Resumos
OBJETIVO: Avaliar a expressão tecidual do gene de reparo MGMT comparando a mucosa cólica normal e neoplásica em doentes com câncer colorretal. MÉTODOS: Foram estudados 44 portadores de adenocarcinoma colorretal confirmado por estudo histopatológico. Foram excluídos doentes suspeitos de pertencerem a famílias com câncer colorretal hereditário (HNPCC e PAF) e os portadores de câncer do reto médio e inferior submetidos a tratamento quimioradioterápico neoadjuvante. A expressão do gene MGMT foi avaliada pela técnica da reação de polimerase em cadeia em tempo real (RT-PCR). A comparação dos resultados encontrados para expressão do gene MGMT entre tecidos normais e neoplásicos foi feita pelo teste t de Student pareado, adotando-se nível de significância de 5% (p <0,05). RESULTADOS: A expressão tecidual do gene MGMT em todos os doentes foi menor no tecido neoplásico quando comparada a do tecido normal (p=0,002). CONCLUSÃO: O gene de reparo MGMT encontra-se menos expresso no tecido neoplásico quando comparados aos tecidos normais em portadores de CCR esporádico.
Neoplasias Colorretais; Alquilantes; Reparo do DNA; O(6)-metilguanina-DNA metiltransferase; Reação em cadeia da polimerase
OBJECTIVE: To evaluate the expression of tissue repair gene MGMT by comparing normal and neoplastic colonic mucosa in patients with colorectal cancer (CRC). METHODS: We studied 44 patients with colorectal cancer confirmed by histopathology. We excluded patients suspected of belonging to families with hereditary colorectal cancer (HNPCC and FAP) and patients with cancer of the lower or medium rectum treated with neoadjuvant chemoradiotherapy. The MGMT gene expression was assessed by the technique of polymerase chain reaction in real time (RT-PCR). The comparison of results for MGMT gene expression between normal and neoplastic tissues was made by paired Student's t test, adopting a significance level of 5% (p <0.05). RESULTS: Tissue expression of the MGMT gene in all patients was lower in tumor tissue when compared to normal tissue (p = 0.002). CONCLUSION: The repair gene MGMT is less expressed in tumor tissue compared to normal tissues in patients with sporadic CRC.
Colorectal neoplasms; Alkylating agents; DNA repair; O(6)-methylguanine-DNA methyltransferase; Polymerase chain reaction
ARTIGO ORIGINAL
Avaliação da expressão do gene MGMT nos tecidos normal e neoplásico de doentes com câncer colorretal
Adriana Teixeira CordeiroI; Camila Morais Gonçalves da SilvaII; Waldemar Bartchewsky JúniorIII; Marcelo Lima RibeiroIV; Carlos Augusto Real Martinez, TCBC-SPV
IAcadêmica do Curso de Medicina da Universidade São Francisco, Bragança Paulista, (SP). Bolsista e Iniciação Científica (FAPESP)
IIMestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade São Francisco, Bragança Paulista, (SP), Bolsista CAPES
IIIPós-Graduando em Farmacologia da Universidade Estadual de Campinas, SP
IVProfessor Assistente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade São Francisco, Bragança Paulista, (SP)
VProfessor Livre-Docente pelo Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade São Francisco, Bragança Paulista, (SP), E-mail: caomartinez@uol.com.br
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar a expressão tecidual do gene de reparo MGMT comparando a mucosa cólica normal e neoplásica em doentes com câncer colorretal.
MÉTODOS: Foram estudados 44 portadores de adenocarcinoma colorretal confirmado por estudo histopatológico. Foram excluídos doentes suspeitos de pertencerem a famílias com câncer colorretal hereditário (HNPCC e PAF) e os portadores de câncer do reto médio e inferior submetidos a tratamento quimioradioterápico neoadjuvante. A expressão do gene MGMT foi avaliada pela técnica da reação de polimerase em cadeia em tempo real (RT-PCR). A comparação dos resultados encontrados para expressão do gene MGMT entre tecidos normais e neoplásicos foi feita pelo teste t de Student pareado, adotando-se nível de significância de 5% (p <0,05).
