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O peso da doença arterial coronariana no transplante de pâncreas-rim simultâneo: angiografia coronária como método diagnóstico para todos? - um estudo retrospectivo

Resumo

Introdução: O diabetes mellitus tipo 1 está associado ao risco aumentado de doença arterial coronariana, que é frequentemente assintomática. Este risco aumenta significativamente em pessoas com nefropatia. Em pacientes selecionados, o transplante de pâncreas- rim simultâneo é a terapia substitutiva, renal e pancreática, de escolha, pois aumenta a longevidade e estabiliza complicações diabéticas. Apesar de essenciais, protocolos de triagem universais ainda são controversos para doença arterial coronariana nesta população. Métodos: Analisamos retrospectivamente 99 receptores de pâncreas-rim simultâneo de nosso centro, de 2011 a 2018, e selecionamos 77 pacientes que realizaram angiografia coronária durante avaliação pré-transplante. Nosso objetivo foi identificar fatores de risco potenciais associados a lesões significativas na angiografia coronária. Resultados: Quase metade de nossa coorte de 77 candidatos submetidos à angiografia coronária apresentou doença arterial coronariana. Destes, quase 30% foram submetidos à revascularização, embora apenas um tenha relatado sintomas de isquemia miocárdica. Em uma análise univariada, a presença do hábito de fumar foi o único fator de risco para doença arterial coronariana. Também descobrimos que 20 ou mais anos de diabetes mellitus tipo 1 estavam significativamente associados à presença de coronariopatia. Discussão: A seleção de candidatos diabéticos com risco cardíaco aceitável antes do transplante de pâncreas-rim simultâneo é imperativa. Dado o impacto de um diagnóstico correto e baixo risco de procedimento, defendemos o uso rotineiro da angiografia coronária como método de triagem inicial para doença arterial coronariana nesta população. Deve-se ter um cuidado especial na avaliação de pacientes assintomáticos com diabetes mellitus tipo 1 de longa duração e fumantes.

Descritores:
Diabetes Mellitus Tipo 1; Falência Renal Crônica; Transplante de Pâncreas-Rim Simultâneo; Doença da Artéria Coronariana; Angiografia Coronária

Abstract

Introduction: Type 1 diabetes mellitus is associated with an increased risk of coronary artery disease, which is frequently asymptomatic. This risk increases significantly in those with nephropathy. In selected patients, simultaneous pancreas-kidney transplantation is the renal and pancreatic replacement therapy of choice, as it increases longevity and stabilizes diabetic complications. Despite essential, universal screening protocols are still controversial for coronary artery disease in this population. Methods: We retrospectively analysed 99 simultaneous pancreas-kidney recipients from our centre from 2011 to 2018 and selected 77 patients who underwent coronary angiography during the pre-transplant evaluation. Our aim was to identify potential risk factors associated with significant lesions on coronary angiography. Results: Almost half of our cohort of 77 candidates submitted to coronary angiography had coronary artery disease. Of these, nearly 30% underwent revascularization, although only one of them reported symptoms of myocardial ischemia. In a univariate analysis, the presence of smoking habits was the only risk factor for coronary artery disease. We also found that 20 or more years of type 1 diabetes mellitus was significantly associated with the presence of coronaropathy. Discussion: Selection of diabetic candidates with acceptable cardiac risk before simultaneous pancreas-kidney transplantation is imperative. Given the impact of a correct diagnosis and a low procedural risk, we defend the routine use of coronary angiography as the initial screening method for coronary artery disease in this population. Particularly care must be taken in evaluating asymptomatic patients with long-term type 1 diabetes mellitus and smokers.

Keywords:
Diabetes Mellitus; Type 1; Kidney Failure; Chronic; Simultaneous Pancreas-Kidney Transplantation; Coronary Artery Disease; Coronary Angiography

