Palatoplastia em crianças: diagnósticos e intervenções de enfermagem referentes ao pós-operatório imediato

RESUMO

Objetivo:

identificar os principais diagnósticos e intervenções de enfermagem em crianças em pós-operatório imediato de palatoplastia.

Método:

estudo documental e retrospectivo, desenvolvido em um hospital público e terciário brasileiro, entre agosto e setembro de 2020. Foram incluídas crianças submetidas exclusivamente a palatoplastia, que realizaram a cirurgia entre janeiro e dezembro de 2019, com idade entre 10 e 24 meses. Excluíram-se aquelas com síndromes e/ou comorbidades clínicas. Utilizou-se o Referencial Teórico das Necessidades Humanas Básicas e as Taxonomias NANDA Internacional e da Nursing Interventions Classification. Os dados foram submetidos a análise estatística descritiva.

Resultados:

a amostra constou de 126 crianças. Predominaram as necessidades psicobiológicas: oxigenação, hidratação, nutrição, eliminação, integridade cutâneo-mucosa e física, percepção dolorosa e ambiental. A partir delas foram identificados 9 diagnósticos de enfermagem, sendo 4 com foco no problema e 5 de risco, além de 17 intervenções.

Conclusão:

a utilização de linguagens padronizadas na identificação das necessidades humanas afetadas e, a partir delas os diagnósticos e intervenções, favoreceu o raciocínio clínico para a construção e organização da prática clínica de enfermagem.

DESCRITORES
Processos de Enfermagem; Fissura Palatina; Diagnóstico de Enfermagem; Cuidados de Enfermagem; Período Pós-Operatório; Terminologia Padronizada em Enfermagem

Abstract

Objective:

To identify the main nursing diagnoses and interventions in children in the immediate postoperative period of palatoplasty.

Method:

Documentary and retrospective study, developed in a Brazilian public and tertiary hospital, between August and September 2020. Children who underwent only palatoplasty, between January and December 2019, aged between 10 and 24 months, were included. Those with medical syndromes and/or comorbidities were excluded. The Theoretical Framework of Basic Human Needs and the NANDA International and Nursing Interventions Classification Taxonomies were used. Data underwent descriptive statistical analysis.

Results:

The sample consisted of 126 children. Psychobiological needs such as oxygenation, hydration, nutrition, elimination, cutaneous-mucosal and physical integrity, pain and environmental perception predominated. Based on them, nine nursing diagnoses, with four focusing on the problem and five on risk, as well as 17 interventions, were identified.

Conclusion:

The use of standardized languages to identify affected human needs and, based on them, diagnoses and interventions, favored clinical reasoning for the construction and organization of clinical nursing practice.

DESCRIPTORS
Nursing Process; Cleft Palate; Nursing Diagnosis; Nursing Care; Postoperative Period; Standardized Nursing Terminology.

RESUMEN

Objetivo:

identificar los principales diagnósticos e intervenciones de enfermería en niños en postoperatorio inmediato de palatoplastía.

Método:

estudio documental y retrospectivo, desarrollado en un hospital público y terciario brasileño, entre agosto y septiembre de 2020. Se incluyeron niños sometidos exclusivamente a palatoplastía, que realizaron la cirugía entre enero y diciembre de 2019, con edad entre 10 y 24 meses. Se excluyeron aquellos con síndromes y/o comorbidades clínicas. Se utilizó el Referencial Teórico de las Necesidades Humanas Básicas y las Taxonomías NANDA Internacional y la Nursing Interventions Classification. Los datos fueron sometidos al análisis estadístico descriptivo.

Resultados:

la muestra constó de 126 niños. Predominaron las necesidades psicobiológicas: oxigenación, hidratación, nutrición, eliminación, integridad cutáneo-mucosa y física, percepción dolorosa y ambiental. A partir de eso se identificaron 9 diagnósticos de enfermería, siendo 4 con enfoque en el problema y 5 de riesgo, además de 17 intervenciones.

Conclusión:

la utilización de lenguajes estandarizado en la identificación de las necesidades humanas afectadas y, a partir de ellas los diagnósticos e intervenciones, favoreció el raciocinio clínico para que se construyese y se organizase la práctica clínica de enfermería.

