Burnout e satisfação acadêmica em estudantes de enfermagem de currículo tradicional e integrado

RESUMO

Objetivo:

Verificar a prevalência de burnout e sua relação com a satisfação acadêmica em estudantes de enfermagem de currículo tradicional e integrado.

Método:

Estudo quantitativo, observacional, transversal e descritivo-analítico com graduandos de enfermagem de duas universidades públicas. Os dados foram coletados em sala de aula por um questionário de caracterização, o Maslach Burnout Inventory e a Nursing Student Satisfaction Scale , e analisados por estatística descritiva e inferencial.

Resultados:

Participaram 301 graduandos. A prevalência de burnout no currículo tradicional foi de 30,2% e, no integrado, de 16,2%. Eficácia acadêmica (p=0,004), satisfação com o currículo e ensino (p=0,011) e interação social e profissional (p<0,001) foram maiores entre os estudantes do currículo integrado. A satisfação com o ambiente de aprendizagem foi maior no currículo tradicional (p=0,012). Burnout esteve associado estatisticamente à baixa satisfação acadêmica em todas as suas dimensões.

Conclusão:

A prevalência de burnout diferiu significativamente entre os estudantes das organizações curriculares analisadas e está diretamente associada com a (in)satisfação acadêmica. Os educadores devem desenvolver ações preventivas contra o burnout para os futuros enfermeiros, focadas na promoção da satisfação acadêmica.

Estresse Psicológico; Estudantes de Enfermagem; Educação em Enfermagem; Currículo; Satisfação Pessoal

ABSTRACT

Objective:

To verify the prevalence of burnout and its relationship with the academic satisfaction of nursing students in traditional and integrated curricula.

Method:

Quantitative, observational, cross-sectional, and analytical descriptive study with nursing undergraduates in two public universities. The data were collected in the classroom through a characterization survey, Maslach Burnout Inventory, and the Nursing Student Satisfaction Scale, and analyzed through inferential and descriptive statistics.

Results:

The participants included 301 undergraduate students. The prevalence of burnout in the traditional curriculum was 30.2%; in the integrated one, this was 16.2%. Academic efficacy (p=0.004), satisfaction with curriculum and teaching (p=0.011), and professional and social integration (p<0.001) were higher for students in the integrated curriculum. Satisfaction with the educational environment was higher in the traditional curriculum (p=0.012). Burnout was statistically associated with low academic satisfaction in all dimensions.

Conclusion:

The prevalence of burnout has differed significantly among students in the analyzed curriculum models and is directly associated with academic satisfaction or lack thereof. Educators should develop preventive actions against burnout in future nurses focusing on the promotion of academic satisfaction.

Stress, Psychological; Students, Nursing; Education, Nursing; Curriculum; Personal Satisfaction

RESUMEN

Objetivo:

Verificar la prevalencia del burnout y su relación con la satisfacción académica de los estudiantes de enfermería del currículo tradicional y del integrado.

Método:

Estudio cuantitativo, observacional, transversal y descriptivo-analítico con estudiantes de enfermería de dos universidades públicas. Los datos se recogieron en el salón de clases a través de un cuestionario de caracterización, el Maslach Burnout Inventory , y de la Nursing Student Satisfaction Scale , y se analizaron mediante estadística descriptiva e inferencial.

Resultados:

Participaron 301 estudiantes universitarios. La prevalencia del burnout en el currículo tradicional fue del 30,2% y del 16,2% en el integrado. La eficacia académica (p=0,004), la satisfacción con el currículo y la enseñanza (p=0,011) y la interacción social y profesional (p<0,001) fueron mayores entre los estudiantes del currículo integrado. La satisfacción con el entorno de aprendizaje fue mayor para el currículo tradicional (p=0,012). El burnout se asoció estadísticamente con insatisfacción académica en todas sus dimensiones.

Conclusión:

La prevalencia del burnout difiere significativamente para los estudiantes de las organizaciones curriculares analizadas y se asocia directamente con la satisfacción o insatisfacción académica. Los educadores deben desarrollar acciones preventivas contra el burnout para los futuros enfermeros centradas en la promoción de la satisfacción académica.