Introdução

Diabetes é um dos principais fatores de risco para doença arterial coronariana (DAC). Uma vez diagnosticados com DAC, os pacientes diabéticos têm um prognóstico consideravelmente pior do que os não diabéticos11 Schuijf J, Bax J, Van Der Wall E. Screening for coronary artery disease in asymptomatic diabetic patients. Eur Cardiovasc Dis. 2007;3(1):43-4. DOI: https://doi.org/10.15420/ecr.2007.0.1.43
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. Eles geralmente apresentam DAC difusa e grave com placas ateroscleróticas maciças constituídas por núcleos lipídicos volumosos, que induzem altas taxas de remodelação no segmento vascular afetado e capas fibrosas finas, porém altamente inflamatórias, que as tornam mais vulneráveis à ruptura22 Tavares C, Wajchjenberg B, Rochitte C, Lerario A. Screening for asymptomatic coronary artery disease in patients with type 2 diabetes mellitus. Arch Endocrinol Metab. 2016;60(2):143-51. DOI: https://doi.org/10.1590/2359-3997000000170
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. Além disso, como o processo se desenvolve mais rápido e mais cedo e a neuropatia autonômica frequentemente coexiste, o paciente pode permanecer assintomático por anos22 Tavares C, Wajchjenberg B, Rochitte C, Lerario A. Screening for asymptomatic coronary artery disease in patients with type 2 diabetes mellitus. Arch Endocrinol Metab. 2016;60(2):143-51. DOI: https://doi.org/10.1590/2359-3997000000170
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. Consequentemente, a mortalidade por doença cardiovascular (CV) permanece de 2 a 8 vezes mais elevada em pacientes diabéticos em comparação com a população em geral33 Van Dellen D, Worthington J, Mitu-Pretorian O, Ghazanfar A, Forgacs B, Pararajasingam R, et al. Mortality in diabetes: pancreas transplantation is associated with significant survival benefit. Nephrol Dial Transplant. 2013 Mar;28(5):1315-22. DOI: https://doi.org/10.1093/ndt/gfs613
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. Aqueles com diabetes mellitus tipo 1 (DMT1) correm um risco particularmente alto de DAC prematura, com até 35% vindo a óbito por DAC até os 55 anos de idade. O risco de óbito aumenta se eles tiverem nefropatia44 Danovitch G. Handbook of kidney transplantation. 6th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer; 2017..

O transplante de pâncreas-rim simultâneo (TPRS) é a opção preferida para terapia substitutiva renal e pancreática em pacientes selecionados com doença renal em estágio terminal (DRET) e DMT1. Um TPRS bem-sucedido restaura o controle glicêmico ideal, estabilizando assim outras complicações secundárias ao DMT1, tais como retinopatia, neuropatia, doença CV e episódios hipoglicêmicos com risco de vida. Consequentemente, melhora a longevidade do paciente - principalmente pela diminuição da progressão da DAC - e a qualidade de vida33 Van Dellen D, Worthington J, Mitu-Pretorian O, Ghazanfar A, Forgacs B, Pararajasingam R, et al. Mortality in diabetes: pancreas transplantation is associated with significant survival benefit. Nephrol Dial Transplant. 2013 Mar;28(5):1315-22. DOI: https://doi.org/10.1093/ndt/gfs613
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4 Danovitch G. Handbook of kidney transplantation. 6th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer; 2017.
-55 Montagud-Marrahi E, Molina-Andújar A, Pané A, Ruiz S, Amor A, Esmatjes E, et al. Impact of simultaneous pancreas-kidney transplantation on cardiovascular risk in patients with diabetes. Transplantation. 2021;106(1):158-66.. No entanto, apesar dos grandes avanços, o TPRS ainda é um procedimento complexo, que está associado a taxas de morbidade significativas. Os receptores de TPRS têm um alto risco de isquemia cardíaca após a cirurgia e apresentam risco de eventos CV perioperatórios que podem exceder os 10%66 St. Michel D, Donnelly T, Jackson T, Taylor B, Barth R, Bromberg J, et al. Assessing pancreas transplant candidate cardiac disease: preoperative protocol development at a rapidly growing transplant program. Methods Protoc. 2019 Oct;2(4):82. DOI: https://doi.org/10.3390/mps2040082
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. Além disso, o risco CV prévio é substancialmente agravado pelo uso crônico de imunossupressores77 Morales J, Dominguez-Gil B. Cardiovascular risk profile with the new immunosuppressive combinations after renal transplantation. J Hypertens. 2005 Sep;23(9):1609-16. DOI: https://doi.org/10.1097/01.hjh.0000180159.81640.2f
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. Em última análise, a CV é uma das principais causas de óbito após o TPRS66 St. Michel D, Donnelly T, Jackson T, Taylor B, Barth R, Bromberg J, et al. Assessing pancreas transplant candidate cardiac disease: preoperative protocol development at a rapidly growing transplant program. Methods Protoc. 2019 Oct;2(4):82. DOI: https://doi.org/10.3390/mps2040082
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.

