Tratamento não medicamentoso e abordagem multiprofissional
Coordenador: Marcus Vinícius Bolívar Malachias (MG)
Secretário: Weimar Kunz Sebba Barroso de Souza (GO)
Participantes: Ana Maria Pita Lotemberg (SP); Armênio Costa Guimarães (BA); Carlos Eduardo Negrão (SP); Claudia Lucia de Moraes Forjaz (SP); Heno Lopes (SP); José Ernesto dos Santos (SP); Luciana Ferreira Ângelo Marcelo Lima Gusmão (SP); Marilda Lipp (SP); Nárcia Elisa B. Kohlmann (SP); Rui Póvoa (SP); Thales Carvalho (SC)
Com relação ao tratamento não medicamentoso, devemos considerar:
CONTROLE DE PESO
A relação entre os aumentos de peso e da pressão arterial é quase linear, sendo observada em adultos1 e adolescentes.2 Perdas de peso e da circunferência abdominal correlacionam-se com reduções da PA e melhora de alterações metabólicas associadas.2,3 Assim, as metas antropométricas a serem alcançadas são o índice de massa corporal (IMC) menor que 25 kg/m2 e a circunferência abdominal < 102 cm para os homens e < 88 para as mulheres.4
O sucesso do tratamento depende fundamentalmente de mudança comportamental e da adesão a um plano alimentar saudável.5 Mesmo uma modesta perda do peso corporal está associada a reduções na PA em pessoas com sobrepeso, mas o alcance das metas deve ser perseguido.6 A utilização de dietas radicais, como as ricas em carboidratos ou em gorduras, deve ser desencorajada, pois não são sustentáveis a longo prazo e resultam invariavelmente em abandono de tratamento.7 O acompanhamento dos indivíduos após o emagrecimento deve ser estimulado com o objetivo de evitar o reganho de peso.8,9 Foi demonstrado que manter o IMC abaixo de 25 kg/m2 preveniu em 40 % o desenvolvimento de HAS em mulheres, em um estudo com seguimento médio de 14 anos.10 Controle de peso: grau de recomendação I e nível de evidência A.
A cirurgia bariátrica é considerada o tratamento efetivo para obesidade moderada a grave.11 Em pacientes com obesidade grave, a cirurgia bariátrica reduz a mortalidade e tem potencial para controlar condições clínicas como HAS e diabetes melito tipo 2.12,13 Assim como no tratamento convencional, é necessário seguimento dos indivíduos a longo prazo no sentido de evitar o reganho de peso.14
Cirurgia bariátrica para hipertensos com obesidade grave ou moderada (com distúrbios metabólicos associados): grau de recomendação I e nível de evidência A.
ESTILO ALIMENTAR (DIETAS DASH, MEDITERRÂNEA, VEGETARIANA E OUTRAS)
O padrão dietético DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension), rico em frutas, hortaliças, fibras, minerais e laticínios com baixos teores de gordura, tem importante impacto na redução da PA.15 Um alto grau de adesão a esse tipo de dieta reduziu em 14 % o desenvolvimento de hipertensão.10 Os benefícios sobre a PA têm sido associados ao alto consumo de potássio, magnésio e cálcio nesse padrão nutricional.16 A dieta DASH potencializa ainda o efeito de orientações nutricionais para emagrecimento, reduzindo também biomarcadores de risco cardiovascular.17 O Quadro 1 demonstra como adotar uma dieta ao estilo DASH.
Dieta DASH: grau de recomendação I e nível de evidência A.
A dieta do Mediterrâneo associa-se também à redução da PA.18 O alto consumo de frutas e hortaliças revelou ser inversamente proporcional aos níveis de PA, mesmo com um mais alto percentual de gordura.19 A substituição do excesso de carboidratos nesta dieta por gordura insaturada induz à mais significativa redução da PA.20,21
Dieta mediterrânea para hipertensos: grau de recomendação IIa; nível de evidência B.