DESCRIPTORES
Procesos de Enfermería; Fisura del Paladar; Diagnóstico de Enfermería; Cuidados de Enfermagem; Periodo Posoperatorio; Terminología Normalizada de Enfermería

INTRODUÇÃO

As fissuras de lábio e/ou palato são prevalentes entre as malformações que acometem a face, definidas como aberturas ou interrupções de estruturas do lábio e/ou da cavidade oral cuja localização e extensão são variáveis. No Brasil, a incidência é de 1:650 nascidos vivos. A etiologia envolve tanto fatores genéticos quanto ambientais, ou seja, é multifatorial(¹,²).

Resultam de falhas na fusão dos processos faciais que ocorrem entre a 4ª e a 12ª semana gestacional e podem ser classificadas quanto à localização anatômica em fissura de lábio, de palato e de lábio e palato. Quanto à extensão, podem ser completas ou incompletas, uni ou bilaterais(¹–³).

Pacientes com essa malformação podem apresentar problemas de ordem estética, funcional e psicossocial. Quando o palato é acometido, a cirurgia é denominada palatoplastia, que poderá ser realizada por meio de diversas técnicas cirúrgicas, a depender da classificação da fissura, amplitude anatômica, tempo de reparo (1 ou 2 tempos), experiência do cirurgião e estado geral de saúde da criança(¹,⁴).

Embora não exista consenso quanto à idade e à técnica cirúrgica ideal, no hospital, cenário desta pesquisa, a palatoplastia é realizada a partir de um ano e seus benefícios relacionam-se, em especial, à qualidade da voz(¹,⁵,⁶).

Dentre as complicações decorrentes de sua realização destacam-se as relacionadas ao aparelho respiratório, como a obstrução de via aérea, aspiração de corpo estranho, espasmo laríngeo, dessaturação de oxigênio e necessidade de reentubação. Outras, menos frequentes, incluem a hemorragia ou sangramento, náuseas e vômitos(⁷,⁸). Ocorrem prevalentemente no pós-operatório imediato (POI), ou seja, nas primeiras 24 horas após o procedimento cirúrgico, exigindo dos profissionais de enfermagem especial atenção(⁹,¹⁰).

Nesse sentido, os profissionais de enfermagem utilizam a Sistematização da Assistência de Enfermagem como metodologia para planejar, organizar e direcionar sua prática, onde sua operacionalização ocorre por meio da elaboração do Processo de Enfermagem (PE). Este, no que lhe concerne, é composto das seguintes etapas: histórico (entrevista e exame físico), diagnóstico, prescrição ou intervenções e avaliação ou evolução de enfermagem, conforme recomenda a Resolução 358/2009 do Conselho Federal de Enfermagem, devendo embasar-se num Referencial Teórico(¹¹,¹²).

Embora haja divergências entre pesquisadores quanto à classificação em referencial teórico ou conceitual, o das Necessidades Humanas Básicas proposto por Wanda Aguiar Horta vêm ao encontro da missão/filosofia da instituição, cenário desta pesquisa, além de ser o mais utilizado no Brasil para fomentar as etapas do PE. Seus pressupostos defendem que as necessidades são universais, embora a forma de manifestação e de satisfação varie de um indivíduo para o outro. Baseia-se em leis gerais que regem fenômenos universais do equilíbrio dinâmico, da adaptação e do holismo, além de inter-relacionar os conceitos de ser humano, ambiente e enfermagem, onde as necessidades humanas encontram-se organizadas em três dimensões: psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais(¹³).

Visando sistematizar e universalizar o PE, além de torná-lo mais uniforme e representativo, linguagens padronizadas ou taxonomias foram desenvolvidas, dentre elas a classificação da NANDA International (NANDA-I), da Nursing Interventions Classification (NIC) e da Nursing Outcomes Classification (NOC), que se referem, respectivamente, aos diagnósticos, intervenções e resultados de enfermagem(¹⁴–¹⁶).

Para o presente estudo, consideraram-se os diagnósticos e as intervenções de enfermagem. O primeiro consiste no “julgamento clínico em relação a uma resposta ruim ou acerca da vulnerabilidade do indivíduo frente a uma condição de saúde ou para a manutenção e elevação do bem-estar de um indivíduo, família ou comunidade”(¹⁴). As intervenções de enfermagem, no que lhe concerne, referem-se às ações que consideram o julgamento e o conhecimento clínico do enfermeiro, com ênfase na busca e melhora dos resultados, podendo ser individual ou coletivo, com cuidados diretos ou indiretos(¹⁵).

