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Depressão Maior como Fator de Complicação para a Síndrome Coronariana Aguda

Palavras-chave
Síndrome Coronariana Aguda; Depressão; Inibidores da Captação da Serotonina

Caro Editor,

Li com grande interesse o artigo intitulado "Depressão Maior e Fatores Relacionados à Síndrome Coronariana Aguda" de Figueiredo et al.,11 Figueiredo JH, Silva NA, Pereira BB, Oliveira GM. Major depression and acute coronary syndrome-related factors. Arq Bras Cardiol. 2017;108(3):217-27. doi: 10.5935/abc.20170028.
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recentemente publicado na revista. Os pesquisadores encontraram uma prevalência de 23% de pacientes com síndrome coronariana aguda (SCA) que atendem aos critérios diagnósticos para depressão maior (DM). As mulheres foram mais suscetíveis ao desenvolvimento de DM no grupo de amostra de pacientes com SCA, com uma chance três vezes e meia maior do que os homens.11 Figueiredo JH, Silva NA, Pereira BB, Oliveira GM. Major depression and acute coronary syndrome-related factors. Arq Bras Cardiol. 2017;108(3):217-27. doi: 10.5935/abc.20170028.
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Quase metade dos pacientes com SCA são afetados pela depressão,22 Dessotte CA, Silva FS, Bolela F, Rossi LA, Dantas RA. Presence of depressive symptoms in patients with a first episode of acute coronary syndrome. Rev Lat Am Enfermagem. 2013;21(1):325-31. muitos deles recebem terapia antiplaquetária e também são frequentemente tratados com um inibidor seletivo da recaptação da serotonina (ISRS). A fluoxetina e a fluvoxamina são potentes inibidores do CYP2C19.33 Sager JE, Lutz JD, Foti RS, Davis C, Kunze KL, Isoherranen N. Fluoxetine- and norfluoxetinemediated complex drug-drug interactions: in vitro to in vivo correlation of effects on CYP2D6, CYP2C19, and CYP3A4. Clin Pharmacol Ther. 2014;95(6):653-62. doi: 10.1038/clpt.2014.50.
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O clopidogrel é um pró-fármaco que sofre um processo de ativação em duas etapas, o mesmo é mediado por várias enzimas hepáticas do citocromo P450 (CYP). O CYP2C19 está envolvido em ambas etapas de ativação, o que gera a preocupação de que o fármaco que inibe o CYP2C19 possa diminuir a eficácia do clopidogrel.44 Hariharan S, Southworth MR, Madabushi R. Clopidogrel, CYP2C19 and proton pump inhibitors: what we know and what it means. J Clin Pharmacol. 2014;54(8):884-8. doi: 10.1002/jcph.337.
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Bykov et al.55 Bykov K, Schneeweiss S, Donneyong MM, Dong YH, Choudhry NK, Gagne JJ. Impact of an interaction between clopidogrel and selective serotonin reuptake inhibitors. Am J Cardiol. 2017;119(4):651-7. doi: 10.1016/j.amjcard.2016.10.052.
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relataram que o tratamento com um ISRS inibidor do CYP2C19, como fluoxetina e fluvoxamina ao iniciar o clopidogrel pode estar associado a uma ligeira diminuição na sua eficácia.

Nesse contexto, considerando não só o transtorno concomitante com SCA, mas também o fator complicador devido ao tratamento ISRS inibidor de CYP2C19, o TDM deve ser avaliado meticulosamente.

Referências

  • 1
    Figueiredo JH, Silva NA, Pereira BB, Oliveira GM. Major depression and acute coronary syndrome-related factors. Arq Bras Cardiol. 2017;108(3):217-27. doi: 10.5935/abc.20170028.
    » https://doi.org/10.5935/abc.20170028.
  • 2
    Dessotte CA, Silva FS, Bolela F, Rossi LA, Dantas RA. Presence of depressive symptoms in patients with a first episode of acute coronary syndrome. Rev Lat Am Enfermagem. 2013;21(1):325-31.
  • 3
    Sager JE, Lutz JD, Foti RS, Davis C, Kunze KL, Isoherranen N. Fluoxetine- and norfluoxetinemediated complex drug-drug interactions: in vitro to in vivo correlation of effects on CYP2D6, CYP2C19, and CYP3A4. Clin Pharmacol Ther. 2014;95(6):653-62. doi: 10.1038/clpt.2014.50.
    » https://doi.org/10.1038/clpt.2014.50.
  • 4
    Hariharan S, Southworth MR, Madabushi R. Clopidogrel, CYP2C19 and proton pump inhibitors: what we know and what it means. J Clin Pharmacol. 2014;54(8):884-8. doi: 10.1002/jcph.337.
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  • 5
    Bykov K, Schneeweiss S, Donneyong MM, Dong YH, Choudhry NK, Gagne JJ. Impact of an interaction between clopidogrel and selective serotonin reuptake inhibitors. Am J Cardiol. 2017;119(4):651-7. doi: 10.1016/j.amjcard.2016.10.052.
    » https://doi.org/10.1016/j.amjcard.2016.10.052.

Carta-resposta

Os autores agradecem os comentários feitos, em carta ao editor, relativos ao artigo Major Depression and Acute Coronary Syndrome-Related Factors, publicado no Arq Bras Cardiol. 2017;108(3):217-27.