RESULTADOS: A expressão tecidual do gene MGMT em todos os doentes foi menor no tecido neoplásico quando comparada a do tecido normal (p=0,002).
CONCLUSÃO: O gene de reparo MGMT encontra-se menos expresso no tecido neoplásico quando comparados aos tecidos normais em portadores de CCR esporádico.
Descritores: Neoplasias Colorretais. Alquilantes. Reparo do DNA. O(6)-metilguanina-DNA metiltransferase. Reação em cadeia da polimerase.
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento do câncer colorretal (CCR) é um processo sequencial, que envolve acúmulo progressivo de mutações que resultam na ativação de oncogenes e inativação de genes supressores de tumor. O conhecimento dos eventos genéticos e epigenéticos envolvidos na carcinogênese colorretal é importante tanto para a melhor compreensão dos mecanismos responsáveis pela transformação maligna das células normais, quanto para o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas1.
O epitélio cólico encontra-se constantemente exposto aos radicais livres de oxigênio, nitrogênio e metil (CH3), produzidos durante o metabolismo das próprias células epiteliais ou oriundos do meio externo. Para protegê-las contra o dano provocado por esses radicais, as células da mucosa cólica contam com eficientes mecanismos de reparo, representados, principalmente pelos sistemas BER (Base Excision Repair), NER (Nucleotide Excision Repair) e MMR (MisMatch Repair)2. O gene MGMT (OMIN: 156569), também conhecido como AGT e AGAT, um dos componentes do sistema de reparo do DNA, codifica a O6-metilguanina-DNA metiltransferase (MGMT), uma das mais importantes proteínas de reparo do DNA, específica para correção da incorporação de radicais CH3 na base guanina que leva a formação da base metilada O6-metilguanina. A remoção do radical CH3 da molécula da O6-metilguanina tem fundamental importância para evitar mutações ocasionadas por transições de bases decorrentes da presença da base metilada.
Estudos mostraram que o acúmulo de mutações no CCR esporádico pode estar relacionado à redução da expressão tecidual do gene MGMT1,3,4. Como consequência, a menor transcrição da proteína MGMT reduz a capacidade de correção dos erros de pareamento de bases decorrentes da hipermetilação. A menor capacidade de reparo aumenta a possibilidade de surgirem mutações capazes de formarem clones de células com autonomia proliferativa e resistência a apoptose principais características das células neoplásicas.
A utilização de substâncias com poder alquilante (capazes de transferir radicais CH3 para bases do DNA) para induzir a apoptose das células neoplásicas, é uma das estratégias mais antigas empregadas para o tratamento quimioterápico do CCR5. Essas drogas incorporam radicais CH3 na base guanina, formando grandes quantidades de O6-metilguanina que por exceder a capacidade dos sistemas de reparo do DNA, induz a apoptose celular6,7,8. Essa possibilidade ficou mais evidente quando se demonstrou que o aumento do conteúdo tecidual da proteína MGMT, pela maior remoção da guanina oxidada, encontrava-se relacionado a menor resposta terapêutica aos tratamento quimioterápico8. De modo inverso, a associação de substâncias que inibem a proteína MGMT aumentaram, significativamente a resposta a essas drogas.
