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Fratura por avulsão da tuberosidade da tíbia em adolescente: Relato de caso

Resumo

O presente estudo tem como objetivo relatar um caso raro de fratura por avulsão da tuberosidade da tíbia em adolescente. Um paciente de 14 anos, do sexo masculino, sofreu entorse de joelho esquerdo durante partida de futebol. No primeiro atendimento em pronto-socorro, ele apresentava dor no joelho esquerdo, edema 2 +/4 + , incapacidade de deambulação e de flexo-extensão do joelho acometido, sem alterações neurovasculares ou sinais de síndrome compartimental. Nas radiografias, identificou-se fratura fisária na tíbia proximal esquerda, classificada por Ogden, Tross e Murphy, com modificação por Ryu e Debenham, como tipo IV, e complementada por Aerts et al. como tipo IV-B. Foi realizada imobilização com tala gessada inguino-maleolar e analgesia, e o paciente submetido a cirurgia no dia seguinte, com redução aberta e fixação interna utilizando parafusos canulados 4,5 mm. O paciente recebeu alta no dia seguinte à cirurgia, sendo mantida a imobilização com tala gessada e a restrição de carga por quatro semanas, e apresentou consolidação óssea confirmada por radiografia com três meses do pós-operatório. O paciente evoluiu sem discrepância de comprimento dos membros inferiores, arco de movimento igual ao do membro contralateral, e sem queixas no seguimento de um ano.

Palavras-chave
fraturas da tíbia; fratura por avulsão; traumatismos do joelho

Abstract

The present study reports a rare case of avulsion fracture of the tibial tuberosity in an adolescent. A 14-year-old male patient sprained his left knee during a soccer match. At the first emergency-room visit, he presented pain in his left knee, 2 +/4+ edema, and inability to walk and flex the affected knee, but no neurovascular changes or signs of compartment syndrome. Radiographs revealed a physeal fracture at the left proximal tibia, classified by Ogden, Tross and Murphy, and modified by Ryu and Debenham, as type IV, and complemented by Aerts et al. as type IV-B. Immobilization was performed with a plaster cast from the inguinal to malleolar regions, followed by analgesia. The patient was operated on the next day, when open reduction and internal fixation using 4.5-mm cannulated screws were performed. The patient was discharged one day after surgery, with plaster cast immobilization and load restraint for four weeks, and bone consolidation was radiologically confirmed three months after the procedure. The patient evolved with a range of motion similar to that of the contralateral limb, no length discrepancy in the lower limbs, and no complaints after one year of follow-up.

Keywords
tibial fractures; fractures, avulsion; knee injuries

Introdução

Apesar da frequente exposição do joelho dos adolescentes a traumas violentos, as fraturas por avulsão da epífise proximal da tíbia são infrequentes, variando entre 0,3% e 2,7% de todas as lesões fisárias.11 Nanni M, Butt S, Mansour R, Muthukumar T, Cassar-Pullicino VN, Roberts A. Stress-induced Salter-Harris I growth plate injury of the proximal tibia: first report. Skeletal Radiol 2005;34(07): 405–410

