Estado da arte sobre Práticas Avançadas em Enfermagem: reflexões para a agenda no Brasil

RESUMO

Objetivos:

revisar o estado da arte sobre as Práticas Avançadas em Enfermagem.

Métodos:

revisão de escopo de publicações existentes até 2020, nas bases PubMed/MEDLINE, SciELO, LILACS, BDENF, Web of Science e Scopus, identificadas pelos descritores “Prática Avançada de Enfermagem” ou “Advanced Practice Nursing”. Foram selecionados 184 documentos. Realizou-se a caracterização dessa produção, seguida da construção do panorama das diferentes regiões do mundo.

Resultados:

a produção apresentou tendência crescente na última década, estando presente em todos os continentes, embora 43,5% correspondam a artigos de opinião, comentários, editoriais e relatos de eventos. Mesmo com aspectos semelhantes, as justificativas para as Práticas Avançadas em Enfermagem refletem necessidades regionais específicas.

Considerações Finais:

os estudos ainda carecem de variedade metodológica e ênfase nas especificidades dos países e seus sistemas de saúde, além de maior detalhamento sobre a regulação do trabalho, formação profissional e impactos dessas práticas no próprio campo da enfermagem.

Descritores:
Prática Avançada de Enfermagem; Trabalho; Enfermeiras e Enfermeiros; Sistemas de Saúde; Brasil.

ABSTRACT

Objectives:

to review the state of the art on Advanced Nursing Practices.

Methods:

a scoping review of existing publications up to 2020, in the PubMed/MEDLINE, SciELO, LILACS, BDENF, Web of Science and Scopus databases, identified by descriptors “Prática Avançada de Enfermagem” or “Advanced Practice Nursing”. A total of 184 documents were selected. The characterization of this study was carried out, followed by the construction of an overview of different regions of the world.

Results:

studies showed an increasing trend in the last decade, being present in all continents, although 43.5% correspond to opinion articles, comments, editorials and event reports. Even with similar aspects, the justifications for Advanced Nursing Practices reflect specific regional needs.

Final Considerations:

the studies still lack methodological variety and emphasis on the specificities of countries and their health systems, in addition to greater detail on labor regulation, professional training and the impacts of these practices in nursing.

Descriptors:
Advanced Practice Nursing; Work; Nurses; Health Systems; Brazil.

RESUMEN

Objetivos:

revisar el estado del arte de las Prácticas Avanzadas de la Enfermería.

Métodos:

revisión de alcance de publicaciones existentes hasta 2020, en las bases de datos PubMed/MEDLINE, SciELO, LILACS, BDENF, Web of Science y Scopus, identificadas por los descriptores “Prática Avançada de Enfermagem” o “Advanced Practice Nursing”. Se seleccionaron 184 documentos. Se realizó la caracterización de esta producción, seguida de la construcción del panorama de las diferentes regiones del mundo.

Resultados:

la producción mostró una tendencia creciente en la última década, estando presente en todos los continentes, aunque el 43,5% corresponde a artículos de opinión, comentarios, editoriales y reportajes de eventos. Incluso con aspectos similares, las justificaciones de las Prácticas Avanzadas de la Enfermería reflejan necesidades regionales específicas.

Consideraciones Finales:

los estudios aún carecen de variedad metodológica y énfasis en las especificidades de los países y sus sistemas de salud, además de mayor detalle sobre la regulación laboral, la formación profesional y los impactos de estas prácticas en el campo de la enfermería.

Descriptores:
Enfermería de Práctica Avanzada; Trabajo; Enfermeras y Enfermeros; Sistemas de Salud; Brasil.

INTRODUÇÃO

O debate sobre as Práticas Avançadas em Enfermagem tem sido cada vez mais presente no cenário mundial(¹-²), com incentivo de organismos internacionais no sentido de atender necessidades globais de saúde. No âmbito da Organização Mundial da Saúde (OMS), aparece como estratégia para o alcance da Cobertura Universal de Saúde(³-⁴) e subsidia os argumentos dos planos estratégicos do Conselho Internacional de Enfermeiros (CIE), que trazem a Enfermagem de Prática Avançada (EPA) como necessidade mundial de ampliação da força de trabalho para fortalecimento dos sistemas de saúde(⁵-⁶). Na região das Américas, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) tem difundido a EPA, com foco na Atenção Primária à Saúde (APS)(³).

Embora o tema tenha ganhado visibilidade na última década, registram-se iniciativas de Práticas Avançadas em Enfermagem, desde os anos 1960, em diversos países(⁷-⁹). Em 2002, o CIE elaborou o primeiro documento que define e caracteriza a EPA(¹⁰) e, em 2017, pelo menos 70% dos hospitais no mundo já possuíam algum tipo de prática em enfermagem caracterizada como de natureza avançada(¹), com cerca de 70 países interessados na EPA e pelo menos 38 países já com práticas regulamentadas, com destaque para países de alta renda(⁴). Contudo, o monitoramento dessas ações, bem como de seus impactos, ainda é limitado a um grupo restrito de países(¹¹), nos quais têm sido relacionadas contribuições para a ampliação do acesso às ações e serviços de saúde, aperfeiçoamento do gerenciamento de casos de pacientes com múltiplos diagnósticos e redução de custos para os sistemas de saúde, devido à redução das taxas de hospitalização e readmissão(¹,¹¹).

Apesar disso, como a enfermagem se constitui um campo profissional diversificado entre os países no que tange à formação e ações desenvolvidas, as formas de implementação da EPA também apresentam diferenças, inclusive com variedade de denominação dos títulos, das funções desempenhadas, da formação exigida, bem como das formas de regulamentar o exercício profissional(¹,¹²). Destaca-se que existem mais de 50 títulos diferentes para as funções de EPA no mundo(⁴), além da intercambialidade de termos na literatura que não necessariamente são sinônimos.

Objetivando consolidar terminologias, o CIE atualizou um glossário(¹³), e neste, distingue os termos “Práticas Avançadas de Enfermagem” (PAE) e “Enfermagem de Prática Avançada” (EPA). A PAE denomina de forma genérica a expansão de fronteiras do escopo do trabalho em enfermagem, sendo caracterizada pela “integração e aplicação de uma ampla gama de conhecimentos teóricos e com base em evidências”. Por outro lado, a definição de EPA delineia um conjunto de “intervenções de enfermagem avançadas”, ampliadas em relação ao que normalmente está estabelecido para o enfermeiro em cada país, condicionada à qualificação em nível de pós-graduação. Desta segunda concepção, deriva a “Enfermeira de Prática Avançada” (EPA), que, com qualificação profissional adicional, adquire a “base de conhecimento especializado, habilidades para tomada de decisões complexas e competências clínicas para a prática”, cujas características são modeladas pelo contexto no qual é exercida a profissão em cada país. Apesar da similaridade dos termos, as definições apresentadas pelo CIE trazem diferenciações essenciais às reflexões que serão apresentadas ao final deste artigo.