Estrés Psicológico; Estudiantes de Enfermería; Educación en Enfermería; Curriculum; Satisfacción Personal

INTRODUÇÃO

Diversos transtornos mentais vêm acometendo universitários, população considerada vulnerável. Estudos epidemiológicos evidenciam que os sintomas iniciais ocorrem no começo da vida adulta, quando os estudantes se encontram no período de transição^(1-2). Os cursos da área da saúde, que objetivam formar profissionais para a assistência, têm os estudantes mais afetados psicologicamente⁽²⁾, sobretudo os de enfermagem^(1,3). Variáveis individuais, acadêmicas e contextuais estão relacionadas ao processo de resiliência e adoecimento desses indivíduos⁽¹⁾.

Pesquisas realizadas no Brasil⁽⁴⁾, Itália⁽⁵⁾, China⁽⁶⁾ e Espanha⁽⁷⁾ avaliaram a síndrome de burnout em estudantes de graduação em enfermagem, encontrando altos níveis de esgotamento nos universitários associado a pouca empatia disposicional⁽⁵⁾, ao autoconceito profissional negativo⁽⁶⁾, aos alunos com baixa resiliência⁽⁷⁾, de séries iniciais, que cursam mais de 10 disciplinas simultaneamente e que pensam em deixar o curso⁽⁴⁾. Os fatores estressores crônicos provêm de características específicas da formação, como alta carga horária de estudos intra e extrauniversitários, numerosas atividades acadêmicas a serem executadas em prazos reduzidos, participação em projetos de ensino, pesquisa e extensão como componentes extracurriculares, relações interpessoais com pares e professores e atuação em serviços de saúde, onde se deparam com o sofrimento alheio e o medo de causar danos ao paciente por eventos adversos, situações que podem sobrecarregá-lo e levar à síndrome de burnout ⁽³⁾.

Apesar de o universitário não ser considerado trabalhador, a organização das atividades acadêmicas e as metas exigidas têm similaridade com o trabalho, na perspectiva psicológica⁽⁸⁾. Assim, o burnout acadêmico resulta da combinação de exaustão (falta de energia) devida às demandas do estudo; despersonalização, manifestada por apatia emocional, falta de motivação, afastamento das atividades do curso e das relações interpessoais; e baixa eficácia acadêmica, em que há um sentimento negativo em relação a si próprio. Essas dimensões são relacionadas e, ao mesmo tempo, independentes⁽⁸⁾.

As situações estressantes no ambiente universitário estão diretamente relacionadas com a satisfação acadêmica⁽⁹⁾, que envolve a percepção do estudante sobre a sua experiência educacional em relação às atividades de ensino e currículo. Estas englobam a adequação dos conteúdos curriculares, metodologia, didática e avaliação; a interação social e profissional, que corresponde aos relacionamentos interpessoais inerentes ao processo de formação, com docentes, alunos e profissionais; e o ambiente de aprendizagem, compreendido pela infraestrutura ofertada pela organização durante o período formativo⁽¹⁰⁾.

Nessa perspectiva, os currículos de enfermagem têm se modificado para aumentar a motivação e satisfação dos alunos e lidar com o sofrimento psicológico; no entanto, encontraram-se apenas avaliações dos efeitos das alterações curriculares de medicina sobre a saúde mental^(11-12). Ainda há pouco conhecimento produzido sobre o papel dos currículos de formação no burnout entre estudantes de enfermagem. Nessa área, há basicamente dois tipos de organizações curriculares mais utilizadas: (i) tradicional, que é do tipo teórico-dedutiva, na qual se parte das premissas gerais da ciência, formalizadas em disciplinas, para posteriormente se abordar as situações práticas, além do ensino centrado no professor (educação bancária), com metodologias de ensino e avaliação convencionais; e (ii) integrado, com estrutura interna indutivo-teórica, em que há uma integração de conteúdos de formação geral e específicos da profissão, envolvendo a interdisciplinaridade e a indissociabilidade entre teoria e prática, bem como o ensino-aprendizado concomitante entre professores e alunos (educação problematizadora e libertadora) por meio de metodologias de ensino ativas e processos avaliativos diversificados e pautados em desempenhos ou competências⁽¹³⁾.

Diante das consequências da síndrome de burnout à saúde biopsicossocial⁽¹⁴⁾ do estudante e da possibilidade de produzir enfermeiros recém-graduados menos empáticos, com menor domínio de suas atividades ocupacionais e com intenção de deixar a profissão⁽¹⁵⁾, torna-se importante analisar a relação entre burnout e satisfação acadêmica em estudantes de enfermagem de diferentes organizações curriculares. Os achados deste estudo poderão subsidiar o planejamento de intervenções para que a saúde dos estudantes seja preservada, o que pode propiciar enfermeiros engajados e preparados para prestar assistência de qualidade.