2 Mudgal CS, Popovitz LE, Kasser JR. Flexon-type Salter-Harris I injury of the proximal tibial epiphysis. J Orthop Trauma 2000;14 (04):302–305
-33 Rhemrev SJ, Sleeboom C, Ekkelkamp S. Epiphyseal fractures of the proximal tibia. Injury 2000;31(03):131–134 Os mecanismos de trauma incluem a contração excêntrica do quadríceps no início do salto ou durante aterrisagem,44 Frey S, Hosalkar H, Cameron DB, Heath A, David Horn B, Ganley TJ. Tibial tuberosity fractures in adolescents. J Child Orthop 2008;2 (06):469–474 além de traumas torcionais.55 Aerts BR, Ten Brinke B, Jakma TS, Punt BJ. Classification of proximal tibial epiphysis fractures in children: Four clinical cases. Injury 2015;46(08):1680–1683 Ocorrem mais frequentemente em adolescentes do sexo masculino com idade entre 14 e 16 anos.11 Nanni M, Butt S, Mansour R, Muthukumar T, Cassar-Pullicino VN, Roberts A. Stress-induced Salter-Harris I growth plate injury of the proximal tibia: first report. Skeletal Radiol 2005;34(07): 405–410 A classificação utilizada para essas fraturas foi descrita por Watson-Jones66 Watson-Jones R. The classic: "Fractures and Joint Injuries" by Sir Reginald Watson-Jones, taken from "Fractures and Joint Injuries," by R. Watson-Jones. Vol. II, 4th ed. Baltimore: Williams and Wilkins Company; 1955. Clin Orthop Relat Res 1974;(105)4–10 em 1955, e modificada por Ogden, Tross e Murphy77 Ogden JA, Tross RB, Murphy MJ. Fractures of the tibial tuberosity in adolescents. J Bone Joint Surg Am 1980;62(02):205–215 e, posteriormente, por Ryu e Debenham.88 Ryu RK, Debenham JO. An unusual avulsion fracture of the proximal tibial epiphysis. Case report and proposed addition to the Watson- Jones classification. Clin Orthop Relat Res 1985;(194):181–184

Este relato apresenta o caso de um adolescente com uma fratura por avulsão atípica da tuberosidade e epífise proximal da tíbia, com seguimento de um ano. A aprovação para o uso dos dados foi obtida do Comitê de Ética e Pesquisa da nossa instituição.

Relato de Caso

Um paciente de 14 anos, do sexo masculino, sofreu entorse de joelho esquerdo durante partida de futebol. Ele recebeu o primeiro atendimento no pront- socorro de um hospital secundário, e apresentava dor local no joelho esquerdo, edema 2 +/4 + , incapacidade de deambulação e de flexo-extensão, sem alterações neurovasculares e sem sinais de síndrome compartimental. Na série radiográfica, identificou-se fratura fisária na tíbia proximal esquerda (Fig. 1), classificada por Ogden, Tross e Murphy,77 Ogden JA, Tross RB, Murphy MJ. Fractures of the tibial tuberosity in adolescents. J Bone Joint Surg Am 1980;62(02):205–215 com modificação por Ryu e Debenham88 Ryu RK, Debenham JO. An unusual avulsion fracture of the proximal tibial epiphysis. Case report and proposed addition to the Watson- Jones classification. Clin Orthop Relat Res 1985;(194):181–184 como tipo IV, e complementada por Aerts et al.55 Aerts BR, Ten Brinke B, Jakma TS, Punt BJ. Classification of proximal tibial epiphysis fractures in children: Four clinical cases. Injury 2015;46(08):1680–1683 como tipo IV-B.

Fig. 1
Radiografias do joelho esquerdo nas incidências anteroposterior (AP) e de perfil evidenciando fratura por avulsão da tuberosidade da tíbia.

Inicialmente, foi realizada a imobilização com tala gessada inguino-maleolar e analgesia. No dia seguinte, o paciente foi submetido a cirurgia com redução aberta e fixação interna utilizando parafusos canulados 4,5 mm (Figs. 2A e 2B). O paciente recebeu alta no dia seguinte à cirurgia, sendo mantida imobilização com tala gessada e restrição de carga por quatro semanas. Após esse período, ele foi orientado a realizar carga parcial com o auxílio de muletas por duas semanas, e a gradativamente evoluir para carga total junto com fisioterapia para ganho de amplitude de movimento do joelho. O paciente apresentou consolidação óssea confirmada por radiografia com três meses de pós-operatório (Figs. 2C e 2D), sendo então liberado para retorno aos esportes. Durante o seguimento de um ano, o paciente evoluiu sem discrepância de comprimento dos membros inferiores e sem desenvolvimento de genu recurvatum, mantendo arco de movimento semelhante ao do membro contralateral (Figs. 3 e 4).

Fig. 2
Radiografias nas incidências AP e de perfil do pós-operatório imediato (A,B); radiografias nas mesmas incidências com três meses de pós-operatório (C,D).
Fig. 3
Radiografias com um ano de pós-operatório.
Fig. 4
Imagens clínicas com um ano de pós-operatório.

