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MINIPÚBLICOS E INOVAÇÃO DEMOCRÁTICA O Caso do Jardim Lapenna

MINIPUBLIC AND DEMOCRATIC INNOVATION THE CASE OF THE LAPENNA GARDEN

MINI-PUBLICS ET INNOVATION DÉMOCRATIQUE: LE CAS DU QUARTIER JARDIM LAPENNA

Resumos

Os Minipúblicos surgiram como inovação democrática, no contexto da “virada deliberativa” e das críticas à democracia representativa na década de 1970, resgatando o sorteio como alternativa à qualificação democrática. Este artigo descreve a primeira experiência brasileira de Minipúblico, no âmbito do Plano de Bairro do Jardim Lapenna, São Paulo, que fez recomendações para a revitalização do principal espaço urbano do bairro. A partir de uma investigação exploratória e contextualista da aplicação do Minipúblico, o artigo classifica os contextos discursivos em categorias visando analisar as principais percepções dos atores sociais envolvidos nos processos de deliberação realizados. Com isso, avalia-se a aposta teórico-normativa de que o processo deliberativo favorece a estruturação de uma razão coletiva. O artigo termina por fazer uma reflexão acerca das potencialidades dos Minipúblicos, como inovação democrática.

Palavras-chave:
Minipúblicos; Inovações Democráticas; Participação Democrática; Políticas Públicas; Deliberação


Minipublics emerged as a democratic innovation in the context of the “deliberative turn” and of the criticism on representative democracy in the 1970s, rescuing the sortition as an alternative to democratic qualification. This article describes the first Brazilian experience of Minipublic, within the scope of the Jardim Lapenna Neighborhood’s Plan, in São Paulo city, which made recommendations for revitalizing the main urban space in the neighbourhood. From an exploratory and contextualist investigation of the application of the Minipublic, this paper classifies the discursive contexts in categories aiming to analyse the main perceptions of the social actors involved in the deliberation processes which were carried out. This assesses the theoretical-normative wager that the deliberative process favours the structuring of a collective reasoning. The article concludes by reflecting upon the potential of Minipublics as a democratic innovation.

Key words:
Minipublics; Democratic Innovations; Democratic Participation; Publics policies; Deliberation


Les mini-publics sont une innovation démocratique apparue pendant le « tournant délibératif » et suite aux critiques de la démocratie représentative des années 1970, avec la reprise du tirage au sort comme alternative pour la qualification démocratique. Cet article décrit la première expérience de mini-publics menée dans le cadre du plan de revitalisation du principal espace urbain du quartier Jardim Lapenna de São Paulo. La recherche exploratoire et l’approche contextualiste de l’application du mini-public vise à classer les contextes discursifs en catégories afin d’analyser les principales perceptions des acteurs sociaux impliqués dans les processus de délibération. L’objectif théorico-normatif est de montrer que le processus délibératif favorise la structuration d’une raison collective. Enfin, le travail opère une réflexion sur le potentiel des mini-publics en tant qu’innovation démocratique.

Mots-clés:
Mini-publics; innovations démocratiques; participation démocratique; politiques publiques; délibération


Introdução

A implementação de ferramentas de participação tem sido frequente no Brasil e no mundo. Tratam-se de iniciativas que respondem a contextos e processos políticos distintos, seja com a intenção de se opor a governos, e, por vezes, supervisioná-los, seja, mais recentemente, com a intenção de cogerir políticas públicas com os mesmos (Lavalle & Vera, 2011LAVALLE, Adrian Gurza & VERA, Ernesto Isunza. (2011), “A trama da crítica democrática: da participação à representação e à accountability”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 84: 95-139.; Romão Netto, 2006ROMÃO NETTO; José Veríssimo. (2006), “Participação popular em saúde: o caso dos conselhos gestores de saúde das subprefeituras de São Paulo”. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo.; 2012ROMÃO NETTO; José Veríssimo. (2012), “Cultura Política, instituições políticas e geração de capital social”, in Trabalho, Economia Solidária e Desenvolvimento Social: Metodista, São Bernardo do Campo, 47-64. ; 2015ROMÃO NETTO, José Veríssimo. (2015), “Gestão de políticas de cultura e qualidade da democracia: São Paulo, 10 anos de um modelo ainda em construção”. Rev. Adm. Pública, 49 (4), 1011-1038.). Os Minipúblicos surgem nessa onda de “inovações democráticas” (Setälä, 2017SETÄLÄ, Maija. (2017), “Connecting deliberative mini‐publics to representative decision making”. European Journal of Political Research, 56 (4): 846-863.). Esse termo se refere às “instituições que foram especificamente projetadas para aumentar e aprofundar a participação dos cidadãos no processo de tomada de decisões políticas” (Smith, 2009SMITH, Graham. (2009), Democratic innovations: Designing institutions for citizen participation, Nova York, Cambridge University Press., p.1). A definição sugere que, de alguma maneira, estas inovações complementam a representação política.

Os Minipúblicos propõem a qualificação democrática, a partir de práticas inspiradas na pólis grega e em suas práticas de sorteio, afirmando que, antes do advento dos partidos políticos de massa, entre os séculos XIX e XX, reconhecia-se o sorteio como um mecanismo mais democrático de seleção de representantes, do que as eleições. Contemporaneamente, a discussão teórica assume a existência de uma tensão entre representação e participação políticas (Pitkin, 2006PITKIN, Hanna Fenichel. (2006), “Representação: palavras, instituições e ideias”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 67: 15-47.), resgatando a proposta do sorteio aleatório como ferramenta de complementação às práticas de representação política.

Desse modo, Minipúblicos buscam reduzir a distância entre a opinião pública e a tomada de decisão política (Crosby, 1995CROSBY, Ned. (1995), Citizens juries: One solution for difficult environmental questions, in Fairness and competence in citizen participation, Springer, Dordrecht: 157-174.; Setälä, 2017SETÄLÄ, Maija. (2017), “Connecting deliberative mini‐publics to representative decision making”. European Journal of Political Research, 56 (4): 846-863.; Rubião, 2018RUBIÃO, André. (2018), “O sorteio na política: como os minipúblicos vêm transformando a democracia”. Opinião Pública, 24 (3): 699-723.). Com a redução dessa distância e ao combinar seleção aleatória (sorteios) e processos deliberativos, há a aposta normativa de que se forme a opinião (razão pública) sobre a melhor decisão possível, a partir das informações disponíveis e da análise dos cenários e consequências envolvidos no objeto de deliberação (Fishkin, 2011FISHKIN, James S. (2011). When the people speak: Deliberative democracy and public consultation. Oxford, Oxford University Press.; Owen & Smith, 2018OWEN, David; SMITH, Graham. (2018), “Sortition, rotation, and mandate: Conditions for political equality and deliberative reasoning”. Politics & Society, 46 (3): 419-434.).

Neste artigo, apresentamos o primeiro caso de Minipúblicos no Brasil, e discutimos como esta aposta normativa pode ser analisada. A experiência realizada no Jardim Lapenna, na cidade de São Paulo, revela que a redução da distância entre a opinião pública e a decisão política, além de resolver problemas práticos, oferece ganhos cognitivos aos participantes deste processo de participação. É possível observar que, ao longo do processo deliberativo, as categorias do contexto discursivo vão se modificando na medida em que se obtêm informações técnicas e precisas e se analisam o cenário e as consequências da decisão.

Recentemente, a literatura nacional tem explorado a criação de capacidades cognitivas estatais, pensadas inicialmente na relação entre movimentos sociais e Estado (Lavalle et al., 2019LAVALLE, A. G.; LEIRNER, A.; ALBUQUERQUE, Maria do Carmo & RODRIGUES, F. P. (2019), “As dificuldades da participação: desencontro de interesses na recuperação do rio doce”. Revista Psicologia Política, 19 (1): 121-145.; Szwako & Lavalle, 2019SZWAKO, José & LAVALLE, Adrian Gurza. (2019), “Seeing Like A Social Movement: Institucionalização simbólica e capacidades estatais cognitivas”. Novos Estudos, 114: 411-434.). Sugere-se a compreensão de uma dimensão cognitivo-simbólica na interação entre atores sociopolíticos, haja vista os saberes e conhecimentos inscritos nas organizações (estatais e privadas) e no relacionamento dos indivíduos em sociedade, a fim de alterar ou orientar decisões estatais. Valores, significações e ideias são apresentados e, em diferentes graus de contradição e complementaridade, vão se confrontar e se modificar, ou se fortalecer, orientando novos rumos da ação dos atores. O presente artigo não irá percorrer todo este processo, mas se dedicará a evidenciar o momento central desta interação na dimensão cognitivo-simbólica. Nosso objetivo é captar categorias do contexto discursivo, que permitem revelar a relação entre os atores nessa dimensão cognitivo-simbólica, e avaliar como a aposta normativa do Minipúblico é cumprida.

Assim, na próxima seção, trataremos das relações percebidas entre Minipúblicos e democracia, e referiremos alguns casos ao redor do mundo. A terceira seção descreverá o caso da aplicação do primeiro Minipúblico brasileiro. A parte subsequente discorrerá sobre a abordagem metodológica, apresentando os materiais coletados durante a aplicação do Minipúblico e as categorias do contexto discursivo, dados que, por sua vez, serão analisados na quinta seção. Já a última seção contará com as considerações finais e uma breve reflexão sobre o potencial e desafios dos Minipúblicos.

