Acessibilidade / Reportar erro

Aspectos éticos e estratégias para a participação voluntária da criança em pesquisa

Aspectos éticos y estrategias para la participación voluntaria de niños en la investigación

Resumos

A literatura de saúde tem abordado os aspectos éticos da investigação com seres humanos há décadas, mas ainda há desafios a serem reconhecidos e superados, tais como os referentes à pesquisa com crianças. Este artigo apresenta e discute aspectos éticos da pesquisa com crianças. Descreve estratégias de abordagem conformes às necessidades infantis, segundo seu processo de desenvolvimento e características individuais, para garantir a participação voluntária da criança na pesquisa.

Ética em pesquisa; Criança; Saúde da criança; Defesa da criança; Autonomia pessoal


La literatura de salud ha tratado de los aspectos éticos de la investigación con seres humanos hace décadas, pero aun hay retos que deben ser reconocidos y superados, tales como los referentes a la investigación con la población infantil. Este artículo presenta y discute aspectos éticos de la investigación con niños y niñas. Describe estrategias de abordaje adecuadas a las necesidades infantiles, según su proceso de desarrollo y características individuales, para garantizar la participación voluntaria de niños y niñas en investigaciones.

Ética en investigación; Niño; Salud del niño; Defensa del niño; Autonomía personal


Ethical issues about research with human beings have been addressed in health literature since decades. In spite of this, it is necessary to enhance actions to face many challenges, like the ones related to investigation of childhood. This paper presents and discusses ethical issues in research with children. It describes some strategies to perform with children, considering their developmental process and individual characteristics, in order to guarantee their voluntary participation in research.

Ethics; Child; Child health; Child advocacy; Personal autonomy


ESTUDO TEÓRICO

Aspectos éticos e estratégias para a participação voluntária da criança em pesquisa

Aspectos éticos y estrategias para la participación voluntaria de niños en la investigación

Cecília Helena de Siqueira SigaudI; Magda Andrade RezendeII; Maria De La Ó Ramallo VeríssimoIII; Moneda Oliveira RibeiroIV; Daniela Cristina MontesV; Josiane PiccoloVI; Juliana Martins de SouzaVII; Silvia Sanches MarinsVIII

IEnfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. csigaud@usp.br

IIEnfermeira. Professora Associada do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. marezend@usp.br

IIIEnfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. mdlorver@usp.br

IVEnfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. mdlorver@usp.br

VEnfermeira. Mestre em Enfermagem Pediátrica pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Nove de Julho. São Paulo, SP, Brasil. danimontes@uninove.br

VIEnfermeira. Mestre em Enfermagem Pediátrica pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Professora Adjunta da Universidade Paulista. São Paulo, SP, Brasil. josi.piccolo@gmail.com

VIIEnfermeira. Mestre em Enfermagem Pediátrica pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. u310781@yahoo.com.br

VIIIEnfermeira. Mestre em Enfermagem Pediátrica pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil.silvia@semeando.com.br

Correspondência Correspondência: Cecília Helena de Siqueira Sigaud Av. Dr. Éneas de Carvalho Aguiar, 419 - Cerqueira César CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

A literatura de saúde tem abordado os aspectos éticos da investigação com seres humanos há décadas, mas ainda há desafios a serem reconhecidos e superados, tais como os referentes à pesquisa com crianças. Este artigo apresenta e discute aspectos éticos da pesquisa com crianças. Descreve estratégias de abordagem conformes às necessidades infantis, segundo seu processo de desenvolvimento e características individuais, para garantir a participação voluntária da criança na pesquisa.

Descritores: Ética em pesquisa. Criança. Saúde da criança. Defesa da criança. Autonomia pessoal.

RESUMEN

La literatura de salud ha tratado de los aspectos éticos de la investigación con seres humanos hace décadas, pero aun hay retos que deben ser reconocidos y superados, tales como los referentes a la investigación con la población infantil. Este artículo presenta y discute aspectos éticos de la investigación con niños y niñas. Describe estrategias de abordaje adecuadas a las necesidades infantiles, según su proceso de desarrollo y características individuales, para garantizar la participación voluntaria de niños y niñas en investigaciones.

