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VARIAÇÕES ANATÔMICAS DA ARTÉRIA MESENTÉRICA SUPERIOR E SUAS IMPLICAÇÕES CLÍNICAS E CIRÚRGICAS EM HUMANOS

RESUMO

Introdução:

A artéria mesentérica superior (AMS), normalmente, tem sua origem a partir da aorta abdominal, um pouco abaixo do tronco celíaco e é responsável pela irrigação das estruturas derivadas, embrionariamente, do intestino médio. Variações anatômicas nesse vaso contribui para defeitos na formação e/ou absorção dessa parte do intestino e a sua ausência tem sido reconhecida como a causa da atresia duodenojejunal congênita.

Objetivo:

Analisar as variações anatômicas dela em humanos e as possíveis implicações clínicas e cirúrgicas associadas.

Métodos:

Trata-se de uma revisão sistemática de artigos indexados nas bases de dados PubMed, SciELO, Springerlink, Scienc Direct, Lilacs e Latindex. A busca ocorreu por dois revisores independentes entre setembro e dezembro de 2018. Foram incluídos artigos originais envolvendo as variações da AMS em humanos. Considerou-se para este estudo a presença/ausência da AMS, o nível, local de origem e seus ramos terminais.

Resultados:

Ao final da busca foram selecionados 18 artigos, caracterizados quanto à amostra, método para avaliar a estrutura anatômica e principais resultados. O tipo de variação mais comum foi aquele cuja AMS se originou da artéria hepática direita (6,13%). Dois estudos (11,11%) evidenciaram a artéria mesentérica inferior originando-se a partir da AMS, enquanto outros dois (11,11%) constataram ser ela compartilhada na mesma origem do tronco celíaco.

Conclusão:

Variações na AMS não são achados incomuns e seus relatos evidenciados através da literatura científica demonstram grande importância para o desenvolvimento de condições clínicas importantes, tornando o conhecimento sobre esse assunto relevante para os cirurgiões e profissionais atuantes nesta área.

DESCRITORES:
Artéria mesentérica superior; Anatomia; Atresia intestinal; Obstrução intestinal; Variação anatômica

ABSTRACT

Introduction:

Superior mesenteric artery (SMA) usually arises from the abdominal aorta, just below the celiac trunk and it supplies the midgut-derived embryonic structures. Anatomical variations in this vessel contribute to problems in the formation and/or absorption of this part of the intestine and its absence has been recognized as the cause of congenital duodenojejunal atresia.

Objective:

To analyze SMA anatomical variations in humans and the possible associated clinical and surgical implications.

Methods:

This is a systematic review of papers indexed in PubMed, SciELO, Springerlink, Science Direct, Lilacs, and Latindex databases. The search was performed by two independent reviewers between September and December 2018. Original studies involving SMA variations in humans were included. SMA presence/absence, level, place of origin and its terminal branches were considered.

Results:

At the end of the search, 18 studies were selected, characterized as for the sample, method to evaluate the anatomical structure and main results. The most common type of variation was when SMA originated from the right hepatic artery (6.13%). Two studies (11.11%) evidenced the inferior mesenteric artery originating from the SMA, whereas other two (11.11%) found the SMA sharing the same origin of the celiac trunk.

Conclusion:

SMA variations are not uncommon findings and their reports evidenced through the scientific literature demonstrate a great role for the development of important clinical conditions, making knowledge about this subject relevant to surgeons and professionals working in this area.

HEADINGS:
Mesenteric artery, superior; Anatomy; Intestinal atresia; Intestinal obstruction; Anatomic variation


Diferentes padrões morfológicos da AMS.


INTRODUÇÃO

A artéria mesentérica superior (AMS) tem origem, classicamente, na parte anterior da aorta e localiza-sea 1 cm abaixo do tronco celíaco, posteriormente ao corpo do pâncreas e a veia esplênica, ao nível dos discos intervertebrais entre L1 e L2, adentrando em seguida no mesentério2020 Santos PVD, Barbosa ABM, Targino VA, Silva NA, Silva YCM, Barbosa F, Oliveira ASB, Assis TO. Anatomical variations of the celiac trunk: a systematic review. Arq Bras Cir Dig2018; 31: 1403..