É possível que a importância da expressão tecidual do gene MGMT na resposta aos quimioterápicos possa estar relacionada ao papel desempenhado pelos genes de reparo no ciclo celular. Durante a mitose caso exista erro no pareamento de bases, a célula pode seguir dois caminhos distintos. Quando o erro é reconhecido e reparado, a divisão celular segue seu curso natural assegurando que o DNA da nova célula formada não tenha sofrido mutações. Entretanto, quando o erro de pareamento não pode ser reparado, para evitar o aparecimento de mutações nas futuras gerações de células, ocorre indução da apoptose por proteínas específicas, que formam a última estratégia de defesa contra a formação de células mutantes. Agentes quimioterápicos, como a mostarda nitrogenada, ciclofosfamida, dacarbazina agem formando grandes quantidades de bases metiladas, que ultrapassando a capacidade de correção pelo sistema de reparo, induzem a apoptose celular. Esses achados sugerem que o conhecimento prévio da expressão tecidual do gene MGMT em portadores de CCR poderia ser considerada uma estratégia útil para separar os doentes que se beneficiariam ou não da quimioterapia adjuvante melhorando a relação custo benefício do tratamento9. Todavia, torna-se necessário, inicialmente avaliar se a expressão tecidual do gene MGMT no tecido neoplásico encontra-se reduzida nos portadores de CCR, em relação à dos tecidos normais. A expressão do gene MGMT comparando tecidos normais e neoplásicos até o momento foi pouco avaliada, o que motivou a elaboração do presente estudo.
MÉTODOS
O presente estudo recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Francisco (Projeto nº: 0235.0.142.000-07). Todos os pacientes que forneceram material biológico para a pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido após serem informados de todas as etapas experimentais.
Foram selecionados para o presente estudo 44 enfermos (22 mulheres), com média de idade de 62,4 anos, portadores de adenocarcinoma do cólon e reto superior, submetidos a tratamento cirúrgico com intenção curativa, por uma mesma equipe cirúrgica entre janeiro de 2007 e dezembro de 2008. Foram excluídos os suspeitos de pertencerem à famílias com CCR hereditário (polipose adenomatosa familiar e câncer colorretal hereditário não polipoide), portadores de CCR associado à doença inflamatória intestinal, os operados em caráter de urgência e os portadores de câncer do reto médio e inferior por terem sido submetidos a tratamento radioquimioterápico neoadjuvante.
Imediatamente após a remoção do espécime cirúrgico, foram retirados três fragmentos da mucosa cólica normal distante no mínimo de 10cm da margem superior da neoplasia. Da mesma forma, foram coletados três fragmentos da mucosa neoplásica, sempre obtidos da periferia do tumor. Os fragmentos removidos foram identificados, acondicionados, individualmente em recipientes apropriados, e imediatamente enviados ao Laboratório de Biologia Molecular da Universidade São Francisco, onde foram resfriados a -80ºC, até o momento da realização dos ensaios experimentais. Os três fragmentos de cada tecido foram destinados ao estudo da expressão do gene MGMT pela reação em cadeia de polimerase em tempo real (RT-PCR). A amplificação do gene MGMT por RT-PCR foi realizada sempre pelo mesmo técnico, em bateria única e em triplicata. O diagnóstico histológico de adenocarcinoma colorretal foi confirmado por patologista experiente em neoplasias colorretais, que desconhecia os objetivos do presente estudo.
Para a avaliação da expressão dos genes MGMT e do gene constitutivo b-actina a extração do RNA foi realizada nos três fragmentos obtidos da mucosa cólica normal e nos três da neoplásica. Para a estabilização e proteção do RNA, após a ressecção cirúrgica todas as amostras foram acondicionadas em frascos contendo RNA-later (QIAGEN, Valencia, CA, USA) e refrigeradas à -80ºC até o momento da extração do RNA. A extração do RNA foi feita com o emprego do RN-easy® tissue kit (QIAGEN), seguindo o protocolo do fabricante. Após a extração, aproximadamente 100mg de RNA foram utilizadas para a síntese do cDNA usando o high capacity cDNA archive kit (Applied Biosystems, Foster City, CA, USA).
A análise da expressão dos genes MGMT e do gene constitutivo â-actina foi feita por RT-PCR utilizando o equipamento iCycler IQ (Bio-Rad, USA). Os experimentos foram sempre feitos em triplicata, e as amostras foram normalizadas usando-se um dos controles constitutivos. A tabela 1 mostra os primers utilizados para a amplificação dos genes MGMT e b-actin. A expressão relativa de ambos os genes estudados foi calculada de acordo com fórmula 2 (Rt-Et) / 2(Rn-En) previamente descrita10. O valor final adotado para a expressão dos genes de reparo MGMT e do gene constitutivo â-actina foi o valor médio encontrado nos três fragmentos analisados de cada doente.