Discussão

Por não apresentar a mesma rigidez do que o tecido ósseo, a fise é uma região do esqueleto imaturo com bastante suscetibilidade a lesões. O excesso de atividade física aumenta as cargas ao longo da fise, tornando o adolescente atleta mais propenso a lesões da região proximal da tíbia. Alguns dos fatores predisponentes são patela baixa, isquiotibiais encurtados, doença de Osgood-Schlatter preexistente, e anomalias fisárias.99 Roy SP, Nag K. Simultaneous bilateral tibial tuberosity avulsion fractures in adolescence: case report and review of 60 years of literature. Injury 2013;44(12):1953–1955

A placa de crescimento é composta por quatro camadas, sendo a zona de células hipertróficas a região mecanicamente mais fraca, na qual geralmente a lesão fisária ocorre. A epífise proximal da tíbia é a segunda maior epífise óssea do corpo, após a epífise distal do fêmur. Sua fragilidade ocorre devido à cartilagem dorsal da apófise (tuberosidade da tíbia), que sofre influência de forças de tração durante toda a fase de ossificação e fusão,55 Aerts BR, Ten Brinke B, Jakma TS, Punt BJ. Classification of proximal tibial epiphysis fractures in children: Four clinical cases. Injury 2015;46(08):1680–1683 fusão essa que não ocorre de maneira uniforme, pois a região posterior se fecha antes do que a região anterior.22 Mudgal CS, Popovitz LE, Kasser JR. Flexon-type Salter-Harris I injury of the proximal tibial epiphysis. J Orthop Trauma 2000;14 (04):302–305 Como a região anterior é mais vulnerável à ação das forças de tração, devido à inserção do tendão patelar, uma fratura por avulsão em um momento em que a região posterior esteja fechada provoca uma fratura metafisária posterior (Salter Harris tipo II),55 Aerts BR, Ten Brinke B, Jakma TS, Punt BJ. Classification of proximal tibial epiphysis fractures in children: Four clinical cases. Injury 2015;46(08):1680–1683 assim como ocorreu no caso aqui relatado. A raridade dessa lesão pode ser justificada pela pequena inserção ligamentar na região da epífise proximal da tíbia, tornando essa região do osso livre das tensões em varo e valgo às quais o joelho é submetido.33 Rhemrev SJ, Sleeboom C, Ekkelkamp S. Epiphyseal fractures of the proximal tibia. Injury 2000;31(03):131–134

Em 1955, Watson-Jones66 Watson-Jones R. The classic: "Fractures and Joint Injuries" by Sir Reginald Watson-Jones, taken from "Fractures and Joint Injuries," by R. Watson-Jones. Vol. II, 4th ed. Baltimore: Williams and Wilkins Company; 1955. Clin Orthop Relat Res 1974;(105)4–10 classificou as lesões da fise proximal da tíbia em 3 tipos. O tipo I é definido como uma avulsão da parte distal da tuberosidade, distal à fise da tíbia proximal. O tipo II prolonga a lesão por toda a fise, mas não atinge a articulação do joelho. O tipo III é uma avulsão que se estende proximalmente à fise no joelho.66 Watson-Jones R. The classic: "Fractures and Joint Injuries" by Sir Reginald Watson-Jones, taken from "Fractures and Joint Injuries," by R. Watson-Jones. Vol. II, 4th ed. Baltimore: Williams and Wilkins Company; 1955. Clin Orthop Relat Res 1974;(105)4–10 Essa divisão foi modificada por Ogden, Tross e Murphy,77 Ogden JA, Tross RB, Murphy MJ. Fractures of the tibial tuberosity in adolescents. J Bone Joint Surg Am 1980;62(02):205–215 que criaram dois grupos para definir o desvio do fragmento (subtipo A) e a cominuição (subtipo B). Posteriormente, Ryu e Debenham88 Ryu RK, Debenham JO. An unusual avulsion fracture of the proximal tibial epiphysis. Case report and proposed addition to the Watson- Jones classification. Clin Orthop Relat Res 1985;(194):181–184 definiram o tipo IV, descrevendo-o como uma fratura que se estende pela fise e provoca uma avulsão de toda a epífise proximal. Aerts et al.55 Aerts BR, Ten Brinke B, Jakma TS, Punt BJ. Classification of proximal tibial epiphysis fractures in children: Four clinical cases. Injury 2015;46(08):1680–1683 propuseram a subdivisão do tipo IV em tipo IV-A, quando ocorre apenas a avulsão de toda epífise (Salter Harris I) e tipo IV-B, em que há, além da lesão completa da fise, o acometimento da parte posterior da metáfise, destacando o conhecido fragmento de Thurston-Holland (Salter Harris II), semelhante ao caso apresentado (Fig. 5).