Concordamos com os comentários pertinentes do autor da carta, alertando sobre o uso de antidepressivos em pacientes com síndrome coronária aguda e a sua interação com o antiadesivo plaquetário Clopidogrel.

Complementamos os comentários com as seguintes considerações:

1) A efetividade do Clopidogrel (um bloqueador do receptor P2Y12 das plaquetas), em sua ação como antiadesivo plaquetário, entre outras ações conhecidas e desconhecidas, é dependente da sua conversão para um metabolito ativo pelo sistema citocromo-dependente P450 (CYP-450), principalmente o CYP2C19. Seu efeito como antiadesivo plaquetário é menor em pacientes que são homozigóticos para os alelos não funcionais dos genes do CP2C19, os denominados "pouco metabolizadores". É recomendado não utilizar o Clopidogrel, nesses pacientes e, quando for possível, identificar esses casos utilizando testes genéticos. Portanto, qualquer outra droga que interfira no sistema citocromo dependente alterando a conversão do Clopidogrel no seu metabolito ativo, principalmente nos pouco metabolizadores, pode reduzir seu efeito.

Os antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (como a fluoxetina, a fluvoxamina etc.) podem interferir na metabolização do Clopidogrel, seja aumentando o efeito adverso do Clopidogrel (aumentando a inibição do receptor P2Y12) e, portanto, aumentando o risco de sangramento, seja decrescendo a concentração do metabolito ativo do Clopidogrel, principalmente nos geneticamente "pouco metabolizadores", reduzindo sua eficácia.

2) Os antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina possuem múltiplos efeitos cardiovasculares adversos tais como: dor torácica, angina pectoris, palpitação, hipertensão arterial, prolongamento do espaço QT do ECG, arritmias ventriculares, síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético, aumento do risco de graves hiponatremias em pacientes já em uso de diuréticos, entre outros inúmeros efeitos adversos, sempre mais graves em pacientes com síndrome coronariana aguda.

3) Nosso artigo pretendeu verificar inicialmente a presença do padrão (conjunto de variáveis encontradas em associação) que se denomina "Depressão Maior" entre os pacientes com outro padrão denominado Síndrome Coronariana Aguda e internados no ambiente de unidades coronarianas hospitalares. Além dessa identificação de padrões de variáveis (diagnósticos), pretendemos estudar como e quais, dentre as variáveis coletadas nessas pessoas, incluindo variáveis sociodemográficas, estavam associadas. Não pretendemos definir associações causais, mesmo porque o desenho do estudo, não permitiria tais ilações. No entanto, pretendemos compreender as interações entre variáveis presentes num determinado estado evolutivo da vida dos pacientes. Isto nos permite um melhor entendimento clínico da pessoa e, portanto, maior possibilidade de ajudá-la durante sua evolução neste período agudo e sua evolução posterior. Não entendemos causalidade de forma determinística, ou seja, se a variável x está presente então y ocorrerá. Entendemos uma pessoa como um sistema complexo que interage com o ambiente no qual vive. Portanto é mais importante entender a organização ou interação entre as variáveis componentes, que podemos identificar nesse sistema complexo formado por pessoas vivendo em um ambiente (incluindo o ambiente hospitalar), do que isolar possíveis variáveis "causais", sejam elas genéticas ou farmacológicas e imputar uma causalidade direta que não existe ou que apenas a identificamos em sistemas simples ou mais estáveis. Julgamos que o pensamento complexo é a base do julgamento clínico e que o importante é entender o sistema biológico como um todo, devido a sua constante evolução ou dinâmica. Para isto, só observando o sistema em sua contínua evolução.

Escolhemos o modelo log linear para estudar essas interações como é demonstrado nas figuras 1 e 2 do artigo. A história pregressa de depressão foi uma das variáveis desse modelo. Certamente esses pacientes já foram expostos ao uso de drogas antidepressivas durante sua vida, mas não podemos concluir, e nem foi nosso objetivo, que essas drogas "causam" síndrome coronariana. No entanto, do ponto de vista clínico, as associações encontradas nos indicam que as pessoas e os clínicos devem ser alertados de que os antidepressivos podem estar envolvidos nas interações de variáveis que compõem o padrão Síndrome Coronariana Aguda e suas ditas complicações (arritmias por exemplo) e que essa classe de drogas também interage com outras drogas como os antiadesivos plaquetários, diuréticos e outras, compondo outros padrões como por exemplo o de hiponatremia da síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético, e até de padrões opostos como sangramento ou de perda da eficácia do Clopidogrel.

O pensamento clínico precisa se desvencilhar das amarras nas quais o pensamento determinístico e causal o colocou e retornar ao que sempre foi o julgamento clínico, agora com forte base teórica, pensamento complexo e sistemas complexos dinâmicos adaptativos. Para isto temos que observar a evolução da pessoa durante toda sua vida e sua relação ou interação com o ambiente em que vive, incluindo suas relações sociais e culturais e entender as interações entre as infinitas variáveis sempre com um grau de incerteza e considerando o surgimento de fenômenos emergentes ou imprevisíveis.

José Henrique Cunha Figueiredo
Nelson Albuquerque de Souza e Silva
Basilio de Bragança Pereira
Gláucia Maria Moraes de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2017

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2017
  • Revisado
    30 Maio 2017
  • Aceito
    30 Maio 2017
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