Desempenho produtivo de tourinhos confinados e alimentados com proporções de silagem de capim 'Mulato II' na dieta

Resumo:

O objetivo deste trabalho foi avaliar o desempenho produtivo de tourinhos Nelore e de mestiços de origem leiteira de dupla aptidão, alimentados com proporções de silagem de capim 'Mulato II' (100 e 400 g kg^-1), em dietas com altas proporções de concentrado, bem como avaliar o custo dessa alimentação. Utilizaram-se 16 tourinhos Nelore e 16 “mestiços leiteiros”, com peso médio inicial de 380,69±10,45 e 376,94±17,16 kg, respectivamente, e idade média inicial de 24 meses. Utilizou-se o delineamento experimental inteiramente casualizado, em arranjo fatorial 2x2. A maior proporção de silagem ocasionou aumento de 13% do consumo de matéria seca (percentagem do peso corporal) e redução de 19,7% da digestibilidade da matéria seca da dieta, mas não alterou o consumo de nutrientes digestíveis totais, nem o ganho médio diário e as características de carcaça. O consumo e a digestibilidade dos nutrientes, o ganho médio diário e as características de carcaça (exceto conformação) não se alteraram com o grupo genético dos animais. A conversão alimentar foi 18,3% melhor nos tourinhos mestiços leiteiros. Em dietas com alta proporção de concentrado, a proporção de 400 g kg^-1 de silagem de capim 'Mulato II', em relação à de 100 g kg^-1, não altera o desempenho produtivo nem as principais características de carcaça de interesse econômico de tourinhos confinados, mas reduz o custo com alimentação.

Termos para indexação:
Brachiaria; Urochloa; espessura de gordura; forrageira híbrida; ganho de peso; peso de carcaça

Abstract:

The objective of this work was to evaluate the performance of young Nellore bulls and of young dual-purpose dairy bulls fed proportions of 'Mulato II' grass silage (400 and 100 g kg^-1), in diets with high levels of concentrate, as well as to evaluate the cost of this feed. Sixteen young Nellore bulls and 16 young dairy crossbred bulls were used, with initial average weight of 380.69±10.45 and 376.94±17.16 kg, respectively, and average initial age of 24 months. A completely randomized experimental design was carried out in a 2x2 factorial arrangement. The highest silage proportion caused a 13% increase in dry matter intake (percentage of body weight) and a 19.7% decrease in dry matter digestibility of the diet, but it did not alter the intake of total digestible nutrients, nor the average daily gain or carcass characteristics. Nutrient intake and digestibility, average daily gain, and carcass characteristics (except conformation) did not change due to the genetic group of animals. Feed conversion was 18.3% better in young dairy bulls. In diets with high levels of concentrate, the proportion of 400 g kg^-1 of 'Mulato II' grass silage, in comparison with that of 100 g kg^-1, does not affect the productive performance, nor the main carcass characteristics of economic interest of confined young bulls, but reduces feeding costs.

Index terms:
Brachiaria; Urochloa; carcass weight; forage hybrid; subcutaneous fat thickness; weight gain

Introdução

O Brasil apresenta reais condições de aumentar a produção de carne bovina, para atender ao aumento da demanda mundial por proteína de origem animal (Anualpec, 2014). Neste contexto, o aproveitamento dos machos de origem leiteira, normalmente sacrificados ao nascer ou comercializados, é uma alternativa para o aumento da produção de carne e a geração de renda. No entanto, como a alimentação dos animais não sacrificados geralmente é deficiente, ocorre elevada mortalidade na recria ou retardamento do desenvolvimento corporal dos animais, o que eleva a idade de abate e compromete características importantes como o rendimento de carcaça, o desenvolvimento muscular e a qualidade da carne.