A diversidade de títulos e atribuições de EPA pode ser categorizada em dois grupos: Enfermeira Clínica Especialista (ECE) e Enfermeira de Cuidados Diretos (ECD)(¹³). A ECE é a profissional que passa pela formação inicial, conforme a regulamentação de cada país, internacionalmente convencionada de Registered Nurse (RN), e que faz um curso de pós-graduação em área clínica específica. As ECD equivalem ao que tem sido denominado, na maior parte dos países, de Nurse Practitioner (NP), que são licenciados para exercer a profissão de acordo com a legislação especificada para o enfermeiro generalista, mas com escopo de prática mais amplo do que o do RN(¹,⁴,¹⁴). Como elemento comum a qualquer dos tipos de EPA, tem-se a capacidade de demonstrar experiência em quatro pilares: clínica, pesquisa, educação e gestão/liderança. No entanto, apesar da abrangência desses quatro aspectos, a dimensão clínica é o elemento central(¹²).

O crescente incentivo dos organismos internacionais para implantação da EPA nas diferentes regiões do mundo, diante da pluralidade de cenários nos diversos países, conduz para a necessidade de melhor conhecimento da produção científica e institucional existente, no intuito de subsidiar análises de contexto mais robustas. Essa necessidade é latente na América Latina e Caribe, diante do investimento que a OPAS vem fazendo para implementar a EPA na região. Para o Brasil, em especial, considerando a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), de caráter universal, bem como a regulamentação existente do trabalho em enfermagem, demanda-se uma análise mais específica sobre necessidades, possibilidades e caminhos da PAE.

A despeito de algumas revisões da literatura sobre o tema, aspectos sobre a característica das publicações, bem como sobre as singularidades da implementação da EPA nas diferentes regiões, ainda carecem de maior elucidação. Nessa investigação, busca-se sistematizar essa publicação de forma mais abrangente, no sentido de identificar as necessidades de produção de conhecimento, de modo a contribuir com a formulação de questões mais específicas para futuras pesquisas voltadas à realidade brasileira.

OBJETIVOS

Revisar o estado da arte sobre a PAE na literatura científica nacional e internacional, para fins de caracterização da produção, análise do panorama de implementação nas diferentes regiões do mundo e, mais especialmente, das publicações relativas aos cenários latino-americano e brasileiro.

MÉTODOS

Realizou-se uma revisão de escopo, segundo as recomendações do Joanna Briggs Institute(¹⁵), na perspectiva de localizar o estado da arte sobre o tema, a partir das seguintes questões de pesquisa: como tem se caracterizado a produção sobre o tema? Como tem sido justificada a implementação e desenvolvimento da PAE nas diferentes regiões do mundo? Qual o conteúdo está sendo produzido e debatido na América Latina e Caribe? Qual o panorama da produção brasileira sobre esse tema?

A busca foi realizada em outubro de 2020 e complementada em maio de 2021, nas bases de dados PubMed/MEDLINE, SciELO, LILACS, BDENF, Web of Science e Scopus, com uso do descritor “Prática Avançada de Enfermagem” e seu correspondente em inglês “Advanced Practice Nursing”, sob os filtros de textos completos e dos idiomas português, inglês, espanhol e francês, publicados até 2020.

Localizaram-se 1.017 documentos, que foram exportados para o software Rayyan para tratamento e seleção. Após a retirada das duplicatas, resultaram 579 documentos, a partir dos quais iniciou-se o processo de seleção por dois pesquisadores independentes, tendo como critério de inclusão os textos que possuíam a prática avançada como assunto principal. Os conflitos entre as decisões da seleção pareada foram solucionados com a participação de um terceiro pesquisador, obtendo-se, ao final, 184 documentos, que tiveram seus resumos analisados para fins da caracterização geral da produção, sendo considerados o ano e o tipo de publicação, o país de origem e as áreas de atuação da EPA (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma do processo de seleção dos estudos segundo critérios do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR)

Para a análise do panorama mundial e da produção específica da América Latina e do Brasil, foram selecionados artigos para análise na íntegra, a partir dos seguintes critérios: (i) revisões da literatura; (ii) estudos de grupos de países ou regiões específicas; (iii) análises sobre histórico de implementação da EPA nos EUA e no Canadá; (iiii) publicações sobre PAE relacionadas ao Brasil. Da amostra inicial, foram incluídos 32 artigos, e ainda sob os mesmos critérios, foram incorporados mais 7 documentos, por meio da busca manual de referências citadas no material analisado. Totalizaram-se, assim, 39 documentos lidos em profundidade, dos quais foram extraídas informações que respondiam às questões do estudo, de modo a permitir a construção de um panorama de diferentes regiões do mundo, assim como do Brasil (Figura 1).

RESULTADOS

Caracterização geral da produção

A primeira publicação encontrada sobre a temática foi nos anos 2000, porém foi na última década que ocorreu a maior parte da produção, principalmente entre 2014 e 2020, período que concentra 88% das publicações. Dessa produção, 43,5% correspondem a artigos de opinião, comentários, editoriais e relatos de eventos. As pesquisas originais totalizam 29,3%, as revisões da literatura, 9,2%, os relatos de experiência, 8,2%, outros estudos analíticos, 2,2%, e um percentual residual de 7,6% que não foi possível categorizar apenas com a leitura do resumo disponível.

Uma variedade de países, de todos os continentes, aparece como cenários analisados, ainda que muitos deles sejam somente citados ou possuam um debate incipiente sobre a EPA. Mesmo entre aqueles que já têm iniciativas de implantação, não se dispõem de informações detalhadas de todos. Os EUA, França e Espanha foram os países que prevaleceram como originários das publicações selecionadas. As áreas de atuação identificadas são muito variadas, e, para este estudo, optou-se por categorizá-las em três: clínica generalista, clínica específica e subárea clínica. A síntese dessa caracterização encontra-se no Quadro 1.