Os resultados obtidos para a expressão do gene MGMT foram expressos segundo o valor médio com o respectivo erro padrão considerando os tecidos normais e neoplásicos. Empregou-se o teste t de Student pareado na comparação entre os valores adotando-se intervalo de confiança de 95%. Estabeleceu-se nível de significância de 5% (p <0,05). Todos os dados obtidos foram analisados usando o programa estatístico SPSS 13.0 (SPSS Inc., Chicago, USA).
RESULTADOS
A figura 1 mostra os resultados obtidos com a amplificação do gene MGMT, comparando o tecido normal e o neoplásico. Verificou-se que, no tecido normal, os valores encontrados para amplificação do gene foi 0,1974 ±0,02UA, enquanto que no neoplásico foi 0,1100 ±0,01UA.
A tabela 2 mostra os valores médios, com o respectivo erro padrão e intervalo de confiança dos valores encontrados comparando a expressão do gene MGMT nos tecidos normal e neoplásico. Verificou-se que no tecido normal a expressão do gene MGMT foi significativamente maior quando comparada a do tecido neoplásico (p=0,002).
DISCUSSÃO
Na carcinogênese colorretal existem duas vias distintas e bem definidas, representadas pelas vias de instabilidade cromossômica (CIN) e instabilidade de microssatélites (MSI)11,12. A primeira, também conhecida como via "clássica", parece ser a mais comum e depende de um acúmulo sequencial de mutações em protoncogenes ou genes supressores de tumor. A via CIN frequentemente encontra-se relacionada à deleções de partes importantes dos cromossomos. A via MIS por sua vez, relaciona-se à instabilidade genômica, onde ocorrem mutações em genes do sistema de reparo do DNA, possibilitando acúmulo acelerado de mutações nos genes envolvidos em diversas funções celulares, sobretudo naqueles relacionados ao controle do ciclo celular. A via CIN, geralmente encontra-se associada ao CCR esporádico que obedece a sequência clássica adenoma-carcinoma, enquanto a via MSI ao câncer colorretal heredidário não polipoide (HNPCC) relacionado à deficiências nas proteínas de reparo do DNA. De modo interessante, neoplasias oriundas dessas duas vias carcinogênicas apresentam aspectos histopatológicos distintos, quando se comparam tumores relacionados à instabilidade cromossômica com àqueles decorrentes de MSI.
Apesar da maioria dos tumores colorretais apresentarem fenótipos que se enquadravam nessas duas vias de carcinogênese, estudos mostraram que alguns apresentavam características fenotípicas diferente daquelas encontradas nas duas vias conhecidas13. O estudo genético desses tumores mostrou, que existia a incorporação de uma grande quantidade de radicais CH3 nas "ilhas CpG" da região promotora dos genes (região 5'). A região 5' contém sequências específicas de bases nitrogenadas que determinam onde deverá iniciar-se o processo de transcrição dos genes, sendo, por isso, conhecidas como região promotora. Caso sofram hipermetilação os fatores de transativação encontram dificuldade para iniciarem o processo de transcrição, tornando o gene menos expresso. As "ilhas CpG" são regiões formadas, fundamentalmente, pelas bases citosina e guanina (geralmente acima de 50% dos nucleotídeos existentes no local). A base guanina é a base do DNA mais sujeita à metilação. Genes que apresentam menor expressão geralmente tem maior tendência ao aumento da incorporação de radicais CH3 nas bases das "ilhas CpG".