O confinamento é uma opção de manejo vantajosa para a terminação dos “machos leiteiros”, pois evita a competição pelas áreas de pastagens que são normalmente destinadas às vacas de produção. Entretanto, os altos custos com alimentação têm tornado o confinamento pouco atrativo. Estes custos podem ser reduzidos pela utilização de maiores proporções de silagem nas dietas, de preferência volumosos de alta qualidade, o que nem sempre é possível, em razão do potencial agrícola dos sistemas de produção. Isso torna as espécies tropicais de capim uma alternativa alimentar, porém, com maior requerimento de concentrado na dieta, o que pode influenciar a margem de lucro devido ao custo com o concentrado, o que implica maior custo de produção em confinamento quando se desconsidera o custo com a aquisição dos animais (Cruz et al., 2014; Silva et al., 2014).

O capim 'Mulato II' (Ciat 36087), nome comercial Convert HD364, é um híbrido tetraploide (4n) do gênero Urochloa (Syn. Brachiaria), obtido a partir de cruzamentos feitos entre U. ruziziensis x U. decumbens x U. brizantha pelo Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat). Recentemente introduzido no Brasil (Argel et al., 2007), tem despertado o interesse do setor produtivo. Segundo Vendramini et al. (2012), o capim 'Mulato II' destaca-se como uma planta promissora, ao associar produtividade e aceitabilidade por bovinos em pastejo, além de apresentar melhor valor que outras gramíneas tropicais. Em razão da carência de informações a respeito desta forrageira, várias pesquisas vêm sendo desenvolvidas (Vendramini et al., 2014; Pequeno et al., 2015). Contudo, estas pesquisas têm priorizado informações de manejo, enquanto as informações sobre o valor nutritivo da forrageira são incipientes, especialmente quando conservada para a alimentação de bovinos.

O componente animal também apresenta relativa importância para a terminação em confinamento. Conforme Putrino et al. (2007), animais zebuínos são menos adaptados que os taurinos aos elevados níveis de concentrado, o que pode limitar o desempenho produtivo desse genótipo. A utilização de mestiços entre raças zebuínas e taurinas leiteiras é uma alternativa para contornar este problema, pois as raças leiteiras foram adaptadas, durante sua evolução, a maiores quantidades de alimentos concentrados em suas dietas.

O objetivo deste trabalho foi avaliar o desempenho produtivo de tourinhos Nelore e de mestiços de origem leiteira de dupla aptidão, alimentados com proporções de silagem de capim 'Mulato II' (100 e 400 g kg^-1), em dietas com altas proporções de concentrado, bem como avaliar o custo dessa alimentação.

Material e Métodos

O trabalho foi desenvolvido na Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal do Tocantins (07º11'28"S, 48º12'26"W). Os procedimentos experimentais foram aprovados pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal da universidade, sob o número 23101.000785/2.014-91. Utilizaram-se 16 tourinhos da raça Nelore e 16 mestiços de origem leiteira (oito tourinhos Holandês x Gir e oito tourinhos Holandês x Guzerá), com peso médio inicial de 381±10 e 377±17 kg e idade média inicial, estimada pela dentição, de 25 e 23 meses, respectivamente. Após o controle parasitário, os animais foram confinados em baias (16 m²) parcialmente cobertas, com piso de concreto, equipadas com bebedouros e comedouros; cada baia continha dois animais do mesmo grupo genético. Antes do período experimental de 63 dias, os animais foram adaptados às instalações, às dietas e ao manejo alimentar por 15 dias.

Duas dietas foram formuladas para atender às exigências de bovinos, durante o crescimento e o acabamento (Tabela 1), tendo-se considerado o consumo de matéria seca de 24 g kg^-1 de peso corporal (Nutrient..., 1996). Os tratamentos foram compostos por duas proporções de silagem de capim 'Mulato II' (100 e 400 g kg^-1) e dois grupos genéticos (Nelore e “mestiços leiteiros”). A fração concentrada foi composta por grão de milho moído, farelo de soja, mistura mineral, calcário calcítico, ureia, sal branco e sulfato de amônio. Os preços dos alimentos foram cotados em 2012, e o custo com a alimentação foi estimado a partir do consumo de matéria seca.