Quadro 1
Caracterização da produção sobre Práticas Avançadas em Enfermagem (n=184) nas bases PubMed/MEDLINE, SciELO, LILACS, BDENF, Web of Science e Scopus até 2020

Distribuição temporal	Tipo de publicação		Países com maior volume de publicações
2000 01 2001 01 2002 01 2003 00 2004 00 2005 00 2006 00 2007 01 2008 02 2009 03 2010 03 2011 03 2012 05 2013 02 2014 13 2015 19 2016 17 2017 19 2018 29 2019 39 2020 26	Opiniões, comentários, editoriais e relatos 80 (43,5%) Relatos de pesquisa 54 (29,3%) Artigos de revisão 17 (9,2%) Relatos de experiência 15 (8,2%) Sem categorização 14 (7,6%) Outros estudos analíticos 4 (2,2%)		Estados Unidos (n=26) França (n=13) Espanha (n=9) Noruega (n=5) Austrália (n=5) Chile (n=5) Colômbia (n=5) Canadá (n=4)
	ÁREAS DE ATUAÇÃO DE ENFERMEIROS DE PRÁTICA AVANÇADA
	Clínica generalista	Clínica específica	Subárea clínica
	• Atenção Primária • Coordenador clínico • Cuidados em emergência • Cuidados familiares • Cuidados intensivos • Cuidados prolongados e domiciliários • Cuidados rurais e remotos • Doenças crônicas • Enfermeiro pesquisador • Gerente de cuidados • Saúde escolar e universitária	• Cardiologia • Cirurgia • Cuidados paliativos • Doença respiratória • Geriatria • Nefrologia • Neurologia • Obstetrícia • Oncologia • Ortopedia • Pediatria/neonatologia • Saúde ocupacional • Saúde mental • Saúde sexual e reprodutiva • Urologia	• Anestesia • Diabetes mellitus • Doenças do sono • Doença inflamatória intestinal • Fibrose cística • Genética • Hepatites/HIV • Terapia anticoagulante • Terapia com opioides e neurolépticos • Transplante • Transtornos por uso de substâncias. • Tratamento da dor aguda • Tratamento de feridas

Panorama das Práticas Avançadas em Enfermagem nas diferentes regiões do mundo

As experiências de ampliação do escopo de prática em enfermagem apresentam pontos convergentes, mas também algumas singularidades em cada região do globo. O Quadro 2 apresenta a síntese de artigos analisados na íntegra para construção do panorama descrito a seguir.

Quadro 2
Síntese descritiva dos artigos analisados na íntegra (n=39) de acordo com autor/ano, país analisado, tipo de publicação e conteúdo, no período de 2002 a 2020

Autor Ano	Países	Tipo de publicação e conteúdo principal
Parker JM, Hill MN, 2017(1)	EUA, Canadá, Austrália, Hong-Kong	Revisão da literatura sobre implementação da EPA: formação, papel, escopo de prática, carreira, acreditação e avaliação de desempenho.
Li Q et al, 2020(2)	China e EUA	Ensaio historiográfico sobre aspectos históricos da EPA na China, comparado aos EUA.
Bryant-Lukosius D et al, 2017(4)	América Latina	Revisão da literatura sobre a EPA no contexto internacional e o seu papel para o desenvolvimento da cobertura e acesso universal à saúde na América Latina.
Kaasalainen S et al, 2010(7)	Canadá	Revisão da literatura sobre aspectos históricos do desenvolvimento do papel da EPA no Canadá.
Keeling AW, 2015(8)	EUA	Ensaio historiográfico sobre a EPA nos EUA, seu desenvolvimento e desafios.
Sheer B, Wong FKY, 2008(9)	Todos os continentes	Pesquisa documental sobre aspectos históricos, necessidades, facilidades, atuação e formação para EPA.
Maier C, Aiken L, Busse R, 2017(11)	OECD e Europa	Estudo analítico sobre o desenvolvimento e reformas regulatórias do papel da EPA, funções exercidas, programas educacionais, legislação e regulamentos.
Lee G, Hendriks J, Deaton C, 2020(12)	Europa	Editorial sobre o panorama da EPA na Europa e seu papel no acompanhamento de pessoas com doenças crônicas cardiovasculares.
ANNP, 2021(14)	EUA	Linha do tempo histórico da Associação Americana de Nursing Practitioners.
Brooten D et al, 2002(16)	EUA	Revisão da literatura sobre EPA na alta precoce em diferentes grupos de pacientes, com foco na condição de saúde, satisfação do paciente e custo.
Yi M, 2016(17)	Ásia	Análise da situação da oncologia na Ásia e proposta de ampliação na atuação em enfermagem oncológica, por meio da EPA, visando potencializar as ações de prevenção e triagem, assim como o cuidado continuado e paliativos.
Almukhaini S et al, 2020(18)	Países árabes	Protocolo de pesquisa de revisão de escopo sobre o papel da EPA na região.
Christmals CD, Armstrong SJ, 2019(19)	África Subsariana	Revisão da literatura sobre relevância, oportunidades e desafios à implementação de um programa de EPA voltado à saúde da criança na África Subsaariana.
Scanlon A, Murphy M, Smolowitz J, Lewis V, 2020(20)	Países de média e baixa renda	Revisão da literatura sobre papéis dos EPA em países de baixa e média renda.
Cassiani SHDB, Zug KE, 2014(21)	América Latina	Editorial que aborda as iniciativas da OPAS para promover a EPA na América Latina.
Cassiani SHDB, Zug KE, 2015(22)	América Latina	Editorial que aborda algumas iniciativas da OPAS para o alcance da Cobertura Universal de Saúde e implementação da EPA para ampliação da APS.
Cassiani S, Lopez RS, Rosales LK, 2016(23)	América Latina	Editorial que aborda algumas iniciativas da OPAS para o alcance da Cobertura Universal de Saúde e implementação da EPA para ampliação da APS.
Cassiani SHDB, Rosales LK, 2016(24)	América	Editorial sobre iniciativas para a implementação de PAE na região das américas.
Morán-Peña L, 2017(25)	América Latina	Editorial que aborda algumas iniciativas da OPAS para a implementação da EPA, no sentido de fortalecer as ações de APS.
Morán Peña L, 2015(26)	América	Editorial sobre aspectos históricos da EPA e sua implementação nas Américas.
Honig J, Doyle-Lindrud S, Dohrn J, 2019(27)	América Latina	Descrição da primeira fase de um projeto que buscou desenvolver um conjunto de competências de PAE, baseadas em consenso, para produzir um protótipo curricular a serem adaptadas em países da América Latina.
Cassiani SHDB et al, 2018(28)	América Latina	Estudo quantitativo descritivo, que verificou competências centrais para a formação do EPA na APS.
Zug KE et al, 2016(29)	América Latina	Estudo sobre a regulação, educação e prática da EPA na América Latina e a percepção de líderes de enfermagem na região quanto ao papel da EPA na APS.
Bezerril MS et al, 2018(30)	América Latina	Revisão da literatura sobre fatores que podem influenciar a implantação da PAE.
Bellaguarda ML, 2015(31)	Brasil e Canadá	Estudo comparativo, que analisou as diferenças entre prescrição de medicamentos por enfermeiros no Brasil e em Ontário, Canadá.
Pereira JG, Oliveira MAC, 2018(32)	Brasil	Pesquisa qualitativa sobre a autonomia profissional de enfermeiros no cotidiano do trabalho e como essa autonomia é percebida por outros profissionais da equipe multiprofissional.
Nascimento WG et al, 2018(33)	Brasil	Análise documental sobre a prescrição de medicamentos e solicitação de exames, com vistas à prática avançada no âmbito da APS.
Andriola IC, Sonenberg A, Lira ALBC, 2020(34)	EUA e Brasil	Estudo observacional da prática da EPA em hospital americano, com vistas a subsidiar a implementação da PAE no Brasil.
Dias CG et al, 2013(35)	Brasil	Relato de experiência da implantação do modelo de EPA na composição do quadro de enfermagem de pediatria oncológica.
Souza BML, Salviano CF, Martins G, 2018(36)	Brasil	Relato de experiência de extensão universitária de PAE em uropediatria, desenvolvido no ambulatório de um hospital de ensino do Distrito Federal.
Mattos-Pimenta CA et al, 2020(37)	Brasil	Descreve a experiência do mestrado profissional em saúde da mulher, que integrou os conceitos de EPA.
Rewa T et al, 2019(38)	Brasil	Estudo qualitativo, que analisa a percepção de egressos da residência em enfermagem e do mestrado profissional na Atenção Básica sobre a EPA na APS e o modelo de formação necessário.
Andriola IC, Sonenberg A, Lira AL, 2020(39)	Brasil	Revisão da literatura sobre indicadores de processo e desfechos do SUS e possíveis contribuições da EPA para melhorar os cuidados de saúde materno-infantil no Brasil.
Robazzi MLCC, 2014(40)	Brasil	Editorial sobre possibilidades da prática avançada e os mestrados profissionais em enfermagem.
Silvan Scochi CG et al, 2015(41)	Brasil	Reflexão acerca da contribuição dos programas de mestrado profissional para a EPA no Brasil.
Vitor AFAF, 2018(42)	Brasil	Editorial sobre perspectivas da EPA no Brasil e no mundo.
Oliveira JLC, Toso BRGO, Matsuda LM, 2018(43)	Brasil	Ensaio teórico-reflexivo, embasado na literatura internacional sobre PAE e análise pertinente à profissão ao contexto brasileiro.
Miranda Neto MV et al, 2018(44)	Brasil	Reflexão sobre o papel da EPA no contexto da APS brasileira.
Cassiani SHB, Silva FAM, 2019(45)	Brasil	Editorial que aborda o contexto internacional da EPA e aponta o Brasil como contexto favorável à implementação para fortalecer a APS, principalmente pelo mestrado profissional.