Esse vaso separa-se da aorta por meio da veia renal esquerda e é responsável pela irrigação de uma parte do intestino delgado, o ceco, o cólon ascendente e 2/3 proximais do cólon transverso. Juntamente a artéria mesentérica inferior e ao tronco celíaco, a AMS contribui para a vascularização do trato gastrointestinal77 Gonçalves WM, Kruel NF, Araújo PA, Franzon O. Isquemia Mesentérica. ArqCatMed 1997; 26: 86-90..

Ela dá origem às artérias cólica média, cólica direita, ileocólica, jejunais e ileais e apendicular. Embora este seja comumente o padrão anatômico clássico, têm sido observadas algumas alterações relativas aos ramos emitidos por esta, bem como ao nível e a sua origem. Essas variações e a sua relação com as estruturas circundantes são, portanto, de particular importância desde uma perspectiva clínica e cirúrgica1717 Nayak SB. Hepatomesenteric trunk and gastro-splenico-phrenic trunk. International JournalofAnatomicalVariations2008; 1: 2-3.,2020 Santos PVD, Barbosa ABM, Targino VA, Silva NA, Silva YCM, Barbosa F, Oliveira ASB, Assis TO. Anatomical variations of the celiac trunk: a systematic review. Arq Bras Cir Dig2018; 31: 1403..

Em um estudo realizado com 607 pacientes doadores de rim e pacientes traumáticos, observou-se que 388 (63,9%) apresentavam padrão arterial clássico, enquanto 219 (36,1%) algum tipo de variação. Entre as alterações encontradas foram observadas um tipo de variação mais comum que as demais, em que a AMS deu origem à artéria hepática direita em 58 (9,6%) dos casos22 Farghadani M, Momeni M, Hekmatnia A, Momeni F, Mahdavi MM. Anatomical variation of celiac axis, superior mesenteric artery, and hepatic artery: Evaluation with multidetector computed tomography angiography. J Res Med Sci2016; 21: 129..

As variações na anatomia desse vaso parecem estar relacionadas ao desenvolvimento de condições clínicas importantes, tal como a atresia duodenojejunal congênita, visto que a ausência da AMS tem sido reconhecida como uma de suas causas em recém-nascidos. A sua inexistência contribui para o defeito na formação ou absorção do intestino médio por inteiro. Pacientes com esse tipo de variação estão sujeitos ao óbito sem chance de intervenções cirúrgicas2323 Taha KM, KarrarAlsharif MH, Elamin AY. Variation in morphology and branching pattern of superior mesenteric artery. Folia Morphol (Warsz) 2017; 76: 532-535.,2424 Torres A, Andrade EO, Christoph CL, Weinberger M. Congenital absence of the superior mesenteric artery. J Pediatr Surg 1999; 34: 1858-1860.,2525 Weber DM, Freeman NV. Duodenojejunal atresia with apple peel configuration of the ileum and absent superior mesenteric artery: Observations on pathogenesis. J Pediatr Surg 1999; 34: 1427-1429..

Nesse contexto, torna-se relevante o conhecimento acerca dessas variações, tendo em vista que o seu estudo e aprofundamento são de grande importância e valia principalmente para os cirurgiões e profissionais que atuam nessa área, evitando assim complicações e situações iatrogênicas.