Tabela 1.
Composição percentual das dietas experimentais.

Componentes (g kg-1 de matéria seca)	Proporção de silagem
	100 g kg-1	400 g kg-1
Silagem de capim 'Mulato II'	105,25	403,06
Grão de milho moído	767,29	437,24
Farelo de soja	85,89	122,38
Mistura mineral(1)	16,10	16,71
Calcário calcítico	11,16	7,16
Ureia (45% de N)	8,10	7,16
Sal branco	5,37	5,42
Sulfato de amônio	0,84	0,87

• ⁽¹⁾Composição (g kg^-1): 150 de Na, 118 de Ca, 90 de P, 7 Mg, 12 S, 10 N, 3,6 Zn, 1,73 Cu, 0,2 Co, 0,1 Mn, 0,015 I e 0,002 Se.

Ao início e ao final do período experimental, após jejum de sólidos e líquidos de 14 a 16 horas, os animais foram pesados e avaliados quanto à condição corporal, em que 1, muito magro; e 5, muito gordo. O consumo de alimento foi mensurado diariamente pela pesagem dos alimentos e das sobras. Os animais foram alimentados à vontade, tendo-se mantido as sobras em torno de 10%. A alimentação foi fornecida duas vezes ao dia (às 08:h0 e às14h00). Semanalmente, foram coletadas amostras de alimentos e sobras que foram pré-secas em estufa com ventilação de ar forçado a 55^oC, por 72 horas, e processadas em moinho tipo Willey com peneira com crivos de 1 mm. Posteriormente, foi determinada a composição química dos alimentos e das dietas (Tabela 2).

Tabela 2.
Composição química e custo dos alimentos e das dietas experimentais.

Componentes(1)	Alimentos			Proporção de silagem
	Silagem	Grão de milho moído	Farelo de soja	100 g kg-1	400 g kg-1
Matéria seca (MS, g)	227,21	885,67	899,33	822,28	626,20
Matéria mineral (g kg-1 de MS)	78,30	19,20	68,20	61,45	77,59
Proteína bruta (g kg-1 de MS)	60,40	105,70	452,87	149,13	146,11
Extrato etéreo (g kg-1 de MS)	8,21	45,00	18,00	36,94	25,19
FDN (g kg-1 de MS)	728,20	194,30	202,40	243,11	403,23
FDNcp (g kg-1 de MS)	682,17	172,02	179,41	219,20	372,13
FDA (g kg-1 de MS)	414,60	57,30	80,60	94,53	202,03
Lignina (g kg-1 de MS)	86,88	2,49	3,09	11,32	36,48
Carboidratos totais (g kg-1 de MS)	853,09	830,10	460,93	766,30	763,21
Carboidratos não fibrosos (g kg-1 de MS)	124,89	635,80	258,53	523,19	359,97
NDT (g kg-1 de MS)	502,17	882,36	817,76	800,14	688,31
Energia metabolizável (kcal kg-1 de MS)	1,81	3,18	2,95	2,89	2,48
Custo (R$ kg-1 de MS)	0,22	0,56	1,78	0,65	0,59

• ⁽¹⁾FDN, fibra em detergente neutro; FDNcp, FDN corrigida para cinzas e proteínas; FDA, fibra em detergente ácido; e NDT, nutrientes digestíveis totais.

Os teores de matéria seca, matéria mineral, proteína bruta e extrato etéreo foram determinados de acordo com Cunniff (1995). Os teores de fibra em detergente neutro, fibra em detergente ácido e lignina foram obtidos como em Van Soest et al. (1991), e a fibra em detergente neutro foi corrigida para matéria mineral e proteínas. Os carboidratos totais, os carboidratos não fibrosos e nutrientes digestíveis totais foram determinados segundo Sniffen et al. (1992), como a seguir: carboidratos totais = 100 - (proteína bruta + extrato etéreo + matéria mineral); carboidratos não fibrosos = 100 - (proteína bruta + extrato etéreo + matéria mineral + fibra em detergente neutro); e nutrientes digestíveis totais = proteína bruta digestível + fibra em detergente neutro digestível + carboidratos não fibrosos digestíveis + (2,25 x extrato etéreo digestível).