Baseando-se no exposto, buscou-se responder à seguinte questão: quais são os diagnósticos e as intervenções de enfermagem no POI de crianças submetidas à palatoplastia? Embora estudos sobre diagnósticos e intervenções de enfermagem no contexto pediátrico estejam disponíveis, aqueles voltados às crianças com fissura de lábio e/ou palato são incipientes, incluindo os referentes a situação pós-operatória.

Ademais, a identificação de diagnósticos e intervenções de enfermagem em clientelas com condições específicas de saúde contribuem para consolidar o corpo de conhecimentos a partir de evidências científicas, permitindo o conhecimento das principais necessidades de cuidado possibilitando, assim, o planejamento de atividades de enfermagem mais assertivas, seguras e de qualidade, além de prover a construção de protocolos e instrumentos de registro. Ainda, esses fatores em associação favorecem o reconhecimento profissional ao proporcionar visibilidade à profissão, por viabilizarem a formalização de um corpo próprio de conhecimento.

Nessa direção, objetivou-se neste estudo identificar os principais diagnósticos e intervenções de enfermagem em crianças em POI de palatoplastia.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Trata-se de um estudo documental e retrospectivo, de delineamento quantitativo.

Local

O estudo foi desenvolvido em um hospital público, terciário, situado no interior do estado de São Paulo, Brasil. Trata-se de uma Instituição de referência nacional e internacional no atendimento de pacientes com anomalias craniofaciais e síndromes associadas. É gerido pela Universidade de São Paulo, com recursos do Sistema Único de Saúde e possui atuação na área assistencial, de ensino e pesquisa. Conta com assistência multiprofissional e interdisciplinar.

Critérios de Seleção e Definição da Amostra

Foram incluídas crianças submetidas exclusivamente à palatoplastia, que se encontravam em POI, ou seja, referentes às primeiras 24 horas após o procedimento, que realizaram a cirurgia entre janeiro e dezembro de 2019, com idade entre 10 e 24 meses. Foram excluídas crianças sindrômicas e/ou com comorbidades clínicas, como cardio e pneumopatias.

Inicialmente, foram selecionadas 230 crianças. Dessas, 53 realizaram outras cirurgias concomitantes, 38 apresentavam síndromes associadas e 13 possuíam comorbidades clínicas. Por fim, a amostra constou de 126 crianças.

Coleta de Dados

A coleta de dados realizou-se entre agosto e setembro de 2020. Para tanto, foram considerados inicialmente dados do histórico de enfermagem, que incluiu a anamnese e o exame físico. Posteriormente, foram considerados os diagnósticos e as intervenções de enfermagem elencados no prontuário.

Embora o prontuário eletrônico esteja em processo de implementação na instituição, cenário desta pesquisa, ainda é formalizado manualmente por meio de um instrumento que foi construído e validado para tal, anteriormente ao presente estudo, fundamentado no Referencial das Necessidades Humanas Básicas de Wanda de Aguiar Horta, das Taxonomias da NANDA-I e da NIC(¹³–¹⁵). A última versão do referido instrumento foi implementada em 2018 e todos os enfermeiros da instituição receberam treinamento. Dentre eles, há pesquisadores nesta área de atuação, com grupos de estudo e publicações. Nele encontram-se descritos os principais diagnósticos e as intervenções de enfermagem, elencados em esquema de checklist. Além desses, há espaço para incluir outros diagnósticos, assim como outras intervenções não contempladas no impresso.

Visando tornar os achados mais fidedignos, além de dirimir possíveis vieses, buscou-se avaliar o percentual de concordância entre os achados descritos no prontuário aos evidenciados pelas pesquisadoras quanto aos diagnósticos e as intervenções de enfermagem. Assim, para a coleta de dados utilizou-se um instrumento confeccionado e validado para o presente estudo, a partir da experiência dos autores, onde foram descritas minuciosamente as informações pertinentes, ou seja, foram listados todos os possíveis diagnósticos e intervenções de enfermagem. Duas enfermeiras, autoras desta investigação, procederam à coleta de dados de maneira independente. Nos casos de divergência, o pesquisador orientador foi consultado. Ambas profissionais foram treinadas/calibradas por meio de um pré-teste, do qual foram incluídos 10 participantes.