Estados Unidos da América

A EPA neste país tem seus antecedentes no próprio processo de profissionalização da enfermagem, no final do século XIX e início do século XX, quando enfermeiras atuavam em regiões de difícil acesso, diagnosticando, intervindo e encaminhando pacientes(⁸). Foi a partir de 1965, com a expansão do papel da enfermeira em puericultura na região do Colorado, que se iniciou o que viria a tornar a formação da NP(⁸,¹⁴).

No início dos anos 1970, passou a ser defendida essa ampliação de prática como forma de melhorar o acesso dos norte-americanos aos serviços de saúde(⁸), porém, com muitas adversidades no processo de regulamentação. Primeiro, passou-se a admitir que enfermeiras poderiam diagnosticar e prescrever medicamentos em “condições especiais”; posteriormente, tais condições foram definidas como sendo programas de treinamento para algumas especialidades(⁸).

A literatura aponta alguns fatores que incentivaram a ampliação das práticas de enfermagem no país, como o envelhecimento populacional, aumento das comorbidades crônicas e necessidade de gerenciamento de casos, assim como o alto custo em saúde e a dificuldade de acesso de determinados grupos populacionais, além do foco do cuidado baseado em evidências(¹). Atualmente, conta com quatro títulos de EPA reconhecidos: especialistas clínicos, NP, enfermeiras obstetras e enfermeiras anestesistas(¹). Essas funções têm sido valorizadas e integram a rede de serviços de saúde norte-americana(²), mas suas atribuições obedecem à regulamentação de cada estado, e, entre alguns deles, podem ter grandes disparidades no âmbito da formação, habilitação e escopo de prática(¹,¹⁴).

Possivelmente, são os NP aqueles que têm uma atuação mais organizada nacionalmente e, em 2019, eles eram capazes de fornecer entre 75% e 93% dos serviços de APS, nos quais incluem-se diagnóstico, gestão de problemas de saúde, prescrição de medicamentos e tratamentos e ações de educação em saúde(²). Os NP atuam também nos cuidados especializados, em ambientes como clínicas, hospitais, salas de emergência, lares de idosos, escolas, faculdades e departamentos de saúde pública(¹⁴).

As enfermeiras norte-americanas são as que mais reúnem evidências de resultados da EPA. No início dos anos 2000, já eram apontados redução de custo com rehospitalizações e tempo de internação(¹⁶). Ao longo do tempo, foram agregadas outras evidências no âmbito da coordenação de casos de pacientes em transição entre os ambientes assistenciais(¹), além da qualidade do atendimento também ter sido considerada superior, quando comparada aos médicos, com um custo mais baixo, e estarem mais propensas a atenderem populações vulneráveis(²).