Esse estudo teve como objetivo analisar as variações anatômicas da artéria mesentérica superior em humanos e as suas possíveis implicações clínicas e cirúrgicas

MÉTODO

Trata-se de uma revisão sistemática. Para realização deste estudo, consultaram-se os seguintes bancos de dados: SciELO (ScientificElectronicLibrary Online); SPRINGERLINK; SCIENCE DIRECT; PUBMED (National Library of Medicine); LILACS (Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e LATINDEX. A estratégia de pesquisa envolveu tais bancos de dados e seus respectivos termos de pesquisa: no SciELO e SPRINGERLINK: “Superior mesenteric artery” AND “Anatomy” AND “Anatomical variation”. Nas bases de dados do LILACS, LATINDEX e SCIENCE DIRECT: “Superior mesenteric artery” AND “Absence of superior mesenteric artery” AND “Anatomical variation.” Enquanto no PUBMED foram utilizadas as seguintes palavras-chave: “Superior mesenteric artery” AND “Anatomical variation” AND “Absence of superior mesenteric artery”. A busca eletrônica foi realizada por dois revisores independentes entre setembro e dezembro de 2018.

Foram incluídos os artigos originais envolvendo a artéria mesentérica superior em seres humanos ou estudos em cadáveres humanos, e foram excluídos os artigos de revisão, bem como aqueles que envolvessem animais.

A busca foi realizada por dois revisores independentes, sendo a análise de concordância interobservador realizada por meio do teste de Kappa, através do software Bioestat V 5.0, conforme método de Landis e Koch (1977). O valor encontrado foi K=0.77 (acordo substancial).

Os estudos encontrados em mais de um dos bancos de dados explorados foram contabilizados uma única vez.Os artigos selecionados foram publicados entre os períodos de 2002 até 2016. No SCIELO foram encontrados 18 artigos, 1.182 no SPRINGERLINK, 831no SCIENCE DIRECT, 56no LILACS, 275 no PUBMED e0no LATINDEX, totalizando 2.362 artigos. A partir da leitura dos resumos destes, foram aplicados os critérios de inclusão e exclusão sendo selecionados 18 artigos para análise.

Os artigos selecionados foram analisados criticamente por meio de um guia de interpretação, usado para avaliar sua qualidade individual, com base nos estudos de Greehalgh88 Greenhalgh T. Assessing the methodological quality of published papers. BMJ 1997 315: 305-308. e adaptado por Mcdermid et al.1515 Macdermid JC, Walton DM, Avery S, Blanchard A, Etruw E, Mcalpine C, Goldsmith CH. Measurement properties of the neck disability index: A systematic review. J OrthopSports Phys Ther2009; 39: 400-417.. Os itens de avaliação da qualidade dos artigos são expressos por pontuações na Tabela 1, no qual 0=ausente; 1=incompleto; e 2=completo.

Análise estatística

A busca foi realizada por dois revisores independentes e a análise de concordância interobservadores foi realizada pelo teste Kappa, utilizando o software Prism V 5.0, segundo o método de Landis e Koch14. O valor encontrado foi K=0,77 (concordância substancial).

RESULTADOS

Na Tabela 1 é apresentada a análise de qualidade dos artigos selecionados para cômputo desse estudo.

TABELA 1
Análise da qualidade dos estudos sobre as variações da artéria mesentérica superior em humanos

Um resumo da busca eletrônica nas bases de dados selecionadas é apresentado na figura 2. Inicialmente foram identificados 2.362 artigos, dos quais 2.277 foram removidos por não possuírem dados relevantes, com fuga ao tema ou por estarem em duplicatas, permanecendo 85, os quais foram submetidos à análise do conteúdo e verificação dos critérios de inclusão e exclusão. Destes, 20 foram lidos na íntegra, dos quais apenas 18 artigos2,3,5,6,9,11,12,16,18,13,21,22,23,24,25,26,27,28 preenchiam adequadamente todos os critérios de inclusão sendo assim, selecionados para esta revisão.

FIGURA 1
Estudos incluídos e excluídos na revisão sobre variações anatômicas da artéria mesentérica superior

A Tabela 2 apresenta a sumarização dos estudos selecionados para análise dos achados relacionados à artéria mesentérica superior.

TABELA 2
Características dos estudos que avaliaram as variações anatômicas na artéria mesentérica superior

A forma mais comum de emergência da SMA e suas variantes, diretas ou indiretas, encontradas na análise dos trabalhos selecionados totalizaram 16 formas e foram representadas na Figura 2 para melhor compreensão. O eixo vascular central representa o segmento abdominal da artéria aórtica, exceto na forma variante VIII, cujo tronco representa a artéria aórtica torácica.