Minipúblicos e Democracia

Pode-se dizer que os Minipúblicos têm uma tríplice matriz de influências normativas, mesmo que todas sejam vertentes da crítica à insuficiência da representação política. De um lado, a proposta dos Minipúblicos deriva da ácida crítica republicana, de que a representação política não seria um arranjo institucional que permitiria chegar a decisões políticas que realizassem o bem comum, fazendo com que o próprio povo decidisse. O argumento central desse postulado é o de que a racionalidade do eleitorado, proposta por Schumpeter (2010)SCHUMPETER, Joseph A. (2010), Capitalism, Socialism and Democracy, Abingdon, Routledge Classics., ocupa-se mais da escolha de bons representantes (“líderes”), do que da formação das opiniões do eleitorado, o que garantiria uma “função protetora” da participação via eleições, assegurando proteção aos interesses privados de cada cidadão em detrimento do desenvolvimento de uma razão pública. Desta perspectiva, é necessário que se mova o fulcro das discussões das instituições de representação para os planos de ação coletiva exigidos para atingir a democracia política, tais como: educação pública, participação social e atividade política (Pateman, 1970PATEMAN, Carole. (1970), Participation and democratic theory, Nova York, Cambridge University Press.).

Por outro lado, os Minipúblicos também se inspiram nas teses habermasianas de deliberação política, que têm se caracterizado pelo esforço em conectar a razão individual a processos deliberativos. Assim, ao se relacionarem face a face em uma “esfera pública”, os indivíduos podem interagir, debatendo as decisões tomadas por autoridades políticas, bem como discutir o conteúdo moral das diferentes relações existentes na sociedade (Habermas, 1991HABERMAS, Jürgen. (1991), The structural transformation of the public sphere: An inquiry into a category of bourgeois society, Cambridge, MIT Press.). Esta “ação comunicativa” estabelece duas dimensões que permitiriam a busca de um “consenso discursivo”, sendo elas: a construção de um conceito de mundo social reflexivamente adquirido; e a noção de uma forma de ação intersubjetiva e voltada para um consenso comunicativo. Ao se comunicarem, as pessoas coordenariam suas ações, orientando-as segundo normas sociais previamente existentes, reconhecendo-se mutuamente como sujeitos portadores de valores e preferências subjetivos. O trabalho de Habermas religa razão e vontade, por intermédio da “ação discursiva” e, desse modo, uma esfera pública ativa e separada da administração pública torna-se o lugar no qual as novas questões são tematizadas, novas identidades são apresentadas e a inovação institucional emerge (Habermas, 2012HABERMAS, Jürgen. (2012), Teoria do agir comunicativo: Racionalidade da ação e racionalização social. trad. Paulo Astor Soethe, São Paulo, Martins Fontes.).

Neste debate, os Minipúblicos parecem preencher os ideais entre participação política (que visa à igualdade social) e uma razão discursiva (que propõe o estabelecimento de uma razão pública a posteriori). Isso se dá, por eles terem o potencial de minorar questões epistêmica, política e moralmente complexas (como, por exemplo, o uso de recursos públicos em comunidades periféricas de megalópoles), ao submetê-las a processos discursivos de formação de uma razão pública ex post. Como os participantes de Minipúblicos interagem com especialistas, eles provavelmente aprendem sobre o assunto, e a prática deliberativa os encoraja a justificar suas próprias posições por meio de argumentos aceitáveis para aqueles que representam pontos de vista diferentes e, por vezes, conflitantes. Como consequência, os Minipúblicos podem ser usados para ajudar a definir soluções razoáveis para questões complexas e conflitivas (Setälä, 2011SETÄLÄ, Maija. (2011), “The role of deliberative mini-publics in representative democracy: lessons from the experience of referendums”. Representation, 47 (2): 201-213.).

A terceira matriz de influências normativas dos Minipúblicos diz respeito à incorporação de ferramentas de seleção aleatória dentro dos sistemas políticos representativos contemporâneos. Tendo por referência inicial as experiências clássicas, autores contemporâneos, como Robert Dahl (1989DAHL, Robert A. (1989), Democracy and its critics, New Haven, Yale University Press.; 1990DAHL, Robert A. (1990), After the revolution?: authority in a good society, New Haven, Yale University Press.), imaginaram o potencial de uma série de conselhos consultivos selecionados randomicamente, os quais ele chamou de “minipopulos”, que seriam compostos por milhares de cidadãos selecionados aleatoriamente e formados ad hoc para discutir itens importantes da agenda do dia.

Do ponto de vista da prática contemporânea dos Minipúblicos, o termo “minipúblico deliberativo” foi introduzido, pela primeira vez, por Fung (2003)FUNG, Archon. (2003), “Survey article: Recipes for public spheres: Eight institutional design choices and their consequences”. Journal of political philosophy, 11(3): 338-367., e tem sido usado para referir a uma variedade de fóruns que reúnem grupos de cidadãos para deliberar sobre uma questão política particular. Nesse sentido, seu formato está inserido em um desenho institucional maior e menos específico, que pode ser chamado de “fóruns de deliberação cidadã”, os quais têm, em comum, a intenção de diminuir a distância entre a opinião dos cidadãos e a dos tomadores de decisões acerca de políticas (Crosby, 1995CROSBY, Ned. (1995), Citizens juries: One solution for difficult environmental questions, in Fairness and competence in citizen participation, Springer, Dordrecht: 157-174.).

Os formatos mais conhecidos de “minipúblicos deliberativos” incluem os júris cidadãos (citizens’ juries) e as células de planejamento (planning cells) ambos desenvolvidos na década de 1970 ; as conferências de consenso (consensus conferences) modeladas pelo Conselho de Tecnologia Dinamarquês, na década de 1980; e as pesquisas deliberativas (deliberative pools), projetadas por James Fishkin, na década de 1990 (Smith, 2009SMITH, Graham. (2009), Democratic innovations: Designing institutions for citizen participation, Nova York, Cambridge University Press.). A ideia das iniciativas deliberativas é criar um método de medir a opinião pública de maneira refletida, ao invés de opiniões coletadas “de supetão” (Fishkin, 2018FISHKIN, James S. (2018), Deliberative polling. Consulting the people is not as easy as it sounds, in The Oxford handbook of deliberative democracy: 01-15.). Júris de cidadãos e conferências de consenso se propõem a ser espaços deliberativos relativamente pequenos, agregando dezenas de participantes, enquanto pesquisas deliberativas e alguns outros formatos incluem centenas de cidadãos deliberantes. Os Minipúblicos de pequena escala apresentam, geralmente, recomendações políticas escritas, enquanto as pesquisas deliberativas fornecem dados sobre opiniões individuais, antes e depois da deliberação (Setälä, 2017SETÄLÄ, Maija. (2017), “Connecting deliberative mini‐publics to representative decision making”. European Journal of Political Research, 56 (4): 846-863.).

É possível afirmar que os Minipúblicos buscam a igualdade política e uma razão deliberativa, ao combinarem o sorteio dos participantes com a rotatividade dos membros (Owen & Smith, 2018OWEN, David; SMITH, Graham. (2018), “Sortition, rotation, and mandate: Conditions for political equality and deliberative reasoning”. Politics & Society, 46 (3): 419-434.). Essa aleatoriedade dos membros garantiria a representação de diferentes pontos de vista sobre o tema em deliberação, e, pelo fato de não serem responsáveis perante determinados grupos de eleitores (Warren & Pearse, 2008WARREN, Mark E. & PEARSE, Hilary (eds). (2008), Designing Deliberative Democracy: The British Columbia Citizens' Assembly (Theories of Institutional Design), Nova York, Cambridge University Press., p. 62), espera-se que os “representantes dos cidadãos” sejam mais abertos a argumentos diversos e, também, mais capazes de estabelecer uma razão pública a partir do processo deliberativo, do que seus colegas eleitos (Setälä, 2017SETÄLÄ, Maija. (2017), “Connecting deliberative mini‐publics to representative decision making”. European Journal of Political Research, 56 (4): 846-863.).

Dada a diversidade do que foi chamado de Minipúblicos, desde a proposição de Fung (2003)FUNG, Archon. (2003), “Survey article: Recipes for public spheres: Eight institutional design choices and their consequences”. Journal of political philosophy, 11(3): 338-367., no presente artigo reconhecemos os Minipúblicos a partir de um desenho institucional específico: aquele no qual os participantes são recrutados por intermédio do método de sorteio, visando garantir a participação de diferentes grupos ou pontos de vista da sociedade, para que, ao final do processo deliberativo, sejam extraídas recomendações encaminhadas por escrito aos tomadores de decisões.

Atualmente, a principal motivação para o desenvolvimento de Minipúblicos é a redução da distância entre a opinião pública e a tomada de decisão política (Crosby, 1995CROSBY, Ned. (1995), Citizens juries: One solution for difficult environmental questions, in Fairness and competence in citizen participation, Springer, Dordrecht: 157-174.; Setälä, 2017SETÄLÄ, Maija. (2017), “Connecting deliberative mini‐publics to representative decision making”. European Journal of Political Research, 56 (4): 846-863.), bem como a ênfase na aposta normativa de que Minipúblicos são importantes, por combinarem seleção aleatória e processos deliberativos, com a intenção de favorecer a formação de uma espécie de “vontade contrafactual” (Owen & Smith, 2018OWEN, David; SMITH, Graham. (2018), “Sortition, rotation, and mandate: Conditions for political equality and deliberative reasoning”. Politics & Society, 46 (3): 419-434.). É como propor aos cidadãos afetados por determinada decisão política, que analisem cenários e consequências envolvidos com o objeto de deliberação, e formem uma opinião (razão pública) sobre a melhor decisão possível para aquele coletivo, à luz das informações disponíveis (Fishkin, 2011FISHKIN, James S. (2011). When the people speak: Deliberative democracy and public consultation. Oxford, Oxford University Press.).

