Acessibilidade / Reportar erro

Enxerto de veia esplênica na reconstrução do eixo mesentérico-portal após gastroduodenopancreatectomia

Resumos

A ressecção da confluência das veias mesentérica superior e porta tem sido realizada com maior frequência no tratamento de adenocarcinoma do pâncreas, em virtude dos bons resultados relatados, porém pode também ser usada em casos de neoplasias pancreáticas benignas quando firmemente aderidas ao eixo mesentérico-portal. Apesar disso, não existe nenhum estudo sobre o melhor tipo de enxerto venoso para reconstrução do eixo mesentérico-portal quando necessária. A escolha do enxerto dependerá da preferência do cirurgião ou da instituição onde ocorre à cirurgia. Esta nota técnica discute criticamente o uso da veia esplênica como opção para reconstrução do eixo mesentérico-portal após gastroduodenopancreatectomia.

Pancreaticoduodenectomia; Enxerto vascular; Veia esplênica; Neoplasias pancreáticas


Resection of the confluence of the superior mesenteric and portal veins has been performed most frequently in the treatment of adenocarcinoma of the pancreas, in view of the reported positive results, but it can also be used in cases of benign pancreatic neolpasias when they are strongly adhered to the mesenteric-portal trunk. Nevertheless, there is no study on the best type of venous grafts for reconstruction of the mesenteric-portal trunk when required. The choice of graft depends on the preference of the surgeon or the institution. This technical note critically discusses the use of the splenic vein as an option for mesenteric-portal trunk reconstruction after gastroduodenopancreatectomy.

Pancreaticoduodenectomy; Vascular grafting; Splenic vein; Pancreatic neoplasms


INTRODUÇÃO

Em virtude de sua proximidade anatômica com o pâncreas, o eixo mesentérico-portal (EMP) com frequência é acometido pelos tumores pancreáticos. Para os pacientes portadores de adenocarcinoma de pâncreas, a ressecção do EMP tem sido recomendada, o que possibilita ressecção tumoral com margens livres. Para outros tipos de tumores pancreáticos de melhor prognóstico, particularmente os de caráter benigno, a ressecção do EMP quando invadido pelo tumor parece ter indicação mais óbvia. A ressecção do EMP deve sempre ser tentada, uma vez que a possibilidade de cura para essas neoplasias é alta quando ressecada completamente.

A despeito de sua aplicabilidade, no entanto, não existe estudo comparativo disponível na literatura que avalie o melhor tipo de enxerto a ser empregado na reconstrução venosa do EMP quando a anastomose primária dos cotos vasculares não é possível. Esta nota técnica discute criticamente o uso de enxerto de veia esplênica na reconstrução do EMP após gastroduodenopancreatectomia por tumor de Frantz.

TÉCNICA

Por meio de laparotomia, antes da ressecção venosa do EMP, o processo uncinado foi totalmente solto da veia mesentérica superior. Para tanto foi necessária à dissecção anterior (por vezes dificultada pela aderência do tumor à veia) e também posterior. O objetivo é reduzir o tempo de clampeamento, uma vez que a peça, já completamente solta após o clampeamento e ressecção venosa, é prontamente retirada do campo cirúrgico.

O segmento e comprimento de veia a serem ressecados foram definidos a partir do local de envolvimento tumoral ao EMP. No presente caso havia envolvimento da veia mesentérica superior e porta numa extensão de 6cm. Realizada a opção de uso de enxerto de veia esplênica.

O procedimento constituiu-se dos seguintes passos: 1) Ligadura perdida da artéria esplênica próximo ao hilo esplênico; 2) Infusão "in bolus" de 5000UI de heparina por via endovenosa antes do clampeamento; 3) Clampeamento da veia porta e mesentérica superior 2cm além do local de ressecção. Clampeamento da veia esplênica junto à emergência do EMP; 4) Ressecção da peça cirúrgica (produto de gastroduodenopancreatectomia); 5) Captação de segmento de veia esplênica a partir da ligadura de tributárias do parênquima pancreático; 6) Interposição do enxerto venoso esplênico entre o coto de veia porta e de mesentérica superior por meio de anastomoses com suturas contínuas em plano único e fio de prolene 6.0 (Figura 1 A e B). Finalização de sutura contínua deixando-se "growth factor". Note-se que a reconstrução do EMP com enxerto de veia esplênica apresenta-se após anastomoses de forma anatômica (Figura 2); e 7) Realização de esplenectomia total e revisão de hemostasia.