A hipermetilação da região promotora dos genes é uma das alterações epigenéticas atualmente mais estudadas no CCR, pois é capaz de impedir a transcrição de proteínas fundamentais para o controle do ciclo celular. Quando os níveis de metilação são muito altos pode haver, até mesmo, a completa inativação do gene incapacitando-o de traduzir a proteína por ele codificada3,4 A importância desse mecanismo carcinogênico no CCR tem sido confirmada por estudos demonstrando que a hipermetilação da região promotora do gene de reparo hMLH1, associado ao HNPCC, é encontrada em até 80% dos casos de CCR, com erros de replicação (RER+)7,14. Esta nova via de carcinogênese asssociada à hipermetilação da região promotora dos genes foi batizada de CIMP (CpG Island Methilated Phenothype). Fenotipicamente os tumores relacionados à via CIMP localizam-se, principalmente, no cólon proximal e, geralmente, apresentam-se associados à MSI8,15 .
Estudos experimentais confirmaram a relação entre a metilação e o CCR. O azoximetano, substância carcinogênica frequentemente utilizada em modelos experimentais de CCR, tem como principal mecanismo de ação o aumento na formação da guanina metilada (O6-metilguanina)1. A substância age aumentando a incorporação de radicais CH3 no oxigênio localizado na posição `6' da molécula da guanina, formando O6-metilguanina, considerada a base metilada mais relacionada ao aparecimento de mutações do DNA1.
O gene MGMT, há quase duas décadas, vem sendo relacionado à carcinogênese colorretal16,17. Localiza-se no cromossoma `10' na região 10q26, e transcreve a proteína MGMT que age, especificamente, no reparo de moléculas O6-metilguanina inapropriadamente pareadas durante a replicação do DNA. A MGMT é uma das poucas proteínas capazes de reparar o DNA danificado por agentes alquilantes. Seu mecanismo de ação não permite que seja considerada como uma enzima verdadeira, por receber o radical CH3 em uma reação estequiométrica, não se regenerando após a metilação18. A proteína selvagem remove, continuamente, os radicais CH3 das moléculas de O6-metilguanina, produzidos pelo próprio metabolismo celular, ou proveniente do consumo de dietas ricas em gorduras, carnes vermelhas e tabaco. A proteína também é capaz de remover radicais CH3 fornecidos pelas drogas quimioterápicas alquilantes, interferindo na resposta terapêutica a essas substâncias9. Os erros de pareamento durante a replicação do DNA decorrentes da formação da O6-metilguanina surgem em virtude da base metilada parear-se com a timina no lugar da citosina, ocasionando transições de base do tipo G:C®AT19 Quando o gene MGMT apresenta redução da sua capacidade de expressão, geralmente por hipermetilação da região promotora, a proteína MGMT não será traduzida20. A proteína MGMT age transferindo os radicais CH3 removidos da O6-metilguanina, para um sítio receptor e cisteína localizado na estrutura molecular proteína1,21. A S-metilcisteína formada no sítio ativo da proteína selvagem, após a agregação do radical CH3, impede que ele seja reconvertido novamente em cisteína, fazendo com que cada molécula da MGMT atue apenas uma única vez, provavelmente por uma alteração conformacional da molécula, pela sua rápida degradação pelo sistema ubiquitina12. Como a reação de inativação da MGMT é irreversível, a proteína deve ser constantemente produzida para remover radicais CH3 de outras moléculas de O6-metilguanina. Em outras palavras, as células dependem da síntese contínua da proteína MGMT para remoção dos erros de pareamento. Para que exista tradução contínua da proteína, o gene MGMT não pode estar metilado. Estudos experimentais confirmaram esses fatos ao demonstrarem que ratos transgênicos com maior expressão do gene MGMT e, consequentemente, maior transcrição da proteína, são mais resistentes às mutações do tipo G:C®AT22.