Há diversas experiências bem-sucedidas de Minipúblicos pelo mundo. Alguns estão institucionalizados e operam em concordância com os corpos legislativos e governos locais e/ou nacionais, como o “Painel de Revisão de Planejamento de Toronto”; o Observatório da Cidade de Madri; as Assembleias Cidadãs convocadas pelos Parlamentos da Irlanda, Escócia e Inglaterra; e o Bürgerrat (Conselho de Cidadãos), recentemente instalado no território de idioma alemão, na Bélgica.1 1 O caso belga é emblemático, por vincular legalmente os Minipúblicos às instituições da democracia representativa. O “Modelo Ostbelgien” institui dois grupos de cidadãos selecionados por sorteio, sendo um deles o Conselho Cidadão, com 24 membros e mandato de 18 meses, e o outro, as Assembleias de Cidadãos, selecionadas e convocadas ad hoc, e compostas por ao menos 50 membros. Para detalhes da experiência, ver: https://www.belgium.be/en/about_belgium/government/communities/german-speaking_community e https://www.politico.eu/article/belgium-democratic-experiment-citizens-assembly/ (acesso em 22/01/2020). Esses espaços de Minipúblicos têm em comum diversos aspectos, mas para serem qualificados como Minipúblicos, devem selecionar seus participantes de maneira randômica, oferecer informações de nivelamento aos cidadãos sorteados antes do processo de deliberação, e aplicar técnicas e métodos de facilitação durante o processo deliberativo.2 2 Para estas e outras atividades de Minipúblicos no mundo, ver https://democracyrd.org/, acesso em 22/01/2020.

A despeito da vasta experiência participacionista no Brasil que inclui as práticas dos Conselhos e das Conferências de Políticas Públicas (Pires, 2011PIRES, Roberto Rocha Coelho. (2011). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação, Brasília, IPEA. ), os diversos mecanismos de Orçamento Participativo (Avritzer, 2004AVRITZER, Leonardo. (2004), A participação em São Paulo, São Paulo, Unesp.) e até experiências de cogestão nas implementação de políticas, como o caso das práticas dos Pontos de Cultura e de convênios com Organizações da Sociedade Civil para a gestão de equipamentos culturais (Barbosa & Calabre, 2011BARBOSA, Frederico & CALABRE, Lia (org.). (2011), Pontos de cultura: olhares sobre o Programa Cultura Viva, Brasília, IPEA.) , não havia no país, até há pouco tempo, nenhuma experiência de Minipúblico com os contornos institucionais ora propostos: participantes selecionados aleatoriamente por sorteio, submetidos a uma carga de informação técnica sobre o objeto em debate e, também, a um processo mediado de deliberação, com a intenção de elaborar uma peça escrita com recomendações aos tomadores de decisões (representantes eleitos ou agentes fiduciários do Estado).

A primeira experiência, no país, ocorreu no âmbito do Plano de Bairro do Jardim Lapenna, situado na Zona Leste da cidade de São Paulo, na Subprefeitura de São Miguel Paulista. Os cerca de 15 mil moradores contam com equipamentos públicos de educação, saúde e transporte, mas sofrem com o adensamento populacional e a falta de planejamento urbano (Figura 1). A próxima seção narra este caso específico de Minipúblico.

Figura 1
Imagem do Jardim (Jd.) Lapenna.

O Minipúblico do Jardim Lapenna

A Zona Leste de São Paulo é conhecida por sua efusividade participativa (Avritzer, 2004AVRITZER, Leonardo. (2004), A participação em São Paulo, São Paulo, Unesp.). No Jd. Lapenna não é diferente, e diversos movimentos sociais e Organizações da Sociedade Civil podem ser notados, atuando na região. Uma organização importante no território é a Fundação Tide Setúbal (FTS), que lá atua há mais de 20 anos, promovendo diversos programas de desenvolvimento local, sendo um deles o apoio à elaboração do “Plano de Bairro” − uma instância participativa prevista no Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (Lei 16.050/14) −, e que deve ser elaborado por um Colegiado constituído para esse fim.

O Colegiado que elaborou o Plano de Bairro do Jd. Lapenna foi constituído em 2017, e conta com diversas organizações da região, bem como com o apoio da Subprefeitura de São Miguel Paulista.3 3 O Colegiado é composto pelas organizações: Associação Comunitária das Mulheres da Vila Nair, Creche Jd. Lapenna e Lapenna 1, CCA Procedu Jd. Lapenna, Escola Estadual Professor Pedro Moreira Matos, Fundação Getúlio Vargas, Fundação Tide Setúbal, Programa Ambientes Verdes e Saudáveis (PAVS), Sociedade Amigos do Jd. Lapenna, SOS Lapenna e Conselho Gestor e Programa Saúde da Família (PSF) da Unidade Básica de Saúde (UBS) Jd. Lapenna. O Colegiado decidiu propor à Subprefeitura melhorias de urbanização da principal rua do bairro, a Rua Rafael Zimbardi, ocasião em que a FTS sugeriu aos demais membros do Colegiado a expansão das deliberações, com vistas a obter maior representatividade dos moradores do bairro. Tendo conhecido a experiência de um processo participativo conduzido pelo Coletivo “Delibera Brasil”, em Ilhéus, Bahia, para discussão da legislação de mototáxis da cidade,4 4 Trata-se de uma experiência de “quase-Minipúblico”, executada pelo Coletivo “Delibera Brasil”, em Ilhéus, que por não ter cumprido todos os critérios de aleatoriedade para o sorteio dos deliberantes, não é aqui considerada como o primeiro Minipúblico. Cabe dizer que já há uma segunda experiência realizada pelo “Delibera Brasil” e a Prefeitura de Fortaleza. Ver: http://deliberabrasil.org/, acesso em 26/09/2020. a FTS entrou em contato com esse Coletivo e propôs ao Colegiado que a técnica dos Minipúblicos fosse aplicada às deliberações do Plano de Bairro do Jd. Lapenna,5 5 Fundado em 2017, o “Delibera Brasil” é um Coletivo sem fins lucrativos, suprapartidário que visa contribuir para o fortalecimento e aprofundamento da democracia brasileira, promovendo a deliberação cidadã, principalmente a partir de metodologia conhecida como Minipúblico, integrado a processos de decisão e formulação de políticas públicas. Para saber mais: @deliberabrasil (medium, facebook). em sugestão acolhida pelo Colegiado.

A experiência do Jd. Lapenna seguiu todas as etapas necessárias à sua caracterização como Minipúblico: os participantes foram selecionados aleatoriamente, submetidos a uma carga de informação técnica sobre o objeto em debate e, também, a um processo mediado de deliberação, produzindo, ao final, uma peça escrita com recomendações ao Poder Público.

A aleatoriedade foi operacionalizada através de sorteio dos pontos de recrutamento. O sorteio foi realizado no Galpão da FTS, na presença de representantes do Colegiado, e transmitido ao vivo na página do Plano de Bairro. Membros do Colegiado localizavam, no cadastro do PSF, a casa correspondente aos números sorteados, e indicavam a rua correspondente, mantendo a confidencialidade dos endereços e nomes. Uma faixa foi colocada na saída da estação de trem, informando que moradores seriam sorteados para participar do Minipúblico sobre a reforma da Rua Rafael Zimbardi. Uma equipe de seis voluntários abordou domicílios nos 36 pontos sorteados, preenchendo cotas de sexo, idade e ocupação, de modo a garantir a diversidade de perfil no grupo.6 6 Cotas básicas para recrutamento: de 16 a 18 homens e de 16 a 18 mulheres, distribuídos de 2 a 4 por faixa etária (16 anos ou mais), contando com 3 a 8 donas de casa e, no máximo, 2 aposentados que não trabalham, e 2 desempregados sem fonte de renda, sendo o restante com ocupação remunerada. Deveriam, ainda, ser recrutados ao menos 3 proprietários de automóvel ou moto, e 3 usuários de bicicletas. Após o recrutamento, criou-se um grupo de Whatsapp como forma de comunicação com os recrutados.7 7 Baseado em experiências internacionais e na prática de pesquisas qualitativas, o Colegiado aprovou a sugestão do Coletivo “Delibera Brasil” de oferecer uma ajuda de custo de R$ 50,00 aos deliberantes, como incentivo e compensação pela participação. É importante registrar que essa discussão suscitou uma reflexão por parte do Colegiado sobre o que os diferencia do morador “médio”, que precisa de incentivos maiores para participar.

O processo do Minipúblico, no Jd. Lapenna, contou com cinco reuniões, entre março e maio de 2018, período no qual se definiram os critérios para a sua realização; o momento de sua aplicação; a formação do “grupo de conteúdo”, responsável pelas discussões técnicas sobre os aspectos urbanísticos da intervenção; e o modo como tais especificidades seriam apresentadas aos deliberantes. Além das duas sessões do Minipúblico, também foram realizadas duas reuniões de apresentação e discussão de resultados com o Colegiado e representantes da Subprefeitura de São Miguel Paulista.

