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Caso 1 / 2019 - Dupla Via de Saída de Ventrículo Direito com Comunicação Interventricular não Relacionada e Estenose Pulmonar, em Evolução Natural em Mulher Assintomática de 28 Anos

Palavras-chave
Dupla Via de Saída de Ventrículo Direito; Comunicação Interventricular; Estenose da Valva Pulmonar; Evolução Clínica; Adulto

Dados clínicos

Paciente evoluiu sem sintomas desde o nascimento, ocasião do diagnóstico da cardiopatia, exteriorizada por sopro cardíaco. Há 2 anos, extrassístoles supraventriculares motivaram uso de atenolol, propafenona, e magnésio, sem melhora. Endocardite infecciosa foi tratada efetivamente há 10 anos. Em uso de levotiroxina 50 mcg por hipotireoidismo.

Exame físico: bom estado geral, eupneica, acianótica, pulsos normais nos 4 membros. Peso: 60 Kg, Altura 160 cm, PAMSD: 120 x 70 mmHg, FC: 60 bpm.

Precórdio: ictus cordis não palpado, sem impulsões sistólicas. Bulhas cardíacas hiperfonéticas, sopro sistólico intenso em borda esternal esquerda alta, com frêmito, 4/6+. Fígado não palpado e pulmões limpos.

Exames complementares

Eletrocardiograma: Ritmo sinusal, distúrbio de condução pelo ramo direito, com QRS largo de 129 ms (AQRS = +60º), sobrecarga ventricular direita com complexo Rs em V1, presença de potenciais esquerdos com complexo qRs em V6, onda T positiva em V1 (AT = +60º), onda P normal (AP = + 60º) (Figura 1).

Figura 1
Radiografia de tórax salienta a área cardíaca dentro de limites normais com arco ventricular alongado e arredondado, trama vascular pulmonar normal e eletrocardiograma com sinais de sobrecarga ventricular direita.

Radiografia de tórax: Aumento discreto da área cardíaca a custa do arco ventricular esquerdo alongado e arredondado (ICT=0,50). Trama vascular pulmonar normal (Figura 1).

Ecocardiograma: Conexão atrioventricular normal e dupla via de saída de ventrículo direito (VD) com aorta anterior e à direita. A veia cava inferior era dilatada com 21 mm e com contraste espontâneo. A comunicação interventricular (CIV) de via de entrada com extensão para a via de saída era ampla e não relacionada, medindo 23 mm, com fluxo bidirecional, preferente da esquerda à direita e sem restrição, com gradiente de pressão interventricular de 12 mmHg. Havia outra CIV apical discreta. Os átrios eram aumentados em grau moderado (AE = 51 mm). Ventrículo direito hipertrófico e dilatado com função sistólica preservada e na via de saída havia estenose infundibular e na valva pulmonar com gradiente sistólico de 90 mmHg. O ventrículo esquerdo (VE) era hipertrófico e dilatado (67 mm) com função normal. A aorta tinha 35 mm e as artérias pulmonares, a direita, com 31 mm e a esquerda com 29 mm (Figura 2).

Figura 2
Ecocardiograma mostra em corte de 4 câmaras a grande comunicação interventricular (seta) de via de entrada e em corte subcostal os dois grandes vasos emergindo do ventrículo direito estando a aorta a direita da pulmonar. AD: átrio direito; AE: átrio esquerdo; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo; Ao: aorta; TP: tronco pulmonar.

Ressonância nuclear magnética: o diagnóstico foi confirmado, com medidas semelhantes, estando aumentados o átrio esquerdo e as duas cavidades ventriculares. Assim, VdfVD = 134 ml/m2 e função de VD = 48%. VdfVE = 180 ml/m2 com função de VE = 68%. Havia realce tardio na região juncional inferior. A artéria pulmonar era posterior e à direita e, a aorta à esquerda e anterior.

Holter: Extrassístoles supraventriculares (3% do total) e sem taquicardias supraventriculares ou ventriculares.

Ergoespirometria: Consumo máximo de oxigênio de 24,4 ml/kg/min.