Em seu recente estudo, St. Michel et al. (2019)66 St. Michel D, Donnelly T, Jackson T, Taylor B, Barth R, Bromberg J, et al. Assessing pancreas transplant candidate cardiac disease: preoperative protocol development at a rapidly growing transplant program. Methods Protoc. 2019 Oct;2(4):82. DOI: https://doi.org/10.3390/mps2040082
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mostraram que mais de dois terços dos candidatos a TPRS submetidos à angiografia coronária (AGC) antes do transplante apresentavam DAC. Isto sugere que a avaliação e seleção críticas dos candidatos ao TPRS potencialmente minimizam eventos adversos graves e melhoram os desfechos33 Van Dellen D, Worthington J, Mitu-Pretorian O, Ghazanfar A, Forgacs B, Pararajasingam R, et al. Mortality in diabetes: pancreas transplantation is associated with significant survival benefit. Nephrol Dial Transplant. 2013 Mar;28(5):1315-22. DOI: https://doi.org/10.1093/ndt/gfs613
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. A avaliação CV pré-operatória também é mandatória para selecionar pacientes que possam se beneficiar ao máximo do TPRS88 Fossati N, Meacci L, Amorese G, Bellissima G, Pieri M, Nardi S, et al. Cardiac evaluation for simultaneous pancreas-kidney transplantation and incidence of cardiac perioperative complications: preliminary study. Transplant Proc. 2004 Apr;36(3):582-5. DOI: https://doi.org/10.1016/j.transproceed.2004.02.036
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,99 Medina-Polo J, Domínguez-Esteban M, Morales J, Pamplona M, Andrés A, Jiménez C, et al. Cardiovascular events after simultaneous pancreas-kidney transplantation. Transplant Proc. 2010 Oct;42(8):2981-3. DOI: https://doi.org/10.1016/j.transproceed.2010.07.046
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. No entanto, ainda falta um protocolo de triagem universal para DAC em candidatos a TPRS, e é surpreendentemente incerto se uma estratégia não invasiva ou invasiva deve ser realizada nesta população.

Apresentamos um estudo retrospectivo de centro único incluindo candidatos a TPRS com uma AGC pré-transplante de rotina. Nosso objetivo foi identificar fatores de risco preditivos associados à presença de DAC na AGC, e assim contribuir para a elaboração de um algoritmo de triagem para esta população.

Objetivos e Métodos

Pacientes

Analisamos retrospectivamente 99 receptores de TPRS em nosso centro, de Janeiro de 2011 a Dezembro de 2018. Foi incluída neste estudo uma coorte de 78 pacientes que foram submetidos à AGC como um método de triagem para DAC durante o período de estudo pré-transplante. Um paciente foi excluído devido à falta de dados.

Avaliamos as informações demográficas e clínicas dos candidatos, incluindo idade, sexo, duração do DMT1 e, se aplicável, tempo em diálise, presença de complicações secundárias ao DMT1 e coexistência de outros fatores de risco CV, como obesidade, hipertensão, dislipidemia e abuso de tabaco. Definimos obesidade como um índice de massa corporal >30 kg/m2 e hipertensão ou dislipidemia como o tratamento com medicamentos anti-hipertensivos ou estatinas, respectivamente. Os dados sobre os níveis séricos de hemoglobina glicada e lipídios foram obtidos a partir dos registros médicos dos pacientes imediatamente antes do procedimento de AGC.

Doença arterial coronariana

A existência de DAC foi considerada quando uma ou mais lesões coronárias foram reveladas pela AGC. Sempre que uma lesão foi tratada, assumiu-se uma DAC significativa.

Dos 77 pacientes, aqueles com testes não invasivos positivos, tais como um ecocardiograma com estresse farmacológico (EEF) ou uma cintilografia de perfusão miocárdica (CPM), foram considerados como tendo coronariopatia.

Análise estatística

As variáveis contínuas e categóricas são apresentadas como média ± desvio padrão (DP) e frequência (percentagem [%]), respectivamente. As variáveis categóricas foram comparadas usando o teste Qui-quadrado ou o teste de Fisher. Para comparação entre grupos de pacientes com e sem DAC na AGC, usamos a análise de variância (ANOVA). A significância estatística foi definida no valor de p <0,05.

As análises estatísticas foram realizadas utilizando o SPSS statistics, versão 23.0 para Windows (IBM Corp., Armonk, NY, EUA).

Ética

Foram obtidos consentimentos informados para iniciar a avaliação do candidato e realizar a AGC e o TPRS.

