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Fatores associados à hipertensão arterial e estresse em homens privados de liberdade

RESUMO

Objetivos:

identificar e classificar a pressão arterial e o estresse autorrelatado em apenados e investigar a associação desses eventos com dados clínicos e sociodemográficos.

Métodos:

estudo de corte transversal e quantitativo com 240 apenados. Foram empregados questionário sociodemográfico, Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp, classificação da pressão arterial, circunferência abdominal e Índice de Massa Corporal.

Resultados:

média de idade de 37,17 anos (DP 11,5), 48,8% (n=117) solteiros, 42,9% (n= 103) pardos. A maioria 67,9% (n= 163) reclusa há menos de 4 anos e 33,8% (n=81) estavam hipertensos. A pressão arterial foi compatível com a população geral. Tabagismo, consumo de medicamentos anti-hipertensivos e hipoglicemiantes, preocupação com consumo de sal e histórico familiar de hipertensão foram associados com estresse autopercebido (resistência e exaustão).

Conclusões:

o grupo está exposto a fatores de risco modificáveis, sobretudo ao estresse, que favorecem a hipertensão e carecem de estratégias preventivas e acesso à saúde.

Descritores:
Hipertensão; Prisões; Fatores de Risco; Cardiologia; Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to identify and classify blood pressure and self-reported stress in inmates and investigate the association of these events with clinical and sociodemographic data.

Methods:

a cross-sectional and quantitative study with 240 inmates. A sociodemographic questionnaire, Lipp’s Inventory of Stress Symptoms for Adults, blood pressure classification, waist circumference and Body Mass Index were used.

Results:

mean age of 37.17 years (SD 11.5), 48.8% (n=117) single, 42.9% (n= 103) brown. The majority 67.9% (n=163) had been incarcerated for less than 4 years and 33.8% (n=81) were hypertensive. Blood pressure was compatible with the general population. Smoking, consumption of antihypertensive and hypoglycemic medications, concern about salt consumption, and a family history of hypertension were associated with self-perceived stress (resistance and exhaustion).

Conclusions:

the group is exposed to modifiable risk factors, especially stress, which favor hypertension and lack preventive strategies and access to health.

Descriptors:
Hypertension; Prisons; Risk Factors; Cardiology; Nursing

RESUMEN

Objetivos:

identificar y clasificar la presión arterial y el estrés autoinformado en internos e investigar la asociación de estos eventos con datos clínicos y sociodemográficos.

Métodos:

estudio transversal y cuantitativo con 240 internos. Se utilizó un cuestionario sociodemográfico, el Inventario de Síntomas de Estrés para Adultos de Lipp, la clasificación de la presión arterial, la circunferencia de la cintura y el Índice de Masa Corporal.

Resultados:

edad media de 37,17 años (DE 11,5), 48,8% (n=117) solteros, 42,9% (n=103) pardos. La mayoría del 67,9% (n=163) había estado encarcelado menos de 4 años y el 33,8% (n=81) eran hipertensos. La presión arterial fue compatible con la población general. El tabaquismo, el consumo de antihipertensivos e hipoglucemiantes, la preocupación por el consumo de sal y los antecedentes familiares de hipertensión se asociaron con el estrés autopercibido (resistencia y agotamiento).

Conclusiones:

el grupo está expuesto a factores de riesgo modificables, especialmente estrés, que favorecen la hipertensión y carecen de estrategias preventivas y de acceso a la salud.

Descriptores:
Hipertensión; Prisiones; Factores de Riesgo; Cardiología; Enfermería

INTRODUÇÃO

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma condição clínica multifatorial encontrada no mundo todo, caracterizada por níveis aumentados de pressão arterial (PA)(11 Dammero DR, Pretto ADB, Ulguim KB, Massaut KB, Silva EP, Rodrigues RR, et al. Perfil e estado nutricional de pacientes hipertensos atendidos em um ambulatório de nutrição do Sul do Brasil. Rev Bras Obes Nutr Emagrecimento [Internet]. 2019[cited 2020 Dec 20];13(77):54-60. Available from: http://www.rbone.com.br/index.php/rbone/article/view/877
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). No Brasil, a prevalência de HAS varia entre 16,1% e 30,7% entre as capitais brasileiras, com crescimento previsto de 60% até para o ano de 2025(22 Vignatti LJ, Moraes AJP, Maestri T, Vietta GG, Nazario NO. Prevalência e fatores associados à prática de exercício físico entre hipertensos do Sul do Brasil Em 2017. Rev Eletron Estacio Saude [Internet]. 2020;9(1):17-23. Available from: http://revistaadmmade.estacio.br/index.php/saudesantacatarina/article/view/5906
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). O nível pressórico é determinado geneticamente e responde a eventos ambientais. Entre os fatores preditivos para o desenvolvimento da HAS, estão sexo, raça e idade como características individuais não modificáveis, e consumo nocivo de álcool, tabagismo, hipercolesterolemia, obesidade, sedentarismo, hábitos alimentares e estresse como fatores modificáveis(33 Malachias MVB, Souza WKSB, Plavnik FL, Rodrigues CIS, Brandão AA, Neves MFT, et al. 7a diretriz brasileira de hipertensão arterial. Arq Bras Cardiol [Internet]. 2016[cited 2020 Oct 29];107(3):1-83. Available from: http://publicacoes.cardiol.br/2014/diretrizes/2016/05_HIPERTENSAO_ARTERIAL.pdf
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).

