Substância usada no amadurecimento de frutas pode causar lesão renal e distúrbios hidroeletrolíticos

O Carbeto de Cálcio (CaC₂) é uma substância química usada na produção de acetileno, aço e em processos de soldagem¹. Porém, uma forma de utilização dessa substância é como acelerador do amadurecimento de frutas para consumo humano, em especial na produção de bananas¹. A maturação de bananas e outras frutas depende de processos intrínsecos e altamente coordenados na fruta, principalmente se considerarmos que o estágio de maturação é o começo do processo de senescência²,³. O etileno é o fito-hormônio responsável por iniciar a fase de maturação das frutas climatéricas como a banana²,³. Devido à demanda do mercado alimentício, muitos produtores optam por fazer a maturação artificial dos frutos, a fim de obter volume e padronização da produção³. O CaC₂ é um produto altamente alcalino, e em contato com a água produz hidróxido de cálcio (Ca(OH)₂) e gás acetileno (C₂H₂). O gás acetileno é uma substância análoga ao etileno, que mimetiza a função do fito-hormônio, promovendo a maturação do fruto de forma padronizada e rápida¹. Entretanto, o uso de CaC₂ pode produzir uma fruta com aparência madura, mas com interior ainda imaturo, o que deixa a fruta sem o sabor esperado¹. Mais importante, o CaC₂ pode ser uma substância tóxica, tanto para os consumidores quanto para os trabalhadores envolvidos na produção da fruta¹–³. O CaC₂ é irritante das mucosas bucal e nasal, além de provocar desconfortos gastrointestinais¹–³. O gás acetileno é solúvel em água, podendo se acumular nas frutas e afetar o sistema neurológico¹. As impurezas encontradas no CaC₂, como traços de arsênico e fósforo, podem levar a irritações agudas de boca e nariz, vômitos, úlceras de pele e até injúria renal¹,⁴.

Em artigo publicado no Brazilian Journal of Nephrology⁵, pesquisadores da Universidade de Benin, Nigéria, observaram que ratas alimentadas com bananas (Musa paradisíaca) artificialmente amadurecidas com CaC₂ apresentavam alterações eletrolíticas e renais. Ratas alimentadas com bananas amadurecidas naturalmente não apresentaram tais alterações. Os autores observaram um expressivo aumento nas concentrações plasmáticas de bicarbonato e diminuição nas concentrações plasmáticas de potássio e cloro em animais alimentados com bananas expostas ao CaC₂ quando comparados a animais alimentados com bananas amadurecidas de formas naturais. Além disso, a função renal desses animais parece ter sido afetada, com significativo aumento de ureia e creatinina plasmáticas. Esses animais também apresentaram alterações em tecido renal, com atrofia glomerular e necrose tubular. É importante notar que os níveis séricos tanto de cloro quanto de bicarbonato dos grupos controles eram, curiosamente, muito abaixo do limite normal. Níveis de bicarbonato em torno de 5 mEq/L e de cloro em torno de 45 mEq/L. De qualquer forma, os animais que receberam alimentação com frutas amadurecidas com CaC₂ apresentavam níveis de bicarbonato significativamente maiores que os dos grupos controle, em torno de 20 mEq/L, e níveis de cloro significativamente menores que os dos grupos controle, 30 mEq/L. Portanto, os animais alimentados com bananas amadurecidas com CaC₂ apresentaram aumento do bicarbonato plasmático (não podemos dizer que houve alcalose, já que os níveis de bicarbonato eram em torno de 20 mEq/L), hipocloremia e hipocalemia. Vale ressaltar que o número de animais por grupo era de três.

Como já dito no início, o CaC₂ é extremamente alcalinizante em contato com a água. Em circunstâncias normais, os rins excretam o excesso de bicarbonato e restauram o equilíbrio ácido-base⁶. Os rins normais têm uma enorme capacidade de excretar grandes quantidades de bicarbonato quando ingeridos cronicamente⁷. A falha dos rins em excretar o excesso de bicarbonato se deve à presença de um mecanismo que leva à manutenção da alcalose metabólica. A queda da filtração glomerular pode explicar a diminuição da filtração do bicarbonato. Esses animais podem estar apresentando a síndrome cálcio-álcali⁸. A síndrome do cálcio-álcali consiste na tríade de hipercalcemia, alcalose metabólica e injúria renal aguda associada à ingestão de grandes quantidades de cálcio e álcalis absorvíveis⁸. A síndrome foi originalmente descrita em associação com o uso de leite e bicarbonato de sódio para o tratamento de úlcera péptica⁸. Infelizmente, os níveis séricos de cálcio não foram dosados. A hipocloremia não poderia ser justificada pela síndrome cálcio-álcali. A presença de hipocloremia na alcalose metabólica se justifica em depleção de volume e perda de ácido clorídrico pelo estômago. Entretanto, não há relatos de vômitos nesses animais.

Proibido em diversos países, o uso do Carbeto de Cálcio ainda é permitido no Brasil, apesar de alguns municípios terem leis de proibição do uso. É importante destacar que existem formas seguras de manejar a maturação de bananas como o método utilizado por produtores de Borborema, no estado da Paraíba, e descrito por pesquisadores brasileiros da Universidade Estadual da Paraíba e da Universidade Federal de Campina Grande³. Os pesquisadores observaram que o amadurecimento de bananas utilizando folhas de Bowdichia virgilioides Kunth, planta popularmente conhecida como Sucupira-preto, foi eficiente e seguro para consumo³. Lavar sobejamente as frutas pode ajudar na retirada parcial do CaC₂.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  03 Nov 2023
• Data do Fascículo
  Oct-Dec 2023

Histórico

• Recebido
  29 Ago 2023
• Aceito
  30 Ago 2023