Além disso, os participantes foram caracterizados segundo as variáveis: idade, sexo, classificação socioeconômica, tempo médio de internação e classificação da fissura. Para a classificação socioeconômica considerou-se a utilizada como protocolo na instituição, campo desta pesquisa, cujo referencial aborda os seguintes indicadores: situação econômica da família, composição familiar, nível de escolaridade e ocupação, condição e situação habitacional, dentre outros, sistematizados em um instrumental com sistema de pontuação que possibilita a classificação da realidade familiar em uma das seis estratificações, a saber: baixa inferior, baixa superior, média inferior, média, média superior e alta(¹⁷).

Análise e Tratamento dos Dados

Para a construção do PE houve fundamentação no Referencial das Necessidades Humanas Básicas de Wanda de Aguiar Horta. Considerando-se que o público alvo foi composto por crianças, contemplaram-se, em especial, as dimensões psicobiológicas e psicossociais(¹³).

Os diagnósticos de enfermagem foram classificados segundo a NANDA-I, de acordo com sua tipologia, ou seja, com foco no problema, de síndromes, de promoção à saúde e de risco, enquanto as intervenções foram elencadas conforme a NIC(¹⁴,¹⁵). Os dados foram tabulados pelo Programa Excel 2016^® e os resultados submetidos à análise estatística descritiva.

Aspectos Éticos

A coleta de dados iniciou-se após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos do Hospital, conforme o parecer 3.781.317 de dezembro de 2019. Por se tratar de um estudo que utilizou fonte secundária de dados, ou seja, onde foram analisados prontuários de pacientes retrospectivamente, formalizou-se um Termo de Compromisso dos Pesquisadores quanto ao uso e anonimato das informações obtidas, em conformidade aos preceitos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

A amostra constou de 126 crianças, cuja média de idade foi de 14 meses (Dp = 2,55). Em relação ao sexo, 52% (n = 65) eram mulheres. Quanto à classificação social, 41% (n = 52) pertenciam à baixa superior. Referente à categoria da fissura, prevaleceu a de lábio e palato. Ressalta-se que, nessa categoria de fissura, a cirurgia do lábio, queiloplastia, é realizada aos 3 meses, enquanto a palatoplastia, cirurgia do palato, é realizada a partir de 1 ano.

As necessidades humanas básicas afetadas compreenderam as dimensões psicobiológicas (oxigenação, hidratação, nutrição, eliminação, integridades cutâneo-mucosa e física, percepções dolorosa e ambiental) e psicossocial (segurança).

Foram identificados quatro diagnósticos de enfermagem com foco no problema e cinco de risco. Dentre os com foco no problema, em 83% (n = 105) elencou-se a integridade da membrana mucosa oral prejudicada, relacionada ao procedimento cirúrgico, caracterizado por desconforto oral (Tabela 1).

Tabela 1.
Distribuição dos diagnósticos de enfermagem com foco no problema em crianças em pós-operatório imediato de palatoplastia. Bauru, SP, Brasil, 2020.

Diagnósticos de enfermagem	n	%
INTEGRIDADE DA MEMBRANA MUCOSA ORAL PREJUDICADA (00045)	105	83
Características definidoras
Desconforto oral	105	83
Edema oral	57	45
Fator relacionado
Procedimento cirúrgico	105	83
Fator relacionado
Edema (procedimento cirúrgico)	84	67
DOR AGUDA (00132)	88	70
Características definidoras
Alteração no apetite	64	51
Comportamento expressivo	24	19
Fator relacionado
Agente físico lesivo	88	70
PADRÃO RESPIRATÒRIO INEFICAZ (00032)	84	67
Características definidoras
Batimento de asa do nariz	74	59
Padrão respiratório anormal	60	48
Respiração com os lábios franzidos	36	29
Uso da musculatura acessória para respirar	84	67
Fator relacionado
Edema (procedimento cirúrgico)	84	67
PADRÃO INEFICAZ DE ALIMENTAÇÃO DO LACTENTE (00107)	78	62
Características definidoras
Incapacidade de iniciar uma sucção eficaz	78	62
Condição associada
Hipersensibilidade oral	78	62

Quanto aos diagnósticos de enfermagem de risco, evidenciou-se em 100% (n = 126) o risco de infecção, risco de aspiração, risco de comportamento desorganizado do lactente, risco de queda e risco de sangramento, cujos fatores relacionados e/ou condições associadas encontram-se descritos no Quadro 1.

