Resumos
Objetivo
Avaliar a equivalência semântica e a confiabilidade da Bergen Facebook Addiction Scale para o português (Brasil).
Métodos
O processo consistiu em cinco passos: tradução; retradução; revisão técnica e avaliação da equivalência semântica por profissionais; avaliação do instrumento por compreensão verbal por uma amostra de profissionais (n = 10) e de estudantes (n = 37); análise de consistência interna e estabilidade por meio do coeficiente de Cronbach e coeficiente de correlação intraclasse (CCI) respectivamente, em uma amostra de 359 estudantes de graduação.
Resultados
O instrumento apresentou no fim um excelente nível de compreensão verbal pela população-alvo, alfa de Cronbach de 0,92 e CCI de 0,81.
Conclusão
A versão adaptada do instrumento para o uso em nosso ambiente resultou em um instrumento equivalente do ponto de visão de equivalência semântica, assegurando a transferência do significado geral e referencial, mantendo níveis satisfatórios de confiabilidade.
Comparação transcultural; internet; escalas; estudos de validação
Objective
To evaluate the semantic equivalence and confiability of the Bergen Facebook Addiction Scale into Portuguese (Brazil).
Methods
The process consisted of five steps: translation; back-translation; technical review and evaluation of semantic equivalence by professionals; evaluation instrument as verbal comprehension by a professional sample (n = 10) and students (n = 37); analysis of internal consistency and stability through Cronbach coefficient and intraclass correlation coefficient (ICC) respectively, in a sample of 359 undergraduate students.
Results
The instrument presented at the end an excellent level of verbal comprehension by the target population, Cronbach’s alpha of 0.92 and ICC of 0.81.
Conclusion
The adapted version of the instrument for use in our environment resulted in an equivalent instrument from the point of view of semantic equivalence, ensuring the transfer of general and referential meaning, maintaining satisfactory levels of reliability.
Cross-cultural comparison; internet; scales; validation studies
INTRODUÇÃO
O Facebook é um site de rede social (RS) criado em 200411 Boyd DM, Ellison NB. Social network sites: definition, history, and
scholarship. J Comput Mediat Commun. 2007;13(1):210-30., e desde então seu número de
usuários cresce exponencialmente, tornando-se o site de RS mais
popular em todo o mundo22 Carlson N. Facebook has more than 600 million users, Goldman tells
clients. Business Insider. 2011;5:2011.. As
estimativas são de que existam 1,19 bilhão de usuários cadastrados e 728 milhões de
conexões diárias. O Brasil possui a terceira posição em número total de usuários (76
milhões), ficando atrás apenas dos Estados Unidos (EUA) e da Índia33 Gomes HS. Brasil é o 2º país com mais usuários que entram
diariamente no Facebook. Disponível em:
<http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/09/brasil-e-o-2-pais-com-mais-usuarios-que-entram-diariamente-no-facebook.html>.
Acesso em: 12 dez, 2013.
http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2...
,44 Ventura F. Com 1,19 bilhão de usuários, Facebook está mais forte do
que nunca. Disponível em: <http://gizmodo.uol.com.br/facebook-3q2013/>.
Acesso em: 12 dez, 2013.
http://gizmodo.uol.com.br/facebook-3q201...
.
As estatísticas relativas ao uso do Facebook têm revelado que alguns indivíduos podem
fazer uso excessivo de suas funcionalidades, permanecendo conectados
on-line tempo suficiente para prejudicar suas atividades
diárias55 Kuss D, Griffiths M. Excessive online social networking: can
adolescents become addicted to Facebook. Education and Health.
2011;29(4):68-71.
6 Kuss DJ, Griffiths MD. Online social networking and addiction – a
review of the psychological literature. Int J Environ Res Public Health.
2011;8(9):3528-52.
7 Karaiskos D, Tzavellas E, Balta G, Paparrigopoulos T. Social network
addiction: a new clinical disorder? Eur Psychiatry.