Acredita-se que o isolamento social seja um disparador para estresse crônico, como identificado em pesquisa sobre o isolamento social, em que mais de 50% do público do estudo relatou sentir estresse em função do isolamento(44 Bezerra ACV, Silva CEM, Soares FRG, Silva JAM. Factors associated with people's behavior in social isolation during the COVID-19 pandemic. Cienc Saude Coletiva. 2020;25(suppl 1):2411-21. https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.10792020
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). Logo, o homem privado de liberdade, em cumprimento de pena, está exposto a este fator que, somado a outros, pode desencadear a HAS. Uma revisão integrativa sobre fatores de risco cardiovascular entre prisioneiros indica que a idade e a exposição a eventos traumáticos estão associadas à probabilidade de desenvolver transtornos mentais, estresse e HAS(55 Arries EJ, Maposa S. Cardiovascular risk factors among prisoners. J Forensic Nurs. 2013;9(1):52-64. https://doi.org/10.1097/JFN.0b013e31827a59ef
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).

Historicamente, o sistema penitenciário brasileiro é um espaço configurado em insalubridade, superpopulação, confinamento permanente, violência e carência de investimentos governamentais(66 Botelho MHS, Silva JB, Almeida KKM, Campos ACV, Melo CAS. Saúde e condições socioeconômicas em uma unidade prisional no sudeste do Pará. Braz J Dev. 2020;6(2):9259-76. https://doi.org/10.34117/bjdv6n2-294
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), sendo a privação de liberdade um fator estressante que necessita de atenção dos profissionais de saúde(77 Rocha TPO, Matos MS, Correa FB, Silva CO, Burla RS. Anatomofisiologia do estresse e o processo de adoecimento. Rev Cient FMC. 2018;13(2):31-7. https://doi.org/10.29184/1980-7813.rcfmc.198.vol.13.n2.2018
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). O monitoramento dos níveis pressóricos e a detecção precoce da HAS são recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e podem reduzir a morbimortalidade de natureza cardiovascular(88 Organização Panamericana de Saúde (OPAS). Hipertensão arterial [Internet]. Brasília, DF: OPAS; 2019[cited 2020 Dec 08]. Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=397:hipertensao-arterial&Itemid=463
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).

Ainda assim, estudos que abordam HAS e estresse percebido em espaços penitenciários ainda são incipientes. Diante desta problemática, este estudo pressupõe que homens privados de liberdade em regime fechado de cumprimento de pena estão expostos a fatores de risco, sobretudo ao estresse, para desenvolvimento de HAS, superiormente ao apresentado pela população geral.

OBJETIVOS

Identificar e classificar a PA e o estresse autorrelatado em homens privados de liberdade e investigar a associação desses eventos com dados clínicos e sociodemográficos.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo complexo penitenciário lócus do estudo e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal da Fronteira Sul e CAAE (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética), respeitando-se os preceitos éticos da Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Os cuidados éticos foram duplamente observados, por se tratar de população em condição de vulnerabilidade, dada sua autonomia reduzida, como é o caso de pessoas expostas à influência de autoridades, ainda que se apresentem plenamente capazes. No momento de apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), os candidatos à participação foram devidamente informados sobre sua plena liberdade para decidir sobre sua participação e sua liberdade para desistir a qualquer tempo e retirar seu consentimento, garantida a isenção de quaisquer formas de penalização ou de prejuízos em sua relação com a instituição prisional e com a universidade. Todos os convidados a participar anuíram voluntariamente mediante assinatura no TCLE.

Desenho, período e local do estudo

Trata-se de um estudo de corte transversal, quantitativo, realizado com homens que cumprem pena em regime fechado em um complexo penitenciário no sul do Brasil, sendo a pesquisa norteada pela ferramenta STROBE. A coleta de dados foi realizada entre os meses de fevereiro e setembro de 2019.

População ou amostra: critérios de inclusão e exclusão

Foram incluídos detentos que cumpriam pena pelo período mínimo de 12 meses, cuja orientação alo e autopsíquica estivesse preservada, avaliada por perguntas, como nome, idade, data de nascimento e espaço onde se encontrava na ocasião. Foram excluídos os homens que estavam em enfermarias ou apresentavam estado grave de saúde, em internação e/ou fora das dependências do complexo penitenciário, bem como aqueles que apresentavam alto nível de periculosidade, tal qual considerado pela direção da penitenciária.

Para o cálculo amostral, foi considerado o universo de detentos no ano anterior à coleta (n=627), com nível de confiança de 95% e uma taxa de erro amostral de 5%. A partir das análises do teste t, foram necessários 240 homens. Não houve recusas por parte dos entrevistados em participar do estudo.

Protocolo do estudo

Primeiramente, foi utilizado um instrumento semiestruturado, criado pelos próprios pesquisadores, contendo características sociodemográficas e de saúde (idade, escolaridade, estado civil, cor/ raça/ etnia, tempo de reclusão, classificação da PA (PA), classificação da circunferência abdominal (> ou < 102 cm), classificação do Índice de Massa Corporal (IMC)). O IMC foi calculado a partir da altura e do peso e categorizado de acordo com a classificação da OMS em baixo peso (<18,5 kg/m2), peso adequado (18,5 - 24,9 kg/m2), sobrepeso (25 - 29,9 kg/m2) e obesidade (≥30 kg/m2)(99 Ministério da Saúde (BR). IMC em adultos: avaliação do peso em adultos (20 a 59 anos) [Internet]. Brasília, DF: MS; 2017[cited 2020 Nov 20]. Available from: http://portalms.saude.gov.br/component/content/article/804-imc/40509-imc-em adultos
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). Posteriormente, foi a aplicado o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL)(1010 Lipp MEN, Tanganelli MS. Stress e qualidade de vida em magistrados da justiça do trabalho: diferenças entre homens e mulheres. Psicol Reflex Crit. 2002;15(3):537-48; https://doi.org/10.1590/S0102-79722002000300008
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).