Com essa perspectiva, esta pesquisa teve como objetivo verificar a prevalência da síndrome de burnout e sua relação com a satisfação acadêmica em estudantes de enfermagem de currículo tradicional e integrado.

MÉTODO

TIPO DE ESTUDO

Trata-se de um estudo observacional, descritivo-analítico, de abordagem quantitativa e delineamento transversal, visto que desfecho e exposição foram mensurados simultaneamente.

POPULAÇÃO

O estudo foi realizado em cursos de graduação em enfermagem de duas universidades estaduais públicas da Região Sul do Brasil localizadas no mesmo estado. Os cursos possuem carga horária de 4.490 e 4.152 horas e conformações curriculares diferentes, sendo currículo tradicional e integrado, respectivamente. Ambas as matrizes curriculares preveem aulas teóricas e de laboratório, práticas em serviços de saúde e estágio curricular obrigatório. A população de estudo se constituiu de 347 estudantes dos referidos cursos, sendo 146 do currículo tradicional e 201 do integrado.

Os critérios de inclusão foram estudantes regularmente matriculados e com idade maior que 18 anos, sendo excluídos aqueles afastados das atividades acadêmicas por licenças de qualquer natureza, incluindo regime de exercício domiciliar.

DEFINIÇÃO DA AMOSTRA

Com base na população, calculou-se o tamanho de amostra adotando-se prevalência de 50% (porcentagem que resulta em tamanho amostral máximo), o nível de significância de 5% e erro amostral absoluto de 5%, obtendo-se o número mínimo de 182 estudantes para compor a amostra, sendo 77 do tradicional e 105 do integrado.

COLETA DE DADOS

No período de novembro de 2018 a maio de 2019, todos os estudantes elegíveis dos referidos cursos foram convidados e a coleta de dados foi realizada em sala de aula, em data e horário previamente estabelecido com os coordenadores de curso. Os graduandos foram esclarecidos sobre o objeto de estudo e aqueles que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo-lhes entregue o questionário de coleta de dados para que respondessem. Desse modo, participaram do estudo 116 (79,4%) estudantes do currículo tradicional e 185 (92,0%) do integrado, pois 29 possuíam menos de 18 anos e 16 recusaram-se a participar.

O instrumento de pesquisa foi composto por um questionário de caracterização sociodemográfica (idade, sexo, situação conjugal, residência com a família e vínculo empregatício), acadêmica (ano de ingresso no curso, série cursada, receber bolsa de estudo, usar medicações devido ao estudo, cursar componente(s) curricular(es) em regime de dependência e intenção de desistir do curso) e de condições de vida (realizar atividade física, com frequência e duração, e possuir recursos financeiros suficientes para as necessidades), o Maslash Burnout Inventory - Student Survey (MBI-SS) e a Nursing Student Satisfaction Scale (NSSS).

A versão Student Survey do instrumento Maslach Inventory Burnout foi adaptada do Maslach Burnout Inventory - Human Services Survey (MBI-HSS) por Schaufeli e colaboradores. Trata-se de um questionário autoaplicável de 15 itens, com uma escala tipo Likert de sete pontos, que avalia a estrutura tridimensional da síndrome de burnout em estudantes: exaustão emocional, despersonalização e eficácia acadêmica. O MIB-SS foi traduzido e validado para a realidade brasileira por Carlotto e Câmara⁽¹⁶⁾, apresentando adequada confiabilidade e validade.

Os escores das dimensões de burnout devem ser divididos em alto e baixo, de acordo com os pontos de corte determinados pelos autores do instrumento (alta exaustão emocional: ≥16 pontos; alta despersonalização: ≥11 pontos; baixa eficácia acadêmica: ≤10 pontos), e sua combinação resulta nos seguintes perfis latentes: engajado (baixa exaustão emocional, baixa despersonalização; e alta eficácia acadêmica), desengajado (apenas alta despersonalização), ineficaz (apenas baixa eficácia acadêmica), esgotado (apenas alta exaustão emocional) e burnout (alta exaustão emocional e despersonalização e baixa eficácia acadêmica)⁽¹⁷⁾.