Mas, ainda são relatados muitos desafios para a EPA no país, dentre os quais se destacam: o custo da formação sem garantia de retorno; a insuficiência de corpo docente clinicamente competente e academicamente qualificado; a desatualização da legislação; a resistência da categoria médica; tentativas de desqualificação diante da população, associada ao próprio desconhecimento do público; a falta de políticas de reembolso por companhias de seguros; o fato das progressões funcionais dependerem dos empregadores; e normas de cada instituição.

Canadá

Os antecedentes históricos da EPA no Canadá também remontam ao final do século XIX, com atuação de enfermeiras inglesas em áreas mais remotas do país. Porém, somente a partir dos anos de 1960/70 é que vão iniciar processos de formalização de tais práticas, impulsionados pela introdução do seguro médico universal com financiamento público e ênfase na APS, como também pela complexidade do cuidado clínico que emerge no pós-segunda guerra mundial(⁷). Desde então, elas vêm construindo sua proposta de formação e regulamentação, que passava pela necessidade de atender áreas remotas, cuidados primários em áreas urbanas e especialidades clínicas diversas(¹,⁷). A despeito do enfrentamento de dificuldades de consensos sobre a formação e falta de investimento público até os anos 1980, em tempos mais recentes, o governo canadense tem se destacado mundialmente na preparação da pós-graduação, no apoio às profissionais de enfermagem e em investimento em pesquisas sobre os resultados da EPA(⁷), fomentando a integração e sustentabilidade da mesma no território nacional(⁹). É o país do mundo que possui os dados mais detalhados sobre essa força de trabalho(¹¹).

Tendo como requisito o nível de mestrado(⁹), são identificados três títulos de EPA no país: os especialistas clínicos, enfermeiras de APS e enfermeiras de cuidados agudos. Destes, a maior proporção e também o mais consolidado nacionalmente, no que tange à padronização e regulamentação do exercício, são os da enfermeira de APS. Já a proporção de especialistas clínicos é bem inferior, quando comparada aos EUA, assim como não têm padrões nacionais para essa função, havendo inconsistência dentro e entre as províncias na preparação educacional para tais funções, sendo as províncias que regulamentam a prática(¹,⁹). Possuem 26 organizações certificadoras, todas coordenadas pela Canadian Nurses Association, que garante alguma consistência de padrões e métodos(¹).

Europa

Algumas necessidades em saúde da população europeia, bem como as características de seus sistemas de saúde, têm propiciado o debate e aberto caminhos para implantação da EPA no continente. O envelhecimento populacional, somado à complexidade das múltiplas doenças crônicas, tem apontado para a necessidade de força de trabalho voltada à prevenção, bem como do cuidado baseado em evidências e apoio para o autogerenciamento. Mas a literatura demonstra que ainda são limitadas as evidências de custo-benefício, assim como da capacidade educacional e áreas de atuação(¹²).

As experiências mais antigas do continente estão no Reino Unido e Holanda(¹¹). No Reino Unido, as funções de prática avançada na área da saúde se aplicam a uma diversidade de profissionais, que incluem enfermeiras com uma série de títulos e variações regionais na função(¹²). Já a Holanda conta com um título protegido e validado em cinco categorias: cuidado preventivo para condições somáticas, cuidado agudo para condições somáticas, cuidado intensivo para condições somáticas, cuidados crônicos às doenças somáticas e à saúde mental, sendo que a maioria atua na APS, gerenciando os cuidados aos idosos(¹²).

Outras experiências têm sido observadas na última década em diversos países. A Finlândia iniciou a implementação da EPA em 2003(¹¹), a Suécia tem a EPA implantada desde 2010 no âmbito da APS, enquanto que, na República da Irlanda, a EPA é um caminho de carreira para RN desde 2019(¹²). Na Estônia e Lituânia, também já se encontra implantada, inclusive com incentivos financeiros que têm potencializado a contratação dessas trabalhadoras(¹¹). Com estágios iniciais de desenvolvimento após 2010, encontram-se a Áustria, parte flamenga da Bélgica, Croácia, França, Alemanha, Islândia e Suíça(¹¹). Em 2020, Dinamarca, Noruega, República Tcheca e Hungria estavam em processo de implantação(¹²).

Mesmo sendo o continente com maior número de países com experiências de EPA, não há consenso sobre o que é a prática avançada, sua necessidade de formação, seus papéis, assim como nem todos os países reconhecem ou apoiam a iniciativa(¹²). Grande parte não adota necessariamente o nível de mestrado para a EPA, e a área de APS tem sido a mais impulsionada, sendo também aquela sobre as quais encontram evidências de qualidade nos cuidados, inclusive superiores àqueles prestados por médicos em algumas situações(¹¹).

Oceania

A EPA nessa região foi motivada pela necessidade de fixar profissionais em áreas rurais remotas, mas, com o tempo, também foram abertas possibilidades de superação de lacunas em outras áreas dos serviços de saúde(¹). A literatura considera como consolidadas as experiências de EPA na Austrália e Nova Zelândia, que estão entre os poucos países do mundo que dispõem de dispositivos de acompanhamento de tais práticas(¹,⁹,¹¹). Ambos adotam o nível de mestrado para a NP, expandiram a autoridade de prescrição ou empreenderam reformas para promover o papel da EPA. Os governos delegam a regulamentação aos órgãos do próprio campo da enfermagem, e as EPA podem atuar no âmbito do sistema de saúde ou em consultórios privados(¹,⁹,¹¹).

Na Nova Zelândia, as reformas foram mais lentas, principalmente em razão da oposição da associação médica(¹¹). Com o primeiro programa de NP reconhecido em 2000, o título foi regulamentado no país(⁹), e embora tenha evoluído no que tange à prescrição de medicamentos, até 2015, ainda se buscava ampliar o escopo de prática para outros domínios, como a assinatura de atestados e declarações de condição de saúde ou óbito(¹¹).

A experiência da Austrália iniciou-se nos anos 1990, com um programa de EPA em uma de suas províncias, e, ao demonstrar bons resultados, acabou entrando na agenda governamental(⁹). A modalidade de NP é a mais desenvolvida na Austrália, favorecida pela regulamentação do ensino em enfermagem e da prática dos profissionais de saúde de âmbito nacional, garantidos no país desde 1980 e 2009, respectivamente(¹). As enfermeiras, que no país são formadas em universidades, adquirem o título de NP por meio do mestrado, em articulação com universidades e serviços, que incluem três anos de exercício em tempo integral na área. A regulamentação da EPA ocorreu em 2000, e, em 2005, foram estabelecidos padrões de competência nacional do escopo da prática, que tem sido avaliada como segura e eficaz, embora a aceitação das partes interessadas ainda seja variável(¹).