Resultados

De Janeiro de 2011 a Dezembro de 2018, um total de 99 TPRS foram realizados em nossa instituição. Destes, 77,8% (N=77) apresentaram dados completos, foram submetidos à AGC pré-operatória como teste de triagem para DAC, e incluídos em nosso estudo.

A média de idade dos receptores foi de 36 ± 5,9 anos (variação: 21-53). Oito pacientes (10,4%) tinham 50 anos de idade ou mais. Quarenta e nove pacientes (63,6%) eram do sexo masculino. A maioria era euro caucasiana (N= 67; 87,0%).

Todos os candidatos ao TPRS tinham DMT1, com uma duração média da doença de 25 ± 5,4 anos (intervalo: 13-49). Sessenta e três pacientes (81,8%) apresentaram DMT1 há 20 anos ou mais. A hemoglobina glicada sérica média antes da AGC foi de 9,5 ± 1,8% (faixa: 5,1-12,9). Todos os candidatos apresentaram nefropatia, a maioria com DRET (N=75; 97,4%), com um tempo em diálise de 37 ± 44,7 meses (1-192). Os 2 TPRS restantes (2,6%) foram preemptivos. Além disso, todos os pacientes apresentaram pelo menos outra complicação secundária ao DMT1: 97,4% (N=75) tinham retinopatia, 42,8% (N=33) tinham neuropatia periférica, 31,2% (N=24) tinham disautonomia, 19,5% (N=15) tinham doença arterial periférica, e 6,5% (N=5) tinham doença cerebrovascular. Apenas um paciente (1,3%) relatou episódios sugestivos de angina pectoris (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização dos candidatos a TPRS de acordo com complicações do DMT1, coexistência de outros fatores cardiovasculares e correlação com a presença de lesões na AGC

Com relação aos demais fatores de risco CV, a maioria dos pacientes apresentou hipertensão arterial (87%, N = 67), 32,8% (N= 22) dos quais foram medicados com 3 ou mais medicamentos anti-hipertensivos, e 55,8% (N=43) tinham dislipidemia. Trinta e sete pacientes (48,1%) tinham o hábito de fumar ativamente e 4 pacientes (5,2%) eram obesos (Tabela 1).

Dos que estavam em diálise, a AGC foi realizada 11 ± 486 meses após seu início. A AGC identificou pelo menos uma lesão em 48,1% (N = 37) dos candidatos ao TPRS. Onze candidatos (14,3%, mas 29,7% daqueles com lesão) foram submetidos a intervenção para DAC hemodinamicamente significativa. Nenhum dos pacientes tratados apresentou angina pectoris.

Trinta e um candidatos (40,3%) tinham realizado um EEF (N = 14; 18,2%) ou uma CPM (N = 17; 22,1%) antes da AGC. Dois candidatos (2,6%) realizaram ambos. Metade dos pacientes com um EEF pré-AGC (N=7) apresentou um resultado positivo para isquemia miocárdica. A DAC não foi confirmada pela AGC em 2 deles (28,5%). Por outro lado, 2 pacientes com um EEF negativo apresentaram DAC não significativa na AGC (28,5% de 7 com teste negativo). Seis dos pacientes com uma CPM pré-AGC (35,3%) apresentaram um teste positivo para isquemia, sem confirmação de DAC na AGC em metade deles (N = 3). Cinco candidatos com uma CPM limpa (45,5% do grupo negativo) apresentaram DAC diagnosticada pela AGC; 2 deles revelaram-se significativos. Os 2 pacientes com testes não invasivos mostraram um EEF negativo, mas uma CPM positiva para isquemia. Um deles não apresentou DAC significativa na AGC.

A análise univariada mostrou que a única característica distintiva entre o grupo de pacientes com e sem DAC revelada pela AGC foi o tabagismo (p=0,005). Nenhum dos outros fatores de risco CV nem a presença de complicações específicas secundárias ao DMT1 foram relacionados à presença de lesões de AGC em nossa população de candidatos a TPRS. Também concluímos que o DMT1 com 20 ou mais anos de evolução foi significativamente associado à coronariopatia (identificável por qualquer teste diagnóstico) (p=0,048) (Tabela 1).