Descriptores: Ética en investigación. Niño. Salud del niño. Defensa del niño. Autonomía personal.

INTRODUÇÃO

A participação das crianças em pesquisa data de longa época, mas nem sempre foi considerada sua autorização. A história da investigação científica foi marcada pelo uso de poder ou autoridade dos investigadores sobre grupos vulneráveis, dentre os quais se destaca o infantil, particularmente crianças órfãs e pobres(1).

As pesquisas com crianças são necessárias e justificadas particularmente para produção de conhecimento específico ou outro benefício para esse grupo populacional, que não poderia ser alcançado sem seu envolvimento(2).

Este artigo apresenta e discute aspectos éticos da investigação com crianças até 12 anos(3) e descreve estratégias de abordagem para garantir sua participação voluntária na pesquisa, particularmente nas investigações que não trazem benefício direto e nem potencial a elas. Nesse contexto, é indevido aplicar qualquer tipo de imposição para obter sua participação. Quando uma pesquisa gera beneficio direto à criança, como na utilização de uma nova terapia ainda em teste, que se configura como única alternativa para um tratamento necessário, em última instância, é aceitável a coerção da criança, sustentada pelo consentimento dos responsáveis apenas(1). Mesmo nessas circunstâncias, deve haver um investimento intensivo na obtenção de sua participação voluntária e na preservação de sua dignidade. Por outro lado, quando não há tal benefício, a única forma ética de envolver a criança em pesquisa é garantindo sua anuência.

Até o início do século XX, ocorria o envolvimento de crianças em investigações sem que se tomasse qualquer cuidado ético, utilizando órfãos ou não, e até justificando esse uso dado o alto custo do uso de animais(1). À medida que tais situações foram se tornando de conhecimento público, causaram indignação e alguns países proibiram a realização de pesquisas com crianças(1).

Atualmente, as normas éticas têm o poder de lei, com vistas a garantir os direitos e a integridade das pessoas envolvidas em pesquisa. Nesse contexto, a avaliação dos comitês de ética tende a ser bastante rigorosa quando se trata de pesquisas com população infantil. Observa-se, predominantemente na área da saúde, a idéia da criança como um ser incapaz para discernir, dadas suas limitações de compreensão(4). Tal visão foi importante na conquista da classificação desse grupo como vulnerável, implicando restrições à pesquisa, conforme descrito no parágrafo anterior, contudo, é insuficiente para orientar decisões e ações atinentes ao tema.

O ponto crítico em questão está relacionado à compreensão que se tem quanto à competência da criança em decidir sobre sua participação. A Resolução 196/96(2), do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta a pesquisa com seres humanos no Brasil, estabelece que as crianças e adolescentes tem direito à informação sobre a pesquisa. Por sua vez, as Diretrizes Internacionais do Council for International Organizations of Medical Sciences(5) e o Estatuto da Criança e do Adolescente(3) expressam que deve ser obtido consentimento da criança para participação em pesquisa, exigência esta maior do que somente a de informar a criança.

Nesse sentido, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) manifesta que há necessidade de obter o consentimento da criança de acordo com sua capacidade de entendimento(6) e a Resolução 251/97 do Conselho Nacional de Saúde estabelece que a necessidade de obter a manifestação do próprio sujeito para a pesquisa de substâncias inclui as crianças (item IV q)(7). Assim, o processo do consentimento informado demanda envolvimento mais ativo desses sujeitos, com vistas a expressar seu desejo fidedigno e não se restringe à manifestação do responsável.

O consentimento informado dos pais, ainda que indispensável, não é suficiente. A prática de concentrar a decisão no âmbito do adulto baseia-se numa premissa paternalista e romântica que toma a criança como um ser incapaz e, por isso, indefeso(8). Entretanto, partindo-se da premissa que a criança é um sujeito de direitos e, portanto, tem direito à voz, é imprescindível que o pesquisador garanta condições para sua participação na decisão de colaborar ou não com a pesquisa.