Figura 1 -
A) ilustração apresentando acometimento do tumor no eixo mesentérico-portal (EMP); B) ilustração demonstrando reconstrução do EMP por meio do enxerto de veia esplênica.

Figura 2 -
Aspecto final do eixo mesentérico-portal (EMP) após reconstrução com enxerto de veia esplênica no período intraoperatório.

DISCUSSÃO

A anastomose primária é o método mais simples e mais realizado após a ressecção do EMP11. Marangoni G, O'Sulivan A, Faray W, Heaton N, Rela M. Pancreatectomy with synchronous vascular resection-an argment in favour. Surgeon. 2012;10(2):102-6.. Em extensa revisão da literatura que incluiu casuísticas de pancreatectomia com ressecção do EMP, Siriwardana et al. observaram que em 88,6% dos pacientes com ressecção venosa circunferencial, a anastomose primária foi realizada22. Siriwardana HP, Siriwardena AK. Systematic review of outcome of synchronous portal-superior mesenteric vein resection during pancreatectomy for cancer. Br J Surg. 2006;93(6):662-73.. Zhang et al. relataram bons resultados em oito pacientes com reparos primários após grandes ressecções venosas (>5cm) do EMP33. Zhang J, Qian HG, Leng JH, Cui M, Qiu H, Zhou GQ, et al. Long mesentericoportal vein resection and end-to-end anastomosis without graft in pancreaticoduodenectomy. J Gastrointest Surg. 2009;13(8):1524-8.. Pequeno período de congestão visceral associado a uma única linha de sutura e tamanho proporcional das bocas anastomóticas tornam o método preferível a qualquer outro33. Zhang J, Qian HG, Leng JH, Cui M, Qiu H, Zhou GQ, et al. Long mesentericoportal vein resection and end-to-end anastomosis without graft in pancreaticoduodenectomy. J Gastrointest Surg. 2009;13(8):1524-8..

Na impossibilidade de reparo primário, a interposição de enxerto de veia autólogo ou cadavérico; além de prótese é imperativo11. Marangoni G, O'Sulivan A, Faray W, Heaton N, Rela M. Pancreatectomy with synchronous vascular resection-an argment in favour. Surgeon. 2012;10(2):102-6.. O substituto mais utilizado é a veia jugular interna, pois possui calibre adequado na maioria dos casos e não acarreta, uma vez ressecada, insuficiência venosa no segmento cervical, além de prevenir hipertensão portal11. Marangoni G, O'Sulivan A, Faray W, Heaton N, Rela M. Pancreatectomy with synchronous vascular resection-an argment in favour. Surgeon. 2012;10(2):102-6.. Uma desvantagem de sua utilização é a existência de limitado acesso ao pescoço por outra equipe cirúrgica, invariavelmente observada nesses pacientes onde múltiplas linhas de monitorização são a regra.

Ainda deve-se destacar o preocupante risco da ocorrência de trombose relacionado ao uso de enxertos venosos cadavéricos (veia ilíaca) e do aparecimento de infecção e fístula pancreática referente ao uso de próteses de politetrafluoroetileno1.

A descrição do uso da veia esplênica na reconstrução do EMP é antiga. Miyata et al. utilizaram-na em três pacientes portadores de câncer de pâncreas44. Miyata M, Nakao K, Hirose H, Hamaji M, Kawashima Y. Reconstruction of portal vein with an autograft of splenic vein. J Cardiovasc Surg. 1987;28(1):18-21.. As vantagens do uso da veia esplênica são: praticidade, rapidez e melhor exposição da artéria mesentérica superior44. Miyata M, Nakao K, Hirose H, Hamaji M, Kawashima Y. Reconstruction of portal vein with an autograft of splenic vein. J Cardiovasc Surg. 1987;28(1):18-21.. A praticidade ocorre uma vez que não existe a necessidade da presença de outra equipe para a captação do enxerto. A rapidez é devida à utilização de um único campo cirúrgico associado ao fato da veia esplênica estar próxima à desembocadura na veia porta, assim como já estar praticamente dissecada pela mobilização do pâncreas. Soma-se a isto a possibilidade de expor mais adequadamente a borda medial da artéria mesentérica superior, considerada região crítica para obtenção de margem negativa na pancreatectomia cefálica.