Dietas vegetarianas são inversamente associadas com a incidência de doenças cardiovasculares. Isso se explica em razão de fornecerem menor quantidade de nutrientes como gordura saturada e colesterol.22 Entretanto, essas dietas são deficientes em micronutrientes como ferro, vitamina B12 e cálcio, sendo necessária a suplementação para atender às recomendações vigentes.23 As deficiências de micronutrientes, muitas vezes observadas em lactovegetarianos, têm sido identificadas como fatores predisponentes à HAS em adultos seguidores desse estilo alimentar.24 Fato relevante é a observação de que os vegetarianos apresentam, em geral, menor IMC, fato que, independentemente do tipo de dieta, se associa a menor PA.25-27
Dieta vegetariana para hipertensos: grau de recomendação IIa; nível de evidência B.
Dietas da moda e programas de emagrecimento comercialmente disponíveis, avaliados comparativamente, demostrar am baixa adesão a longo prazo.28 Apesar de a redução de peso obtida associar-se a redução da PA,29 há evidências de que dietas com altos teores de gordura associam-se com maior risco de infarto do miocárdio e mortalidade cardiovascular, não havendo razões para a sua recomendação.30,31
Dietas comerciais (da moda) para hipertensos: grau de recomendação III; nível de evidência D.
REDUÇÃO DO CONSUMO DE SAL
A relação entre PA e a quantidade de sódio ingerido é heterogênea. Esse fenômeno é conhecido como sensibilidade ao sal. Indivíduos normotensos com elevada sensibilidade à ingestão de sal apresentaram incidência cinco vezes maior de HAS, em 15 anos, do que aqueles com baixa sensibilidade.32 Alguns trabalhos demonstraram que o peso do indivíduo ao nascer tem relação inversa com a sensibilidade ao sal e está diretamente relacionado com o ritmo de filtração glomerular e HAS na idade adulta.33 Uma dieta com baixo teor de sódio promoveu rápida e importante redução de PA em hipertensos resistentes.34 Apesar das diferenças individuais de sensibilidade, mesmo modestas reduções na quantidade de sal são, em geral, eficientes em reduzir a PA.35 Tais evidências reforçam a necessidade de orientação a hipertensos e "limítrofes" quanto aos benefícios da redução de sódio na dieta. A necessidade diária de sódio para os seres humanos é a contida em 5 g de cloreto de sódio ou sal de cozinha. O consumo médio do brasileiro corresponde ao dobro do recomendado.36 Dieta hipossódica: grau de recomendação IIb e nível de evidência B.
ÁCIDOS GRAXOS INSATURADOS
Observa-se uma discreta redução da PA com a suplementação de óleo de peixe (ômega 3) em altas doses diárias e predominantemente nos idosos.37,38 As principais fontes dietéticas de ácidos graxos monoinsaturados (oleico) são óleo de oliva, óleo de canola, azeitona, abacate e oleaginosas (amendoim, castanhas, nozes, amêndoas).39 Tem-se demonstrado que a ingestão de óleo de oliva pode reduzir a PA, principalmente devido ao elevado teor de ácido oléico.40
FIBRAS
As fibras são classificadas em solúveis e insolúveis. As solúveis são representadas pelo farelo de aveia, pectina (frutas) e pelas gomas (aveia, cevada e leguminosas: feijão, grão de bico, lentilha e ervilha). As fibras insolúveis são representadas pela celulose (trigo), hemicelulose (grãos) e lignina (hortaliças). A recomendação de ingestão de fibra alimentar total para adultos é de 20 a 30 g/dia, 5 a 10 g devendo ser solúveis.22
O betaglucano, presente na aveia, determina discreta diminuição da PA em obesos, efeito não observado em indivíduos com peso normal.41
PROTEÍNA DE SOJA
As principais fontes de soja na alimentação são: feijão de soja, queijo de soja (tofu), farinha, leite de soja e o concentrado proteico da soja. O molho de soja (shoyu) industrializado contém elevado teor de sódio, devendo ser evitado. A substituição isocalórica de parte da proteína alimentar por um composto de soja associada a outras medidas não medicamentosas promoveu queda da PA em mulheres após a menopausa.42
OLEAGINOSAS
Há controvérsias sobre os efeitos da suplementação das diferentes castanhas em relação à redução da PA.43,44 O consumo de oleaginosas pode trazer benefícios à saúde se integradas a um plano alimentar saudável.45
LATICÍNIOS E VITAMINAS
O consumo de duas ou mais porções diárias de laticínios magros correlacionou-se a menor incidência de HAS. Tais benefícios provavelmente estão associados ao maior aporte de cálcio.46,47
ALHO
O alho, cujo principal componente ativo é a alicina, tem ação metabólica, podendo atuar na coagulação, aumentando o tempo de sangramento e promovendo discreta redução de pressão.48,49
CAFÉ E CHÁ
Os polifenóis contidos no café e em alguns tipos de chás têm potenciais propriedades vasoprotetoras.50,51 Os riscos de elevação da PA causados pela cafeína, em doses habituais, são irrelevantes.