O processo de consentimento esclarecido abrange informação e compreensão plena do sujeito acerca dos procedimentos a que será submetido: os riscos e os desconfortos potenciais, os benefícios e seus direitos, bem como a livre escolha ou voluntariedade e manifestação inequívoca de vontade(4). Assim constituído, não se aplica à criança, uma vez que o universo infantil não contempla esses conceitos relativos à investigação. Tais conceitos ainda não têm significado para ela, pois sua compreensão do mundo é pautada pelo que ela pensa e sente em suas experiências(9).

Intrínseco ao conceito de consentimento está o entendimento de que ele diz respeito à pessoa que consente. Por isso, o consentimento dos responsáveis é chamado de consentimento por procuração(4), uma vez que reflete suas convicções, valores e vontade e não as do participante, no caso, a criança. Uma vez que a ética na pesquisa refere-se ao compromisso de resguardar a integridade das pessoas envolvidas, reservar à criança apenas o direito à informação, ou mesmo permitir-lhe participação em situações específicas, é insuficiente, pois viola o respeito a seus interesses.

Contudo, tal situação tem se ancorado na impossibilidade legal de obtenção do consentimento livre e esclarecido da criança, tendo em vista que o consentimento está baseado na capacidade da pessoa de receber informações e atribuir-lhes significado, reconhecer sua relevância e relembrar fatos. Uma vez que essas competências são estabelecidas com referência às capacidades e universo adulto, elas reforçam a representação de que a criança é incapaz de consentir. Cabe ressaltar que o modo de obtenção do consentimento, tal como ocorre no Brasil e em outros países ocidentais, segue um padrão determinado por um grupo social hegemônico, constituído por adultos letrados, capacitados no exercício de uma lógica abstrata, mediada e gerada pelo domínio da chamada linguagem culta ou padrão. Em decorrência, é possível que mesmo adultos sejam levados a consentir participação em pesquisa sem exercerem pleno controle sobre sua decisão.

Tudo isto justifica a importância do debate sobre o tema, para o qual este texto tem o propósito de colaborar, especificamente no que diz respeito ao aprimoramento das formas de abordagem da criança, para que sua participação seja efetivamente voluntária. Essa contribuição se sustenta na experiência de investigadores do grupo de pesquisa Cuidado à Saúde Infantil(ª (a ) Cadastrado no diretório dos grupos de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), desde 1995. http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0067404JCDMVY2 ), cuja visão sobre infância, apoiada em estudos da sociologia(10), está centrada na atenção e valorização de suas potenciais competências. Isso é, as características próprias da infância são entendidas e tratadas como algo de complexidade diferente, ao invés de limitadas ou inferiores em relação ao adulto(11).

Nesse sentido, entende-se o consentimento da criança para participação em pesquisas científicas como expressão de sua vontade e individualidade, configurando uma condição de respeito que deve ser garantida, além do consentimento esclarecido de seus pais ou responsáveis. Ainda, a participação da criança numa pesquisa que considera suas necessidades pode ser uma experiência positiva que lhe fornece uma rara oportunidade de ser ouvida pelos adultos, obter confiança em expressar suas opiniões e aprender a pensar por si mesma. Especialmente a criança em idade escolar, dadas suas características de desenvolvimento emocional, pode sentir-se recompensada com a atenção que recebe do pesquisador e satisfação em ajudar a um adulto. Por isso, sua participação na pesquisa por si só já é uma gratificação para ela. Além disso, o envolvimento do escolar na pesquisa também o faz sentir-se em posição de destaque em relação a seus pares, atribuindo-lhe um status no grupo(9).

ESTRATÉGIAS DE ABORDAGEM DA CRIANÇA NA PESQUISA

As estratégias de abordagem às crianças em situações de pesquisa devem considerar suas peculiaridades e necessidades de desenvolvimento e características individuais. Isso implica a necessidade de que o pesquisador conheça o modo de pensar, sentir e agir nas diferentes idades, para selecionar e criar estratégias efetivas. Para tanto, cada etapa do contato com a criança deve ser planejada, ainda que, no decorrer das interações, possam ser precisas modificações e adaptações.