Os instrumentos utilizados para a coleta de dados clínicos foram estetoscópio, esfigmomanômetro, fita métrica, calculadora, balança digital Segma® em vidro temperado e oxímetro. O esfigmomanômetro utilizado foi manual, do tipo mecânico (aneroide), leve (50 gramas), manômetro com faixa de medição de 0 a 300 mmHg e menor divisão de 2 mmHg, braçadeira com circunferência de 14 x 51 cm (grande) e com velcro, manguito apropriado para o tamanho adulto e adulto grande (certificação INMETRO/IPEM) de comprimento total de 52 cm. Considerou-se apropriado o esfigmomanômetro após verificar a medida da circunferência do braço direito na metade da distância entre o olecrano e o acrômio.

Para aferição da PA, aguardaram-se 15 minutos após o indivíduo estar na posição sentada. Consideraram-se o esvaziamento vesical e a negativa de ingestão de cafeinados ou tabaco nos 30 minutos anteriores à aferição, além da negativa para prática de exercício físico no intervalo entre 60 e 90 minutos anteriores à aferição. Para aferir o peso, os participantes removeram seus calçados e mantiveram sua veste. Por motivo de segurança, institucionalmente assegurada, as algemas foram mantidas durante todo o processo de coleta de dados, sendo necessário pesar separadamente este dispositivo, descontando-se o valor obtido no peso total do participante. Para verificar a altura, o participante foi posicionado em pé, descalço, sendo o corpo distribuído igualmente em uma fita métrica fixada junto à parede.

Para a classificação da PA, foram obedecidas as diretrizes da VII Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial(33 Malachias MVB, Souza WKSB, Plavnik FL, Rodrigues CIS, Brandão AA, Neves MFT, et al. 7a diretriz brasileira de hipertensão arterial. Arq Bras Cardiol [Internet]. 2016[cited 2020 Oct 29];107(3):1-83. Available from: http://publicacoes.cardiol.br/2014/diretrizes/2016/05_HIPERTENSAO_ARTERIAL.pdf
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). Os detentos cujos valores pressóricos estavam de acordo com os níveis normais foram orientados a monitorar a PA anualmente e aqueles cujos valores condiziam com a faixa pré-hipertensão (PAS 121 - 139 mmHg e PAD 81 - 89 mmHg) foram orientados a monitorá-la a cada seis meses. Em ambos os casos, os participantes foram aconselhados a observar seus hábitos de vida, comportamentos de saúde e atentar para a existência de fatores de risco para a HAS.

A aplicação do ISSL durou aproximadamente 15 minutos, sendo realizado individualmente. O instrumento apresenta o estresse autorrelatado, em fases. A primeira fase (alerta) é composta de 15 itens, que investigam sintomas orgânicos ou psicológicos experimentados nas últimas 24 horas. A segunda (resistência) é composta de dez sintomas físicos/somáticos e cinco psicológicos, e está relacionado aos sintomas experimentados na última semana. A terceira fase (exaustão) é composta por 12 sintomas físicos/somáticos e 11 psicológicos, referentes aos sintomas experimentados no último mês. Em sua totalidade, o instrumento é composto por 53 itens, sendo 34 itens relacionados a sintomas somáticos, e 19, a sintomas psicológicos(1010 Lipp MEN, Tanganelli MS. Stress e qualidade de vida em magistrados da justiça do trabalho: diferenças entre homens e mulheres. Psicol Reflex Crit. 2002;15(3):537-48; https://doi.org/10.1590/S0102-79722002000300008
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).

Os participantes foram abordados na unidade de saúde do complexo penitenciário enquanto aguardavam para consulta de enfermagem, odontológica, psicológica, psiquiátrica, ou com clínico geral. É valido ressaltar que a coleta de dados ocorreu em sala privativa cedida pela direção do complexo, em presença, unicamente, dos pesquisadores, garantindo-se o sigilo e anonimato das respostas, resguardada a segurança de todos pelos agentes prisionais que aguardaram no exterior da sala. Um teste piloto foi realizado com 30 participantes, para balizar a adequação das variáveis.

Foi considerado como variável dependente (desfecho do estudo) o estresse, que foi classificado, de maneira dicotômica, com estresse (qualquer fase do estresse) ou sem estresse (participante sem sintomas relatados). Os dados sobre o estresse provenientes do ISSL (2000) foram pontuados e analisados por um psicólogo que compõe a equipe de pesquisa.

Análise dos resultados e estatística

Os dados coletados foram tabulados e avaliados por duplas, para correção de eventuais erros de digitação, e, em seguida, analisados pelo software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0. Primeiramente, foi realizada estatística descritiva para as variáveis numéricas, por meio de medidas de tendência central (média, mediana, quartis, mínimo, máximo), e, para aquelas de natureza categórica, proporções.