A principal indicação do uso de enxerto de veia esplênica na reconstrução do EMP é o adenocarcinoma pancreático, há de se considerar uma pequena sobrevida média para esses pacientes4, sendo um tempo provavelmente inferior ao necessário para desenvolvimento de varizes gástricas com repercussão clínica. A nosso ver, para os casos de adenocarcinoma pancreático avançado, a utilização da veia esplênica como enxerto pode ser indicada principalmente nos casos em que se utiliza o segmento entre a veia porta e a veia mesentérica inferior. De toda forma, parece ser razoável para esses casos, a ligadura profilática dos vasos gástricos curtos e da veia gastroepiploica esquerda, o que acrescenta pouco em relação ao tempo operatório, podendo evitar o surgimento de hipertensão do sistema portal.

Nos casos de tumores menos agressivos em que se prevê uma sobrevida prolongada, acreditamos que outro enxerto, como o de veia jugular interna, com preservação e manutenção do fluxo da veia esplênica, possa conferir melhores resultados em longo prazo. O uso do enxerto de veia esplênica, no entanto, pode ser utilizado como opção associada à esplenectomia para auxiliar a prevenir hipertensão do sistema portal.

A esplenectomia evita o desenvolvimento dos vasos colaterais, sendo o tratamento recomendado para a hipertensão venosa segmentar nos casos de trombose de veia esplênica. Neste cenário, no entanto, a preocupação se volta para o risco de sepse pós-esplenectomia. Alguns aspectos, no entanto, podem minimizar tais preocupações, tornando o uso do enxerto de veia esplênica possível com mínimo risco: 1) O risco de sepse pós-esplenectomia é maior em crianças nos dois primeiros anos de pós-operatório; 2) O risco que, inicialmente, era considerado de 4,25%, em estudos mais recentes parece ser menor que 1%; 3) A sepse pós-esplenectomia pode ser prevenida através de medidas que incluem a vacinação e o uso de antibibióticos55. Melles DC, de Marie S. Prevention of infections in hyposplenic and asplenic patients: an update. Neth J Med. 2004;62(2):45-52..

Concluímos que a utilização de enxerto de veia esplênica na reconstrução do EMP após ressecção de tumores pancreáticos é uma alternativa prática e pode ser considerada como alternativa técnica aos outros tipos de enxertos venosos disponíveis.

REFERENCES

  • 1
    Marangoni G, O'Sulivan A, Faray W, Heaton N, Rela M. Pancreatectomy with synchronous vascular resection-an argment in favour. Surgeon. 2012;10(2):102-6.
  • 2
    Siriwardana HP, Siriwardena AK. Systematic review of outcome of synchronous portal-superior mesenteric vein resection during pancreatectomy for cancer. Br J Surg. 2006;93(6):662-73.
  • 3
    Zhang J, Qian HG, Leng JH, Cui M, Qiu H, Zhou GQ, et al. Long mesentericoportal vein resection and end-to-end anastomosis without graft in pancreaticoduodenectomy. J Gastrointest Surg. 2009;13(8):1524-8.
  • 4
    Miyata M, Nakao K, Hirose H, Hamaji M, Kawashima Y. Reconstruction of portal vein with an autograft of splenic vein. J Cardiovasc Surg. 1987;28(1):18-21.
  • 5
    Melles DC, de Marie S. Prevention of infections in hyposplenic and asplenic patients: an update. Neth J Med. 2004;62(2):45-52.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2014

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 2013
  • Aceito
    15 Nov 2013
Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@cbc.org.br