Discussão

A partir de 2007, nossa instituição observou um grande aumento nos volumes de TPRS. Durante a última década, a técnica cirúrgica tem melhorado consistentemente, mas a complexidade dos candidatos ao TPRS é um desafio crescente. Atualmente, os candidatos são mais velhos, a maioria deles são obesos e frequentemente apresentam uma carga maior de comorbidades66 St. Michel D, Donnelly T, Jackson T, Taylor B, Barth R, Bromberg J, et al. Assessing pancreas transplant candidate cardiac disease: preoperative protocol development at a rapidly growing transplant program. Methods Protoc. 2019 Oct;2(4):82. DOI: https://doi.org/10.3390/mps2040082
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,1010 Regmi S, Rattanavich R, Villicana R. Kidney and pancreas transplant candidacy. Curr Opin Organ Transplant. 2020 Feb;26(1):62-8.. Considerando o impacto CV nos receptores de TPRS, parece imperativo detectar e tratar a DAC significativa antes do transplante, para limitar a seleção àqueles com risco cardíaco aceitável88 Fossati N, Meacci L, Amorese G, Bellissima G, Pieri M, Nardi S, et al. Cardiac evaluation for simultaneous pancreas-kidney transplantation and incidence of cardiac perioperative complications: preliminary study. Transplant Proc. 2004 Apr;36(3):582-5. DOI: https://doi.org/10.1016/j.transproceed.2004.02.036
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,99 Medina-Polo J, Domínguez-Esteban M, Morales J, Pamplona M, Andrés A, Jiménez C, et al. Cardiovascular events after simultaneous pancreas-kidney transplantation. Transplant Proc. 2010 Oct;42(8):2981-3. DOI: https://doi.org/10.1016/j.transproceed.2010.07.046
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. Como reconhecemos a progressão acelerada da aterosclerose em pacientes com DMT1, concordamos que nenhum de nossos candidatos pode ser verdadeiramente classificado como “baixo risco” para DAC com base em fatores de risco CV tradicionais1111 Witczak B, Hartmann A, Jenssen T, Foss A, Endresen K. Routine coronary angiography in diabetic nephropathy patients before transplantation. Am J Transplant. 2006 Sep;6(10):2403-8. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1600-6143.2006.01491.x
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. Pelo fato de a isquemia cardíaca silenciosa ser típica do DMT1, não confiamos nos sintomas como único critério para a AGC pré-operatória.

A avaliação de doenças cardíacas nos candidatos ao TPRS permanece surpreendentemente pouco estudada. Ao escolher entre teste de estresse não invasivo e a AGC invasiva, há poucos dados conflitantes que suportam o uso de outros métodos além da AGC1111 Witczak B, Hartmann A, Jenssen T, Foss A, Endresen K. Routine coronary angiography in diabetic nephropathy patients before transplantation. Am J Transplant. 2006 Sep;6(10):2403-8. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1600-6143.2006.01491.x
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. Enquanto alguns autores acreditam ser justificável a triagem de candidatos diabéticos ao transplante por meio de AGC, outros argumentam que este método invasivo só deve ser usado em pacientes com uma probabilidade pré-teste muito elevada, como aqueles com eventos cardíacos prévios, sintomas isquêmicos, diabetes de longa duração ou carga isquêmica significativa em testes de imagem sob estresse88 Fossati N, Meacci L, Amorese G, Bellissima G, Pieri M, Nardi S, et al. Cardiac evaluation for simultaneous pancreas-kidney transplantation and incidence of cardiac perioperative complications: preliminary study. Transplant Proc. 2004 Apr;36(3):582-5. DOI: https://doi.org/10.1016/j.transproceed.2004.02.036
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,1111 Witczak B, Hartmann A, Jenssen T, Foss A, Endresen K. Routine coronary angiography in diabetic nephropathy patients before transplantation. Am J Transplant. 2006 Sep;6(10):2403-8. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1600-6143.2006.01491.x
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,1212 Knapper J, Raval Z, Harinstein M, Friedewald JJ, Skaro A, Abecassis M, et al. Assessment and management of coronary artery disease in kidney and pancreas transplant candidates. J Cardiovasc Med. 2019 Feb;20(2):51-8. DOI: https://doi.org/10.2459/JCM.0000000000000742
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. Entretanto, a imprecisão de imagens não invasivas deve ser ponderada contra o baixo, mas não negligenciável, risco de complicações de procedimento com a AGC1212 Knapper J, Raval Z, Harinstein M, Friedewald JJ, Skaro A, Abecassis M, et al. Assessment and management of coronary artery disease in kidney and pancreas transplant candidates. J Cardiovasc Med. 2019 Feb;20(2):51-8. DOI: https://doi.org/10.2459/JCM.0000000000000742
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.