O ensaio de digestibilidade foi realizado durante cinco dias consecutivos, com coleta manual de 300 g de fezes por dia, durante a defecação espontânea dos animais. Para estimar a excreção de matéria seca, utilizou-se a fibra indigestível em detergente neutro como indicador interno. Os conteúdos de fibra indigestível em detergente neutro das amostras de fezes, alimentos, sobras e dietas foram obtidos após incubação in situ, realizada em dois tourinhos de origem leiteira, alimentados com dietas que continham 300 g kg^-1 de silagem de capim 'Mulato II', por 240 horas (Casali et al., 2008). A produção fecal (PF), em kg por dia, foi obtida pela fórmula: PF = (consumo de fibra indigestível em detergente neutro/concentração de fibra indigestível em detergente neutro nas fezes) x 100. A digestibilidade aparente (DA) foi calculada pela fórmula: DA (g kg^-1) = [(nutriente ingerido - nutriente excretado)/nutriente ingerido].

Os animais foram abatidos, após jejum de 14 a 16 horas, em frigorífico comercial com fiscalização da Secretaria de Inspeção Federal, após atingirem peso corporal médio de 480 kg. Após o abate, as carcaças foram identificadas, divididas ao meio, pesadas para determinação do rendimento de carcaça quente, lavadas e levadas ao resfriamento por 24 horas a -2^oC. Após o resfriamento, foram pesadas para determinação do rendimento de carcaça fria e avaliadas quanto à conformação (1-3, inferior; 4-6, má; 7-9, regular; 10-12, boa; 13-15, muito boa; e 16-18, superior) e à maturidade fisiológica (1-3, acima de 8 anos de idade; 4-6, de 5,5 a 8 anos de idade; 7-9, de 4 a 5,5 anos de idade; 10-12, de 2,5 a 4 anos de idade; e 13-15, menos de 2,5 anos de idade), de acordo com metodologia descrita por Müller (1987). O rendimento de carcaça (g kg^-1) foi determinado a partir da divisão do peso de carcaça quente e fria pelo peso corporal obtido na origem (peso de fazenda). A quebra ao resfriamento (QR) foi determinada pela seguinte fórmula: QR (g kg^-1) = (peso de carcaça quente - peso de carcaça fria)/peso de carcaça quente x 1.000. Da meia-carcaça direita, foi retirada a secção entre a décima primeira e a décima segunda costela, em que foi determinada a área do músculo longissimus dorsi. No mesmo local, foi determinada a espessura de gordura subcutânea, obtida pela média aritmética de três observações.

Utilizou-se o delineamento experimental inteira­mente casualizado, com os tratamentos em arranjo fatorial 2x2 (proporções de silagem x grupo genético). Foram utilizadas quatro repetições para os dados de consumo e conversão alimentar, e oito repetições para as demais variáveis. Os dados foram submetidos à análise de variância, a 5% de probabilidade.

Resultados e Discussão

Para as variáveis estudadas, não houve interação entre proporções de silagem e grupo genético dos animais. Assim, os fatores de variação foram abordados separadamente. O consumo de matéria seca e demais nutrientes não foi alterado pelo grupo genético dos animais (Tabela 3). Entretanto, há relatos de diferenças de consumo de matéria seca, entre bovinos de raças de corte e leite. Rodríguez et al. (1997) observaram maior consumo por “machos leiteiros” da raça Holandesa que por novilhos da raça Nelore, o que pode ser atribuído ao fato de a seleção ser especificamente para a produção de leite, o que exige maior ingestão de alimento e, consequentemente, maior desenvolvimento do trato gastrointestinal.