As sessões de deliberação do Minipúblico contaram com a presença de 17 moradores − sendo 11 mulheres e 6 homens; dois deles com até 20 anos, seis de 21 a 40 anos, cinco de 41 a 60 anos, e quatro com mais de 60 anos. A maioria tinha ocupação remunerada, prevalecendo no grupo a renda familiar de até 1 (um) salário mínimo (11 dentre os 17), sendo 5 deles proprietários de automóvel.

Na Etapa Informativa, primeiro dia do Minipúblico, os deliberantes tiveram a oportunidade de assistir às apresentações e interagir com especialistas do Grupo de Conteúdo para falar sobre o Plano de Bairro e sobre questões relativas ao desenho de ruas seguras e voltadas para as pessoas, bem como sobre diferentes soluções possíveis para a Rua Rafael Zimbardi. No segundo dia, os participantes discutiram e definiram uma divisão da rua em “trechos”, com características diferentes, incluindo a discussão sobre a distribuição do investimento público entre esses trechos, priorizando o Trecho 1 (os dois quarteirões a partir da estação de trem). No mesmo dia, divididos em grupos menores, os moradores deliberaram sobre os pontos discutidos no dia anterior e, em uma plenária final, elaboraram as 22 recomendações que foram incorporadas ao Plano de Bairro pelo Colegiado e entregues à Subprefeitura de São Miguel Paulista. Posteriormente ao Minipúblico, as recomendações foram apresentadas e discutidas em reunião na FTS, e afixadas no Galpão ZL, no bairro, para conhecimento da comunidade e validação dos participantes.8 8 Para vídeo sobre o processo, ver https://fundacaotidesetubal.org.br/noticias/3867/moradores-do-lapenna-deliberam-sobre-mudancas-em-via-do-bairro, acesso em 22/01/2020.

Dentre as 22 recomendações, destacam-se a rejeição em transformar a rua em um calçadão e a defesa em organizar o tráfego de carros e pedestres. Especificamente, os deliberantes decidiram que: não deve ser feito um Calçadão, no Trecho 1 da Rafael Zimbardi; a rua deve permitir tráfego de veículos nos dois sentidos, inclusive no Trecho 1; deve haver faixas elevadas para travessia, idealmente em todas as esquinas (caso os recursos sejam insuficientes, a prioridade deve estar nas ruas Almiro dos Reis e Salinas do Açu); deve-se proibir o estacionamento de segunda a sexta-feira, nos horários de maior fluxo de pedestres e veículos (das 4h às 9h, e das 16h às 21h), mas liberá-lo aos sábados, domingos e feriados. Conforme será apresentado na quinta seção deste artigo, estas principais recomendações refletem a disputa política ocorrida no Minipúblico.9 9 A partir de relato recente da FTS, membro do Colegiado do Plano de Bairro, o que se sabe, até o momento, é que a verba prevista no orçamento municipal de 2019, dentro da rubrica “Plano de Bairro”, foi utilizada em outra região da cidade, e que, já em 2020, a Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara de Vereadores de São Paulo recebeu um grupo de moradores do bairro Jd. Lapenna, que reivindicou o descongelamento de verbas para obras de drenagem na região. Antes, porém, detalharemos nossa abordagem metodológica.

Abordagem Metodológica e Materiais de Pesquisa

Propomos uma aproximação exploratória e contextualista, a partir da descrição das categorias discursivas que surgiram na deliberação do caso do Jd. Lapenna. Ela é exploratória, uma vez que não existe investigação anterior sobre o caso e não foram estabelecidas prioridades de estudo (Shields & Rangarajan, 2013SHIELDS, Patricia M. & RANGARAJAN, Nandhini. (2013), A playbook for research methods: Integrating conceptual frameworks and project management, Oklahoma, New Forums Press.; Denzin & Lincoln, 2018DENZIN, Norman K. & LINCOLN, Yvonna S. (2018), The Sage handbook of qualitative research. 5a Edição, Los Angeles, Sage Publications.). É contextualista, porque se refere a sistemas simbólicos; ou seja, assume que as interpretações estão sempre vinculadas a um contexto de valores, crenças e práticas (culturais, formas de vida, jogos de linguagem ou tradição) que nunca são, ao mesmo tempo e completamente, capazes de articulação. O contexto é produzido na prática social, pela formulação de perguntas sobre significados, identidades e lugares de falas (Grossberg, 1997GROSSBERG, Lawrence. (1997), Bringing it all back home: Essays on cultural studies, Durham, Duke University Press.; Holstein & Gubrium, 2004HOLSTEIN, James A. & GUBRIUM, Jaber F. (2004), “Context: Working it up, down and across”. Qualitative research practice: 297-311.; Schwandt, 2014SCHWANDT, Thomas A. (2014), The Sage dictionary of qualitative inquiry, Los Angeles, Sage publications.).

Esta constatação também está evidenciada na miríade de estudos que se valem de análises institucionalistas para abordar a atuação da sociedade e suas relações com governos em perspectiva histórica (Lavalle et al., 2019LAVALLE, A. G.; LEIRNER, A.; ALBUQUERQUE, Maria do Carmo & RODRIGUES, F. P. (2019), “As dificuldades da participação: desencontro de interesses na recuperação do rio doce”. Revista Psicologia Política, 19 (1): 121-145.). Todavia, já há análises de como as ideias organizam a ação de burocracias específicas, e igualmente estudos sobre como as formas de governança em rede permitem que os gestores públicos exerçam uma agência considerável na formação das instituições, através das quais o Governo interage com os cidadãos, organizações da sociedade civil e empresas (Jeffares & Skelcher, 2011JEFFARES, Stephen & SKELCHER, Chris. (2011), “Democratic subjectivities in network governance: A Q methodology study of English and Dutch public managers”. Public Administration, 89 (4): 1253-1273.); e, também, análises sobre como as percepções de atores do chamado Sistema de Integridade (juízes, promotores e delegados) quanto à corrupção estão correlacionadas aos fluxos da justiça no combate à corrupção (Nupps, 2019NUPPs (Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas – USP), ABJ (Associação Brasileira de Jurimetria) e CNJ (Conselho Nacional de Justiça). (2019), “Justiça Criminal, Impunidade e Prescrição”. Relatório Analítico Propositivo – Justiça em Pesquisa, Disponível em http://www.iea.usp.br/eventos/documentos/JusticaCriminal_ImpunidadeePrescricao.pdf, consultado em 23/11/2020.
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); ou, ainda, como a articulação entre ideias e instituições “moldam a política de políticas públicas” (Béland, 2019BÉLAND, D. (2019), How ideas and institutions shape the politics of public policy, Nova York, Cambridge University Press.; Romão Netto, 2019ROMÃO NETTO, José Veríssimo. (2019), “Políticas de Cultura no Brasil: uma análise ideacional da 54ª legislatura (2011-2015)”. Revista de Sociologia e Política, 27 (70).).

Estudos recentes sobre processos de participação têm direcionado suas análises para a dimensão cognitivo-simbólica (Lavalle et al., 2019LAVALLE, A. G.; LEIRNER, A.; ALBUQUERQUE, Maria do Carmo & RODRIGUES, F. P. (2019), “As dificuldades da participação: desencontro de interesses na recuperação do rio doce”. Revista Psicologia Política, 19 (1): 121-145.). Primeiramente, compreende-se que Estado e sociedade civil constituem-se mutuamente. Nesta interação entre atores sociais e políticos, valores, ideias e símbolos são confrontados e recompostos, construindo capacidades cognitivas estatais; isto é, formas pelas quais tanto o Estado passa a conhecer a sociedade, como ela própria passa a se reconhecer (Szwako & Lavalle, 2019SZWAKO, José & LAVALLE, Adrian Gurza. (2019), “Seeing Like A Social Movement: Institucionalização simbólica e capacidades estatais cognitivas”. Novos Estudos, 114: 411-434.). A construção dessas capacidades pode tanto estruturar políticas, como ter efeitos sobre a forma como os próprios atores sociais se veem, podendo, inclusive, orientar novas ações.

Buscamos, em nossa análise, enfocar a dimensão cognitivo-simbólica. Dessa forma, apresentamos categorias do contexto discursivo, que revelam as relações, na referida dimensão, entre as organizações (estatais e privadas) e os indivíduos da comunidade, na dinâmica deliberativa. Nossos dados partem do registro das circunstâncias e de seus significados, bem como das intenções, estratégias e motivações dos sujeitos deliberantes que participaram do Minipúblico do Jd. Lapenna. A validade do método se dá na medida em que a “validade” é avaliada em termos do consenso percebido entre os deliberantes em relação a palavras, conceitos e padrões emanados do processo deliberativo (Schwandt, 2014SCHWANDT, Thomas A. (2014), The Sage dictionary of qualitative inquiry, Los Angeles, Sage publications.). Neste sentido, os Minipúblicos são experiências ricas, dado que a intenção última do procedimento é de que, da maneira mais formal possível, sejam apresentadas recomendações consensuais extraídas do processo deliberativo, das quais emanem, propositivamente, as demandas e os posicionamentos políticos acerca do problema discutido.

Os materiais que serão aqui analisados são transcrições das fases de deliberação do Minipúblico. Trata-se de áudios e vídeos que foram transcritos da etapa deliberativa (na qual os cidadãos deliberam acerca dos problemas propostos e formam uma razão coletiva, da qual emergem as recomendações aos tomadores de decisões), em suas fases de discussões em grupos menores, bem como das deliberações finais, feitas em plenária com todos os participantes.10 10 Os áudios e transcrições com o Coletivo “Delibera Brasil” estão à disposição para análise.