Para testar as diferenças entre as medidas nos grupos, foi realizado o teste Mann-Whitney (não paramétrico). Para estudar a associação entre as variáveis independentes e o estresse, foi realizada análise univariada das variáveis em cada nível de determinação, utilizando-se o Teste Qui-Quadrado de Pearson. Para a associação entre as variáveis, foi utilizado Odds Ratio (OD). Foram excluídos os outliers, e o teste de multicolinearidade foi avaliado segundo os parâmetros de Tolerance and Variance Inflation Factor (VIF). As variáveis que se mostraram estatisticamente significativas nessa primeira análise (p<0,20) foram selecionadas para análise multivariada, utilizando o método forward stepwise (likelihood ratio) não condicional. Para todos os testes estatísticos inferenciais, foi utilizado nível de significância p<0,05 e valores R2 de Nagelkerke. A qualidade do ajuste foi avaliada pelo Teste de Hosmer-Lemeshow. Para verificar a normalidade dos dados, utilizou-se o Teste de Kolmogorov-Smirnov.

RESULTADOS

Foram avaliados 240 homens adultos privados de liberdade com média de idade de 37,17 anos (DP 11,5 anos), sendo 48,8% (n=117) solteiros, 42,9% (n= 103) pardos e 39,2% (n= 94) informaram entre 5 e 8 anos de estudo formal. A maioria, 67,9% (n= 163), estava em reclusão há menos de 4 anos e 33,8% (n=81) foram classificados como hipertensos (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas clínicas em homens adultos privados de liberdade, em regime fechado de cumprimento de pena, Santa Catarina, Brasil, 2020

Em relação aos domínios do inventário de estresse de Lipp, de acordo com as variáveis físico/somático (n=93) e psicológico (n=30), foram apresentados aqueles resultados pontuados como em fase de resistência (n=95) e exaustão (n=28). Já os que pontuaram como insignificantes (n=117) não foram apresentados (Tabela 1). Destaca-se que não houve participantes na fase de alerta de estresse autopercebido.

A associação entre as características sociodemográficas e clínicas com a ocorrência do estresse autopercebido nos homens adultos privados de liberdade, a partir do inventário Lipp, estão descritos na Tabela 2. A variável fatores de risco se refere a somatória de eventos que se relacionam com a HAS, que foram apresentados pelos participantes, no caso, IMC, circunferência abdominal, classificação da PA e de FC no momento de sua aferição. Nessa análise, as variáveis que se correlacionaram com estresse foram circunferência abdominal e HAS e fator de risco maior ou igual a cinco.

Tabela 2
Associação entre caraterísticas sociodemográficas e clínicas e estresse autopercebido em homens adultos privados de liberdade, Santa Catarina, Brasil, 2020

Na Tabela 3, estão os resultados das análises segundo hábitos de saúde e estilo de vida associados à ocorrência de estresse em homens adultos privados de liberdade. Nessa análise, tabagismo, relato de consumo regular de medicamentos anti-hipertensivos e hipoglicemiantes, preocupação com o consumo de sal e relato de histórico familiar conhecido de HAS estiveram associados significativamente à ocorrência do evento.

Tabela 3
Associação entre os hábitos de saúde e estilo de vida com a existência do estresse em homens adultos privados de liberdade, Santa Catarina, Brasil, 2020

DISCUSSÃO

O estudo corrobora os achados de uma pesquisa brasileira com 1.110 homens apenados, em que a média de idade foi de 30,7 anos (DP 10,4 anos), sendo 46,5% (n=516) solteiros, 50,8% (n=564) apresentando tempo de escolarização formal entre 5 e 8 anos, e reclusos entre 1 e 4 anos (46,6%/ n=517), amostra em que foi identificado um percentual de 35,8% (n=397) de hipertensos no momento da coleta de dados(1111 Minayo MCS, Ribeiro AP. Condições de saúde dos presos do estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2016;21(7):2031-40. https://doi.org/10.1590/1413-81232015217.08552016
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). O público branco e pardo identificado como prevalente na amostra do presente estudo está consonante com características étnico raciais inerentes ao sul brasileiro, destoando dos estudos citados, em que os apenados são predominantemente pardos e negros.

No presente estudo, metade da amostra apresentou estresse, a partir da autoidentificação de sinais e sintomas propostos no inventário de Lipp. Evidenciou-se que a imensa maioria dos participantes se encontrava na fase de resistência, ou seja, ainda que expostos crônica e/ou intensamente a estressores que descontinuam a homeostase biopsicológica, esses sujeitos resistem e promovem esforços para autorregular seu organismo, na tentativa de se adaptar ao meio, no caso, ao território desafiador da interdição/da norma, das violências institucionais e da massificação, a instituição prisional, que afeta dramaticamente o funcionamento psicossocial e orgânico entre os que são privados da liberdade, e também entre os que garantem essa privação no cotidiano, os agentes prisionais(1212 Bonez A, Moro ED, Sehnem SB. Saúde mental de agentes penitenciários de um presídio catarinense. Psicol Argum. 201331(74):507-17. https://doi.org/10.7213/psicol.argum.31.074.AO05
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).