Quadro 1.
Diagnósticos de enfermagem de risco com seus respectivos fatores relacionados e/ou condições associadas, em crianças em pós-operatório imediato de palatoplastia. Bauru, SP, Brasil, 2020.

Referente às intervenções de enfermagem, dentre as 17 elencadas, observou-se em 100% (n = 162): aspiração de vias aéreas, cuidados com local de incisão, controle da dor, administração de analgésicos, técnica para acalmar, monitoração de sinais vitais, proteção contra infecção, precauções contra aspiração, cuidados pós-anestesia, redução da ansiedade, cuidado com bebês, prevenção contra quedas, controle de ambiente: segurança, e precauções contra sangramento (Tabela 2).

Tabela 2.
Distribuição das intervenções de enfermagem elencadas para crianças em pós-operatório imediato de palatoplastia. Bauru, SP, Brasil, 2020.

Intervenções de enfermagem	n	%
Aspiração de vias aéreas (3160)	126	100
Cuidados com local de incisão (3440)	126	100
Controle da dor (1400)	126	100
Administração de analgésicos (2210)	126	100
Técnica para acalmar (5880)	126	100
Monitoração de sinais vitais (6680)	126	100
Proteção contra infecção (6550)	126	100
Precauções contra aspiração (3200)	126	100
Cuidados pós-anestesia (2870)	126	100
Redução da ansiedade (5820)	126	100
Cuidado com bebês (6820)	126	100
Prevenção contra quedas (6490)	126	100
Controle de ambiente: segurança (6486)	126	100
Precauções contra sangramento (4010)	126	100
Restauração da saúde oral (1730)	105	83
Controle de vias aéreas (3140)	84	67
Controle da nutrição (1100)	78	62

DISCUSSÃO

A média de idade das crianças foi de 14 meses. Embora não seja consenso, segundo o protocolo da instituição cenário desta pesquisa, a palatoplastia deve ser realizada a partir de 12 meses. Ressalta-se que o cumprimento do protocolo terapêutico é indispensável no processo reabilitador, visando os melhores resultados, que na palatoplastia refere-se principalmente à qualidade da voz(¹).

Em relação ao sexo, prevaleceu o feminino, corroborando a literatura que aponta prevalência das fissuras com acometimento do palato entre mulheres(¹). Quanto à classificação socioeconômica, prevaleceu a baixa superior, mostrando que, em geral, as famílias eram compostas por quatro pessoas, em média, com renda de 2 a 4 salários mínimos, com até o ensino fundamental incompleto, com residência própria, mas insatisfatória e formadas por trabalhadores assalariados(¹⁷).

Esse dado revela o perfil dos pacientes atendidos na instituição, que em sua maioria pertencem às classes sociais menos favorecidas, exigindo, entre outros, especial atenção da equipe de enfermagem quanto às orientações pós-operatórias que devem ser objetivas e simplificadas ao máximo. Além disso, é necessário prover junto à comunidade recursos para a manutenção dos cuidados após a alta hospitalar, visando minimizar complicações(¹⁷,¹⁸,¹⁹).

Quanto à classificação da fissura, prevaleceu a de lábio e palato, em conformidade com a literatura. Quanto mais complexa anatomicamente for a malformação, mais intervenções serão necessárias. Nesse caso, além da queiloplastia (correção do lábio), sendo realizada aos três meses, faz-se necessário a realização da palatoplastia, ou seja, a correção acontecerá minimamente em dois tempos(¹,⁶).

As necessidades humanas básicas afetadas neste estudo compreenderam as dimensões psicobiológicas (oxigenação, hidratação, nutrição, eliminação, integridades cutâneo-mucosa e física, percepções dolorosa e ambiental) e psicossocial (segurança). Este raciocínio clínico permite a avaliação individualizada das necessidades do paciente, assim como dos problemas de enfermagem, do planejamento e implementação dos cuidados, além de permitir a avaliação dos resultados(¹²,¹³).