CHOCOLATE AMARGO
O chocolate amargo (com alto teor de cacau) pode promover discreta redução da PA, devido às altas concentrações de polifenóis.52
ÁLCOOL
Há associação entre a ingestão de álcool e alterações de PA dependentes da quantidade ingerida. Claramente, uma quantidade maior de etanol eleva a PA e está associada a maiores morbidade e mortalidade cardiovasculares. Por outro lado, as evidências de correlação entre uma pequena ingestão de álcool e a consequente redução da pressão arterial ainda são frágeis e necessitam de comprovações. Em indivíduos hipertensos, a ingestão de álcool, agudamente e dependentemente da dose, reduz a PA, porém ocorre elevação algumas horas após o seu consumo. Tendo em vista a controvérsia em relação à segurança e ao benefício cardiovascular de baixas doses, assim como a ação nefasta do álcool na sociedade, devemos orientar aqueles que têm o hábito de ingerir bebidas alcoólicas a não ultrapassarem 30 g de etanol ao dia, para homens, de preferência não habitualmente; sendo a metade dessa quantidade a tolerada para as mulheres. As quantidades dos mais comuns tipos de bebidas que contêm 30 mL de etanol estão colocadas na Tabela 1. Para aqueles que não têm o hábito, não se justifica recomendar que o façam.53-55
Redução do consumo de álcool para hipertensos: grau de recomendação IIb, nível de evidência B. Recomendação de consumo de álcool para hipertensos: grau de recomendação III, nível de evidência D
ATIVIDADE FÍSICA
Ensaios clínicos controlados demonstraram que os exercícios aeróbios (isotônicos), que devem ser complementados pelos resistidos, promovem reduções de PA, estando indicados para a prevenção e o tratamento da HAS.56,60 Para manter uma boa saúde cardiovascular e qualidade de vida, todo adulto deve realizar, pelo menos cinco vezes por semana, 30 minutos de atividade física moderada de forma contínua ou acumulada, desde que em condições de realizá-la. A frequência cardíaca (FC) de pico deve ser avaliada por teste ergométrico, sempre que possível, e na vigência da medicação cardiovascular de uso constante. Na falta do teste, a intensidade do exercício pode ser controlada objetivamente pela ventilação, sendo a atividade considerada predominantemente aeróbia quando o indivíduo permanecer discretamente ofegante, conseguindo falar frases completas sem interrupções. Embora haja possibilidade de erros com a utilização de fórmulas que consideram a idade, na impossibilidade de utilização da ergometria pode-se usar a fórmula FC máxima = 220 - idade, exceto em indivíduos em uso de betabloqueadores e/ou inibidores de canais de cálcio não diidropiridínicos.
A recomendação é de que inicialmente os indivíduos realizem atividades leves a moderadas.61,62 Somente após estarem adaptados, caso julguem confortável e não haja nenhuma contraindicação, é que devem passar às vigorosas.63-65
Sugestão da intensidade de exercícios isotônicos segundo a frequência cardíaca:
Atividades leves - Mantém-se com até 70% da FC máxima ou de pico, recomendando-se a faixa entre 60% e 70% quando se objetiva o treinamento efetivo eminentemente aeróbio.