A NSSS foi elaborada por Chen e colaboradores e validada no Brasil, em 2016, mediante análise fatorial exploratória e alfa de Cronbach de 0,934⁽¹⁸⁾. Esse instrumento é composto por 22 questões, cujas respostas são fornecidas em escala de Likert de cinco pontos que objetiva avaliar a satisfação acadêmica dos estudantes de enfermagem por meio de três dimensões: currículo e ensino, interação social e profissional e ambiente de aprendizagem. Os escores obtidos não produzem uma numeração composta, mas são dicotomizados em alto e baixo por meio da mediana.

ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

Os dados foram analisados no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.0. Foram calculadas frequências absolutas e relativas. A comparação das duas organizações curriculares foi realizada pelo teste qui-quadrado de Wald. A associação entre síndrome de burnout (variável dependente) e a satisfação acadêmica (variável independente) foi verificada por modelos múltiplos de regressão logística, considerando as variáveis de ajuste sexo e idade por indicação da literatura⁽¹⁸⁾, além daquelas de caracterização que apresentaram diferenças significativas quando da comparação dos currículos, desde que apresentassem no mínimo 10 casos de ocorrência. Considerou-se estatisticamente significativo p<0,050, e os resultados foram expressados por odds ratio e intervalo de confiança 95%.

ASPECTOS ÉTICOS

Na condução desta pesquisa, foram respeitados os aspectos éticos de acordo com a Resolução n. 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, incluindo a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa em novembro de 2018, conforme o Parecer n.º 2.967.863. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Participaram do estudo 301 estudantes de enfermagem das duas organizações curriculares, sendo 116 do currículo tradicional e 185 do integrado, cuja caracterização está apresentada na Tabela 1.

Tabela 1
Comparação entre as características dos estudantes de enfermagem segundo o currículo cursado - Bandeirantes/Londrina, PR, Brasil, 2018-2019.

Variáveis de caracterização	Currículo Tradicional	Currículo Integrado	p-valor*
	n(%)	n(%)
Idade
18 a 20 anos	67(57,8)	126(68,1)	0,069
21 a 42 anos	49(42,2)	59(31,9)
Sexo
Feminino	108(93,1)	164(88,6)	0,193
Masculino	8(6,9)	21(11,4)
Situação conjugal
Solteiros	113(97,4)	184(95,5)	0,136
Casados	3(2,6)	1(0,5)
Reside com a família
Não	75(64,7)	43(23,2)	<0,001
Sim	41(35,3)	142(76,8)
Recebe bolsa de estudo**
Não	95(81,9)	140(75,7)	0,200
Sim	21(18,1)	45(24,3)
Trabalha
Não	107(92,2)	165(89,2)	0,376
Sim	9(7,8)	20(10,8)
Ativo fisicamente***
Não	107(92,2)	175(94,6)	0,419
Sim	9(7,8)	10(5,4)
Uso de medicações devido ao estudo
Não	72(62,1)	107(57,8)	0,466
Sim	44(37,9)	78(42,2)
Cursa componente(s) curricular(es) em regime de dependência
Não	80(69,0)	184(99,5)	<0,001
Sim	36(31,0)	1(0,5)
Série atual compatível com o ano de ingresso
Não	21(18,1)	10(5,4)	0,001
Sim	95(81,9)	175(94,6)
Intenção de desistir do curso
Não	35(30,2)	73(39,5)	0,100
Sim	81(69,8)	112(60,5)
Recursos financeiros suficientes para as necessidades
Pouco	88(75,9)	147(79,5)	0,465
Bastante	28(24,1)	38(20,5)

• ^*
  Qui-quadrado de Wald;
• ^**
  iniciação científica ou extensão;
• ^***
  no mínimo 150 minutos e 2x por semana

As características dos participantes eram similares no que concerne a idade, sexo, situação conjugal, receber bolsa de estudo, possuir vínculo empregatício, ser ativo fisicamente, uso de medicações devido ao estudo, intenção de desistir do curso e recursos financeiros suficientes para as necessidades. Entretanto, eram diferentes com relação a residir com a família, mais prevalente entre estudantes do currículo integrado, cursar componente em regime de dependência e incompatibilidade da série atual com o ano de ingresso, mais prevalentes entre estudantes do currículo tradicional.