2010;25:855.-88 Griffiths MD. Facebook addiction: concerns, criticism, and
recommendations – a response to Andreassen and colleagues. Psychol Rep.
2012;110(2):518-20..
A adicção ao Facebook é um fenômeno recente, não possuindo critérios diagnósticos definidos e encontrando resistência entre alguns pesquisadores88 Griffiths MD. Facebook addiction: concerns, criticism, and recommendations – a response to Andreassen and colleagues. Psychol Rep. 2012;110(2):518-20.. No entanto, alguns países, principalmente os asiáticos, vêm considerando as adições tecnológicas (internet, videogames, redes sociais) um problema de saúde e promovendo a abertura de centros de tratamentos especializados para o transtorno99 Huang XQ, Li MC, Tao R. Treatment of internet addiction. Curr Psychiatry Rep. 2010;12:462-70..
A adicção ao Facebook compartilha características comuns, com outros quadros aditivos [dependência química (DQ) e jogo patológico (JP)]66 Kuss DJ, Griffiths MD. Online social networking and addiction – a review of the psychological literature. Int J Environ Res Public Health. 2011;8(9):3528-52., tais como saliência, modificação do humor, tolerância, abstinência, recaídas e conflitos interpessoais e intrapsíquicos1010 Griffiths M. A components model of addiction within a biopsychosocial framework. J Subst Use. 2005;10(4):191-7.,1111 Andreassen CS, Torsheim T, Brunborg GS, Pallesen S. Development of a Facebook addiction scale. Psychol Rep. 2012;110(2):501-17.. Para Griffiths, essas características compõem o aspecto central das dependências comportamentais1010 Griffiths M. A components model of addiction within a biopsychosocial framework. J Subst Use. 2005;10(4):191-7.,1212 Griffiths M. Nicotine, tobacco and addiction. Nature. 1996;384(6604):18.. Além dessas características, estudos neuropsicológicos e de neuroimagem estrutural e funcional têm encontrado similaridades entre DQ, JP e a adicção à internet1313 Brand M, Young KS, Laier C. Prefrontal control and internet addiction: a theorical model and review of neuropsychological and neuroimaging findings. Front Hum Neurosci. 2014;8(375):1-13., da qual a adicção ao Facebook pode ser considerado um subtipo1414 Davis RA, Flett GL, Besser A. Validation of a new scale for measuring problematic internet use: implications for pre-employment screening. Cyberpsychol Behav. 2002;5(4):331-45..
Do ponto de vista neuropsicológico, estudos têm sustentado que a adicção à internet apresenta redução nos mecanismos de controle dos impulsos do córtex pré-frontal e outras funções executivas similar àquela encontrada em outros transtornos aditivos1313 Brand M, Young KS, Laier C. Prefrontal control and internet addiction: a theorical model and review of neuropsychological and neuroimaging findings. Front Hum Neurosci. 2014;8(375):1-13.. Um dos aspectos neuropsicológicos mais estudados é a tomada de decisão. Usuários excessivos de internet, quando avaliados pelo Iowa Gambling Task, apresentam pior desempenho, ou seja, pior tomada de decisão1515 Sun DL, Chen ZJ, Ma N, Zhang XC, Fu XM, Zhang DR. Decision-making and prepotent response inhibition functions in excessive internet users. CNS Spectr. 2009;14(2):75-81.. Outro estudo aponta que adictos a jogos pela internet têm mais propensão a riscos e escolhas desvantajosas1616 Pawlikowski M, Brand M. Excessive internet gaming and decision making: do excessive World of Warcraft-players have problems in decision making under risk conditions? Psychiatry Res. 2011;188(3):428-33.. Esses aspectos também são vistos em outros transtornos aditivos.