Mais de 90% dos que pontuaram os critérios para estresse apresentavam sinais e sintomas somáticos, revelando o impacto psiconeuroendocrinológico, sobretudo proveniente da ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, inerente à exposição crônica a eventos estressores(1313 Silva ALRR, Sales GERB, Fonseca LFMF, Astolfo MH, Manoel PG, Silva PO, et al. Síndrome metabólica e estresse de agentes de segurança penitenciária. Arq Cienc Saude. 2017;24(3):35-41. https://doi.org/10.17696/2318-3691.24.3.2017.755
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). As pesquisas sobre estresse em privados de liberdade têm se mostrado incipientes. Pesquisadores brasileiros aplicaram o inventário de Lipp em 1.110 homens apenados e identificaram estresse em 35,8% (n=397)(1414 Constantino P, Assis SG, Pinto LW. The impact of prisons on the mental health of prisoners in the state of Rio de Janeiro, Brazil. Cienc Saude Coletiva. 2016;21(7):2089-2100. https://doi.org/10.1590/1413-81232015217.01222016
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). Ainda que este dado não tenha sido estratificado de acordo com as fases do estresse propostas pelo inventário de Lipp, o achado foi similar a este estudo.

Ao associar dados sociodemográficos e clínicos com a ocorrência do estresse, as variáveis que apresentaram significância foram a circunferência abdominal, classificação da PA e a somatória de fatores de risco.

Pessoas privadas de liberdade têm autonomia reduzida para definir seu estilo de vida. O cardápio institucional é instituído pela Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) e pela Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), baseado no Guia Alimentar para a população brasileira, que prevê a oferta de alimentos minimamente processados e restritos em sal, açúcar, óleos e gorduras(1515 Ministério da Justiça e Segurança Pública (BR). Resolução nº 3, de 5 de outubro de 2017 [Internet]. Brasília, DF: MJSP; 2017[cited 2020 Nov 20]. Available from: https://www.gov.br/depen/pt-br/composicao/cnpcp/resolucoes/2017/resolucao-no-3-de-05-de-outubro-de-2017.pdf/view
https://www.gov.br/depen/pt-br/composica...
). Atividades físicas/exercício físico externos podem ser realizados em duas horas diárias de banho de sol, garantidas pela Lei de Execução Penal (LEP)(1616 Presidência da República (BR). Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília, DF: PR: 1984[cited 2020 Nov 20]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm
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), cuja estrutura segue recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU), a respeito da organização dos sistemas de execução de penas, assegurando condições mínimas adequadas para a prática de atividades físicas(1717 Schmitt HBB, Bolsoni CC, Conceição TB, Oliveira WF. Políticas públicas e atenção à saúde das pessoas privadas de liberdade [recurso eletrônico]. Florianópolis: UFSC; 2014[cited 2020 Nov 20]. Available from: https://violenciaesaude.ufsc.br/files/2017/06/politicas_publicas.pdf
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) e enfatizando atividades preventivas de saúde(1818 Ministério da Saúde (BR). Política nacional de atenção integral à saúde das pessoas privadas de liberdade no sistema prisional. Brasília, DF; 2014[cited 2020 Nov 20]. Available from: http://www.as.saude.ms.gov.br/wp-content/uploads/2016/06/Cartilha-PNAISP.pdf
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).

Entretanto, a escassa literatura a respeito tem chamado a atenção para as insuficientes e inadequadas condições alimentares e de assistência em saúde/promoção da saúde para o público privado de liberdade, que fragilizam e comprometem o projeto de ressocialização destas pessoas, em última análise(1919 Dourado JLG, Alves RSF. Panorama da saúde do homem preso: dificuldades de acesso ao atendimento de saúde. Bol Acad Paul Psicol. 2019;39(96): 47-57[cited 2020 Nov 20]. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-711X2019000100006&lng=pt&nrm=iso
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).

Circunferência abdominal superior a 102 cm em homens, sobrepeso e PA superior a 130/85 mmHg predispõem à síndrome metabólica, uma das principais causas contemporâneas de mortalidade, cuja complexidade fisiopatológica parece ser modulada pelo ambiente, incluindo alimentação inadequada, sedentarismo, sobrepeso e estresse, moduladores de reações hemodinâmicas e neuroendócrinas(1313 Silva ALRR, Sales GERB, Fonseca LFMF, Astolfo MH, Manoel PG, Silva PO, et al. Síndrome metabólica e estresse de agentes de segurança penitenciária. Arq Cienc Saude. 2017;24(3):35-41. https://doi.org/10.17696/2318-3691.24.3.2017.755
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).

O estresse é um fator constantemente associado à instabilidade do nível pressórico(1313 Silva ALRR, Sales GERB, Fonseca LFMF, Astolfo MH, Manoel PG, Silva PO, et al. Síndrome metabólica e estresse de agentes de segurança penitenciária. Arq Cienc Saude. 2017;24(3):35-41. https://doi.org/10.17696/2318-3691.24.3.2017.755
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). Uma pesquisa com 106 pacientes, que analisou os fatores de risco cardiovasculares em pessoas com o diagnóstico de HAS, identificou que a maioria dos entrevistados eram obesos, sedentários, faziam uso de álcool ou nicotina e apresentavam um nível de exposição a estressores e um excessivo consumo de sal, quando a refeição era feita para várias pessoas(2020 Cardoso FN, Domingues TAM, Silva SS, Lopes JL. Modifiable cardiovascular risk factors in patients with systemic arterial hypertension. REME. 2020;24:e-1275. https://doi.org/10.5935/1415-2762.20200004
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). O mesmo estudo identificou características sociodemográficas potencialmente relacionadas ao desenvolvimento de HAS, como sexo, estado civil, ocupação profissional e idade(2020 Cardoso FN, Domingues TAM, Silva SS, Lopes JL. Modifiable cardiovascular risk factors in patients with systemic arterial hypertension. REME. 2020;24:e-1275. https://doi.org/10.5935/1415-2762.20200004
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), o que corrobora os achados da atual pesquisa, ao demonstrar que os pacientes hipertensos apresentaram mais de cinco fatores de risco.