A Tabela 2 mostra que, entre as dimensões da síndrome de burnout, a alta eficácia acadêmica apresentou proporção maior entre os estudantes do currículo integrado em relação ao currículo tradicional (p=0,004). Sobre os perfis latentes, o desengajamento foi maior no currículo integrado (p=0,047) e o engajamento foi maior no currículo tradicional (p=0,043). As dimensões currículo e ensino (p=0,011) e interação social e profissional (p<0,001) foram maiores entre os estudantes do currículo integrado em relação ao tradicional. Por outro lado, a alta satisfação com o ambiente de aprendizagem foi menor entre os estudantes do currículo integrado em relação ao currículo tradicional (p=0,012).

Tabela 2
Dimensões da síndrome de burnout e satisfação acadêmica dos estudantes de enfermagem segundo o currículo cursado - Bandeirantes/Londrina, PR, Brasil, 2018-2019.

Variáveis	Currículo Tradicional	Currículo Integrado	p-valor*
	n(%)	n(%)
Síndrome de burnout
Exaustão Emocional
Baixa	19(16,4)	17(9,2)	0,065
Alta	97(83,6)	168(90,8)
Despersonalização
Baixa	55(47,4)	94(50,8)	0,556
Alta	61(52,6)	91(49,2)
Eficácia Acadêmica
Baixa	48(41,4)	47(25,4)	0,004
Alta	68(58,6)	138(74,6)
Perfis latentes do MBI-SS**
Esgotado
Não	77(66,4)	105(56,8)	0,095
Sim	39(33,6)	80(43,2)
Desengajado
Não	90(77,6)	124(67,0)	0,047
Sim	26(22,4)	61(33,0)
Ineficaz
Não	113(97,4)	180(97,3)	0,951
Sim	3(2,6)	5(2,7)
Engajado
Não	103(88,8)	176(95,1)	0,043
Sim	13(11,2)	9(4,9)
Satisfação acadêmica
Currículo e Ensino
Baixa	78(67,2)	97(52,4)	0,011
Alta	38(32,8)	88(47,6)
Interação Social e Profissional
Baixa	77(66,4)	81(43,8)	<0,001
Alta	39(33,6)	104(56,2)
Ambiente de Aprendizagem
Baixa	53(45,7)	112(60,5)	0,012
Alta	63(54,3)	73(39,5)

• ^*
  Qui-quadrado de Wald;
• ^**
  Maslash Burnout Inventory - Student Survey

Na Figura 1, verifica-se que a prevalência da síndrome de burnout foi de 30,2% no currículo tradicional e de 16,2% no currículo integrado, sendo essa uma diferença estatisticamente significativa (p=0,004).

Figura 1
Prevalência da síndrome de burnout entre os estudantes de enfermagem segundo o currículo cursado - Bandeirantes/Londrina, PR, Brasil, 2018-2019.

Tabela 3
Associação da síndrome de burnout com as dimensões da satisfação acadêmica dos estudantes de enfermagem - Bandeirantes/Londrina, PR, Brasil, 2018-2019.

Satisfação acadêmica	Burnout		Odds ratio ajustado* (Intervalo de Confiança 95%)	p-valor
	Não n(%)	Sim n(%)
Currículo e Ensino
Baixa	127(72,6)	48(27,4)	2,395(1,249-4,594)
Alta	109(86,5)	17(13,5)	1	0,009
Interação Social e Profissional
Baixa	108(68,4)	50(31,6)	3,889(1,965-7,697)
Alta	128(89,5)	15(10,5)	1	<0,001
Ambiente de Aprendizagem
Baixa	122(73,9)	43(26,1)	2,327(1,241-4,362)
Alta	114(83,8)	22(16,2)	1	0,008

• ^*
  ajustado por sexo, idade (em anos), residência com a família, série cursada, série atual compatível com o ano de ingresso e currículo cursado

A Tabela 3 mostra que a baixa satisfação acadêmica em todas as suas dimensões apresentou associação significativa com a síndrome de burnout .

Os resultados obtidos da associação entre burnout e a satisfação acadêmica permanecem em ambas as conformações curriculares, independentemente de sexo, idade, residir com a família, série cursada, compatibilidade da série atual com o ano de ingresso no curso e currículo cursado.

DISCUSSÃO

Neste estudo foi verificada a prevalência da síndrome de burnout e sua relação com a satisfação acadêmica entre estudantes de enfermagem de currículo tradicional e integrado. Identificou-se que a prevalência da síndrome de burnout foi diferente nas organizações curriculares analisadas, e maior do que a obtida entre outros estudantes da área da saúde^(12,19). Os estudantes do currículo integrado apresentaram alta satisfação acadêmica com a interação social e profissional e currículo e ensino, mas baixa satisfação com o ambiente de aprendizagem em relação àqueles matriculados no currículo tradicional. Ainda, a baixa satisfação acadêmica foi associada à síndrome de burnout .