Outras similaridades entre a adicção à internet, particularmente os adictos a jogos pela internet, e outros transtornos aditivos são verificados nos estudos de neuroimagem. Estudo comparando indivíduos que jogavam frequentemente jogos pela internet e aqueles não frequentes encontrou aumento do volume da substância cinzenta da região ventrolateral esquerda do striatum e maior ativação da região ventral do striatum em jogadores frequentes em comparação com os infrequentes. Os autores concluem que essas mudanças na região ventral do striatum podem refletir mudanças no sistema de recompensa cerebral1717 Kuhn S, Romanowski A, Schilling C, Lorenz R, Morsen C, Seiferth N, et al. The neural basis of video gaming. Transl Psychiatry. 2011;15:e53..
Um estudo realizado com 18 adolescentes adictos à internet verificou diminuição do volume da substância cinzenta em diversas regiões do lobo frontal – córtex pré-frontal dorsolateral, córtex orbitofrontal, área motora suplementar –, bem como em partes posteriores do cérebro – cerebelo e córtex cingulado anterior rostral à esquerda. Os autores concluíram que essas mudanças podem estar associadas com o prejuízo das cognições relacionadas ao controle inibitório e que essas mudanças são similares àquelas encontradas em dependentes químicos1818 Yuan K, Qin W, Wang G, Zeng F, Zhao L, Yang X, et al. Microstruture abnormalities in adolescents with internet addiction disorder. Plos One. 2011;6(6):e20708.. Outros estudos precisam ser feitos dando ênfase às alterações neuropsicológicas e neurobiológicas nos adictos a redes sociais, tendo em vista a ampliação do entendimento desse fenômeno.
Embora a compreensão atual dessa adicção ainda não esteja completa, não é possível ignorar o problema. A demora em reconhecer e avaliar esse fenômeno permitirá a sua silenciosa propagação, afetando milhões de pessoas, especialmente crianças e adolescentes.
Para avaliar a adicção ao Facebook, um instrumento psicométrico foi desenvolvido por pesquisadores noruegueses. A BFAS, composta por 18 itens, os quais investigam as seis dimensões das dependências comportamentais1010 Griffiths M. A components model of addiction within a biopsychosocial framework. J Subst Use. 2005;10(4):191-7.,1212 Griffiths M. Nicotine, tobacco and addiction. Nature. 1996;384(6604):18., apresentou alfa de Cronbach 0,83, coeficiente de correlação intraclasse (CCI) de 0,82 e estrutura fatorial satisfatória. Foi validada em uma amostra de estudantes universitários, entretanto os autores sugerem que a BFAS pode ser usada tanto em estudos epidemiológicos de base comunitária como em cenários clínicos1111 Andreassen CS, Torsheim T, Brunborg GS, Pallesen S. Development of a Facebook addiction scale. Psychol Rep. 2012;110(2):501-17..
A adicção ao Facebook é um fenômeno que precisa de mais estudos, sobretudo nas populações que apresentam os maiores indicadores de uso dessa RS. Ainda não existe nenhum estudo que tenha investigado ou validado instrumentos psicométricos para rastreio do uso problemático de Facebook pela população brasileira. O primeiro passo para que isso aconteça é a elaboração ou adaptação transcultural (ATC) de um instrumento psicométrico para esse fim. Por isso, o objetivo deste trabalho foi avaliar a equivalência semântica (ES) e a confiabilidade da BFAS traduzida para o português (Brasil).
MÉTODOS
A ES foi verificada em uma amostra de conveniência de 37 estudantes da Universidade de Pernambuco, dos cursos de Medicina, Enfermagem, Odontologia, Educação Física e Ciências Biológicas, com idade média de 19,49 anos (DP = ±2,3), sendo 64,86% (n = 24) do sexo feminino. A confiabilidade foi estimada em uma amostra de 359 estudantes dos mesmos cursos com idade média de 19,55 anos (DP = ±2,37), sendo 75,5% (n = 271) do sexo feminino. A escolha de realizar o estudo em uma população de estudantes de Saúde foi no intuito de replicar outros estudos de validação da BFAS que usaram amostras de universitários de outras áreas do conhecimento. Embora sempre validado em amostras de universitários, o instrumento também tem sido utilizado em populações adultas.