Atividades moderadas - Mantém-se entre 70% e 80% da FC máxima ou de pico, sendo considerada a faixa ideal para o treinamento que visa a prevenção e o tratamento da hipertensão arterial.
Atividades vigorosas - Mantém-se acima de 80% da FC máxima ou de pico, propondo-se a faixa entre 80% e 90% quando se objetiva o treinamento com expressivo componente aeróbio, desenvolvido já com considerável participação do metabolismo anaeróbio.
Em relação aos exercícios resistidos, recomendase que sejam realizados entre 2 e 3 vezes por semana, por meio de 1 a 3 séries de 8 a 15 repetições, conduzidas até a fadiga moderada (parar quando a velocidade de movimento diminuir). Recomenda-se a avaliação médica antes do início de um programa de treinamento estruturado e sua interrupção na presença de sintomas. Em hipertensos, a sessão de treinamento não deve ser iniciada se as pressões arteriais sistólica e diastólica estiverem superiores a 160 e/ou 105 mmHg respectivamente.
Atividade física: grau de recomendação I e nível de evidência A.
CPAP E OUTRAS FORMAS DE TRATAMENTO DA SÍNDROME DA APNEIA/HIPOPNEIA OBSTRUTIVA DO SONO (SAHOS)
O uso da CPAP (pressão positiva contínua nas vias aéreas) está indicado para a correção dos distúrbios ventilatórios e metabólicos da SAHOS grave. Há indícios de que o uso desse dispositivo pode contribuir para o controle da PA, queda do descenso da pressão durante o sono, melhora da qualidade de vida e redução dos desfechos cardiovasculares.66-68 Não existem evidências quanto aos efeitos hipotensores de outras formas de tratamento da SAHOS.
CPAP na SAHOS grave: grau de recomendação I e nível de evidência A.
CONTROLE DO ESTRESS E PSICOSSOCIAL
Fatores psicossociais, econômicos, educacionais e o estresse emocional participam do desencadeamento e manutenção da HAS e podem funcionar como barreiras para a adesão ao tratamento e mudança de hábitos.69-71 Diferentes técnicas de controle do estresse têm sido avaliadas, porém com resultados conflitantes. Meditação,72 musicoterapia,73 biofeedback, yoga, entre outras técnicas de controle do estresse, foram capazes de reduzir discretamente a PA de hipertensos.74,75
Técnicas de controle do estresse: grau de recomendação IIa e nível de evidência B.
RESPIRAÇÃO LENTA
A utilização da técnica de respiração lenta, com dez respirações por minuto por 15 minutos diários, com ou sem o uso de equipamentos, tem mostrado reduções da PA.76-78
Respiração lenta: grau de recomendação IIa e nível de evidência B.
CESSAÇÃO DO TABAGISMO
A cessação do tabagismo constitui medida fundamental e prioritária na prevenção primária e secundária das doenças cardiovasculares e de diversas outras doenças.79
Não há, entretanto, evidências de que, para o controle de PA, haja benefícios.
EQUIPE MULTIPROFISSIONAL
A equipe multiprofissional pode ser constituída por todos os profissionais que lidam com pacientes hipertensos: médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, professores de educação física, musicoterapeutas, farmacêuticos, educadores, comunicadores, funcionários administrativos e agentes comunitários de saúde. Como a HAS é uma síndrome clínica multifatorial, contar com a contribuição da equipe multiprofissional de apoio ao hipertenso é conduta desejável sempre que possível.80,81
Abordagem multidisciplinar: grau de recomendação I e nível de evidência A.
Considerando-se as principais intervenções não medicamentosas podemos observar, na Tabela 2, os benefícios médios estimados na população com as suas aplicações.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Jan 2012 -
Data do Fascículo
Set 2010