Indivíduos casados ou que residem com outras pessoas tendem a apresentar menor índice de estresse e níveis pressóricos, pois eles compartilham o cotidiano, principalmente rotina, falta de tempo e preocupações(2020 Cardoso FN, Domingues TAM, Silva SS, Lopes JL. Modifiable cardiovascular risk factors in patients with systemic arterial hypertension. REME. 2020;24:e-1275. https://doi.org/10.5935/1415-2762.20200004
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), em contraponto ao vivido no território da privação de liberdade, naturalmente restritivo para relações sociais.

A literatura específica recomenda que os serviços de saúde realizem acompanhamento do nível pressórico na população geral, considerando-se a natureza insidiosa e assintomática da HAS, sobretudo com o objetivo de diagnosticar e tratar precocemente o agravo(2121 Anstey DE, Moise N, Kronish I, Abdalla M. Masked hypertension: whom and how to screen?. Curr Hypertens Rep. 2019;21(4):26. https://doi.org/10.1007/s11906-019-0931-1
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). É importante considerar que a PNAISP, garantindo o princípio da integralidade, prevê ações de promoção, proteção, prevenção e vigilância em saúde, executadas nos diferentes níveis de atenção em saúde, a serem desenvolvidas de acordo com a realidade epidemiológica e institucional(1818 Ministério da Saúde (BR). Política nacional de atenção integral à saúde das pessoas privadas de liberdade no sistema prisional. Brasília, DF; 2014[cited 2020 Nov 20]. Available from: http://www.as.saude.ms.gov.br/wp-content/uploads/2016/06/Cartilha-PNAISP.pdf
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).

Na penitenciária lócus do estudo, os privados de liberdade requerem avaliação de seu estado de saúde diante de alterações clínicas. Considerando-se a extensa variabilidade na prevalência de HAS na população (10 a 30%)(22 Vignatti LJ, Moraes AJP, Maestri T, Vietta GG, Nazario NO. Prevalência e fatores associados à prática de exercício físico entre hipertensos do Sul do Brasil Em 2017. Rev Eletron Estacio Saude [Internet]. 2020;9(1):17-23. Available from: http://revistaadmmade.estacio.br/index.php/saudesantacatarina/article/view/5906
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3 Malachias MVB, Souza WKSB, Plavnik FL, Rodrigues CIS, Brandão AA, Neves MFT, et al. 7a diretriz brasileira de hipertensão arterial. Arq Bras Cardiol [Internet]. 2016[cited 2020 Oct 29];107(3):1-83. Available from: http://publicacoes.cardiol.br/2014/diretrizes/2016/05_HIPERTENSAO_ARTERIAL.pdf
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4 Bezerra ACV, Silva CEM, Soares FRG, Silva JAM. Factors associated with people's behavior in social isolation during the COVID-19 pandemic. Cienc Saude Coletiva. 2020;25(suppl 1):2411-21. https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.10792020
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5 Arries EJ, Maposa S. Cardiovascular risk factors among prisoners. J Forensic Nurs. 2013;9(1):52-64. https://doi.org/10.1097/JFN.0b013e31827a59ef
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6 Botelho MHS, Silva JB, Almeida KKM, Campos ACV, Melo CAS. Saúde e condições socioeconômicas em uma unidade prisional no sudeste do Pará. Braz J Dev. 2020;6(2):9259-76. https://doi.org/10.34117/bjdv6n2-294
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7 Rocha TPO, Matos MS, Correa FB, Silva CO, Burla RS. Anatomofisiologia do estresse e o processo de adoecimento. Rev Cient FMC. 2018;13(2):31-7. https://doi.org/10.29184/1980-7813.rcfmc.198.vol.13.n2.2018
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-88 Organização Panamericana de Saúde (OPAS). Hipertensão arterial [Internet]. Brasília, DF: OPAS; 2019[cited 2020 Dec 08]. Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=397:hipertensao-arterial&Itemid=463
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) e o corte transversal do presente estudo, em que foi providenciada uma única aferição da PA, o que inviabilizaria um diagnóstico médico de HAS, pode-se considerar que o público examinado apresentou nível pressórico em conformidade com o apresentado pela população geral.

A Tabela 3 evidenciou a associação entre os hábitos de saúde e estilo de vida, representados no estudo pelas variáveis tabagismo, relato de consumo regular de medicamentos anti-hipertensivos e hipoglicemiantes e preocupação com o consumo de sal, com a ocorrência do estresse em homens adultos apenados.

Um estudo com 47.328 trabalhadores brasileiros se debruçou sobre o uso de tabaco em associação com o consumo de álcool, estresse autopercebido e fatores sociodemográficos, associando o consumo de nicotina ao estresse(2222 Silveira PM, Silva KS, Melo GT, Knebel MTG, Borgatto AF, Nahas MV. Smoking among industrial workers in Brazil: association with sociodemographic factors, alcohol consumption, and stress levels. J Bras Pneumol. 202046(1):e20180385. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20180385
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).