Diagnóstico clínico: Dupla via de saída de VD com a aorta anterior e à direita, com grande CIV de via de entrada não relacionada e estenose pulmonar, em evolução natural na idade adulta.

Raciocínio clínico: Havia elementos clínicos de orientação diagnóstica da cardiopatia congênita, com malposição arterial dada a hiperfonese de bulhas cardíacas e da estenose pulmonar em presença de sopro sistólico intenso na área pulmonar, com irradiação a toda a borda esternal esquerda. A sobrecarga de VD no eletrocardiograma com potenciais nítidos de VE expressam a presença de dois ventrículos bem formados e daí se invoca presença de CIV associada. Um defeito contrabalança o outro de tal maneira que a paciente permaneceu sem cianose, com fluxo preferencial da esquerda para a direita e sem sintomas. Este quadro geral poderia ser encontrado na transposição das grandes artérias e também na dupla via de saída do VD e na tetralogia de Fallot, dada a evolução a longo prazo observada. Esses diagnósticos clínicos elaborados foram a seguir bem estabelecidos pela ecocardiografia e ressonância nuclear magnética.

Diagnóstico diferencial: Outras cardiopatias que se acompanham de CIV e de estenose pulmonar apresentam outros elementos que os diferenciam nos exames complementares usuais, como na dupla via de entrada de VE ou VD, nas atresias das valvas atrioventriculares, na transposição corrigida das grandes artérias e em outras mais raras.

Conduta: Em face do balanceamento dos fluxos pulmonar e sistêmico ao longo do tempo, com ausência de sinais de hipoxemia e/ou de insuficiência cardíaca e na presença de boa tolerância física, foi considerada a conduta expectante clínica.

Comentários: A evolução natural desta paciente até a idade adulta nos salienta elementos desfavoráveis, embora tenha se mostrado em boas condições clínicas e hemodinâmicas. São eles os caracteres adquiridos que interferem na evolução a mais tempo decorrido. São eles representados neste caso pelo aumento das cavidades cardíacas, motivadas por hiperfluxo pulmonar em alguma época, e pela progressão da estenose pulmonar, com hipertrofia e até fibrose miocárdica constatada. Apesar da manutenção da boa função ventricular, esta paciente provavelmente terá aparecimento de mais arritmias, insuficiência cardíaca diastólica, hipoxemia progressiva, endocardite infecciosa, causas do descontrole clínico evolutivo.

Por outro lado, pouco se pode ofertar neste momento, do ponto de vista cirúrgico, pois a técnica presumível como adequada seria a funcional de Fontan, contraindicada pela ausência de hipóxia. A técnica corretiva seria muito difícil pela presença de CIV não relacionada e com aorta anterior. Pergunta-se daí, em casos semelhantes na idade infantil, se não seria mais conveniente a tentativa da correção, nesta faixa etária, mesmo com risco cirúrgico maior. Esta técnica idealizada por Barbero-Marcial et al.,11 Barbero-Marcial M, Tanamati C, Atik E, Ebaid M. Intraventricular repair of double-outlet right ventricle with noncommitted ventricular septal defect: advantages of multiple patches. J Thorac Cardiovasc Surg. 1999;118(6):1056-67. direciona o VE para a aorta com o alívio da estenose pulmonar, e ela tem sido aplicada com relativo sucesso em face de sobrevida de 87,5% após 5 anos.22 Li S, Ma K, Hu S, Hua Z, Yan J, Pang K, et al. . Biventricular repair for double outlet right ventricle with non-committed ventricular septal defect. Eur J Cardiothorac Surg. 2015;48(4):580-7.

References

  • 1
    Barbero-Marcial M, Tanamati C, Atik E, Ebaid M. Intraventricular repair of double-outlet right ventricle with noncommitted ventricular septal defect: advantages of multiple patches. J Thorac Cardiovasc Surg. 1999;118(6):1056-67.
  • 2
    Li S, Ma K, Hu S, Hua Z, Yan J, Pang K, et al. . Biventricular repair for double outlet right ventricle with non-committed ventricular septal defect. Eur J Cardiothorac Surg. 2015;48(4):580-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2019
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