Já o que tem sido denominado como demais modalidades de EPA, voltadas às especialidades clínicas, não possui o grau de mestrado como estratégia de formação. Até 2017, não possuíam registro específico e apresentavam fragilidades no mecanismo de formação, assim como ambiguidades no que diz respeito ao papel, variedade de títulos e diversidade das práticas. As áreas de especialização são pouco estruturadas, e o escopo da prática é formalizado por aceitação das partes interessadas, que ocorre no âmbito da agência de saúde local(¹).

Ásia

As iniciativas de implantação da EPA em alguns países da Ásia têm sido justificadas pelo aumento da carga de doenças crônicas, sobretudo o câncer e a disparidade na incidência e mortalidade entre regiões mais e menos desenvolvidas, sendo essas a maioria dos países e nas quais se encontra a maior escassez de força de trabalho. Além disso, destaca-se a necessidade de cuidado culturalmente sensível e otimização dos limitados recursos para cuidados de saúde(²,¹⁷).

Na região da Ásia oriental, o maior destaque é para a China, que, mesmo não tendo a EPA muito desenvolvida em sua região continental, tem experiências consolidadas em Hong Kong e Taiwan(⁹). Em Hong Kong, a reforma do sistema de saúde dos anos 1990 possibilitou uma atuação clínica para as enfermeiras graduadas nas universidades, e a regulamentação do trabalho é feita pelo Conselho de Enfermagem de Hong Kong(¹). A educação de pós-graduação foi introduzida em 1995(⁹), mas a função de EPA só foi estabelecida em 2002, com a enfermeira especialista, e, em 2008, acrescentou-se um outro papel mais elevado, que foi a enfermeira consultora clínica(¹). Assim, a EPA em Hong Kong tem grau de especialização e guarda relação com o tempo de atuação na profissão, em um sistema de progressão de carreira(¹). A atuação acontece tanto nas instituições hospitalares quanto também, de forma independente, em clínicas de enfermagem(⁹). Suas funções englobam avaliação clínica avançada, educação, pesquisa e consulta, com destaque para o gerenciamento de casos ambulatoriais, para os quais têm demonstrado bons resultados na qualidade e segurança do atendimento ao paciente. Mas ainda enfrentam barreiras, como a não aceitação do papel por parte de outros profissionais de saúde e, por vezes, do público em geral, além dos direitos limitados para prescrição e encaminhamentos(¹). Ainda assim, têm influenciado o incentivo a expansão da EPA na China continental, que também tem sido destacada pela literatura(¹). Em 2005, a necessidade de desenvolver a EPA foi descrita em um documento do Ministério da Saúde Chinês(⁹). Em 2015, instituiu-se o primeiro programa educacional de NP(²). Em 2017, deu-se início ao primeiro programa de mestrado, e foi implantado o primeiro programa de treinamento em serviço(²).

Com menor frequência na literatura, são encontradas outras experiências nessa região asiática. A Coreia tem como antecedentes as enfermeiras parteiras e enfermeiras anestesistas, desde 1950, com a expansão para área comunitária, domiciliar e saúde mental entre os anos 1970/90. Em 2000, foram colocadas sob um título amplo de EPA, que depois passou a agregar novas áreas(⁹). Nesse período, também são identificadas iniciativas em Cingapura e Tailândia, sendo que, na maior parte desses títulos, predomina mais o modelo das enfermeiras especialistas clínicas. Nesse sentido, pode-se incluir também o Japão, que, apesar de não ser evidenciado o uso do título EPA, as especialidades existentes para as enfermeiras guardam semelhanças com os exemplos dos países vizinhos, todos com especializações ou mestrados, ofertados por universidades e certificações nacionais(⁹).

Na região da Ásia Ocidental, na década de 1990, constam algumas iniciativas de EPA na Jordânia e na Arábia Saudita, seguidas de experiências mais recentes de início de programas de mestrado em Omã, Emirados Árabes Unidos e Catar(¹⁸). Além disso, um estudo já identificou práticas consideradas como EPA já estabelecidas, mesmo que em estágio inicial de implantação e reforma regulatória tímida, como em Israel(⁸).

Porém, é uma região ainda sem muitas análises sobre essa prática e que tem recebido apoio da OMS para o seu desenvolvimento em, pelo menos, 21 países: Afeganistão, Bahrein, Djibouti, Egito, Irã, Iraque, Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Marrocos, Omã, Palestina, Catar, Arábia Saudita, Somália, Sudão, Síria, Tunísia, Emirados Árabes Unidos e Iêmen(¹⁸).

África

Com grande parte dos países enfrentando situações de pobreza extrema, graves problemas de saúde e baixa capacidade de respostas diante de situações de recursos limitados e escassez de profissionais de saúde, a contribuição do trabalho em enfermagem tem ganhado reconhecimento nos discursos oficiais. A OMS estimava que, até 2005, mais de 80% das necessidades de saúde eram atendidas por enfermeiras na região. Até 2007, iniciativas de EPA foram identificadas em Botsuana, África do Sul e Suazilândia, mas enfrentavam desafios quanto à falta de modelos de atuação, definição do escopo da prática e mecanismos de reembolso(⁹).

As informações sobre EPA nesse continente, na literatura revisada, estão mais concentradas na África Subsaariana (SSA) e o que mais tem motivado esse debate na região tem sido a dificuldade de acesso aos cuidados de saúde, dentre outras coisas, relacionada à escassez de força de trabalho. Diferentemente de outras regiões do mundo, onde o envelhecimento populacional tem incentivado a PAE, nessa região africana, as motivações estão voltadas ao alto crescimento populacional, com crianças constituindo de 70 a 90% da população em algumas áreas rurais e alta mortalidade da população menor que 12 anos. Assim, a referência à EPA está associada à necessidade de reduzir o custo dos cuidados de saúde e melhorar a relação custo-benefício, sobretudo em uma aposta no programa Child Health Nurse Practitioner(¹⁹). Mesmo sendo entendida como uma estratégia possível para a região, com base nas experiências de outros lugares, ainda enfrenta entraves, como recursos limitados, oposição da profissão médica, regulamentação e órgãos reguladores de enfermagem frágeis, além da falta de programas de referência de EPA específicos(¹⁹).