Para essa análise, utilizou-se a abordagem recomendada por Herdman et
al.1919 Herdman M, Fox-Rushby J, Badia X. A model of equivalent in the
cultural adaptation of HRQoL instruments: the universalist approach. Qual Life
Res. 1998;7(4):323-35. e Reichenhein e
Moraes2020 Reichenheim M, Moraes C. Operacionalização de adaptação
transcultural de instrumentos de aferição usados em epidemiologia. Rev Saúde
Pública. 2007;41(4):665-73., que preconiza uma
abordagem universalista para os estudos de ATC. Outros estudos2020 Reichenheim M, Moraes C. Operacionalização de adaptação
transcultural de instrumentos de aferição usados em epidemiologia. Rev Saúde
Pública. 2007;41(4):665-73.
21 Conti M, Jardim A, Hearst N, Cordás T, Tavares H. Avaliação da
equivalência semântica e consistência interna de uma versão em português do
Internet Addiction Test (IAT). Rev Psiq Clín.
2012;39(3):106-10.-2222 Toledo E, Taragano R, Cordás T, Abreu C, Hearst N, Conti M.
Adaptação transcultural da Massachusetts General Hospital (MGH) Hairpulling
Scale para o idioma português (Brasil). Rev Psiq Clín.
2011;38(5):178-83. seguiram o mesmo guideline e foram
utilizados como referencial metodológico.
O instrumento original em inglês foi inicialmente traduzido para o português (Brasil) por dois tradutores independentes2020 Reichenheim M, Moraes C. Operacionalização de adaptação transcultural de instrumentos de aferição usados em epidemiologia. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):665-73.,2121 Conti M, Jardim A, Hearst N, Cordás T, Tavares H. Avaliação da equivalência semântica e consistência interna de uma versão em português do Internet Addiction Test (IAT). Rev Psiq Clín. 2012;39(3):106-10., em seguida foi gerada uma versão síntese. Posteriormente, essa versão foi retraduzida para inglês por dois tradutores, sendo um deles cidadão nativo de país língua inglesa; as duas versões foram comparadas pelos tradutores, que procederam à elaboração de uma versão-síntese da retradução.
A versão-síntese da retradução foi submetida à revisão técnica e à análise da ES por dois psicólogos experientes em ATC de instrumentos psicométricos; os profissionais compararam o original em inglês com a versão-síntese retraduzida, enfatizando a transferência do significado referencial e geral do instrumento2121 Conti M, Jardim A, Hearst N, Cordás T, Tavares H. Avaliação da equivalência semântica e consistência interna de uma versão em português do Internet Addiction Test (IAT). Rev Psiq Clín. 2012;39(3):106-10.; nessa etapa o instrumento foi aprimorado e a versão produzida foi submetida à avaliação da compreensão verbal por 10 especialistas em saúde mental (dois psiquiatras, quatro psicólogos e quatro enfermeiras).
A compreensão verbal foi avaliada para cada item por meio de um questionário que perguntava: “Você entendeu o que está sendo perguntado?”. As respostas eram do tipo Likert: 0 – não entendi nada; 1 – entendi só um pouco; 2 – entendi mais ou menos; 3 – entendi quase tudo, mas tive algumas dúvidas; 4 – entendi quase tudo; 5 – entendi perfeitamente e não tenho dúvidas. Para que o item seja classificado com grau de compreensão adequado, ele deve obter 80% de respostas 4 e 5. Para os itens com compreensão verbal insuficiente, foi solicitado aos participantes que sugerissem modificações, as quais deveriam ser justificadas2323 Conti M, Latorre M. Estudo de validação e reprodutibilidade de uma escala de silhueta para adolescentes. Psicol Estud. 2009;14(4):699-706., e por fim foi produzida a versão pré-final.