Referente aos diagnósticos de enfermagem com foco no problema, prevaleceu a Integridade da membrana mucosa oral prejudicada (00045), sendo definida como lesão em lábios, tecidos moles, cavidade oral e/ou orofaringe, estando relacionada ao procedimento cirúrgico e caracterizada por desconforto e edema(¹⁴).

Considerando que a fissura, assim como o procedimento cirúrgico, localizam-se na cavidade oral, lesões e edema são frequentes, relacionados principalmente ao trauma cirúrgico, além do desconforto relacionado ao procedimento de intubação e ao uso do tubo orotraqueal. Ademais, nos casos onde a fissura de palato é muito ampla, faz-se necessário a utilização de incisões liberadoras, também chamadas de relaxadoras, que tornarão possível a mobilidade da musculatura por reduzirem a tensão, minimizando a ocorrência de fístulas, além de favorecer a realização da sutura(¹,⁶,¹⁰). Nesse sentido, as principais intervenções relacionaram-se com a Restauração da saúde oral (1730) e dos Cuidados com o local da incisão (3440), por meio do monitoramento das lesões e do edema, medidas farmacológicas e controle de dor(¹⁰,¹⁵).

O Padrão respiratório ineficaz (00032) tem como definição a inspiração e/ou expiração que não proporciona ventilação adequada, e relacionou-se ao procedimento cirúrgico na cavidade oral com consequente edema de palato e língua, que em situações extremas, podem ocasionar obstrução da via aérea. Caracterizou-se por batimento de asa nasal, padrão respiratório anormal, respiração com lábios franzidos e uso da musculatura acessória(¹⁴).

De fato, crianças submetidas a palatoplastia podem apresentar obstrução respiratória transitória, devido à reconstrução/manipulação das estruturas anatômicas da região oro e nasofaríngea, que promovem modificações na dinâmica do fluxo aéreo(²⁰). Como principais intervenções, destacaram-se a Aspiração de vias aéreas (3160), Controle de vias aéreas (3140) e Monitoração de sinais vitais (6680), cujas atividades incluíram o monitoramento do padrão respiratório, da saturação de oxigênio, perfusão periférica, manutenção da permeabilidade de vias aéreas, administração de oxigenioterapia devidamente umidificada, entre outros(¹⁵).

Em relação ao Conforto prejudicado (00214), é definido como a percepção de falta de conforto, de alívio e de transcendência nas dimensões física, psicoespiritual, ambiental, cultural e/ou social. Neste estudo, relacionou-se com o regime de tratamento (cirurgia) e caracterizou-se pelo nível de choro, irritabilidade e inquietação(¹⁴). Outra investigação que incluiu crianças em situação pós-operatória apresentou resultado similar(²¹).

Infere-se que esse diagnóstico de enfermagem se relacione com a mudança de ambiente, ou seja, do domiciliar para o hospitalar, além da realização de procedimentos invasivos que geram insegurança e desconforto, fome, impossibilidade de utilizar utensílios como mamadeiras, e a dor. Nesse sentido, torna-se indispensável implementar algumas intervenções, entre elas Técnicas para acalmar (5880), Redução da ansiedade (5820) e Cuidado com bebês (6820), incluindo, entre outros, o controle de ruídos e luminosidade, monitoramento da dor, administração de analgésicos, oferta da alimentação assim que possível e atividades lúdicas(¹⁵,²¹).

Além de as crianças receberem uma alta carga de estimulação física e sensorial durante a internação, deve-se considerar que a mudança de ambiente e da rotina intensificam a percepção de desconforto(²²,²³). Soma-se a isso a imobilização da articulação úmero-radial com uso de braceletes, que visa evitar que a criança coloque a mão na cavidade oral e/ou na região perioral, minimizando o risco de infecção e de lesão da ferida operatória, que embora necessária, ocasiona desconforto. Ainda, além dos cuidados relatados anteriormente, faz-se necessária a massagem em membros superiores para promoção do conforto(¹⁰).