Indivíduos que não aderem ao tratamento com medicação anti-hipertensiva estão predispostos à manifestação da HAS resistente(2323 Hamdidouche I, Gosse P, Cremer A, Lorthioir A, Delsart P, Courand P-Y, et al. Clinic versus ambulatory blood pressure in resistant hypertension: impact of antihypertensive medication nonadherence: a post hoc analysis the DENERHTN study. Hypertension. 2019;74(5):1096-1103. https://doi.org/10.1161/HYPERTENSIONAHA.119.13520
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). Uma minoria de participantes do estudo (17%) relatou que consome medicamentos hipoglicemiantes e anti-hipertensivos, e, entre eles, a maior parte pontuou para estresse no inventário de LIPP, ao passo que, entre os 83% que negaram o consumo de medicamentos desta natureza, a maioria não pontuou para estresse. O consumo de medicamentos não foi verificado em prontuário clínico e incluiu os hipoglicemiantes, o que pode ter enviesado a relação entre estresse e consumo de medicamentos, ainda que, estatisticamente, esta última variável tenha sido associada positivamente com o estresse.

Uma revisão sistemática que analisou as respostas do sistema nervoso central e a HAS por sensibilidade concluiu que o cloreto de sódio é um fator que contribui para o desenvolvimento de HAS, indicando a relevância da ingesta de sal na patogênese, para além da influência genética e ambiental(2424 Johnson AK, Xue B. Central nervous system neuroplasticity and the sensitization of hypertension. Nat Rev Nephrol. 2018;14(12):750-766. https://doi.org/10.1038/s41581-018-0068-5
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). Uma pesquisa brasileira que analisou os fatores de risco cardiovasculares em pessoas com diagnóstico de HAS, relacionou o número de conviventes com o consumo de sal, deste modo, quanto mais pessoas residem no mesmo espaço, o uso do produto é maior, mesmo que dentre estas pessoas alguma tenha enfermidades(2020 Cardoso FN, Domingues TAM, Silva SS, Lopes JL. Modifiable cardiovascular risk factors in patients with systemic arterial hypertension. REME. 2020;24:e-1275. https://doi.org/10.5935/1415-2762.20200004
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).

Ainda que a alimentação de pessoas encarceradas siga as exigências normativas nacionais, o preparo de grandes quantidades de refeições está sujeito a uma desproporção de sal. A sensibilização popular para moderar o consumo de sal para, em média, 5 gramas diárias, é reconhecida como uma manobra permanente importante para reduzir o impacto da HAS e de outras doenças crônicas que incidem sobre a morbimortalidade cardiovascular(2525 World Health Organization (WHO). Guideline: sodium intake for adults and children [Internet]. Genebra: WHO; 2012[cited 2020 Jan 15]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/77985/9789241504836_eng.pdf?sequence=1
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).

Em Portugal, a prevalência de preocupação com o consumo de sal é de aproximadamente 76% da população, predominante em mulheres e aumenta de acordo com a idade(2626 Santos J, Torres AR, Neto M. Preocupação com o consumo de sal em Portugal: comparação entre os inquéritos ECOS de 2014 e 2018. Bol Epidemiol (Lisboa). 2019[cited 2020 Jan 15];(24):31-6. Available from: https://repositorio.insa.pt/bitstream/10400.18/6384/1/Boletim_Epidemiologico_Observacoes_N24_janeiro-abril_2019.pdf
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). No Brasil, não foram encontrados estudos recentes sobre preocupação com consumo de sal. Estima-se que o consumo diário de sal entre a população geral seja o dobro do recomendado pela OMS, ainda que as estimativas sejam, frequentemente, desenvolvidas por aplicação de inquéritos dietéticos pouco precisos(2727 Mill JG, Malta DC, Machado IE, Pate A, Pereira CA, Jaime PC, et al. Estimativa do consumo de sal pela população brasileira: resultado da pesquisa nacional de saúde 2013. Rev Bras Epidemiol. 22(suppl 2):E190009.SUPL. 2. https://doi.org/10.1590/1980-549720190009.supl.2
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).

Em territórios de reclusão, conforme já se pontuou, a autonomia para decidir sobre a qualidade dos alimentos que serão consumidos está altamente limitada, e a preocupação com o consumo de sódio está sujeita a determinações institucionais. Ainda assim, pode-se inferir que metade dos participantes deste estudo parece esclarecida sobre o tema, a ponto de este constituir uma preocupação dietética que possivelmente incida sobre o estilo de vida ou autocuidado, que impactou positivamente o enfrentamento das condições estressoras ambientais. Considerando ser o consumo de sal na dieta um fator de risco modificável para HAS e que se associou a menor índice de estresse autopercebido, outro fator modificável, evidencia-se a relevância da educação em saúde como fator de proteção para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) neste público.