Fig. 5
Classificação tipo IV proposta por Ryu e Debenham,88 Ryu RK, Debenham JO. An unusual avulsion fracture of the proximal tibial epiphysis. Case report and proposed addition to the Watson- Jones classification. Clin Orthop Relat Res 1985;(194):181–184 modificada por Aerts et al.55 Aerts BR, Ten Brinke B, Jakma TS, Punt BJ. Classification of proximal tibial epiphysis fractures in children: Four clinical cases. Injury 2015;46(08):1680–1683 para IV-B.

O tratamento dessas lesões apresenta certa dificuldade de redução devido à força constante atuante do quadríceps. Como a maioria dos pacientes estão no período final do crescimento fisário, em geral poucas alterações de crescimento são percebidas.1010 Silva Júnior AT, da Silva LJ, da Silva Filho UC, Teixeira EM, Araújo HRS, Moraes FB. Fratura-avulsão tuberosidade anterior da tíbia em adolescente – Relato de dois casos. Rev Bras Ortop 2016;51(05):610–613 No caso apresentado, não ocorreram alterações no arco de movimento da articulação e no comprimento do membro. Um protocolo de tratamento aceito é o de Frey et al.,44 Frey S, Hosalkar H, Cameron DB, Heath A, David Horn B, Ganley TJ. Tibial tuberosity fractures in adolescents. J Child Orthop 2008;2 (06):469–474 que define o tratamento conservador com imobilização em extensão por quatro a seis semanas nas fraturas do tipo IA, IB e IIA. Os outros tipos são tratados por osteossíntese com redução aberta e fixação interna, seguida por imobilização por quatro a seis semanas, que foi a opção escolhida para o caso aqui apresentado. O diagnóstico e tratamento precoce auxiliam nos bons resultados funcionais e no retorno às atividades.1010 Silva Júnior AT, da Silva LJ, da Silva Filho UC, Teixeira EM, Araújo HRS, Moraes FB. Fratura-avulsão tuberosidade anterior da tíbia em adolescente – Relato de dois casos. Rev Bras Ortop 2016;51(05):610–613

As complicações descritas são síndrome compartimental, lesão dos ligamentos cruzados ou meniscos, ruptura do quadríceps, hipotrofia do quadríceps, hipertrofia ou fratura da tuberosidade da tíbia, calcificação do tendão patelar, discrepância de membros, genu recurvatum, pseudartrose e patela baixa,88 Ryu RK, Debenham JO. An unusual avulsion fracture of the proximal tibial epiphysis. Case report and proposed addition to the Watson- Jones classification. Clin Orthop Relat Res 1985;(194):181–184 sem ocorrência de nenhuma delas no caso aqui relatado.

Conclusão

A fratura por avulsão da tuberosidade da tíbia, apesar de infrequente e com potencial gravidade devido ao importante acometimento da fise, apresenta bons resultados após tratamento cirúrgico com os métodos usuais. Este artigo apresenta um relato de caso raro de uma fratura do tipo IV-B, de acordo com a modificação de Aerts et al.55 Aerts BR, Ten Brinke B, Jakma TS, Punt BJ. Classification of proximal tibial epiphysis fractures in children: Four clinical cases. Injury 2015;46(08):1680–1683 Os resultados clínico e funcional foram bons, semelhantes aos descritos na literatura.

  • Suporte Financeiro
    Os autores declaram que não receberam apoio financeiro de fontes públicas, comerciais ou sem fins lucrativos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    sep-oct 2023

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2020
  • Aceito
    16 Set 2020
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