Inicialmente, embora a pesquisa beneficie direta ou indiretamente as crianças, o pesquisador precisa assumir seu interesse pessoal no desenvolvimento da investigação e explicitá-lo com clareza, solicitando a ajuda ou colaboração da criança para o alcance de seus objetivos. Para ser honesto e transparente, bem como não iludir a criança, deve ter o cuidado de adotar atitudes de empatia, autenticidade e congruência(12). Essas atitudes consistem em demonstrar compreensão, aceitação e interesse pela criança, mesmo ante sua recusa em contribuir na coleta de dados. Enfim, o pesquisador precisa esforçar-se para transmitir à criança sua real intenção e manifestar sua gratidão, explicitamente, ao final do procedimento.

Quando o pesquisador é estranho à criança, sua apresentação é indispensável e deve incluir o nome e o motivo de seu contato. Considerando que para a criança importa mais a atividade imediata na qual será envolvida do que o objetivo da pesquisa, deve-se buscar garantir que ela compreenda os procedimentos a serem realizados e o que poderá sentir. No caso da criança maior de 7 anos, aproximadamente, pode-se confirmar sua compreensão, pedindo a ela que conte o que entendeu. As crianças menores dificilmente reproduzirão em palavras o que entenderam, especialmente se o pesquisador for estranho a elas.

O adulto frente à criança é percebido como mais poderoso, tornando-a vulnerável às suas manobras. Por essa razão, ele deve evitar reproduzir comportamentos que podem caracterizar dominação e adotar meios de favorecer a livre expressão da vontade infantil, criando condições atraentes que estimulem sua participação e minimizem desconfortos, tais como abordar a criança em seu ambiente, na presença de pessoas de sua confiança e oferecendo claramente a possibilidade de recusa.

A aceitação ou não em participar deve ser inequívoca e expressamente manifesta por palavras ou por gestos, observada no decorrer de todo o procedimento que envolve a criança. A presença de um adulto de sua confiança no momento do convite para a pesquisa possibilita a ela maior segurança e, conseqüentemente, maior liberdade para se manifestar contrariamente, caso assim deseje. Convém à criança participar da pesquisa na companhia de amigos, pares ou familiares. Estes podem ou não participar da investigação. O importante nesta situação é que a permanência de pessoas conhecidas diminui para a criança o caráter ameaçador das experiências desconhecidas.

Com o objetivo de reduzir possíveis situações de constrangimento e insegurança emocional, é importante que a coleta de dados seja realizada no ambiente habitual da criança, como creche, escola, ou domicílio(13-16). Além disso, a disponibilização de brinquedos apropriados também pode reduzir o caráter potencialmente amedrontador do procedimento(13).

No caso da oferta dos brinquedos, é importante não vincular uma coisa à outra: pode ocorrer da criança querer brincar, mas não querer participar da pesquisa e essa recusa não deve ser impedimento para a brincadeira. O respeito a sua vontade, bem como as gradativas e sucessivas aproximações que são favorecidas com a disponibilização dos brinquedos pelo pesquisador, auxiliam no conhecimento recíproco, promovendo o estabelecimento de confiança.

A participação poderá ser interrompida a qualquer momento, caso manifeste sinais de cansaço, desconforto, movimentos no sentido de deixar o local, ou a atividade proposta, e verbalizações. O pesquisador deve confirmar suas impressões quanto à real vontade da criança, observando suas expressões e perguntando se ela deseja ou não prosseguir. A aceitação ou recusa da criança para participar de uma entrevista ou procedimento depende do momento. Muitas vezes, a recusa é temporária e pode ser revertida à medida que a criança se percebe respeitada e amplia sua compreensão sobre a situação, sentindo-se mais confiante para participar(13-15). Contudo, a recusa persistente da criança em consentir deve ser considerada como eticamente impeditiva no contexto de pesquisa.

No caso da criança em idade escolar, estando ela em acordo e ainda como forma de confirmar seu desejo de participar da pesquisa, pode-se lhe solicitar que assine um termo de consentimento(16-17). Ainda que não haja necessidade de obter a assinatura da criança(6), nas experiências de solicitá-la, observa-se que ela se sente valorizada e isso contribui para a sua autonomia(9).