Entretanto, embora o debate já circule no continente africano, ainda há insuficiente número de publicações para um panorama mais robusto. As experiências de EPA aparecem sistematizadas também em estudo que analisa países de baixa renda, e, dentre eles, a Zâmbia tem se destacado no número de publicações, mas a maioria desses países não tem iniciativas de fortalecimento da prática e regulamentação das funções da EPA(²⁰).

América Latina

Nessa região, a implantação da EPA tem sido considerada pela literatura como incipiente e diversificada quanto à compreensão, formação e regulação. Há poucos programas de educação estabelecidos e ainda não há mecanismos de regulação para os papéis, embora estejam sendo desenvolvidos em alguns países(⁴). Verifica-se que a OPAS tem sido a grande propagadora dessa iniciativa, sobretudo desde 2013/2014, quando seus documentos passaram a tratar da redução da carência de recursos humanos em saúde para atender à cobertura e acesso universal. Reflexo disso é que, nesta revisão de escopo, foram encontrados, no período entre 2014 e 2017, seis editoriais de revistas importantes da região, incentivando os países a implantarem a EPA, sendo quatro deles escritos por agentes da OPAS(²¹-²⁴) e dois por representante da Asociación Latinoamericana de Escuelas y Facultades de Enfermería (ALADEFE)(²⁵-²⁶), abordando o mesmo conteúdo.

Ainda seguindo uma agenda da OPAS, a partir de 2018, começaram as publicações sobre pesquisa com enfermeiras da região sobre as competências necessárias para a EPA aplicáveis aos países latino-americanos, para produzir um protótipo curricular(²⁷-²⁸). Também, têm-se algumas análises do contexto da região para implantação da EPA, a partir das publicações já existentes ou percepção de lideranças da enfermagem(⁴,²⁹-³⁰), abordando as necessidades, possibilidades e possíveis resultados.

A necessidade ressaltada por essa literatura é a maior oferta de profissionais em regiões remotas e redução de custos em saúde para o alcance da Cobertura Universal da Saúde com base na APS. As possibilidades identificadas na região como favoráveis à implantação são a autonomia dos profissionais de enfermagem em alguns países no âmbito das prescrições de medicamentos, o perfil da formação, o aumento das pós-graduações e a ampliação e valorização da APS com boa aceitação do trabalho da enfermagem pela população. Nesse caso, os cenários apontados como os mais propícios são Brasil, México, Chile e Colômbia. Como possíveis resultados, são sinalizados a qualificação da assistência, a ampliação do acesso aos serviços de saúde por populações carentes, o fomento da APS como porta de entrada no sistema de saúde e o aprimoramento das atividades das enfermeiras nos cuidados aos pacientes(³⁰).

Em termos concretos de implantação da EPA, a Jamaica é provavelmente o país com mais experiência, através da introdução dos programas de NP, seguido por Belize, ambos implantados desde 1992(⁴,³⁰). Como entraves para implantação da EPA na América Latina, são apontadas divergência na compreensão da mesma pelos profissionais e também pelos tomadores de decisão, alto percentual de formação técnica comparada à graduação, resistência de outros profissionais, formação incipiente em APS ou baixo reconhecimento dessa especialização, diferenças regionais no nível de desenvolvimento socioeconômico dos países, além da fragilidade dos movimentos organizacionais e políticos em prol dessa iniciativa(⁴,³⁰).

Brasil

No que tange à produção sobre o tema, o estado da arte não difere muito do que se tem para a América Latina, mesmo possuindo um sistema de saúde e campo da enfermagem com elementos muito diferentes, quando comparado com a maior parte dos países da região. Algumas publicações têm considerado a autonomia clínica no âmbito da APS ou da saúde da mulher como equivalente ao que é desenvolvido pela EPA em outros países(³¹-³⁴). Verifica-se, em outros trabalhos localizados, até mesmo a utilização da denominação de EPA para ações desenvolvidas nas áreas de oncologia, uropediatria e enfermagem obstétrica(³⁵-³⁷). Encontra-se também uma busca pelas percepções de enfermeiras sobre a EPA(³⁸) e um estudo de revisão que analisou indicadores de processo do SUS e de desfecho esperados, para explicar como a implementação da EPA poderia contribuir para melhorar os cuidados de saúde materno-infantil no Brasil(³⁹).

Destaca-se que parte significativa da literatura referente ao Brasil é de editoriais ou artigos de reflexão sobre possíveis contribuições da EPA, caminhos e possibilidades para implementação, principalmente no campo da APS, na vertente defendida pela OPAS(⁴⁰-⁴⁵).

DISCUSSÃO

Sínteses possibilitadas pelo estado da arte

A produção acadêmica ainda carece de especificações sobre o escopo de prática da EPA, consistência do título, regulamentação do exercício profissional e sua diferença para a enfermeira especialista. As singularidades da EPA e outras possibilidades no âmbito da PAE também não são exploradas, no sentido de analisar processos de desenvolvimento da prática profissional nos diversos países. Os métodos dos estudos até então utilizados têm sido, em grande parte, descrição de experiência ou entrevistas com enfermeiros ou “líderes” da enfermagem, com reduzidas análises documental ou outras formas de análise mais sistemáticas das políticas nacionais ou organizacionais. Acabam por prevalecer elementos subjetivos em torno da confiança, liderança e autonomia, ou mesmo limitam-se a descrever superficialmente as práticas existentes, formação e regulamentação. Ressalta-se, ainda, um possível viés, uma vez que os informantes tendem a ser as enfermeiras que já defendem a ampliação do escopo da prática na vertente EPA, e os documentos, muitas vezes, são das próprias organizações do campo da enfermagem voltados a essa iniciativa.

No que diz respeito às justificativas para implantação da EPA, com essa fragilidade de métodos analíticos, dá-se pouca ênfase às especificidades dos países e características de seus sistemas de saúde. A maior parte das publicações revela justificativas que tendem a prevalecer e reforçar os discursos das organizações internacionais em torno da escassez de médicos, elevados custos e dificuldade de acesso, nem sempre acompanhadas de dados fundamentados sobre os países ou análises das condições objetivas locais. Nesse sentido, diante das duas dimensões que caracterizam a EPA(¹¹) - substituição do médico no que antes era privativo deste ou criação de novas funções para as enfermeiras que atendam à complexidade da atenção à saúde - é reforçada mais amplamente a primeira.