Tabela 3.
Consumo e digestibilidade de matéria seca (MS) e de nutrientes de dietas com duas proporções (100 e 400 g kg^-1 de MS) de silagem de capim 'Mulato II' fornecidas para tourinhos Nelore e “mestiços leiteiros”.

Item(1)	100		400		CV (%)	Fontes de variação(2)
	Nelore	Mestiços	Nelore	Mestiço		PS	GG	PS×GG
	Consumo
MS (kg por dia)	8,91	8,19	9,87	9,51	9,80	0,025	0,248	0,683
MS (g kg-1 PC)	20,97	19,24	22,91	22,34	7,48	0,008	0,175	0,480
PB (kg por dia)	1,27	1,10	1,54	1,54	12,49	0,001	0,331	0,318
PB (g kg-1 PC)	3,01	2,58	3,57	3,62	10,22	<0,001	0,274	0,176
FDN (kg por dia)	2,24	1,99	3,39	3,26	12,07	<0,001	0,274	0,714
FDN (g kg-1 PC)	5,27	4,67	7,87	7,66	10,45	<0,001	0,247	0,567
CNF (kg por dia)	4,27	4,02	3,83	3,69	10,57	0,088	0,372	0,787
CNF (g kg-1 PC)	10,05	9,45	8,89	8,67	8,41	0,028	0,314	0,634
NDT (kg por dia)	6,19	5,96	6,36	6,53	9,91	0,253	0,919	0,528
NDT (g kg-1 PC)	14,56	13,99	14,78	15,36	8,16	0,208	0,992	0,356
	Digestibilidade
MS (g kg-1)	708,14	662,85	594,39	551,55	7,21	<0,001	0,076	0,958
PB (g kg-1)	679,49	639,93	589,35	616,78	11,53	0,146	0,870	0,376
FDN (g kg-1)	576,68	576,72	505,54	537,33	11,96	0,118	0,636	0,637
CNF (g kg-1)	829,79	811,15	832,52	813,31	3,55	0,869	0,218	0,984
CT (g kg-1)	745,31	690,51	625,76	572,37	7,54	<0,001	0,050	0,978

• ⁽¹⁾PC, peso corporal; PB, proteína bruta; FDN, fibra em detergente neutro; CNF, carboidratos não fibrosos; NDT, nutrientes digestíveis totais; e CT, carboidratos totais. ⁽²⁾PS, proporção de silagem; e GG, grupo genético. CV, coeficiente de variação.

O aumento da proporção de silagem de capim 'Mulato II' nas dietas resultou em elevação do consumo de matéria seca (Tabela 3). Esse resultado difere dos obtidos por outros autores, que constataram que esta variável, com maior frequência, apresentou variação quadrática - com ponto de máxima para dietas com 33% de volumoso - e redução linear ou manteve-se constante com o aumento da proporção de silagem nas dietas (Missio et al., 2009; Restle et al., 2012). Segundo Restle et al. (2012), apesar de não haver consenso, o consumo de matéria seca tende a aumentar, enquanto o nível de volumoso permanece maior do que o do concentrado; no entanto, à medida que a fração de concentrado supera a de volumoso, o consumo de matéria seca tende a se aproximar do ponto de inflexão da curva a partir do qual diminui, em razão do aumento do consumo de energia digestível e do atendimento da demanda energética dos animais.

A elevação do consumo com o aumento da proporção de silagem de capim 'Mulato II' foi associada à redução do conteúdo energético das dietas (Tabela 2). Krehbiel et al. (2006), ao avaliar o limite superior da densidade energética de dietas para terminação de bovinos em confinamento, verificaram que o consumo de matéria seca diminuiu, quando as dietas apresentaram entre 2,7 e 3,3 Mcal kg^-1 de matéria seca de energia metabolizável, porém, a ingestão de energia permaneceu constante. No presente estudo, o conteúdo de energia metabolizável reduziu de 2,89 para 2,48 Mcal kg^-1 de matéria seca com a elevação da proporção de silagem, o que é um indicativo de que o consumo pode ter sido limitado pela densidade energética nas dietas com menor proporção de silagem. Contudo, nas dietas com maior proporção de silagem de capim 'Mulato II', os animais precisaram elevar o consumo de alimento, para manter a ingestão de energia e atender suas exigências energéticas.

