência urinária.

Fatores como o declínio da sensação de sede, preocupações em relação a incontinência, acesso a líquidos, apresentação dos líquidos, o próprio comportamento dos idosos ao longo da vida em hidratar-se, mecanismos de deglutição prejudicados, esquecimento do idoso em ingerir líquidos e a dificuldade da equipe de profissionais em realizar um efetivo acompanhamento da ingesta hídrica podem ser situações que promovam um maior risco de desidratação entre idosos de ILPI e, consequentemente, nas situações de ITU(2323 Bunn D, Jimoh F, Wilsher SH, Hooper L. Increasing fluid intake and reducing dehydration risk in older people living in long-term care: a systematic review. J Am Med Dir Assoc. 2015;16(2):101-13. https://doi.org/10.1016/j.jamda.2014.10.016
https://doi.org/10.1016/j.jamda.2014.10....
).

Estudos experimentais mostraram que o fluxo urinário reduz o número de bactérias na bexiga em 99%(1111 Rogers MAM, Fries BE, Kaufman SR, Mody L, McMahon LF, Saint S. Mobility and other predictors of hospitalization for urinary tract infection: a retrospective cohort study. BMC Geriatr. 2008;8:31. https://doi.org/10.1186/1471-2318-8-31
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). Assim, a ingestão de líquidos reduziria o risco de ITU, tendo em vista que o fluxo e a frequência miccional interfeririam na redução da quantidade de bactérias. Porém, as quantidades exatas dessa ingestão e as características de composição dos líquidos são ainda pouco exploradas em pesquisas clínicas, e os resultados se mostram incompatíveis e inconclusivos sobre esse mecanismo(2323 Bunn D, Jimoh F, Wilsher SH, Hooper L. Increasing fluid intake and reducing dehydration risk in older people living in long-term care: a systematic review. J Am Med Dir Assoc. 2015;16(2):101-13. https://doi.org/10.1016/j.jamda.2014.10.016
https://doi.org/10.1016/j.jamda.2014.10....
).

Por outro lado, um estudo em 4 lares de idosos nos EUA permitiu observar uma redução em 58% no número médio de internações por ITU complicadas (aquelas que requeriam uso de antibióticos mais efetivos), aumentando a ingesta hídrica através de administração de 16 onças de líquido diários (equivalente a mais ou menos 470 ml)(2424 Lean K, Nawaz RF, Jawad S, Vincent C. Reducing urinary tract infections in care homes by improving hydration. BMJ Open Qual. 2019;8(3):e000563. https://doi.org/10.1136/bmjoq-2018-000563
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). Nesse caso, considera-se, por exemplo, que bebidas coloridas e com teor açucarado, como sucos, seriam uma alternativa plausível para a oferta em função da estimulação visual e gustativa, claro, observadas as exceções necessárias no caso daqueles com limitações à glicose.

Ao encontro dessa proposição de formas alternativas e complementares para o estímulo à hidratação, uma revisão sistemática com 4.328 títulos objetivou avaliar a eficácia das intervenções e fatores ambientais no aumento da ingestão de líquidos e na redução do risco de desidratação em pessoas idosas que vivem em ILPI. No estudo, identificaram um conjunto variado de intervenções, mas a eficácia de muitos dos métodos empregados suscitou alto risco de viés. Assim, concluíram que, para reduzir a desidratação em ILPI, é importante o envolvimento de múltiplas estratégias que envolvam gestão, equipe de cuidados, considerando os fatores ambientais e comportamentais do idoso, com o cuidado de utilizar metodologias robustas de investigação para avaliar a eficácia dessas estratégias associadamente(2323 Bunn D, Jimoh F, Wilsher SH, Hooper L. Increasing fluid intake and reducing dehydration risk in older people living in long-term care: a systematic review. J Am Med Dir Assoc. 2015;16(2):101-13. https://doi.org/10.1016/j.jamda.2014.10.016
https://doi.org/10.1016/j.jamda.2014.10....
).

A conjuntura apresentada permite inferir que os fatores associados de maior chance para desenvolver ITU são modificáveis, portanto, passíveis de serem reduzidos no contexto da ILPI, mas apontam para estratégias que demandam mudança nos fluxos e rotinas de cuidado ao idoso. É importante destacar que o monitoramento desses fatores subsidia o controle de infecção local e o gerenciamento dos casos.

Limitações do Estudo

O estudo possui limitações para generalizações maiores, tendo em vista que a amostragem foi intencional com todos os idosos institucionalizados. O uso de fraldas se limitou à utilização e não utilização, sem demarcar o período que o idoso permanecia com a fralda, podendo ocorrer algum viés nesse sentido. O acompanhamento prospectivo para avaliar a incidência não foi possível, em virtude da variabilidade de entradas e saídas de idosos na instituição por condições de óbitos ou outras situações.

Contribuições para a Área da Enfermagem

Os resultados encontrados, além de estimularem novos estudos no campo da vigilância em saúde nas ILPI, que são poucos em nível nacional, também contribuem para a proposição de educação permanente para qualificação da equipe de enfermagem e de cuidadores nesses espaços, haja vista que são os profissionais que desenvolvem os cuidados diretamente aos idosos. Por outro lado, permite repensar a reorganização dos espaços e rotinas das ILPI e a adequação do quadro de profissionais para que as modificações e condutas frente à redução de casos de ITU sejam realmente efetivas entre os idosos.

CONCLUSÃO

Os fatores que demonstraram uma efetiva associação com ITU entre os idosos institucionalizados confirmaram, como em outros estudos, que o sexo feminino, as incontinências urinária e fecal e o diabetes tipo 1 predispõem o idoso à maior vulnerabilidade para desenvolver ITU.

O uso de diurético e o uso contínuo de fraldas foram associados independentemente e positivamente como fatores que aumentam a chance de ITU entre esses idosos. Porém, é importante considerar que o uso de diurético pode predispor à incontinência urinária e à desidratação. Por outro lado, o uso de fraldas é um elemento composto à situação de incontinência fecal e urinária, bem como à higienização periódica. Assim, fica a observação de que são fatores necessários na vigilância das ITU e requerem um olhar diferenciado que contemple todos esses elementos.

A literatura é conflitante em trazer informações sobre a ingestão hídrica e as ITU, reforçando que há mecanismos ainda por serem definidos ou estudados sobre a eficácia frente às ITU. Nesse sentido, o presente estudo é mais um que suscita indícios contundentes de que há associação entre desidratação e chances de desenvolver ITU, necessitando de ações de intervenção frente à ingesta hídrica adequada entre os idosos que, por conta da própria senescência, já possuem desequilíbrios fisiológicos que favorecem o quadro.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Alvaro Sousa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2020
  • Aceito
    15 Out 2020
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