Ao reconhecer o risco de DAC de pacientes com DMT1 e levando em consideração todos os fatos supracitados, utilizamos uma abordagem rigorosa para avaliação cardíaca no cenário de pré-transplante em nosso centro. Todos os candidatos ao TPRS realizam um eletrocardiograma, uma radiografia de tórax e um ecocardiograma. Além disso, se não houver contraindicação ou se ainda não se tiver atingido um estágio de DRET, os pacientes também são propostos para a AGC invasiva a fim de avaliar a presença e extensão da DAC. Se a DAC se revelar significativa, os pacientes são tratados antes do TPRS. Como não ocorreram grandes complicações desde que esta abordagem foi implementada, a AGC parece ser um procedimento seguro. Depois de constar na lista ativa, não repetimos rotineiramente a AGC, pois o procedimento para o TPRS é normalmente rápido.

Este estudo mostrou que aproximadamente metade dos candidatos a TPRS apresentaram DAC assintomática e, consequentemente, quase 30% destes foram submetidos à revascularização. Para cada 7 candidatos ao TPRS submetidos à AGC pré-transplante, um necessitou de intervenção coronária. Como um diagnóstico errado pode ter um grande impacto, acreditamos que esses dados justifiquem a utilização rotineira de AGC como um método de triagem inicial para DAC em candidatos a TPRS.

Menos da metade de nossos pacientes havia realizado um teste sob estresse não invasivo antes da AGC invasiva. O uso de EEF ou CPM foi decidido arbitrariamente. Assim, reconhecemos que nenhuma interpretação significativa pode ser derivada disso. No entanto, destacamos a baixa concordância de coronariopatia detectada por testes isquêmicos não invasivos e invasivos em nossa população. Dois de 7, e 5 de 11 candidatos ao TPRS com EEF e CPM negativos, respectivamente, apresentaram evidências de DAC na AGC pré-transplante de rotina. Além disso, 2 dos pacientes com CPM negativa foram tratados para DAC significativa após a detecção por AGC. A Tabela 2 lista os TPRS com DAC detectada por AGC.

Tabela 2
Caracterização dos candidatos a TPRS com doença arterial coronariana revelada por AGC

O único fator de risco para DAC em nosso estudo foi o tabagismo, contradizendo estudos prévios que indicaram que a idade foi o fator mais significativo1010 Regmi S, Rattanavich R, Villicana R. Kidney and pancreas transplant candidacy. Curr Opin Organ Transplant. 2020 Feb;26(1):62-8.,1111 Witczak B, Hartmann A, Jenssen T, Foss A, Endresen K. Routine coronary angiography in diabetic nephropathy patients before transplantation. Am J Transplant. 2006 Sep;6(10):2403-8. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1600-6143.2006.01491.x
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. A duração do DMT1 também pareceu ser relevante. Em nossa coorte, verificou-se que 20 ou mais anos de DMT1 foram significativamente associados à presença de coronariopatia e/ou DAC. Nenhum dos outros fatores de risco CV ou a presença de complicações específicas secundárias ao DMT1 foram associados à DAC, limitando nosso anseio por um algoritmo de triagem. No entanto, deve-se manter a mensagem de que um histórico clínico de doença CV sintomática não é suficiente para predizer a existência de DAC em nossa população, embora seja muito importante. Particularmente, é necessária uma avaliação cuidadosa em pacientes assintomáticos com DMT1 de longa duração e em fumantes.

Nosso estudo teve algumas limitações. Primeiro, os dados foram recuperados retrospectivamente e o tamanho da amostra foi pequeno, o que sem dúvida limita o poder deste estudo de coorte. Além disso, como não houve grupo de comparação interno, foram coletados dados históricos para comparação. Ao fazer isso, não podemos tirar conclusões entre os candidatos que realizaram avaliações cardíacas tanto não invasivas quanto invasivas. Estudos adicionais, talvez maiores e multicêntricos, devem ser incentivados, uma vez que podem ajudar a compensar essas limitações e contribuir para o desenvolvimento de um algoritmo de triagem para candidatos a TPRS no futuro. Por fim, concordamos que são necessários estudos de acompanhamento de médio e longo prazo para avaliar os efeitos da seleção de candidatos pré-transplante em eventos CV pós-transplante e taxas de sobrevida.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2021
  • Aceito
    13 Dez 2021
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