A maioria dos estudantes pertencia ao sexo feminino, o que também ocorreu em estudos realizados no Brasil e no exterior, pois essa é uma característica sócio-histórica da enfermagem, decorrente de o cuidado ser culturalmente atribuído às mulheres^(4-7). Deve ser considerado, ainda, que o esgotamento é maior entre jovens graduandas^(7-8).

A interação social e profissional no âmbito da satisfação acadêmica é definida pela forma como o estudante se relaciona e se comunica com os docentes durante a graduação⁽¹⁷⁾. Neste estudo, a satisfação com os relacionamentos interpessoais no processo de formação foi maior entre os estudantes do currículo integrado, indicando que estão em um ambiente menos hostil, sentem-se mais respeitados, têm tranquilidade para tirar dúvidas, com docentes qualificados em sua área de atuação, e enfrentam menor dificuldade de relacionamento com os docentes⁽¹⁰⁾.

Pesquisas brasileiras com estudantes de enfermagem identificaram que uma das causas de maior estresse e menor satisfação dos estudantes foi o relacionamento com os professores^(20-21). Isso posto, os relacionamentos interpessoais com os docentes podem ser menos conflituosos no currículo integrado, pelo fato de o estudante ser o protagonista de sua aprendizagem, com o professor como facilitador desse processo. No currículo tradicional, que geralmente é pautado na educação bancária, o professor é o detentor do conhecimento, podendo emergir conflitos de poder na relação professor-aluno^(22-23).

A metodologia ativa utilizada pelo currículo integrado auxilia nesse processo de interação, pois favorece e estimula situações desafiadoras e instigantes para o discente, tornando-o agente de seu ensino por meio de habilidades comunicativas e interativas desde o início da formação⁽²⁰⁾. O currículo tradicional, por outro lado, utiliza a metodologia passiva, na qual o docente é responsável por transmitir o conhecimento e o discente tem pouca autonomia para desenvolver suas habilidades. Essa ausência de interação independente gera insatisfação⁽²¹⁾ e, consequentemente, conflitos interpessoais.

O relacionamento interpessoal no âmbito da formação precisa ser trabalhado em todas as conformações curriculares, pois neste estudo a baixa satisfação com a interação social e profissional foi associada à síndrome de burnout , o que é corroborado pela literatura, pois o ambiente amistoso e de apoio social é um fator de proteção para a síndrome^(24-25).

Outro aspecto em que a percepção de satisfação dos acadêmicos do currículo integrado foi maior refere-se à oportunidade de desenvolvimento proporcionada pelo currículo e ensino, que diz respeito à preparação competente e qualificada para atuar na profissão, sobretudo na resolução dos problemas do cuidado e na aplicação do processo de enfermagem nos diferentes níveis de atenção à saúde. Tais habilidades são adquiridas quando o currículo parte dos conceitos simples para os mais complexos, com o emprego das metodologias e didáticas adequadas, conteúdos curriculares atualizados e consistência das disciplinas e do seu sistema avaliativo⁽¹⁰⁾.

Os educadores devem buscar continuamente por métodos didáticos eficazes, qualificação profissional, inovação e adequação dos conteúdos de ensino ao cenário da prática profissional, estimulando o aluno para que seja crítico e reflexivo, pois esses aspectos influenciam na satisfação acadêmica^(8-10) e reduzem significativamente os níveis da síndrome de burnout , conforme os resultados da presente investigação.

A maior satisfação com a interação social e profissional e com o currículo e ensino no currículo integrado pode explicar a alta percepção de eficácia acadêmica, pois ela refere-se a uma autoavaliação positiva acerca das capacidades do indivíduo diante dos seus feitos e realizações⁽⁸⁾. Assim, a oferta de melhores condições de ensino e aprendizagem por parte da instituição, no intuito de desenvolver habilidades dos estudantes, repercutirá em maior segurança^(8-10).