A hipermetilação da região promotora do gene MGMT é conhecida há vários anos como uma possível causa para explicar a menor expressão do gene nas células neoplásicas23. No tecido neoplásico com a perda da expressão do gene é possível identificar vários genes reguladores que sofreram um significativo índice de mutações do tipo transição G:C®A:T. Já foi demonstrado que, quando o gene MGMT encontra-se menos expresso, ocorre aumento de mutações por transversões de bases tanto em oncogenes, como o K-ras, quanto em genes supressores de tumor como o p5324-26. O acúmulo sequencial de mutações nesses genes é frequentemente encontrado nos doentes com CCR esporádico24,25,27. Estudos de sequenciamento simultâneo nos dois genes mostraram que a mutação mais comumente identificada em ambos são transversões do tipo G:C®A:T24,25.
Os resultados do presente estudo confirmam que a expressão tecidual do gene MGMT encontra-se reduzida nos tecidos neoplásicos de portadores de CCR esporádico em relação aos tecidos normais. Os achados sugerem que, no tecido neoplásico, exista menor capacidade de reparo de O6-metilguanina no DNA, o que aumenta a possibilidade de mutações do tipo transições G:C®A:T26. De outra forma, a maior expressão do gene nos tecidos normais confirma a importância da produção constante da proteína MGMT na prevenção de mutações em células epiteliais cólicas, constantemente expostas aos radicais CH3. A perda dessa capacidade no tecido neoplásico sugere que, em algum momento, a redução do conteúdo celular da proteína MGMT possibilitou uma deficiência no mecanismo de reparo, possibilitando o aparecimento de células mutantes.
Teorias tentam explicar a menor expressão dos genes de reparo no tecido neoplásico dos portadores de CCR esporádico. Uma delas propõe que a metilação da região promotora dos genes de reparo é o principal mecanismo responsável pela sua menor expressão no tecido neoplásico28Outra sugere que o processo de metilação possa ocorrer, simultaneamente nos diferentes sistemas de reparo3,14,15. Em estudo anterior, avaliando o mesmo grupo de doentes, verificamos que o gene hMLH1 apresentava menor expressão no tecido neoplásico quando comparado ao tecido normal29. É possível que o gene hMLH1, um dos principais componentes do sistema MMR de reparo do DNA, também estivesse menos expresso em decorrência da hipermetilação da sua região promotora, entretanto, naquela oportunidade, essa possibilidade não foi avaliada. Contudo, estudos anteriores que avaliaram essa possibilidade confirmaram que ocorre menor expressão dos genes de reparo em portadores de CCR esporádico, relacionada ao aumento progressivo da incorporação de radicais CH3 na sua região promotora24,25,26.
Estudos com maior número de doentes que avaliem, concomitantemente, a presença de transições de base do tipo G:C®A:T em genes relacionados ao controle do ciclo celular, como o k-ras e o p53, e a expressão do MGMT ainda são necessários para melhor compreensão do papel desempenhado pelo gene no desenvolvimento de mutações responsáveis pela quebra da homeostase entre a proliferação celular controlada e a apoptose programada. Apesar de nos últimos anos ter ocorrido aumento exponencial no conhecimento dos eventos epigenéticos relacionados ao gene MGMT, pesquisas ainda são necessárias para validar a pesquisa rotineira da expressão do gene MGMT antes da proposição de um determinado esquema quimioterápico. Somente estudos com sequenciamento relacionando eventuais polimorfirmos do gene MGMT, resposta a agentes quimioterápicos e a sobrevida em grandes séries poderá responder esses questionamentos30.
Os resultados encontrados no presente estudo mostraram que, no tecido tumoral, existe redução da expressão do gene MGMT, tornando o tecido neoplásico potencialmente sensível a protocolos de quimioterapia que utilizem agentes alquilantes.
Recebido em 18/05/2011
Aceito para publicação em 20/07/2011
Conflito de interesse: nenhum
Fonte de financiamento: Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo. (Processo nº 2008-51499-7).
Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade São Francisco, Bragança Paulista, São Paulo.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Abr 2012 -
Data do Fascículo
2012
Histórico
-
Recebido
18 Maio 2011 -
Aceito
20 Jul 2011