Os consumos de proteína bruta, fibra em detergente neutro e carboidratos não fibrosos (g kg^-1 de peso corporal) aumentaram com o aumento da proporção de silagem de capim 'Mulato II' nas dietas (Tabela 3), o que pode ser atribuído ao aumento do consumo de matéria seca. A maior quantidade de fibra em detergente, proveniente da silagem de capim 'Mulato II', contribuiu para o aumento do consumo de fibra em detergente neutro com o aumento da proporção de silagem nas dietas. Vale destacar que o consumo de fibra em detergente neutro não limitou a ingestão de matéria seca, pois não atingiu os valores (11 a 13 g kg^-1 de peso corporal) considerados limitantes ao consumo devido ao enchimento do retículo-rúmen (Mertens, 1994).

O consumo de nutrientes digestíveis totais não foi alterado pelo grupo genético nem pela proporção de silagem das dietas (Tabela 3). Com estes resultados, mostrou-se o potencial nutritivo da silagem de capim 'Mulato II' que possibilitou o atendimento da demanda energética dos animais, apesar da redução da digestibilidade aparente das dietas com o aumento da proporção de silagem. Essa redução correspondeu a uma redução da digestibilidade de matéria seca e carboidratos totais. Além disso, pode ser atribuída a um efeito cumulativo da redução da digestibilidade nas demais frações alimentares, especialmente com o aumento do conteúdo de fibra em detergente neutro proveniente da silagem de capim 'Mulato II'. Esse conteúdo, embora elevado, foi inferior ao da silagem dos principais capins tropicais, como constatado por Oliveira et al. (2015).

O grupo genético dos animais e as proporções de silagem de capim 'Mulato II' das dietas não alteraram o desempenho animal nem o escore de condição corporal ao abate (Tabela 4), o que pode ser explicado pelo similar consumo de energia. Estes resultados são contrários aos obtidos por Missio et al. (2009), que verificaram redução do ganho médio diário, com o aumento da proporção de silagem de milho na dieta de tourinhos Charolês x Nelore, o que foi atribuído à redução da ingestão de energia. Restle et al. (2012) mostraram que o efeito da proporção de silagem sobre o desempenho animal está relacionado à qualidade da silagem utilizada, isto é: quando a silagem é de baixa qualidade, o desempenho produtivo é reduzido com o aumento da proporção de silagem nas dietas; mas, quando as dietas contêm silagem de alta qualidade, esta característica não é alterada.

Tabela 4.
Desempenho e custo com alimentação de tourinhos Nelore e mestiços de origem leiteira alimentados com duas proporções (100 e 400 g kg^-1 de MS) de silagem de capim 'Mulato II'.

Item(1)	100		400		CV (%)	Fontes de variação(2)
	Nelore	Mestiços	Nelore	Mestiços		PS	GG	PS×GG
	Desempenho
Peso inicial (kg)	384,75	378,32	376,62	375,56	-	-	-	-
Peso final (kg)	476,10	486,05	473,64	478,88	3,69	0,123	0,291	0,222
GMD (kg dia-1)	1,45	1,71	1,54	1,64	18,46	0,965	0,747	0,476
ECI (pontos)	2,96	3,02	2,98	3,04	-	-	-	-
ECF (pontos)	3,58	3,56	3,60	3,76	3,75	0,123	0,291	0,222
CA (kg kg-1)	6,14	4,79	6,41	5,80	15,28	0,010	0,589	0,576
Custo (R$ dia-1)	7,54	7,10	6,78	6,48	7,62	0,023	0,192	0,796
C/GMD (R$)	4,29	4,26	4,68	4,05	14,01	0,765	0,296	0,349

• ⁽¹⁾GMD, ganho de peso médio diário; ECI, escore corporal inicial; ECF, escore corporal final; CA, conversão alimentar (kg de MS kg^-1 de ganho de peso); e C/GMD, custo com alimentação por quilograma de ganho de peso. ⁽²⁾PS, proporção de silagem; e GG, grupo genético. CV, coeficiente de variação.