Neste estudo, a satisfação com o ambiente de aprendizagem em relação à infraestrutura que a instituição oferece, sobretudo a estrutura física e tecnológica dos laboratórios de habilidades e simulação, foi maior entre os estudantes do currículo tradicional, quando comparado ao integrado. Entretanto, os alunos que indicaram baixa satisfação com o ambiente de aprendizagem apresentaram maiores chances de síndrome de burnout . No Brasil, as instituições de ensino públicas, apesar do reconhecimento de suas qualidades, estão com um déficit estrutural, tanto pela burocracia na aquisição dos equipamentos necessários quanto pelos esparsos recursos econômicos.

A maior satisfação com o ambiente de aprendizagem pode explicar a maior proporção de estudantes engajados no currículo tradicional, se consideramos que a maioria dos itens dessa dimensão se refere à prática simulada. Nesse sentido, situações clínicas envolvendo simulação robótica, cênica ou híbrida fornecem uma oportunidade para os estudantes aprenderem e aumentarem suas habilidades em um ambiente seguro e educacional e estão relacionadas ao engajamento comportamental, emocional e cognitivo dos alunos⁽²⁶⁾. A falta de engajamento é um impeditivo para que esses futuros enfermeiros alcancem as competências essenciais necessárias para as práticas avançadas nos países da América Latina relativas aos cuidados clínicos, comunicação interdisciplinar e focada do paciente, contexto do cuidado e a prática baseada em evidências⁽²⁷⁾.

Deve-se considerar o ambiente de aprendizagem clínica dos serviços de saúde, que igualmente reflete a qualidade da estrutura curricular e é uma preocupação significativa no ensino de enfermagem contemporâneo⁽²⁸⁾. Os estudantes ganham mais confiança e competência na prática clínica quando apoiados por docentes e preceptores, além de alcançarem resultados clínicos de aprendizado, e isso ameniza a estrutura inadequada dos serviços de saúde⁽²⁹⁾.

Observou-se que a exaustão emocional foi proporcionalmente maior nos estudantes do currículo integrado e a despersonalização no tradicional. Todavia, essa não foi uma diferença estatisticamente significativa, indicando que, independentemente do currículo cursado, os estudantes estão exaustos física e mentalmente devido às exigências da matriz curricular e, por consequência, se afastam das atividades acadêmicas, pois elas lhe causam sofrimento psíquico^(6,15).

A exaustão provém da operacionalização da matriz curricular a ser executada em curtos prazos de tempo, reduzindo o tempo de descanso e lazer e aumentando os níveis de estresse⁽⁹⁾. O adoecimento e a insatisfação dos estudantes sugerem a necessidade de desenvolver estratégias de melhoria institucional e apoio estudantil durante o processo de formação. Nessa perspectiva, a inteligência emocional, ou seja, a percepção e avaliação de seu estado emocional, podem ser utilizadas como fator de proteção para ajudar estudantes a controlar suas emoções e lidar com situações estressantes que provocam o burnout ⁽³⁰⁾.

Como limitações, citam-se o delineamento transversal, que impede a determinação de causa e efeito, sendo necessário que estudos futuros avaliem os estudantes longitudinalmente. Apesar dessas limitações, os resultados deste estudo avançam o conhecimento e embasam a tomada de decisão dos gestores educacionais. As políticas públicas e institucionais devem preconizar ações de prevenção da síndrome de burnout nos futuros enfermeiros, focadas na promoção da satisfação acadêmica, com aprimoramento das concepções teórico-metodológicas do currículo, promoção de melhoria no apoio social, com ambiente de aprendizagem que incentive a criatividade e a superação das dificuldades na formação de profissionais. Além disso, os achados deste estudo permitem que as organizações possam reavaliar seus processos formativos e a qualidade do ensino, vislumbrando as necessidades acadêmicas dos estudantes.

CONCLUSÃO

A prevalência de burnout foi significativamente maior entre os investigados do currículo tradicional, em especial a (in)eficácia acadêmica. Os estudantes do currículo integrado apresentaram maior satisfação com a interação interpessoal com os docentes e a preparação para atuar na profissão proporcionada pelo currículo e ensino, mas menor satisfação com a infraestrutura do ambiente de aprendizado. A síndrome de burnout foi direta e significativamente associada à baixa satisfação acadêmica.

Diante desses resultados, os gestores e docentes em conjunto com os acadêmicos poderão propor e implementar ações que maximizem a saúde dos estudantes, em especial o desenvolvimento de estratégias preventivas ao burnout para os futuros enfermeiros, focadas na promoção da satisfação acadêmica.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  09 Jun 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  18 Jan 2020
• Aceito
  23 Set 2020