Embora menos frequente, outro diagnóstico de enfermagem elencado foi a Dor aguda (00132), que se refere à experiência sensorial ou emocional de forma desagradável em associação a uma lesão, que tenha início súbito ou lento, com intensidade de leve a intensa e duração menor que 3 meses. Relacionou-se com agente físico lesivo (cirurgia) e caracterizou-se pela alteração no apetite e comportamento expressivo(¹⁴). Ressalta-se que, em crianças, a linguagem não verbal é o método mais utilizado para identificação e monitoramento da dor, assim como a percepção dos pais que se encontram habituados a seus filhos(²¹).

O protocolo institucional de analgesia que incluiu a administração de medicamentos em intervalos regulares, certamente contribuiu para que esse diagnóstico não prevalecesse. Dentre as intervenções destacaram-se a Administração de analgésicos (2210) e o Controle da dor (1400) por meio de métodos farmacológicos e não farmacológicos, além do monitoramento por meio de indicadores verbais e não verbais(¹⁵,²⁴).

O diagnóstico Padrão ineficaz de alimentação do lactente (00107) foi elencado, sendo comum em cirurgias realizadas na cavidade oral, como a palatoplastia, relacionando-se com a presença de edema, dor e manipulação cirúrgica. A condição associada foi a hipersensibilidade oral(¹⁴). De fato, alimentar essas crianças configura-se, por vezes, como um desafio, principalmente no POI. Associado a isto, a aceitação alimentar insuficiente, se persistente, ocasiona desequilíbrio nutricional, que no que lhe concerne, poderá repercutir negativamente na recuperação pós-operatória(²⁵).

Além dos fatores citados anteriormente, a impossibilidade da utilização de utensílios como mamadeiras e bicos, até então habituais, potencializam a dificuldade de aceitação alimentar. Nesse sentido, visando minimizar essa problemática, o uso desses utensílios deve ser desencorajado antes do procedimento cirúrgico, sendo substituídos por copo ou colher(¹⁰,²⁶). Ainda, é indispensável estabelecer protocolos de analgesia, visando minimizar a dor. Em geral, o uso de analgésicos tradicionais, como a dipirona, é suficiente. Contudo, em alguns casos, faz-se necessário associar anti-inflamatórios e até opioides(¹⁰,²¹).

Em resumo, a principal intervenção referiu-se ao Controle da nutrição (1100), além de atividades de enfermagem que incluam: administrar medicamentos conforme necessidade, monitorar/atentar para face de dor, fornecer apoio familiar, monitorar a aceitação alimentar, ofertar alimentos em consistência pastosa e/ou líquida, em temperatura fria ou em ambiente, por um período de 30 dias(¹⁰,¹⁵,²⁵).

Os diagnósticos de riscos foram prevalentes entre os elencados neste estudo, sendo utilizados para reduzir a gravidade ou ocorrência daquele risco no paciente(¹⁴). Dentre eles, destacou-se o Risco de infecção (00004), visto que a prevenção da infecção é primordial na segurança cirúrgica e da saúde dos pacientes; além do que, cirurgias de cavidade oral são consideradas potencialmente contaminadas pelo fato de a mucosa ou tecido serem colonizados por microrganismos(²⁷).

Os fatores de risco/condições associadas referiram-se à alteração na integridade da pele e a procedimentos invasivos¹⁴. A principal intervenção é a Proteção contra infecção (6550), cujas atividades incluíram a promoção da higiene oral após as refeições e/ou quando necessário, monitoramento da integridade da cavidade oral, aspectos da incisão cirúrgica, tampões, halitose e presença de sinais flogísticos(¹⁵,²⁸).

Outro diagnóstico identificado foi o Risco de aspiração (00039), sendo definido como suscetibilidade à entrada de secreções orofaríngeas, sólidos ou líquidos nas vias traqueobrônquicas podendo comprometer a saúde(¹⁴). As principais intervenções relacionam-se com Precauções contra aspiração (3200) e Cuidados pós-anestesia (2870), cujas atividades incluíram o monitoramento do padrão respiratório, da saturação de oxigênio, aspiração de secreções e manter cabeceira elevada de 30° a 45º(¹⁵).