Conforme pesquisa brasileira com 45 profissionais de saúde, foram identificados os fatores de risco para doenças cardiovasculares e estresse em um hospital de ensino. Verificou-se que 25 indivíduos tinham como fator de risco o histórico familiar de HAS. Em relação ao estresse, foi mencionado que 55,5% dos entrevistados apresentavam estresse no grupo intermediário através do questionário Job Stress Scale (JSS)(2828 Ulguim FO, Renner JDP, Pohl HH, Oliveira CF, Bragança GCM. Health workers: cardiovascular risk and occupational stress. Rev Bras Med Trab. 2019;17(1):61-8. https://doi.org/10.5327/Z1679443520190302
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). Uma pesquisa realizada com homens que avaliou o efeito do estresse na modulação autonômica cardíaca em pessoas normotensas com histórico familiar de HAS relatou que o estresse e o histórico familiar de HAS são fatores associados que contribuem para o aumento de doenças cardiovasculares(2929 Vishnu L, Shastry N, Kishan A. Cardiac autonomic modulation in response to stress in normotensive young adults with parental history of hypertension. J Basic Clin Physiol Pharmacol. 2019;31(2):20190153. https://doi.org/10.1515/jbcpp-2019-0153
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). Assim, ambos estudos convergem com atual pesquisa, que demonstra que esses dois fatores estão associados com a HAS constatada no momento da coleta de dados.

Legitimado enquanto equipamento regulador na sociedade, o território prisional precisa se consolidar espaço de saúde enquanto direito. Apesar da estrutura totalizadora rígida historicamente edificada, ressalta-se que as penitenciárias têm se constituído fontes de evidência científica importantes, que podem sustentar práticas ampliadas de saúde e de educação potencialmente influenciadoras no processo de ressocialização, trazendo à baila a responsabilidade e protagonismo de profissionais internos ao sistema e de pesquisadores/universidades para investigar esta realidade, expandir intervenções extensionistas e, em última análise, transformar este cenário.

Limitações do estudo

O propósito do estudo foi identificar o nível pressórico e o estresse autopercebido no espaço penitenciário, e foram identificadas limitações para seu alcance e generalização. A característica do grupo estudado, condicionado à influência de autoridade e sob uso de algemas, pode ter influenciado seu nível pressórico no momento da coleta de dados. O caráter transversal do estudo, com um único episódio de aferição pressórica, impede a identificação precisa do padrão pressórico do público. Os prontuários clínicos dos participantes não foram acessados, de forma que as informações sobre medicamentos regularmente consumidos dependeram somente do relato do participante. Os homens privados de liberdade são impedidos de consumir álcool e tabaco na instituição e uma fração importante deles se declarou ex-fumante. É possível que a proibição ao acesso às substâncias psicoativas, possivelmente relacionada a sintomas de abstinência e de procura, represente uma variável indutora de estresse, o que não foi verificado. A literatura escassa sobre o assunto constitui, ainda, um limitante para a generalização dos dados.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

A partir desta análise, os resultados do estudo pretendem contribuir com evidências científicas sobre a saúde e as reações ao estresse na população carcerária, ressaltando os fatores modificáveis associados à HAS, potencialmente manejáveis por profissionais da saúde e da psicologia, imbricados na assistência a este grupo, de acordo com o previsto na política nacional de saúde no cenário da privação de liberdade, tanto quanto por dirigentes das instituições prisionais no que tange à ambiência carcerária e às práticas e normas institucionais que possam favorecer um estilo de vida salutar. No que tange à enfermagem, os resultados pretendem sensibilizar esta categoria na atenção básica e especializada para a prevenção dos agravos cardiovasculares e promoção da saúde de homens privados de liberdade, considerando que este grupo altamente exposto a estressores ambientais circula pelos múltiplos intersetores; porém, pode estar restrito no acesso aos serviços de saúde preventivos, ressaltada sua vulnerabilidade diante do confinamento e da privação de sua autonomia, problemática essa de especial interesse para a enfermagem.

CONCLUSÕES

Praticamente, a metade da amostra apresentou níveis prejudiciais de estresse, segundo o inventário de LIPP (exaustão e resistência). Os fatores de risco identificados entre os participantes, quais sejam circunferência abdominal, elevação pressórica, histórico familiar de HAS, consumo de medicamentos anti-hipertensivos e hipoglicemiantes e preocupação com o consumo de sal, foram associados ao estresse, sendo essa associação compatível com o apresentado pela população geral. A frequência de HAS entre os participantes foi equiparável à da população brasileira, considerando-se uma única aferição. Entretanto, destaca-se que os participantes hipertensos, na coleta de dados, apresentaram maior índice de estresse autopercebido, o que vulnerabiliza este público para o desenvolvimento de DCNT, consequentemente repercutindo sobre o sistema de saúde.

As restrições institucionais impactam, inicialmente, a exposição a estressores ambientais (violências institucionais, isolamento, normatização), o sedentarismo, o sobrepeso, a qualidade dietética, o acesso a serviços de saúde e o acesso à educação em saúde. O controle de condições estressoras/estresse ambiental e o monitoramento do estado de saúde no ambiente de privação de liberdade, massificador, limitante para o autocuidado e para decisões sobre o estilo de vida, constituem desafios para profissionais de saúde e gestores na implementação da política nacional de saúde para privados de liberdade, sobretudo no âmbito da prevenção de agravos e promoção da saúde. Ainda que o objetivo tenha sido alcançado, infere-se que é necessário ampliar investigações científicas que superem os limitantes do presente estudo, a partir de desenhos metodológicos que oportunizem comparações e que capturem padrões pressóricos e de reações ao estresse neste público.

MATERIAL SUPLEMENTAR

O arquivo com os dados produzidos nesta investigação está disponível no link https://doi.org/10.48331/scielodata.ELZR9G

  • FOMENTO
    O projeto foi financiado pela Universidade Federal da Fronteira Sul, via Edital Nº 270/GR/UFFS/2020, sob o registro PES-2020-0103.

REFERENCES

Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2021
  • Aceito
    03 Nov 2021
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