As categorias iniciais inspiram-se em conceitos que são facilmente encontrados tanto na literatura sobre as relações entre Estado e sociedade civil, quanto nas falas de atores da sociedade civil e de governos, sobre as relações entre ambos. A intenção, aqui, é simplesmente evidenciar, de maneira exploratória, uma classificação que estabeleça uma ressonância entre os debates teóricos e a prática argumentativa estabelecida por atores sociais diversos. Assim, estabeleceram-se cinco categorias, como descritas abaixo:

  • Advocacy: expressando falas que indicam a influência que pode ser exercida a partir da sociedade civil sobre todas as fases do ciclo de políticas públicas. Deve-se ressaltar a associação entre advocacy e participação social, especialmente como oposição ou supervisão desenvolvidas de maneira independente do arranjo organizacional de instituições públicas;

  • Relações entre Estado/Governo/Gestão Pública e Sociedade Civil: falas que endereçam as questões/problemas discutidos para as organizações públicas estatais e paraestatais, das Administrações Direta e Indireta, especificamente em suas interfaces com a sociedade civil, seja como oposição, supervisão ou cooperação de gestão de políticas públicas. O tom da proposição deve ser destacado nesse sentido;

  • Consenso: falas que endereçam concordância quanto ao problema discutido, seja em expressões que demonstrem combatividade em relação a um opositor consensualmente determinado (como o Estado, uma empresa etc.), ou propositiva, no sentido de endereçar uma sugestão de encaminhamento do problema discutido para um interlocutor (Estado, empresas etc.);

  • Bem-comum: falas que expressam, de maneira consensual ou não, perspectivas quanto ao melhor caminho para a solução do problema discutido. Tais falas constituem estruturações discursivas, que emitem ideias de construção, reconhecimento ou reivindicação de benefícios coletivos e/ou difusos, que não sejam unicamente voltados a uma pessoa, organização ou agrupamentos específicos;

  • Disputa política: falas que desenvolvam argumentos que indiquem rivalidade ou concorrência em relação ao problema discutido. Essas colocações podem ser seguidas ou não de proposições consensuais. O que se deve destacar é o momento do conflito e as direções tomadas pelos argumentos, cabendo salientar o objeto da disputa, os envolvidos e os fundamentos discursivos.

Ao longo do processo de análise, três novas categorias discursivas emanaram dos dados. Essas categorias foram deduzidas a partir das construções narrativas, conforme serão detalhadas na seção analítica.

  • Encaminhamentos técnicos/deliberativos: falas que encaminham soluções e/ou alternativas, ainda não consensuais, e que não representam disputa política. Essas falas são geralmente técnicas e/ou operacionais e dizem respeito ao cerne do objeto em discussão;

  • Relações entre Estado/Governo/Gestão Pública e indivíduo: falas que endereçam as questões/problemas discutidos sobre a organização e atuação do Estado (impostos, taxas, regularizações de atividades privadas), especificamente em suas interfaces com a ação privada dos indivíduos. Podem ser falas que reconhecem a ação do Estado, no sentido de taxação e/ou regulação de atividades privadas, mas também podem ser falas que reivindicam ações do Estado, a partir de uma perspectiva individual e visando à regulamentação de ações privadas não organizadas, como associações, sindicatos etc;

  • Organização Comunitária: falas que dizem respeito à ação coletiva dos indivíduos. Podem ser falas que propõem ou reconhecem a organização coletiva de atores sociais tomados individualmente, e que organizam ações coletivas pontuais ou duradouras, mas que não se configuram como uma organização da sociedade civil.

A partir de todas estas categorias, o conjunto do material coletado em campo foi submetido a uma análise de conteúdo, considerando tanto um movimento dedutivo quanto outro indutivo, permitindo que novas categorias emergissem a partir do conteúdo desse material. Tal metodologia é utilizada em casos nos quais há poucos estudos prévios da temática analisada, e as categorias a serem codificadas também podem derivar diretamente do material ideacional em análise (Neuendorf, 2016NEUENDORF, Kimberly A. (2016), “Measurement and validity”, in The Content Analysis Guidebook, Los Angeles, Sage Press: 121-161.; Vaismoradi et al., 2013VAISMORADI, Mojtaba; TURUNEN, Hannele & BONDAS, Terese. (2013), “Content analysis and thematic analysis: Implications for conducting a qualitative descriptive study”. Nursing & health sciences, 15 (3): 398-405.).

A intenção era de que o fenômeno fosse descrito de uma maneira conceitual, porque a análise de conteúdo permite o exame da informação como representação de textos, imagens e expressões a serem vistas, lidas e interpretadas pelos seus significados, devendo assim ser analisadas com tais usos em mente (Vaismoradi et al., 2013VAISMORADI, Mojtaba; TURUNEN, Hannele & BONDAS, Terese. (2013), “Content analysis and thematic analysis: Implications for conducting a qualitative descriptive study”. Nursing & health sciences, 15 (3): 398-405.). A estratégia de análise foi dupla. Primeiramente, todas as transcrições das deliberações serviram para a geração de nuvens de palavras. Essas nuvens identificaram as palavras mais utilizadas por todos que participaram dos Minipúblicos, na etapa deliberativa. Em seguida, estas palavras foram inseridas em seus contextos, momento a partir do qual foi feita uma análise de conteúdo do material.

As nuvens de palavras representação visual da frequência das palavras no texto − foram elaboradas a partir da condensação das transcrições do Minipúblico, em dois momentos específicos: Grupos de Deliberação (referentes às discussões ocorridas no segundo dia de Minipúblico, quando os sorteados foram separados em grupos menores para tratar das questões levantadas) e Deliberação Final (referente à rodada geral de discussão e elaboração das recomendações). O material foi ainda separado, para que as falas dos participantes fossem contrastadas com as falas das facilitadoras, possibilitando uma análise mais específica em termos de expressões linguísticas recorrentes no processo, e utilizadas por cada um desses grupos de atores.

Para a construção dessa análise, utilizou-se a ferramenta online TagCrowd,11 11 Ver: https://tagcrowd.com, acesso em 07/08/2019. mediante a aplicação dos seguintes critérios: geração de nuvens de 150 ou 100 palavras, com a frequência de aparição de palavras de no mínimo três ou até cinco vezes no texto, excluindo algumas expressões linguísticas irrelevantes para análise (daí, lá, ‘pra’, entre outras).

A análise de conteúdo, segundo momento da estratégia de abordagem dos dados, consistiu em separar as transcrições em pequenas unidades de conteúdo e submetê-las a um tratamento descritivo (Vaismoradi et al., 2013VAISMORADI, Mojtaba; TURUNEN, Hannele & BONDAS, Terese. (2013), “Content analysis and thematic analysis: Implications for conducting a qualitative descriptive study”. Nursing & health sciences, 15 (3): 398-405.; Neuendorf, 2016NEUENDORF, Kimberly A. (2016), “Measurement and validity”, in The Content Analysis Guidebook, Los Angeles, Sage Press: 121-161.), para que se investigasse o conteúdo das ideias nelas envolvidas. Para tanto, foi utilizado o software proprietário MaxQDA.12 12 Ver: https://www.maxqda.com/, acesso em 07/08/2019. Como se trata de uma aproximação exploratória, a análise de conteúdo serve, neste artigo, para relatar os usos comuns de ideias compartilhadas ou antagônicas, percebidas nos processos deliberativos do Minipúblico do Jd. Lapenna, nas referidas etapas do processo.

Análise dos dados

Os dados analisados, nesta seção, referem-se às transcrições da etapa deliberativa (na qual os participantes deliberam sobre o problema proposto), em seus dois momentos: nos Grupos de Deliberação e na Deliberação Final. O tipo de transcrição dos áudios e vídeos constitui uma transcrição não naturalista; ou seja, aquela que privilegia o discurso verbal, não se atendo à preservação minuciosa de elementos da entrevista para além do conteúdo verbal, tais como a linguagem não-verbal, aspectos contextuais e de interação (Azevedo et al., 2017AZEVEDO, Vanessa; CARVALHO, Margarida; FERNANDES-COSTA, Flávia; MESQUITA, Soraia; SOARES, Joana; TEIXEIRA, Filipa, & MAIA, Ângela. (2017), “Transcrever entrevistas: questões conceptuais, orientações práticas e desafios”. Revista de Enfermagem, IV (14), 159-168. https://dx.doi.org/10.12707/RIV17018.
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).

Numa primeira etapa, serão analisadas as nuvens de palavras decorrentes destes momentos. O objetivo de identificar as frequências das palavras mais utilizadas é de que elas sejam posteriormente contextualizadas nas transcrições. Isso permitirá que as palavras mais frequentes (tanto utilizadas pelas facilitadoras dos processos deliberativos, quanto pelos cidadãos deliberantes) sejam circunscritas em seus contextos discursivos, que, por sua vez, serão destacados para análise.

Etapa 01 - Análise das nuvens de palavras

Para as falas dos deliberantes, durante os Grupos de Deliberação, elaborou-se uma nuvem de 200 palavras, que se repetiram, no mínimo, cinco vezes, em um universo de 29.250 palavras transcritas. De maneira geral, 69% das falas são femininas (1247 intervenções), enquanto os homens falaram 566 vezes. As frequências de palavras demonstram uma discussão mais assertiva, no que diz respeito à finalidade do processo deliberativo: a revitalização da rua Rafael Zimbardi. Notam-se menos palavras de cunho generalista, e repetições expressivas ocorrem em palavras como “rua” (153), “lixo” (126), “carro” (109), “calçada” (103) e “casa” (89). Elas também podem ser percebidas na utilização de expressões, como “estação” (56), “escola” (43), “prefeitura” e “iluminação” (29), que denotam a orientação dos grupos para temas relacionados ao poder público.