A versão pré-final foi aplicada a uma amostra de 37 estudantes, com objetivo de avaliar a compreensão verbal, seguindo o mesmo procedimento metodológico realizado com o grupo de 10 profissionais. Após análise das respostas, uma versão final da BFAS-BR foi redigida.
A versão final foi aplicada a uma amostra de 359 estudantes para análise da confiabilidade do instrumento.
O poder discriminativo dos itens indica o grau em que um item distingue indivíduos que obtêm pontuações altas e baixas2424 Bisquerra R, Sarriera JC, Martinez F. Introdução à Estatística – enfoque informático com o pacote estatístico SPSS. Porto Alegre: Artmed; 2004.. A análise do poder discriminativo dos itens foi realizada por meio do coeficiente de correlação total dos itens e da correlação ponto bisserial, que são as medidas da correlação entre cada item e o escore total do instrumento2525 Field A. Descobrindo a estatística usando o SPSS. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2009.,2626 Soares TM. Utilização da teoria da resposta ao item na produção de indicadores socioeconômicos. Pesqui Oper. 2005;25(1):83-112.. Esse tipo de análise serve para a tomada de decisão sobre a permanência ou exclusão de um determinado item, ao apontar o quanto de contribuição o item ofereceu ao seu domínio. Determinou-se 0,30 como valor mínimo para inclusão2525 Field A. Descobrindo a estatística usando o SPSS. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2009..
Para verificar a estabilidade do instrumento no tempo, optou-se pela técnica de teste-reteste. Desse modo, a cada cinco entrevistas iniciais, um sujeito foi convidado a participar de uma nova entrevista, depois de decorridos 15 dias, até que ao menos 20% da amostra inicial fossem contatados. Ao final, 72 indivíduos compareceram à segunda entrevista. A partir da obtenção do escore total da BFAS-BR em dois momentos distintos no tempo, determinou-se a estabilidade do instrumento por meio do CCI. A reprodutibilidade seria considerada adequada para CCI maior que 0,702727 Shrout P, Fleiss J. Intraclass correlations: uses in assessing rater reliability. Psychol Bull. 1979;86(2):420-8..
A consistência interna do instrumento foi verificada por meio do alfa de Cronbach, sendo considerados bons indicadores valores variando entre 0,8-0,92828 Streiner D. Being inconsistent about consistency: when coefficient alpha does and doesn’t matter. J Personal Assess. 2003;80(3):217-22..
A análise estatística foi realizada com o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, v. 20). A correlação ponto bisserial foi estimada pelo software estatístico Winsteps.
Considerações éticas
Este estudo seguiu a Resolução no 196/96, do Conselho Nacional de Saúde para pesquisa em seres humanos. Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sob o CAAE n° 10900712.0.0000.5505 e Parecer n° 173.337/12.
RESULTADOS
Adaptação transcultural
Durante o processo de tradução e retrotradução, algumas palavras ou expressões necessitaram ser adequadas para garantir a transferência do sentido denotativo e conotativo das dos termos em questão (Tabela 1):
-
O termo Facebook®, por se tratar de nome próprio, não foi traduzido para o português;
-
No item 8, o termo “helplessness”, traduzido como “impotência”, foi adaptado para a palavra “incapacidade”;
-
No item 17, a expressão “hobbies” não foi traduzida para o português falado no Brasil, sendo mantido ipsis litteris como na versão original em inglês.
Avaliação do instrumento
A análise da escala BFAS-BR pelos profissionais de saúde mental revelou valores médios de compreensão verbal, variando entre 4,4 e 5,0 (Tabela 2). Apenas o item 6 não demonstrou um bom grau/nível de compreensão verbal, apresentando, pelos profissionais, uma taxa de respostas 4 e 5 inferior a 80%, portanto, conforme estabelecido na metodologia deste estudo, o item necessitou ser redigido novamente com base nas considerações dos profissionais, na tentativa de garantir bom nível de compreensão verbal. A redação final do item 6 ficou: “Sentiu que precisava usar cada vez mais o Facebook (por mais tempo e/ou mais vezes) para obter o mesmo prazer?”.