FIGURA 2
SMA em sua origem mais comum à esquerda. À direita, formas variantes da SMA

DISCUSSÃO

O presente estudo propõe uma revisão sobre as variações anatômicas envolvendo a AMS, desde seus aspectos variantes de origem, quanto sobre qual vaso ela pode originar. Relaciona ainda tais aspectos variantes e verifica as variações anatômicas da artéria mesentérica superior bem como suas implicações clínicas e cirúrgicas, realizados através de diferentes métodos.

Durante o desenvolvimento embrionário ocorre a formação de quatro vasos esplênicos ventralmente, onde após sua maturação há o desaparecimento de duas raízes centrais, havendo assim, uma permanência da primeira e quarta raízes que originam as anastomoses do tronco celíaco e da AMS2020 Santos PVD, Barbosa ABM, Targino VA, Silva NA, Silva YCM, Barbosa F, Oliveira ASB, Assis TO. Anatomical variations of the celiac trunk: a systematic review. Arq Bras Cir Dig2018; 31: 1403.. Caso ocorra bifurcação entre essas artérias em um nível diferente ao normal, pode suceder o deslocamento de algum vaso do tronco celíaco para a artéria mesentérica superior20 gerando as possibilidades de variações envolvendo vasos de origem ou de destino do tronco celíaco e da AMS66 Gomes GV, Encina CAC, Guerra FB, Lira GN, Fonseca JLI, Pardins JP. Atypical origin of the common hepatic artery. Arq Bras Cir Dig 2014; 27: 308-309..

Em um estudo realizado com 45 cadáveres, identificou-se sete casos que apresentaram variações anatômicas relacionadas a AMS. Em dois a AMS deu origem a artéria hepática comum; em um a artéria hepática esquerda; e em três, a artéria hepática direita, sendo a última a variação mais significativa apresentada nesse estudo2222 Sebben GA, Rocha SL, Sebben MA, Parussolo Filho PR, Gonçalves BHH. Variations of hepatic artery: anatomical study on cadavers. Rev Col Bras Cir. 2013; 40:221-6.. Tal achado é condizendo com os de Farghadani et al.2 que ao avaliar 607 pacientes por meio de tomografia computadorizada, constatou 219 (36,1%) indivíduos com algum tipo de variação, sendo a mais comum aquela cuja AMS deu origem à artéria hepática direita, presente em 9,6% dos casos. Este tipo de variação apresenta grande relevância tanto pela sua maior prevalência como pelo seu potencial de risco durante procedimentos na área, uma vez que essa condição expõe esses vasos a sofrerem danos durante abordagens cirúrgicas que envolvam essa região.

Também foi verificado nos estudos de Fonseca Neto et al.33 Fonseca-neto OCL, Lima HCS, Rabelo P, Melo PSV, Amorim AG, Lacerda CM. Anatomic variation of hepatic artery: a study in 479 liver transplantions. ArqBrasCirDig 2017; 30: 35-37., que AMS originava a artéria hepática direita. Dos 479 pacientes submetidos a transplantes de fígado, 63 (13,15%) tinham algum tipo de variação envolvendo a MAS; desses, 27 a AMS originava a artéria hepática direita, enquanto os outros quatro a artéria hepática direita bem como a artéria hepática esquerda originada da artéria gástrica esquerda. Nesse contexto, o conhecimento detalhado dessas variações na AMS envolvendo a anatomia arterial hepática é de grande interesse dos cirurgiões que realizam abordagens nessa área, em especial, os transplantes hepáticos, visto que além de representar oportunidade ideal para seu estudo anatômico cirúrgico, sua identificação e correto manuseio são fundamentais para o bom desfecho do procedimento11 Andraus W, Haddad LBP, Ducatti L, Martino RB, Santos VR, D`albuquerque LAC. Artery reconstruction in liver transplantation: the best reconstruction of right hepatic artery variation. Arq Bras Cir Dig2013; 26: 62-65.,44 Freitas ACT, Coelho JCU, Matias JEF, Zeni Neto C, Martins EL, Druszcz CC. Anatomia arterial hepática: estudo em 150 transplantes hepáticos. RevColBrasCir2001;28: 13-16.,2222 Sebben GA, Rocha SL, Sebben MA, Parussolo Filho PR, Gonçalves BHH. Variations of hepatic artery: anatomical study on cadavers. Rev Col Bras Cir. 2013; 40:221-6.,2929 Zagyapan R, Kurkcuoglu A, Bayraktar A, Pelin C, Aytekin C. Anatomic variations of the celiac trunk and hepatic arterial system with digital subtraction angiography. Turkish J Gastroenterol2015; 25: 104-109..