O consentimento consciente da criança requer do pesquisador o fornecimento de informações em linguagem acessível e compreensível, além do emprego de outros recursos de comunicação apropriados, como, por exemplo, o uso de modelos, imagens, fotos e livros para ilustração, caso o procedimento envolva situações inusitadas ou desconfortáveis para ela. Avaliações de habilidades de desenvolvimento, de dados antropométricos, de sinais vitais são exemplos dessas situações. Ainda que não sejam procedimentos dolorosos ou invasivos, implicam alterações da atividade habitual, utilização de equipamentos ou instrumentos, limitação da movimentação corporal, gerando ansiedade frente ao desconhecido e perda do controle. O brinquedo terapêutico é um recurso valioso no preparo instrucional e emocional da criança(18), por favorecer sua compreensão e domínio sobre procedimentos, bem como propiciar alívio de tensão decorrente do medo envolvido.

O elemento principal que determina a espontaneidade das crianças é a relação de confiança com o pesquisador e, para isso, é necessário dispensar tempo para interagir com ela. O tempo utilizado, que parece excessivo ao início do estudo com crianças, converte-se em benefício inclusive para o pesquisador, uma vez que a adoção de procedimentos apropriados é a única forma de efetivar a confiança e a possibilidade de participação, além de potencializar a adesão da criança em etapas posteriores da pesquisa(13-15).

Outro ponto a destacar é a necessidade de flexibilidade do pesquisador em alterar seu planejamento. Por exemplo, em pesquisas de avaliação de desenvolvimento, ou de acuidade visual, é necessário interromper os procedimentos frequentemente, devido a cansaço, desatenção ou desinteresse da criança(14-15). Isso ocorre porque o tempo necessário para realizar as atividades é vivido por ela como muito longo, demandando que o pesquisador retorne várias vezes até finalizar a coleta das informações.

Algumas vezes, o próprio procedimento precisa ser revisto, em função de demandas inesperadas, como no caso de uma criança que pede para gravar seu depoimento sozinha na sala, para ser ouvido depois pelo pesquisador(16). Assim, deve-se estar aberto a acolher iniciativas criativas relativas a local, seqüência, forma ou outro aspecto do procedimento, favorecendo a participação da criança.

Em menores de dois anos, por não terem condições de compreender e decidir quanto a sua participação, desde que haja consentimento dos responsáveis, pode-se envolvê-las em pesquisa sem que eles o percebam, através da observação à distância ou durante as atividades da vida diária, como brincadeiras, alimentação, sono, com cuidado para não lhes trazer desconfortos, isto é, tomando precauções já recomendadas que visam alterar ao mínimo sua rotina(13).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões aqui abordadas pretendem apoiar o desenvolvimento de pesquisas com crianças, zelando para que as propostas sejam viáveis com o maior grau de concordância e colaboração possível, culminando numa produção de conhecimento capaz de efetivamente beneficiar a população infantil. Qualquer tipo de medida coercitiva, além de constituir risco físico e psicológico desnecessário e injustificável, pode resultar na obtenção de dados não confiáveis, comprometendo a pesquisa.

Convém destacar, também, que o reconhecimento da importância do envolvimento da criança no processo de obtenção do consentimento por parte dos pesquisadores possibilita oferecer a ela oportunidade de amadurecimento de suas capacidades para a tomada de decisões e seu fortalecimento enquanto pessoa, constituindo-se dessa maneira um benefício não imediato ao seu processo de desenvolvimento.

Finalizando, para preservar os direitos da criança e de fato respeitar sua autonomia, qualquer que seja seu estágio de desenvolvimento, é indispensável promover um processo participativo ampliado para o consentimento de sua inclusão em pesquisa, com envolvimento da própria criança, de seus responsáveis e pessoas de sua confiança, bem como do pesquisador.