Estar hospitalizado, mesmo que por um curto período, associado a baixa compreensão do que está ocorrendo, além da manipulação de estruturas anatômicas, faz com que a criança corra o risco de apresentar um comportamento não padrão, implicando no diagnóstico de Risco de comportamento desorganizado do lactente (00115), que se refere a suscetibilidade na modulação de sistemas fisiológicos e neurocomportamentais que podem comprometer a saúde. Neste estudo, os fatores relacionados incluíram a dor e a intolerância à alimentação, que estão associados a um prejuízo oral do lactente e ao procedimento invasivo(¹⁴). As principais intervenções voltaram-se ao Controle da dor (1400), Restauração da saúde oral (1730), Controle da nutrição (1100) e Técnica para acalmar (5880), além de fornecer o apoio familiar e promover sono adequado(¹⁵,²³,²⁴).

Outro risco muito presente no ambiente hospitalar, que pode ser aplicado a qualquer paciente submetido a um procedimento em que seja necessário o uso de sedação ou anestésicos locais e/ou gerais, inclui o Risco de queda (00155), que se refere à suscetibilidade aumentada a quedas que podem levar a dano físico e causar comprometimento a saúde. Para os participantes deste estudo, os fatores de risco incluíram a supervisão inadequada, ter idade igual ou inferior a 2 anos, além do período de recuperação pós-operatória(¹⁴). Outros incluem o fato de se encontrar em um momento adverso, a hospitalização e a alteração de ambiente(²¹).

De fato, o risco de quedas é comum entre pacientes pediátricos. As intervenções podem focar tanto no paciente, quanto no ambiente, incluindo a Prevenção contra quedas (6490) e o Controle de ambiente: segurança (6486), por meio de atividades como: manter grades do berço elevadas e as rodas travadas, implementar escalas que apontem o risco ambiental, reforçar ao acompanhante para sempre avisar ao se ausentar do leito e monitorar nível de consciência e agitação psicomotora(¹⁵,²¹,²⁹,³⁰).

Outro diagnóstico elencado foi o Risco de sangramento (00206), definido como a suscetibilidade à redução no volume de sangue que pode comprometer a saúde, tendo como condição associada o regime de tratamento, procedimento cirúrgico(¹⁴). Realmente, a região palatina é altamente vascularizada, o que predispõe ao risco de sangramento(⁹–¹¹).

Portanto, algumas intervenções são necessárias, incluindo as Precauções contra sangramento (4010)(¹⁵). Além dessas, outras específicas devem ser utilizadas, como utilizar braceletes que ajudam a evitar que a criança leve as mãos até a boca, evitar o uso de brinquedos pontiagudos, evitar agitações e exposição intensa ao sol. Concomitantemente, a dieta deverá ser líquida e fria(¹⁰,²¹). Ademais, deve-se realizar crioterapia quando prescrito, monitorar a integridade da cavidade oral, aspectos da incisão cirúrgica, tampões e sangramentos(¹⁰,¹⁵).

Por fim, embora se tenha prezado por dirimir possíveis vieses, o fato de o presente estudo considerar informações advindas de fontes secundárias pode, de alguma forma, influenciar os resultados, estabelecendo-se como uma limitação.

Entretanto, são evidentes as contribuições desta investigação, dado que, em conformidade com os princípios do Sistema Único de Saúde, no que tange à descentralização dos serviços, crianças com fissura de lábio e/ou palato estão sendo atendidas em distintas unidades de saúde. Assim, os conhecimentos aqui firmados poderão subsidiar o cuidado de crianças submetidas a palatoplastia quanto ao POI, período este considerado como mais crítico.

Ademais, o estudo tem caráter inovador ao fomentar a geração de possíveis indicadores de saúde, além de favorecer o raciocínio clínico do enfermeiro na construção de um corpo próprio de conhecimento por meio da adoção de terminologias que contribuam para a assistência de enfermagem.

CONCLUSÃO

A utilização de linguagens padronizadas para elencar diagnósticos e intervenções, favoreceu o raciocínio clínico para a construção e organização da prática clínica de enfermagem, além de contribuir para um corpo de conhecimento específico voltado à criança em situação pós-operatória de palatoplastia.

Em suma, os achados possibilitaram traçar um perfil assistencial voltado às reais necessidades da clientela, contribuindo para o cuidado integral, humanizado, seguro e de qualidade. Considerando que o conhecimento produzido a partir de estudos sobre os diagnósticos e intervenções de enfermagem fornecem fundamentação científica para o planejamento da assistência, novas investigações são necessárias para consolidar e ampliar os conhecimentos.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Jan 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  03 Jun 2021
• Aceito
  28 Out 2021