A partir de uma nuvem de 150 palavras reiteradas por no mínimo cinco vezes, as facilitadoras, ao longo do processo de mediação, utilizaram-se repetidamente de palavras que variaram entre verbos de ação reflexiva e opinativa. Há uma quantidade grande de “não” (310)” e “então” (220), que provavelmente foram utilizados como itens continuativos em sentenças longas. Também aparecem muitas inflexões dos verbos ‘achar’ e ‘falar’, tais como: “acham” (73), “acha” (51), “acho” (23), “falou” (31), “falando” (26), “falar” (23), “falaram” (17) o que pode estar associado a estímulos para favorecer o processo deliberativo. As palavras “questão” (40 vezes), e “solução” (19) podem denotar estímulo, no sentido de favorecerem a compreensão de uma ideia ou proposição. Notam-se, também, as palavras que dizem diretamente respeito ao objeto da deliberação, a rua Rafael Zimbardi, tais como: “rua” (74), “calçada” (61), “carro” (35), “trecho” (34), “árvore” (28), “estacionar” (28), “lixo” (25). As palavras “ecoponto” (19) e “prefeitura (06) e “CPTM” (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) (10) podem guardar aproximações discursivas com as relações estabelecidas entre a população e o Poder Público.

Já a Deliberação Final foi curta, o que se pode notar pelo universo de palavras de sua transcrição: 2939. Por esse motivo, a nuvem derivada desta etapa do processo foi elaborada com as 100 palavras que foram repetidas, ao menos, três vezes. Dentre os deliberantes, as mulheres tomaram mais a palavra (137 vezes), enquanto os homens, só 105. As palavras mais repetidas dizem respeito aos problemas relacionados à Rua Rafael Zimbardi: “calçada” (26), “rua” (20), “carro” (19) e “carros” (17), “gente” (16) e “passar” (13”). Algumas palavras podem ser associadas ao processo deliberativo propriamente dito, como “opção” (21), “acho” (14), “entendeu” (05), ‘entendi” (04) e ‘concordo” (04). A palavra “não” (64) aparece, novamente, com muita frequência e, talvez, tenha sido empregada como item continuativo em sentenças longas.

As facilitadoras também falaram muito sobre as questões objetivas, ao longo da Deliberação Final. Palavras como “calçada” (79), “carro” (54), “recuo” (49) e “trecho” (39) dão essa dimensão. Palavras que denotam encaminhamento ou estímulo de processo deliberativo também se repetiram, mas com menor frequência. Nesse sentido, cabe notar palavras, como “solução” (16), “questão” (15), “problema” (13), “possibilidade” (12) e “prioridade” (07).

Respeitando a separação dos momentos de fala, entre deliberantes e facilitadoras, e utilizando-nos das categorias criadas na seção anterior, as próximas análises circunscreverão a palavra que, em seu contexto narrativo, foi a mais falada pelos deliberantes no Jd. Lapenna, ou seja, “rua”, repetida 282 vezes. Isso se deveu ao fato de essa palavra estar substantivamente associada aos problemas levantados para discussão no Minipúblico: a proposta de um projeto de reurbanização da Rua Rafael Zimbardi.

Etapa 02 – Análise de conteúdo

A estratégia de analisar os contextos nos quais a palavra selecionada foi mais utilizada demonstrou-se exitosa, uma vez que as principais discussões tiveram seu enredo permeado pela referida palavra. Abaixo, descrevemos algumas das discussões em seus respectivos âmbitos, classificando as frases nas quais a palavra “rua” foi utilizada de acordo com as categorias previamente estipuladas, a partir dos debates teóricos sobre participação e deliberação políticas.

Logo no início das exposições, nos Grupos de Deliberação, já se pode notar o contexto de disputa política, nas falas dos participantes. O assunto sobre o uso do espaço da rua Rafael Zimbardi pelos camelôs evidenciava-se como central. O sentido de tráfego dos carros pela via assumia um contorno de (re)organização do posicionamento dos camelôs na rua. A solução inicial, pensada pelos moradores da região, foi a ampliação da rua. Para isso, seria necessário intervir nos recuos das residências em relação à calçada. Ao defender a criação de um espaço exclusivo para os camelôs, a fala de uma deliberante, em dado momento do debate, evidencia a centralidade da questão:

Porque aí vai ficar fechado e eles já vão ficar igualzinho o calçadão de São Miguel, eles já vão achar que é próprio para o camelô. Mas, na minha opinião, é que não feche, use esses espaços para fazer, no caso, a pracinha, e começaria a mexer na rua, na verdade, desde esse iniciozinho aí, olha, uma calçada alargada, iluminação, arrumar o paisagismo... essas coisas! (DELIBERANTE, Transcrição dos Grupos de Deliberação)

Como veremos mais à frente, há também, no trecho acima, uma intersecção com o bem-comum; entretanto, cabe salientar que, neste momento inicial, a disputa/argumentação política já era emitida pelos deliberantes. Outra discussão, que foi prolongada pelos deliberantes nos Grupos de Deliberação e que revelava disputa política, foi a questão do estacionamento na rua Rafael Zimbardi. A estreiteza dessa rua e de suas calçadas força os pedestres a andar pela rua, situação que é piorada pela falta de sinalização de estacionamento para os carros. Para este problema, diversas alternativas foram dadas pelos deliberantes, como fechar a rua para carros, alternar os lados pelos quais os carros podem passar, entre dias pares e dias ímpares (de modo a não sobrecarregar nem o comércio, nem os moradores, com o estacionamento ficando apenas de um dos lados). A fala desta deliberante representa bem o embate político estabelecido nos debates:

Então, se ficar carro estacionado do outro lado – um exemplo – e vir um carro descarregado do lado do comércio, aí não vai passar; como que nós, pedestres, vamos passar, se a rua é estreita? Aí, quando a gente vai na rua, as peruas vêm buzinando para a gente subir para a calçada. A calçada é estreita, nós subimos, eles passam e vamos para a rua, porque não tem espaço! A calçada é estreita, só cabe uma pessoa só, uma para ir e outra para voltar, tem que uma se afastar um pouco para a outra passar. (DELIBERANTE, Transcrição dos Grupos de Deliberação)

A questão do lixo depositado na Rua Rafael Zimbardi também se colocou como central para os deliberantes dos Grupos de Deliberação. Nessa discussão, levantaram-se os seguintes problemas: como depositar o lixo na rua e animais rasgarem os sacos espalhando o lixo; horário e local de depósito do lixo para coleta; enchentes e o serviço público de coleta. Mas, o ponto mais interessante é que dessas discussões emanou a categoria discursiva organização comunitária, a qual, como exposto em seção prévia, trata da organização coletiva dos cidadãos, sem intermédio de instâncias estatais e com o objetivo de organizar a ação coletiva. A fala da deliberante explicita esse ponto, que apareceu tanto na questão da organização da coleta do lixo, quanto na relativa ao fechamento de ruas para lazer:

Na minha opinião, no pedaço da minha rua, a gente combina. Tem um lixo na porta da sua casa? Você varre, junta. Eu tenho na minha porta? Varre, junta e põe em um saquinho e espera o lixeiro chegar! Agora, se eu tenho um lixo na minha casa, eu vou varrer na porta do vizinho, o vizinho vai varrer na porta do outro, e nunca nós vamos chegar em um ponto, então a gente junta e a gente deixa o nosso pedaço limpo! (DELIBERANTE, Transcrição dos Grupos de Deliberação)

As falas das facilitadoras nos Grupos de Deliberação no Lapenna se deram no sentido do encaminhamento técnico ou deliberativo. É possível, todavia, perceber duas formas de inserir o contexto de encaminhamento. Nota-se uma estratégia de mediação, na qual a facilitadora, após o encaminhamento de um consenso, complexifica-o e reabre o tema propondo uma priorização, sendo ela, neste caso específico, sobre em qual dos cruzamentos da Rafael Zimbardi seria colocado um redutor de velocidade:

Então, consenso! E os outros grupos que não me venham tirar esse consenso, né?! (risos). ‘Tá, aí tinha uma outra questão, que é aquela da faixa elevada na entrada das ruas. (FACILITADORA, Transcrição dos Grupos de Deliberação)

Esta tática difere de outra, empregada em deliberação conduzida por uma facilitadora, em que se nota a proposição de encaminhamentos de novas questões sem conflitos:

Outro assunto! Vamos falar de lazer? Porque não deu muito tempo para o outro grupo falar, então eu vou inverter! Lazer, gente! Queria que vocês aí pensassem o quê que vocês acham que em vários trechos da rua – pensando em cada trecho da rua –, o quê que poderia ser feito ou quê que poderia ser bom usando, claro, com calçada maior, aumentando a calçada, fazendo algum espaço perto do muro, que possiblidade vocês veem de lazer para criança...? Vamos começar para criança...! (FACILITADORA, Transcrição dos Grupos de Deliberação)

Cabe ressaltar que a própria inclusão de um tema remete também à categoria de disputa/argumentação política. Ao se acompanhar o processo de deliberação, a partir das intervenções desta facilitadora, é possível capturar as relações entre as proposições de mediação e o surgimento, mais uma vez, da categoria organização comunitária. Em uma de suas falas, a facilitadora estimula essa reflexão, entre os deliberantes, de uma possibilidade de organização coletiva para a solução dos problemas enfrentados pela população:

Então, nessa região aí, o quê que vocês acham? Vocês acham que tem como falar com os comerciantes e com os moradores da rua... eles se organizarem de alguma maneira? (FACILITADORA, Transcrição dos Grupos de Deliberação)

A outra categoria de contexto discursivo, que emergiu das discussões, foi Relações entre Estado/Governo/Gestão Pública e o indivíduo. A partir de debates gerais, não é raro exposições que reivindicam ações do Estado, a partir de uma perspectiva individual algo evidente, e muito presente, no debate sobre a iluminação das ruas:

Depois dessa, descendo direto aí, tem a escola, aí a Luiz do Couto, que é a rua que moro, ela desce assim; aí, quando eu trabalhava de manhã, eu subia essa rua, né, para pegar essa daqui – a Rafael Zimbardi –; então, essa rua de manhã cedo é muito escura, quatro horas da manhã é muito perigosa, quatro horas, cinco horas, é pouca iluminação. (DELIBERANTE, Transcrição dos Grupos de Deliberação)

Na Deliberação Final, os deliberantes apresentaram menos problematizações em suas colocações, manteve-se a questão do sentido do fluxo dos carros na Rua Rafael Zimbardi, mas foi possível notar um tom mais propositivo nas falas categorizadas como disputa/argumentação política. A seguir, a fala da deliberante demonstra essa percepção:

Olha, o meu modo de pensar, também... depois que vocês mudarem aí, todo mundo vai ser obrigado a usar a rua de baixo, quem tem carro de passeio. Só quem vai estar usando aí em cima é caminhão de entrega, pessoal que não conhece, mas todo mundo da Vila vai saber que carro de passeio tem acesso lá, vai começar a usar a rua de baixo, e vai diminuir aqui em cima, principalmente no horário de fluxo! (DELIBERANTE, Transcrição da Deliberação Final)

Pelo lado das intervenções das facilitadoras, observam-se os mesmos tipos de imisção, do que em suas participações anteriores de encaminhamento técnico/deliberativo; ou seja, mediações de cunho orientador (seja de caráter técnico, ou para organizar o fluxo da deliberação). Mas há uma diferença entre o que se observou nas falas anteriores, no Grupo de Deliberação, em relação às intervenções de facilitação ao longo da Deliberação Final. Aqui, as intervenções das facilitadoras foram mais assertivas e direcionadas para organizar as proposições finais extraídas dos deliberantes. A fala destacada abaixo, de uma das facilitadoras na Deliberação Final, demonstra esse ponto:

E a [...] já chegou em um ponto legal, porque isso é uma solução técnica, então, aqui, o arquiteto, o urbanista têm outras infinitas formas de fazer isso com coisinha, tampando lá, tampando lá, como faz na Europa, um negócio aqui, com corrente, etc. Mas, a deliberação é: “todo mundo concorda que alguma forma de estacionamento – nem que seja por quinze minutos com o pisca-alerta ligado – tem que ter? Todo mundo concorda que em horário de fim de semana tem que ter espaço de estacionamento mais livre do que nos horários de fluxo? Todo mundo concorda que a rua tem que ter ida e volta, duas mãos, por que é impossível fazer o retorno ali embaixo? Todo mundo concorda que o espaço de calçada tem que ser aumentado, especialmente do lado do comércio?” Consenso de todo mundo! Como é que resolve isso tecnicamente? Problema dos urbanistas! Eles resolvam! A ideia foi... (FACILITADORA: Transcrição da Deliberação Final)

A despeito de terem sido induzidas as categorias Advocacy e Relações entre Estado/Governo/Gestão Pública e a Sociedade Civil, a análise dos contextos discursivos não evidenciou nenhuma intervenção correspondente a elas. Encontrou-se, por outro lado, a categoria de organização comunitária, que se refere à tentativa autônoma de organizar a ação coletiva, mas a referência a organizações da sociedade civil formalmente instituídas não ocorreu.

A tabela 1 sintetiza a classificação das diversas intervenções feitas pelos deliberantes e pelas facilitadoras, em todas as etapas do Minipúblico conduzido no Jd. Lapenna, e mostra a frequência das categorias de contexto discursivo encontradas. Duas questões devem ser destacadas sobre a robustez do processo deliberativo.

Tabela 1
Frequência das Categorias Discursivas no Minipúblico do Jardim Lapenna* * Não houve casos, nas categorias Advocacy e Relações Estado/Governo/Gestão Pública e Sociedade Civil. Elaboração dos autores, 2020. (Base: trechos circunscritos das transcrições das deliberações).

Primeiramente, e no que diz respeito aos aspectos que envolvem a reurbanização da Rua Rafael Zimbardi, nota-se um vigor discursivo evidenciado pela quantidade de destaques feitos para a análise, sendo 348 trechos ressaltados nas falas dos atores envolvidos. Em segundo lugar, cabe reiterar que a categoria mais encontrada nas intervenções dos Deliberantes foi de disputa política (143 intervenções, sendo 131 já nos Grupos de Deliberação). Mais um ponto que ressalta tal característica é a emergência da categoria discursiva organização comunitária. Pode-se afirmar que esta é uma categoria cara às proposições normativas, feitas tanto por participacionistas, quanto por deliberacionistas. Conforme a tabela 1, verifica-se que ela foi utilizada em seis momentos pelos deliberantes.

Outro aspecto importante nos dados diz respeito à quantidade de intervenções. Por óbvio que pareça ser, é significativo notar que os deliberantes falam mais nos Grupos de Deliberação, ao passo que as facilitadoras o fazem mais na Deliberação Final. Conforme se demonstrou pelos excertos e ao se concentrar na categoria de encaminhamentos técnicos/deliberativo das facilitadoras, durante a Deliberação Final (25 intervenções), o esforço dessa mediação parece ter sido no sentido de evidenciar os encaminhamentos propostos pelo plenário. Essa constatação é fundamental para o processo dos Minipúblicos e demonstra a importância da mediação, uma vez que o método deliberativo se propõe a consolidar recomendações técnicas elaboradas por cidadãos que nunca refletiram de maneira qualificada e propositiva sobre o assunto em pauta.

Ainda na comparação entre Deliberantes e Facilitadoras, o Gráfico 1 demonstra como estes atores endereçaram suas intervenções a partir destas categorias discursivas. Evidencia-se, mais claramente, que as intervenções dos deliberantes foram fortemente no sentido da disputa e argumentação políticas, enquanto as das facilitadoras se direcionaram para os encaminhamentos técnicos/deliberativos.

Gráfico 1
Fases da Deliberação e Tipo de Orador por Categorias Discursivas, Lapenna

Finalmente, cabe retomar a análise sobre o quanto de interseção de categorias há nestas intervenções. Foram 74 casos de intersecções, sendo que alguns se interseccionavam com mais de uma categoria, totalizando 83 sobreposições entre as categorias. A Tabela 2 apresenta a frequência dessas sobreposições. A combinação entre disputa/argumentação política e encaminhamentos técnicos/deliberativos é a mais comum (ocorreu 44 vezes), e pode ser facilmente compreendida como recurso de facilitação para organização e explicitação de fluxos deliberativos que emergem e precisam ser encaminhados.

Tabela 2
Frequência de Sobreposições das Categorias de Contexto Discursivo

A sobreposição de Relações Estado e Indivíduo com disputa/argumentação política é a segunda mais frequente (ocorreu 16 vezes). Nela, as falas tratam de tomadas de decisão no âmbito governamental sobre a regulação de debates entre diferentes atores, bem como sobre o uso de recursos escassos para interesses mutuamente excludentes (iluminação da rua vs. lombada ou faixa verde).

Cabe também notar que intervenções classificadas como bem-comum aparecem 10 vezes na tabela 2, e sua maior sobreposição é com disputa/argumentação política (tabela 2). Isso ocorreu principalmente em casos que relacionavam questões ambientais e direitos de pessoas com deficiência.

Assim, o conjunto dos dados aqui apresentados permite evidenciar que os deliberantes expuseram suas posições de maneira argumentativa, a partir de uma disputa política local, explorando detalhes de uso do espaço público e confrontando seus argumentos individuais com proposições acerca de ações que o Estado deveria tomar. Ademais, no que se refere aos trechos da rua em que essa disputa política era menor, houve a reflexão sobre a capacidade de se incentivar a organização comunitária. Nesse sentido, avaliamos que a aposta normativa posta pelo Minipúblico a de ser capaz de produzir razão pública tem se mostrado potencialmente factível. Entretanto, parte da abordagem que tradicionalmente é mobilizada pela literatura de participação esteve ausente, o que deve suscitar reflexões para o campo.

Considerações Finais

Pode-se afirmar que os Minipúblicos, a despeito de terem sua utilização ainda incipiente no Brasil, demonstram um grande potencial como ferramentas de qualificação democrática. Os Minipúblicos entregam um resultado intermediário valioso para a produção de políticas públicas locais. No caso, as sugestões de reurbanização da Rua Rafael Zimbardi no Jd. Lapenna foram entregues à Subprefeitura e consideradas pelo poder público. Além disso, Minipúblicos evidenciam-se como um instrumento interessante de facilitação e construção de encaminhamentos coletivos.