A conversão alimentar foi melhor (18,3%) nos “mestiços leiteiros”, mas não foi alterada pelas proporções de silagem de capim 'Mulato II' das dietas (Tabela 4). Estes resultados corroboram os de Araújo et al. (2011), que avaliaram novilhas Zebu e mestiças Zebu x Holandês, em confinamento, e não verificaram diferenças na conversão alimentar e no ganho de peso. Segundo Roma Júnior et al. (2008), a melhor conversão alimentar, encontrada em novilhos “mestiços leiteiros”, é consequência da heterose resultante do cruzamento entre zebuínos e taurinos. Entretanto, a similar conversão alimentar entre as proporções de silagem de capim 'Mulato II', observada no presente estudo, não foi relatada por Restle et al. (2012). Esses autores explicam que a redução da conversão alimentar com o aumento da proporção de silagem se deve à redução do teor energético das dietas, o que determina um maior consumo de alimento, para atender às exigências de ganho de peso. Contudo, quando a silagem é de alta qualidade, a conversão alimentar tende a não ser alterada pela proporção de silagem nas dietas (Pereira et al., 2006).

O custo com alimentação reduziu-se com o aumento da proporção de silagem de capim 'Mulato II' nas dietas e não foi alterado pelo grupo genético dos animais (Tabela 4). Essa redução pode ser atribuída à redução da fração de maior custo das dietas - a fração concentrada (Tabela 2). Porém, quando expresso em relação ao ganho de peso médio diário, o custo com alimentação não diferiu significativamente, o que está associado ao aumento do consumo de matéria seca com a elevação da proporção de silagem de capim 'Mulato II' nas dietas. Os resultados obtidos foram coerentes com o exposto por Missio et al. (2009), que relataram que o custo com alimentação se reduz com o avanço da proporção de silagem de milho, em dietas para tourinhos confinados, em razão do menor custo da silagem em relação ao do concentrado.

As características de carcaça, exceto a conformação, não foram alteradas pelos fatores de variação (Tabela 5), o que pode ser explicado pelo semelhante peso corporal e acabamento dos animais ao abate. Estes resultados estão de acordo com os obtidos por Missio et al. (2010), que verificaram que o aumento da proporção de silagem nas dietas não alterou a maioria das características de carcaça, o que também foi atribuído ao similar peso corporal ao abate. No entanto, conforme estes pesquisadores, a elevação da proporção de silagem de milho nas dietas elevou a idade ao abate, tendo resultado em aumento da maturidade fisiológica das carcaças. No presente trabalho, os animais foram abatidos com idades próximas (23 a 25 meses), o que justifica a pequena variação dos valores quanto à maturidade fisiológica e às características de carcaça. Os resultados obtidos foram coerentes com aqueles apresentados por Costa et al. (2007) e Rocha Júnior et al. (2010), que mostraram que os “mestiços leiteiros” de genótipos de duplo propósito apresentaram similaridade quanto à grande maioria das características de carcaça, em comparação aos animais Nelore. O rendimento de carcaça é uma das principais exceções, pois, normalmente, animais da raça Nelore apresentam superioridade nesta característica, o que é atribuído ao menor peso e ao enchimento do trato gastrointestinal desses animais, em comparação aos “mestiços leiteiros” (Costa et al., 2007; Rocha Júnior et al., 2010).