Após essa alteração, a escala foi aplicada a um grupo de estudantes para verificar os índices de compreensão verbal, que variou entre 4,5 e 5,0 (Tabela 2), tendo alcançado todos os itens um bom grau de compreensão verbal, portanto não necessitando de mais nenhum ajuste semântico.
A análise da confiabilidade por meio da consistência interna revelou alfa de Cronbach para o instrumento de 0,92; já as dimensões apresentaram alfa de Cronbach variando entre 0,74-0,86. Considerando o alfa se algum item fosse deletado, observou-se que não houve nenhum acréscimo no alfa total de escala. A correlação total dos itens do instrumento estava adequada, variando entre 0,47 e 0,91. A correlação ponto bisserial também foi adequada, variando entre 0,47 e 0, 70 (Tabela 3)
Para a estabilidade no tempo, o instrumento apresentou alto grau de concordância com CCI, igual a 0,81.
DISCUSSÃO
O objetivo deste estudo foi verificar a equivalência semântica e estimar os indicadores de confiabilidade da versão em português (Brasil) da BFAS. A versão adaptada para a população brasileira possui equivalência semântica com o instrumento original em inglês e níveis aceitáveis de consistência interna e estabilidade no tempo.
Na etapa de tradução, a palavra “Facebook” não foi traduzida. Um dos tradutores argumentou que, por ser o nome próprio de uma empresa, não haveria tradução; desse modo, optou-se por mantê-lo igual à versão original. Nas demais etapas revisão técnica, análise da equivalência semântica e avaliação da compreensão verbal (profissionais e estudantes), não houve contestação. Embora o termo tenha sido compreendido pela população-alvo, a literatura científica apresenta críticas à manutenção desse termo, argumentando que a BFAS foi desenvolvida para avaliar a adicção a uma companhia comercial particular mais do que a atividade em si (social networking)88 Griffiths MD. Facebook addiction: concerns, criticism, and recommendations – a response to Andreassen and colleagues. Psychol Rep. 2012;110(2):518-20.. Por outro lado, argumenta-se que o conceito de sites de RS não é mais específico do que Facebook, assim adicção ao Facebook em vez de adicção à RS é defensável2929 Andreassen C, Pallesen S. Facebook addiction: a reply to Griffiths (2012). Psychol Rep. 2013;113(3):899-902.. De qualquer modo, os pesquisadores devem considerar que o Facebook é um entre muitos outros sites de RS, portanto recomendamos cautela para usar a BFAS na avaliação da adicção para outros sites ou redes sociais de maneira mais ampla.
A avaliação do significado geral e referencial foi realizada durante todo o processo de ES, assegurando que os termos traduzidos do inglês para o português transmitissem a carga subjetiva esperada, como observado nos itens 8 e 17. Na tradução do item 8, o termo “helplessness” foi traduzido como impotência, no entanto a mera tradução do termo seria incapaz de transferir o significado geral esperado para o termo na população-alvo, tendo em vista que o termo “impotência” tem um significado cultural distinto para a população brasileira, às vezes carregado de preconceito; por isso, optou-se pelo termo sinônimo “incapacidade”, o qual apreende o significado esperado para o termo. No item 17, a palavra “hobbies” foi mantida como no original em inglês por dois motivos: (1) a palavra já está incorporada à cultura-alvo, como observado em vários textos jornalísticos, e constitui um estrangeirismo frequente entre a população brasileira; (2) o termo “hobbies” consegue transferir o significado referencial e geral desejado para o item em questão.