De uma perspectiva deliberacionista, o que se demonstrou para este artigo foi uma complexa atividade argumentativa dos participantes do Minipúblico. Os deliberantes perceberam, no processo de fala e discussão, que seus posicionamentos, para além de convergentes e/ou divergentes aos de outros participantes, poderiam ser elaborados visando a um resultado efetivo, sem que isso ocultasse os princípios, ideias e valores mais gerais que eram defendidos. Isso fica evidenciado, ao se notar que a categoria discursiva disputa/argumentação política é a mais frequente, além de se associar, ao longo do processo, à categoria encaminhamento técnico/deliberativo. Assim, avaliamos que a principal aposta normativa dos Minipúblicos de que se forme a opinião (razão pública) sobre a melhor decisão possível, a partir das informações disponíveis e da análise dos cenários e consequências envolvidos no objeto de deliberação foi alcançada em sua aplicação no Jd. Lapenna.

Se, por um lado, os achados, a partir da análise das categorias de contexto discursivo, permitem avaliar a qualificação do discurso e vislumbrar a premissa normativa deliberacionista, por outro lado, refletir sobre aquilo que não se encontrou também contribui muito para o debate. Além disso, tanto no que se refere aos potenciais dos Minipúblicos, quanto ao arcabouço normativo das “inovações democráticas”, em geral, fazem-se necessárias tais reflexões – inclusive, para o aperfeiçoamento de tais arenas.

Cabe refletir, portanto, sobre aquilo que não foi encontrado na pesquisa: as organizações da sociedade civil e suas relações com a política representativa e os governos. Em certo sentido, essa ausência coloca uma questão para o campo. Em geral, as abordagens analíticas enfocam o papel e a atuação da sociedade civil organizada e refletem sobre seu domínio de agência ou sua formatação de encaixes socioestatais – para citar apenas duas recentes incursões dos estudos sobre participação. Mas, é curioso que, mesmo tendo sido expostos a argumentos de ativistas sociais e organizações, ao longo da etapa informativa do Minipúblico, e de também terem deliberado em um espaço de um desses atores institucionais (a Fundação Tide Setúbal), os deliberantes não tenham mobilizado argumentos que evidenciassem o lugar dessas organizações nas relações com o Estado, tampouco se referido a essas organizações como intermediárias entre as recomendações elaboradas pelo Minipúblico e sua efetiva consecução pelo governo municipal. Nesse sentido, sequer o Colegiado do Plano de Bairro, solicitante do Minipúblico, foi referenciado, como também não houve menção a partidos políticos ou à política eleitoral; não se falou no Governo da vez ou em oposições políticas.

Uma questão central pode organizar as reflexões sobre como preencher tal lacuna. Se, conforme encontramos, a disputa política apareceu majoritariamente sobreposta a encaminhamentos técnicos e à defesa do indivíduo perante o Estado, podemos perguntar: qual é o lugar da política no processo deliberativo e na implementação de “inovações democráticas”, em especial, dos Minipúblicos? Há três abordagens que podem contribuir para a exploração e o levantamento de novas investigações: uma, acerca do desenho institucional dos Minipúblicos; outra, sobre os custos políticos dos atores envolvidos; e uma terceira, sobre a crise das instituições democráticas.

Primeiro, o desenho institucional dos Minipúblicos tende a contornar as posturas e assuntos político-partidários durante o processo deliberativo. A seleção dos deliberantes prevê filtros para não recrutar especialistas e ativistas no tema a ser deliberado (no caso do Lapenna, comerciantes da rua, membros do Colegiado etc.). Soma-se a isso o fato de que as discussões são focadas no objeto, evitando-se, via mediação, que assuntos paralelos ou distantes do foco deliberativo sejam nelas introduzidos. Tenta-se construir um ambiente imparcial, isto é, sem estímulos políticos prévios, mas que leve à resolução de um problema político.

A segunda abordagem possível para as agendas de investigações futuras trata dos custos de organização societal dos atores envolvidos. Essa questão pode ser considerada sob a ótica da capacidade de organização das entidades envolvidas, uma vez que as proposições feitas por um Minipúblico podem não ser atendidas pelo Poder Público, levando os cidadãos a um posicionamento de cinismo em relação à participação em geral e aos Minipúblicos em particular, ou até mesmo a uma indisposição em relação às organizações envolvidas, sejam elas aquelas que solicitaram o Minipúblico, sejam as que fizeram parte do Grupo de Conteúdo, ou ainda aquelas que o aplicaram.

A terceira diz respeito ao papel desempenhado pelos Minipúblicos em democracias representativas. Assumindo a premissa de que há uma crise, tanto no que se refere aos mediadores da política (organizações da sociedade civil, acadêmicos, partidos políticos e mídia tradicional), quanto às instituições democráticas, como o Congresso, o Judiciário e as eleições, a aposta normativa é de que os Minipúblicos atuariam como um elo entre o cidadão médio e os representantes nos parlamentos e os tomadores de decisões nas diversas instâncias de governos. Isso ocorreria porque, ao separar explicitamente o grupo político (Proponente e Grupo de Conteúdo) dos deliberantes, os Minipúblicos poderiam propiciar uma nova inserção desses mediadores tradicionais das democracias no debate público, diminuindo polarizações entre os cidadãos e orientando o debate para a resolução de problemas públicos.

Agradecimentos

Agradecemos às/aos pareceristas da RBCS, cuja dedicação e crítica fizeram deste um artigo melhor. Fernando Peres Rodrigues contribuiu decisivamente para a finalização deste artigo a partir da rodada de revisão, ajuda sem a qual não teríamos chegado até aqui. Muito obrigado.

  • 1
    O caso belga é emblemático, por vincular legalmente os Minipúblicos às instituições da democracia representativa. O “Modelo Ostbelgien” institui dois grupos de cidadãos selecionados por sorteio, sendo um deles o Conselho Cidadão, com 24 membros e mandato de 18 meses, e o outro, as Assembleias de Cidadãos, selecionadas e convocadas ad hoc, e compostas por ao menos 50 membros. Para detalhes da experiência, ver: https://www.belgium.be/en/about_belgium/government/communities/german-speaking_community e https://www.politico.eu/article/belgium-democratic-experiment-citizens-assembly/ (acesso em 22/01/2020).
  • 2
    Para estas e outras atividades de Minipúblicos no mundo, ver https://democracyrd.org/, acesso em 22/01/2020.
  • 3
    O Colegiado é composto pelas organizações: Associação Comunitária das Mulheres da Vila Nair, Creche Jd. Lapenna e Lapenna 1, CCA Procedu Jd. Lapenna, Escola Estadual Professor Pedro Moreira Matos, Fundação Getúlio Vargas, Fundação Tide Setúbal, Programa Ambientes Verdes e Saudáveis (PAVS), Sociedade Amigos do Jd. Lapenna, SOS Lapenna e Conselho Gestor e Programa Saúde da Família (PSF) da Unidade Básica de Saúde (UBS) Jd. Lapenna.
  • 4
    Trata-se de uma experiência de “quase-Minipúblico”, executada pelo Coletivo “Delibera Brasil”, em Ilhéus, que por não ter cumprido todos os critérios de aleatoriedade para o sorteio dos deliberantes, não é aqui considerada como o primeiro Minipúblico. Cabe dizer que já há uma segunda experiência realizada pelo “Delibera Brasil” e a Prefeitura de Fortaleza. Ver: http://deliberabrasil.org/, acesso em 26/09/2020.
  • 5
    Fundado em 2017, o “Delibera Brasil” é um Coletivo sem fins lucrativos, suprapartidário que visa contribuir para o fortalecimento e aprofundamento da democracia brasileira, promovendo a deliberação cidadã, principalmente a partir de metodologia conhecida como Minipúblico, integrado a processos de decisão e formulação de políticas públicas. Para saber mais: @deliberabrasil (medium, facebook).
  • 6
    Cotas básicas para recrutamento: de 16 a 18 homens e de 16 a 18 mulheres, distribuídos de 2 a 4 por faixa etária (16 anos ou mais), contando com 3 a 8 donas de casa e, no máximo, 2 aposentados que não trabalham, e 2 desempregados sem fonte de renda, sendo o restante com ocupação remunerada. Deveriam, ainda, ser recrutados ao menos 3 proprietários de automóvel ou moto, e 3 usuários de bicicletas.
  • 7
    Baseado em experiências internacionais e na prática de pesquisas qualitativas, o Colegiado aprovou a sugestão do Coletivo “Delibera Brasil” de oferecer uma ajuda de custo de R$ 50,00 aos deliberantes, como incentivo e compensação pela participação. É importante registrar que essa discussão suscitou uma reflexão por parte do Colegiado sobre o que os diferencia do morador “médio”, que precisa de incentivos maiores para participar.
  • 8
  • 9
    A partir de relato recente da FTS, membro do Colegiado do Plano de Bairro, o que se sabe, até o momento, é que a verba prevista no orçamento municipal de 2019, dentro da rubrica “Plano de Bairro”, foi utilizada em outra região da cidade, e que, já em 2020, a Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara de Vereadores de São Paulo recebeu um grupo de moradores do bairro Jd. Lapenna, que reivindicou o descongelamento de verbas para obras de drenagem na região.
  • 10
    Os áudios e transcrições com o Coletivo “Delibera Brasil” estão à disposição para análise.
  • 11
    Ver: https://tagcrowd.com, acesso em 07/08/2019.
  • 12
    Ver: https://www.maxqda.com/, acesso em 07/08/2019.
  • DOI: 10.1590/3610612/2021

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    22 Jan 2020
  • Aceito
    20 Set 2020
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