Elementos de reflexão para a agenda de pesquisa brasileira

É inegável a necessidade de potencializar a força de trabalho em saúde para qualificar a atenção e ampliar o acesso, de modo a contemplar as constantes e crescentes demandas de cuidado e gestão. No caso do Brasil, as evidências apontam para o potencial das enfermeiras brasileiras e seu papel na implementação das políticas de saúde, com uma importância singular para o SUS, no qual alcançaram elevado grau de autonomia profissional, ainda que tenham limites a serem superados.

Todavia, o debate em curso sobre as “práticas avançadas” requer um aprofundamento que considere suas diferentes nuances. A “expansão de fronteiras do escopo do trabalho”, presente na definição da PAE, reflete um movimento histórico de desenvolvimento de qualquer categoria profissional em seu encontro com a complexificação da realidade em que atua, no qual a profissão avança sobre o próprio limite, “expandindo-se”, resultando, portanto, em possíveis especializações do próprio campo profissional. Por outro lado, a EPA traz uma perspectiva de “diferenciação” e “exteriorização” a esse campo, aproximando-se de uma definição de “tipo de enfermagem” que, em grande parte, passa a ser uma “concessão” para atuar no escopo de outro campo profissional.

Portanto, ao analisar o que se tem produzido na América Latina e até mesmo a fragilidade ainda desse debate no Brasil, há que se perguntar: qual ampliação de escopo interessa à enfermagem brasileira e ao SUS e em qual formato? No caso da APS, onde ela está sendo mais estimulada pela OPAS, o que isso implicaria no que diz respeito ao trabalho multiprofissional que já vem sendo desenvolvido nas últimas décadas? Ou seja, está no bojo dos debates sobre reformulação do processo de trabalho da equipe de APS, da perspectiva de um campo profissional que já convive com as questões de sobrecarga, superexploração, processos de precarização, fragmentação em categorias profissionais distintas, desigualdade de gênero, além da fragilidade dos sistemas de saúde e baixa regulação do trabalho em enfermagem em alguns países.

Diante disso, ao pensar o Brasil, é necessário levar em consideração alguns aspectos. O primeiro é o fato de possuir um sistema de saúde universal, que vem ao longo dos anos consolidando a APS, reorientada pela Estratégia Saúde da Família (ESF), com uma equipe mínima estabelecida. Mas, nesse processo, destacam-se as piores coberturas de ESF nos grandes centros urbanos e maior dificuldade de fixação de profissionais - principalmente médicos - nos pequenos municípios.

O segundo aspecto se relaciona com os avanços obtidos pelo país no âmbito da formação e regulação do trabalho em enfermagem, comparada a outros países latino-americanos, bem como do ensino universitário para formação de enfermeiras, com diploma equivalente em grau acadêmico para todas as profissões da saúde. Ao longo dos anos, a enfermagem brasileira avançou nos marcos regulatórios das categorias profissionais que a compõem, e isso dialoga com o terceiro aspecto e todas as contradições e desafios que ele possa implicar, que é o fato de o país ser atualmente um dos mais fortes mercados da educação privada do mundo.

Limitações do estudo

Embora a escolha das bases, bem como do descritor genérico “Práticas Avançadas de Enfermagem”, tenha sido feita no sentido de garantir maior sensibilidade à busca, eventualmente podem ter excluídos documentos referentes a alguns países, principalmente levando em consideração o fato da grande variedade de títulos de EPA existentes. Portanto, estudos que superem esses limites podem aperfeiçoar as respostas para algumas das questões levantadas.

Contribuições para a área da enfermagem e saúde

Este trabalho propiciou uma síntese da produção sobre a temática, de modo a contribuir com a identificação de necessidades de pesquisas com desenhos metodológicos variados que possam contemplar diferentes aspectos analíticos, ainda não suficientemente explorados. Com isso, apresenta contribuições para atualização da agenda de pesquisa em enfermagem e saúde, sobretudo no que tange à política de pessoal, qualificação da atenção à saúde e análise da força de trabalho em geral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, evidencia-se para o Brasil a necessidade de um debate sobre “práticas avançadas” em uma perspectiva da PAE, amparado por uma produção acadêmica diversa e metodologicamente consistente para orientar as tomadas de posição pelas organizações da categoria, assim como subsidiar a tomada de decisão de gestores e formuladores de políticas educacionais e da força de trabalho em saúde. É fundamental, nesse processo de análise, a comparação de realidades que levem em consideração aspectos como: sistema educacional geral; modelo de sistema de saúde; formação para atuar no campo da enfermagem; regulação do trabalho em enfermagem; diferença das categorias profissionais dentro do campo de enfermagem. Esses mesmos aspectos também requerem análises comparadas do Brasil com países da América Latina, com problemática de pesquisa que ultrapassem o discurso das organizações internacionais. Isso permitiria obter um panorama da PAE com mais detalhes sobre as necessidades, potencialidades e pertinência, com vistas aos impactos para os sistemas de saúde, para além da redução de custo e, principalmente, os impactos para o próprio campo da enfermagem, no sentido da valorização profissional, salário e papel desempenhado nos sistemas universais de saúde. Em especial, há que se responder quais as necessidades de saúde da população brasileira e de seu sistema de saúde a prática em enfermagem precisa atender.

Ainda é preciso ressaltar a importância de considerar que os quatro pilares da EPA já são competências formais da graduação em enfermagem no Brasil (clínica, pesquisa, educação e gestão). Assim, elementos, como o cuidado direto ao paciente com base clínica, a capacidade de liderar, colaborar e cooperar com a equipe de saúde e usuários, bem como o papel de participar de maneira ativa do ensino, da pesquisa e da tomada de decisões no âmbito da política de saúde, já fazem parte do atual escopo de prática do enfermeiro generalista no Brasil. Cabe, portanto, analisar qual a equivalência com o que está sendo proposto para outros países em termos de títulos de EPA, qual a real necessidade da força de trabalho em saúde brasileira e quais mudanças são requeridas.

Por fim, para além de estudos sobre percepções, conteúdos e modelos de formação, descrições de práticas, as perspectivas tanto da PAE quanto da EPA requerem análise de política, levando em consideração elementos internos do campo da enfermagem, intermediários do campo da saúde, mas também elementos mais abrangentes da correlação de forças políticas e sociais, que interferem na formação de trabalhadores e regulação do trabalho na sociedade em geral.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Álvaro Sousa

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Ago 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  14 Mar 2022
• Aceito
  24 Abr 2022