A adaptação envolveu a análise da compreensão verbal dos itens por um grupo de profissionais de saúde mental e por estudantes de graduação da área da Saúde. Para o grupo de profissionais, o item 6 apresentou grau de compreensão verbal insuficiente. Após análise das sugestões dos profissionais para esse item, percebeu-se que havia a necessidade de explicitar de alguma forma a dimensão frequência em que o fenômeno ocorre, o que garantiria maior compreensibilidade do que está sendo avaliado. A análise da compreensão verbal feita pelos estudantes, incluindo o item 6 modificado, revelou que a BFAS-BR foi adequadamente compreendida pelos alunos, não havendo mais necessidade de nenhuma adequação na BFAS-BR, o que garante boa compreensão verbal da versão em português do instrumento.
O alfa de Cronbach para o instrumento adaptado foi de 0,92, superior ao verificado por Andreassen et al.1111 Andreassen CS, Torsheim T, Brunborg GS, Pallesen S. Development of a Facebook addiction scale. Psychol Rep. 2012;110(2):501-17.. Da mesma forma, as dimensões apresentaram alfa de Cronbach satisfatório, sendo assim os itens estavam consistentemente reunidos para medir suas respectivas dimensões. O alfa de Cronbach deve variar entre 0,80 e 0,902828 Streiner D. Being inconsistent about consistency: when coefficient alpha does and doesn’t matter. J Personal Assess. 2003;80(3):217-22., pois valores superiores a 0,90 são sugestivos de redundância ou duplicação no conjunto de itens, isto é, a existência de itens praticamente iguais escritos de forma diferente, o que deve ser verificado a posteriori em estudo das propriedades psicométricas da BFAS-BR.
A análise de discriminação dos itens refere-se à propriedade de que os itens da escala discriminem a amostra em categorias, sejam elas de alta ou baixa e leve, moderada ou alta performance. A capacidade de discriminação de um item é uma das principais características psicométricas relativa à qualidade de uma questão3030 Collares C, Grec W, Machado J. Psicometria na garantia da qualidade da educação médica: conceitos e aplicações. Sci Health. 2012;3(1):33-49.. Dois dos indicadores do poder de discriminação dos itens são a correlação total dos itens e a correlação ponto bisserial2626 Soares TM. Utilização da teoria da resposta ao item na produção de indicadores socioeconômicos. Pesqui Oper. 2005;25(1):83-112.,3030 Collares C, Grec W, Machado J. Psicometria na garantia da qualidade da educação médica: conceitos e aplicações. Sci Health. 2012;3(1):33-49.. Itens com correlações inferiores a 0,3 devem ser excluídos do teste, uma vez que indicam baixo poder discriminativo e repercutem negativamente na consistência interna do teste. A BFAS-BR apresentou todos os itens com correlações item total e ponto bisserial acima de 0,47, indicando que todas as questões do instrumento contribuem satisfatoriamente para discriminar indivíduos com níveis baixo e alto de adicção ao Facebook.
A estabilidade do instrumento no tempo foi verificada por meio do CCI, que foi de 0,81, valor próximo ao encontrado no estudo original de Andreassen et al.1111 Andreassen CS, Torsheim T, Brunborg GS, Pallesen S. Development of a Facebook addiction scale. Psychol Rep. 2012;110(2):501-17., que foi de 0,82. Cabe destacar que neste estudo o intervalo de tempo entre o teste e o reteste foi de duas semanas e no estudo de Andreassen et al.1111 Andreassen CS, Torsheim T, Brunborg GS, Pallesen S. Development of a Facebook addiction scale. Psychol Rep. 2012;110(2):501-17. o intervalo foi de três semanas. Esses achados sugerem que a BFAS-BR é estável no tempo.