Outro achado relevante presente nos estudos incluídos nesta revisão foi a origem da AMS e do tronco celíaco a partir da aorta torácica, 9 mm e 21 mm acima do hiato aórtico, respectivamente. O trajeto da AMS descendo no nível toracoabdominal, induz a formação de um ângulo de 17°, tendo distância aortomesentérica de 9 mm ao nível da parte inferior do duodeno. Por esse motivo, o paciente estaria sujeito a desenvolver simultaneamente síndrome tríplice: a síndrome de compressão do eixo celíaco, ou seja, quando ocorre compressão do tronco celíaco pelo ligamento arqueado mediano (LAM), a síndrome de compressão da AMS (compressão da AMS pelo LAM), e a síndrome da AMS (compressão do duodeno pela AMS)1616 Matusz P, Iacob N, Miclaus GD, Pureca A, Ples H, Loukas M, Tubbs RS. An unusual origin of the celiac trunk and the superior mesenteric artery in the thorax. Clin Anat,2013;26: 975-979..

A AMS esteve presente em 100% da amostra nos estudos de Olave et al.1818 Olave E, Puelma F, Henríquez J, Cruzat C, Soto A. Niveles de origen de las arterias renales y mesentérica superior respecto a la columna vertebral en individuos chilenos. Estudio por tomografíacomputarizada helicoidal. Int J Morphol 2009; 27: 447-452., em que foram observados mais de 50% da amostra a AMS na altura de L1, esses achados podem servir como suporte morfológico aos procedimentos cirúrgicos que envolvem o manejo de órgãos abdominais, sobretudo os mais posteriores.

Sabe-se que a AMS como destino irriga a alça intestinal média do intestino primitivo que origina a metade distal do duodeno, 3ª e 4ª partes duodenais, jejuno, íleo, ceco e apêndice vermiforme, colo ascendente e 2/3 do colo transverso. É possível que a AMS esteja ausente e nesses casos outros vasos podem fazer a vascularização de parte desses destinos, por outro lado, é possível também que áreas desse intestino primitivo fiquem sem vascularização o que pode gerar as atresias ou mesmo atraso no desenvolvimento intestinal a ponto de não ser viável para funcionar.

Saša et al.2121 Saša RV, Ranko L, Snezana C, Lidija B, Djordje S. Duodenal atresia with configuration of ileum of the ileum and absence of superior mesenteric artery. BMC Pediatr2016; 16: 150., revelaram caso de um menino prematuro de 29 semanas que não apresentava AMS, e consequentemente não desenvolveu a parte distal do duodeno bem como o jejuno, sendo submetido à cirurgia para retirada da porção atrésica com união das extremidades funcionais. Torres et al. (1999) também observaram, em criança de 34 semanas, ausência da AMS, e consequentemente ausência do jejuno, íleo, ceco e apêndice bem como colo ascendente e da parte proximal do colo transverso2424 Torres A, Andrade EO, Christoph CL, Weinberger M. Congenital absence of the superior mesenteric artery. J Pediatr Surg 1999; 34: 1858-1860.. A hipertrofia compensatória do tronco celíaco manteve parte da extensão do duodeno. Já Weber e Freeman2525 Weber DM, Freeman NV. Duodenojejunal atresia with apple peel configuration of the ileum and absent superior mesenteric artery: Observations on pathogenesis. J Pediatr Surg 1999; 34: 1427-1429. verificaram em criança de 36 semanas, atresia da parte distal do duodeno em virtude da ausência do ramo pancreático duodenal inferior (ramo da AMS).