Tabela 5.
Características de carcaça de tourinhos Nelore e mestiços de origem leiteira alimentados com duas proporções (100 e 400 g kg^-1) de silagem de capim 'Mulato II'.

Item(1)	100		400		CV (%)	Fontes de variação(2)
	Nelore	Mestiços	Nelore	Mestiços		PS	GG	PS×GG
PCQ (kg)	263,32	269,952	275,63	260,38	6,96	0,836	0,518	0,108
PCF (kg)	262,00	268,52	274,40	258,72	6,77	0,839	0,478	0,092
RCQ (g kg-1)	563,00	559,34	566,24	548,29	3,52	0,578	0,131	0,313
RCF (g kg-1)	560,18	556,56	563,72	544,81	3,45	0,551	0,108	0,269
QR (g kg-1)	4,99	4,92	4,41	6,35	25,67	0,769	0,518	0,491
EGS (mm)	3,88	4,06	4,22	3,25	28,36	0,554	0,317	0,144
MF (pontos)	12,63	12,38	13,00	12,63	6,61	0,300	0,300	0,834
CO (pontos)	10,00	11,13	11,00	11,50	8,64	0,051	0,021	0,356
ALD (cm2)	65,50	69,09	66,94	70,78	12,44	0,605	0,966	0,224

• ⁽¹⁾PCQ, peso de carcaça quente; PCF, peso de carcaça fria; RCQ, rendimento de carcaça quente; RCF, rendimento de carcaça fria; QR, quebra ao resfriamento; EGS, espessura de gordura subcutânea; MF, maturidade fisiológica; CO, conformação de carcaça; e ALD, área do longissimus dorsi. ⁽²⁾PS, proporção de silagem; GG, grupo genético. CV, coeficiente de variação.

A conformação das carcaças foi alterada somente pelo grupo genético dos animais, tendo sido superior nos tourinhos de dupla aptidão (Tabela 5). Estes resultados podem ser atribuídos à maior compacidade de carcaça dos “mestiços leiteiros” de dupla aptidão, em comparação aos Nelore, o que não significa necessariamente maior rendimento cárneo (Jorge et al., 1997). A conformação ou a musculosidade de carcaça entre mestiços de origem leiteira e animais da raça Nelore é um ponto contraditório na literatura, pois, alguns autores (Costa et al., 2007) não verificaram alteração desta característica entre estes grupos genéticos, enquanto outros (Rocha Júnior et al., 2010) observaram maior musculosidade nas carcaças de animais Nelore. Apesar disso, é amplamente conhecido que bovinos de raças especializadas para a produção de leite apresentam menor grau de musculosidade do que os das raças especializadas para corte, o que é reflexo dos diferentes objetivos e pressões de seleção, ao longo da evolução destes biótipos (Albertí et al., 2008). Entretanto, os “mestiços leiteiros” de dupla aptidão apresentam grau de musculosidade próximo ao de bovinos de raças especializadas, principalmente em relação aos zebuínos, que apresentam menor musculosidade do que as raças europeias (Oliveira et al., 2009; Nogalski, 2013; Silva et al., 2015). Os resultados do presente estudo ressaltam o potencial dos “machos leiteiros” de dupla aptidão para a produção de carne e complementação de renda em propriedades leiteiras.

Conclusões

1. A proporção de 400 g kg^-1 de silagem de capim 'Mulato II', comparada a de 100 g kg^-1, em dietas com alta proporção de concentrado, não altera o desempenho produtivo nem as principais características de carcaça de interesse econômico de tourinhos confinados, mas reduz o custo com alimentação.

2. Tourinhos mestiços de origem leiteira de dupla aptidão apresentam potencial produtivo e qualidade de carcaça similares aos de tourinhos da raça Nelore, submetidos à terminação em confinamento e alimentados com dietas com alta proporção de concentrado.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, processo número 484306/2012-0), pelo apoio financeiro

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Ago 2017

Histórico

• Recebido
  27 Mar 2016
• Aceito
  08 Ago 2016