Embora não haja consenso metodológico sobre a ATC de instrumentos psicométricos, as abordagens que consideram a dimensão cultural2020 Reichenheim M, Moraes C. Operacionalização de adaptação transcultural de instrumentos de aferição usados em epidemiologia. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):665-73. têm recebido atenção da comunidade acadêmica. A equivalência semântica e a mensuração (confiabilidade) são apenas duas das etapas requeridas pela ATC, sendo as únicas realizadas em alguns estudos2121 Conti M, Jardim A, Hearst N, Cordás T, Tavares H. Avaliação da equivalência semântica e consistência interna de uma versão em português do Internet Addiction Test (IAT). Rev Psiq Clín. 2012;39(3):106-10.,3131 Toledo E, Taragano R, Cordás T, Abreu C, Hearst N, Conti M. Adaptação transcultural da Massachusetts General Hospital (MGH) Hairpulling Scale para o idioma português (Brasil). Rev Psiq Clín. 2011;38(5):178-83., o que sugere aceitação desse procedimento no campo científico. É importante enfatizar que essas etapas e suas respectivas estratégias devem ser rigorosamente descritas e cumpridas para garantir a veracidade e a qualidade da informação apresentada3232 Conti M, Scagliusi F, Queiroz G, Hearst N, Cordás T. Adaptação transcultural: tradução e validação de conteúdo para o idioma português do modelo da Tripartite Influence Scale de insatisfação corporal. Cad Saude Publica. 2010;26(3):503-13., o que foi rigorosamente cumprido neste estudo.
CONCLUSÃO
Conclui-se, com base no rigor metodológico executado na avaliação da equivalência semântica, que a tradução da BFAS para o português (Brasil) conseguiu transferir o significado geral e referencial do instrumento e que apresentou compreensão verbal satisfatória pelos grupos de profissionais e estudantes. Além disso, mostrou-se um instrumento com bons indicadores de confiabilidade. Os itens, de fato, parecem medir o construto adicção ao Facebook e cada uma de suas respectivas dimensões. O instrumento foi estável no tempo.
Este estudo não encerra a adaptação transcultural do instrumento, pois ainda é necessário verificar outras qualidades psicométricas do instrumento. Dessa forma, recomendamos cautela no uso do instrumento; neste ponto ele serve como ferramenta apenas para nortear o uso em indivíduos com adicção ao Facebook.
REFERÊNCIAS
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1Boyd DM, Ellison NB. Social network sites: definition, history, and scholarship. J Comput Mediat Commun. 2007;13(1):210-30.
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2Carlson N. Facebook has more than 600 million users, Goldman tells clients. Business Insider. 2011;5:2011.
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3Gomes HS. Brasil é o 2º país com mais usuários que entram diariamente no Facebook. Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/09/brasil-e-o-2-pais-com-mais-usuarios-que-entram-diariamente-no-facebook.html>. Acesso em: 12 dez, 2013.
» http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/09/brasil-e-o-2-pais-com-mais-usuarios-que-entram-diariamente-no-facebook.html> -
4Ventura F. Com 1,19 bilhão de usuários, Facebook está mais forte do que nunca. Disponível em: <http://gizmodo.uol.com.br/facebook-3q2013/>. Acesso em: 12 dez, 2013.
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5Kuss D, Griffiths M. Excessive online social networking: can adolescents become addicted to Facebook. Education and Health. 2011;29(4):68-71.
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6Kuss DJ, Griffiths MD. Online social networking and addiction – a review of the psychological literature. Int J Environ Res Public Health. 2011;8(9):3528-52.
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7Karaiskos D, Tzavellas E, Balta G, Paparrigopoulos T. Social network addiction: a new clinical disorder? Eur Psychiatry. 2010;25:855.
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8Griffiths MD. Facebook addiction: concerns, criticism, and recommendations – a response to Andreassen and colleagues. Psychol Rep. 2012;110(2):518-20.
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9Huang XQ, Li MC, Tao R. Treatment of internet addiction. Curr Psychiatry Rep. 2010;12:462-70.
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10Griffiths M. A components model of addiction within a biopsychosocial framework. J Subst Use. 2005;10(4):191-7.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2015
Histórico
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Recebido
28 Out 2014 -
Aceito
16 Mar 2015