Também foram observadas variações no que se refere à ausência da AMS em adultos, acompanhada da dilatação compensatória da artéria mesentérica inferior. O conhecimento dessa informação possui grande valia para profissionais da área de saúde, sobretudo para os médicos cirurgiões que realizam operações de câncer retal e de cólon sigmóide, pois nesses casos, a ligadura da artéria mesentérica inferior durante esses procedimentos, traria consequências desastrosas ao indivíduo, visto que em situações assim, a mesentérica inferior seria a única artéria responsável pela irrigação das estruturas derivadas do intestino médio e posterior2626 Wu Y, Peng W, Wu H, Chen G, Zhu J, Xing C. Absence of the superior mesenteric artery in an adult and a new classification method for superior-inferior mesenteric arterial variations. Surg RadiolAnat2014; 36: 511-515.. Além disso, a ausência da AMS em adultos é rara; porém, em recém-nascidos é relatada como a causa da atresia duodenojejunal congênita, que contribui para defeitos na formação e absorção do intestino médio por inteiro, uma vez que a irrigação dessa área é de competência deste vaso. A atresia e estenose duodenal congênita são frequentemente responsáveis pelas obstruções intestinais que ocorrem em 1/5.000-10.000 nascidos vivos e afetam mais os homens do que as mulheres1010 Kimura K, Loening-baucke V. Bilious vomiting in the newborn: rapid diagnosis of intestinal obstruction. Am Fam Physician2000; 61: 2791-2798..

A AMS clássica surge como um ramo colateral, anterior à artéria da aorta abdominal. Quanto às formas variantes, houve maior predominância de AMS originando a artéria hepática direita.

Os procedimentos cirúrgicos atuais, incluindo transplantes, reconstruções vasculares e operações abdominais, requerem conhecimento técnico detalhado sobre a anatomia vascular regional, sendo de fundamental importância para o sucesso do procedimento. O conhecimento sobre a possibilidade de inexistência da AMS possui influência no desenvolvimento de condições clínicas e cirúrgicas importantes, como a atresia duodenojejunal em recém-nascidos, e cirurgiões que, particularmente, atuam no transplante de fígado, permitindo que os profissionais possam planejar e melhor conduzir suas intervenções de tratamento de forma apropriada.

CONCLUSÃO

As variações da AMS não são achados incomuns e seus relatos evidenciados na literatura científica demonstram grande papel no desenvolvimento de importantes condições clínicas, tornando o conhecimento sobre esse assunto relevante para cirurgiões e profissionais que atuam nessa área.

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  • Fonte de financiamento:

    não há
  • Mensagem central

    A artéria mesentérica superior (AMS) tem sua origem a partir da aorta abdominal e é, responsável pela irrigação das estruturas do intestino médio. Variações anatômicas contribuem para defeitos na formação e/ou absorção dessa parte do intestino e a sua ausência é reconhecida como a causa da atresia duodenojejunal congênita
  • Perspective

    Variações na AMS não são achados incomuns e seus relatos demonstram grande importância para o desenvolvimento de condições clínicas importantes, tornando o conhecimento sobre esse assunto relevante para os profissionais atuantes nesta área, sobretudo para os médicos cirurgiões que necessitam de uma compreensão profunda sobre a irrigação sanguínea das vísceras abdominais. O conhecimento sobre as formas variantes desse vaso permite aos profissionais planejarem e melhor conduzirem suas intervenções cirúrgicas com o mínimo de iatrogenia possível.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    29 Nov 2019
  • Aceito
    02 Abr 2020
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