Recebido: 15/09/2009

Aprovado: 18/11/2009

  • 1. Kipper DJ, Goldim JR. A pesquisa em crianças e adolescentes. J Pediatr (Rio de Janeiro). 1999;75(4):211-2.
  • 2
    Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 196, de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos [legislação na Internet]. Brasília; 1996. [citado 2009 set. 14]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/docs/Resolucoes/Reso196.doc
  • 3
    Brasil. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências [legislação na Internet]. Brasília; 1990. [citado 2009 set. 14]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/L8069.htm
  • 4. Committee on Bioethics. Informed consent, parental permission, and assent in pediatric practice. Pediatrics. 1995;95 (2):314-7.
  • 5
    Council for International Organizations of Medical Siences (CIOMS). Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa envolvendo Seres Humanos [legislação na Internet]. Genebra: (OMS); 1993. [citado 2009 jun. 26]. Disponível em: http://www.bioetica.ufrgs.br/cioms.htm
  • 6. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. A CONEP responde. Cad Ética Pesq. 2000;3(5): 7.
  • 7
    Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 251, de 7 de agosto de 1997. Normas de pesquisa com novos fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos envolvendo seres humanos [legislação na Internet]. Brasília; 1997. [citado 2009 jun. 26]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/docs/Resolucoes/Reso251.doc
  • 8. Leone C. A criança, o adolescente e a autonomia. Bioética. 1998;6(1):51-4.
  • 9. Ribeiro MO, Sigaud CHS, Rezende MA,Veríssimo MLÓR. Desenvolvimento infantil: a criança nas diferentes etapas de sua vida. In: Fujimori E, Ohara CVS, organizadoras. Enfermagem e a saúde da criança na atenção básica. São Paulo: Manole; 2009. p. 61-90.
  • 10. Soares NF, Sarmento MJ, Tomás C. Investigação da infância e crianças como investigadoras: metodologias participativas dos mundos sociais das crianças [texto na Internet]. Braga: Centro de Documentação e Informação sobre a Criança, Universidade do Minho, Portugal. [citado 2009 jun. 26]. Disponível em: http://cedic.iec.uminho.pt/Textos_de_Trabalho/textos /InvestigacaoDaInfancia.pdf
  • 11. Veríssimo MLÓR, Sigaud, CHS, Rezende MA, Ribeiro MO. O cuidado e a ética na relação com a criança em Instituições de Saúde. In: Barchifontaine CP, Zoboli E, organizadores. Bioética, vulnerabilidade e saúde. Aparecida (SP): Idéias e Letras/Centro Universitário São Camilo; 2007. p. 339-46.
  • 12. Ribeiro MO, Sigaud CHS. Relacionamento e comunicação com a criança e sua família. In: Sigaud CHS, Veríssimo MLÓR, organizadoras. Enfermagem pediátrica: o cuidado de enfermagem à criança e ao adolescente. São Paulo: EPU; 1996. p. 99-111.
  • 13. Carneiro DA, Vilela TA. Ocorrência de infecções respiratórias agudas em pré-escolares que freqüentam creche universitária [monografia]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2006.
  • 14. Rezende MA, Beteli VC, Santos JLF. Avaliação de habilidades de linguagem e pessoal-sociais pelo Teste de Denver II em instituições de educação infantil. Acta Paul Enferm [periódico na Internet]. 2005 [citado 2009 set. 14]:18(1):56-63. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext &pid=S0103-21002005000100008&lng=en Doi: 10.1590/S0103-21002005000100008.
  • 15. Rezende MA, Costa OS, Pontes PB. Triagem de desenvolvimento neuropsicomotor em instituições de educação infantil segundo o Teste de Denver II. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2005;9(3):348-55.
  • 16. Ribeiro MO, Ciampone MHT. Crianças em situação de rua falam sobre os abrigos. Rev Esc Enferm USP. 2002;36(4):309-16.
  • 17. Montes DC. O significado da experiência de abrigo e a auto-imagem da criança em idade escolar [dissertação]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2006.
  • 18. Ribeiro CA, Borba RIH, Rezende MA. O brinquedo na assistência à saúde da criança. In: Fujimori E, Ohara CVS, organizadoras. Enfermagem e a saúde da criança na atenção básica. São Paulo: Manole; 2009. p. 287-327.
  • Correspondência:
    Cecília Helena de Siqueira Sigaud
    Av. Dr. Éneas de Carvalho Aguiar, 419 - Cerqueira César
    CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil
  • (a
    ) Cadastrado no diretório dos grupos de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), desde 1995.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      18 Nov 2009
    • Recebido
      15 Set 2009
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: reeusp@usp.br