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Avaliação como construção social: investigação apreciativa

Evaluation as social construction: appreciative inquiry

Resumos

O presente artigo tem por objetivo delinear uma visão da avaliação como um processo, no qual aspectos positivos e generativos do contexto interativo podem ser explorados. Introduz-se a Investigação Apreciativa como uma abordagem válida e útil para a avaliação em diversos contextos. Ancorado no discurso construcionista social, a Investigação Apreciativa é apresentada como uma alternativa de avaliação promotora de mudanças em diversos cenários. A Investigação Apreciativa, como uma estratégia de avaliação, tem sido utilizada em variados contextos e culturas, mas ainda é pouco conhecida em nosso país como uma metodologia de avaliação e pesquisa.

investigação apreciativa; construção social; pesquisa


In this article we propose a view of evaluation as a process where positive and generative aspects of the interactive context are explored. Drawing on a social constructionist discourse, Appreciative Inquiry is presented as an alternative form of evaluation that promotes change. The use of Appreciative Inquiry as a strategy of evaluation has been used in different contexts and cultures, yet is not widely known in Brazil, as a research and evaluation methodology. This article attempts to introduce Appreciative Inquiry as a valid and useful approach of evaluation in different contexts.

appreciative inquiry; social construction; research


Avaliação como construção social: investigação apreciativa

Evaluation as social construction: appreciative inquiry

Laura Vilela e SouzaI; Sheila McNameeII; Manoel Antônio dos SantosIII

IUniversidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, Brasil

IIUniversity of New Hampshire, Durham, USA

IIIUniversidade de São Paulo, Ribeirão Preto, Brasil

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo delinear uma visão da avaliação como um processo, no qual aspectos positivos e generativos do contexto interativo podem ser explorados. Introduz-se a Investigação Apreciativa como uma abordagem válida e útil para a avaliação em diversos contextos. Ancorado no discurso construcionista social, a Investigação Apreciativa é apresentada como uma alternativa de avaliação promotora de mudanças em diversos cenários. A Investigação Apreciativa, como uma estratégia de avaliação, tem sido utilizada em variados contextos e culturas, mas ainda é pouco conhecida em nosso país como uma metodologia de avaliação e pesquisa.

Palavras-chave: investigação apreciativa; construção social; pesquisa.

ABSTRACT

In this article we propose a view of evaluation as a process where positive and generative aspects of the interactive context are explored. Drawing on a social constructionist discourse, Appreciative Inquiry is presented as an alternative form of evaluation that promotes change. The use of Appreciative Inquiry as a strategy of evaluation has been used in different contexts and cultures, yet is not widely known in Brazil, as a research and evaluation methodology. This article attempts to introduce Appreciative Inquiry as a valid and useful approach of evaluation in different contexts.

Keywords: appreciative inquiry; social construction; research.

A proposta construcionista social propõe uma forma alternativa de compreensão do mundo, fazendo a crítica da tradição moderna em ciência que propõe uma realidade objetiva que pode ser observada e mensurada. O pesquisador construcionista compreende que a realidade é construída a partir daquilo que as pessoas fazem juntas. E o que as pessoas fazem juntas está sempre contextualizado cultural e historicamente (Gergen, 1985).

O discurso construcionista social pode ser entendido como uma teoria em ação, uma teoria prática (Gergen, 2009), como um movimento (Méllo, Silva, Lima, & Di Paolo, 2007) ou como uma postura filosófica sobre o mundo (McNamee, 2002). É considerada uma teoria em ação porque dá ênfase às ações conjuntas das pessoas em relação. Para a compreensão dessa orientação, é necessário que se substitua o foco modernista no indivíduocomo-uma-entidade ou objeto para a ênfase nas práticas linguísticas, sendo que a linguagem é entendida em suas funções pragmáticas nas relações, em sua capacidade performativa, incluindo ações verbais, não-verbais, objetos e ambiente (Gergen, 1997). Aqui, a linguagem em uso não representa a realidade, mas constrói a realidade. Dessa forma, a compreensão da Verdade ou Realidade é substituída pelo entendimento de verdades e realidades plurais, que são localmente produzidas.

Além disso, essas múltiplas verdades e realidades têm uma dimensão cultural, histórica e situacional. Realidade e verdade, como crenças e valores, são sempre múltiplos. Além disso, elas são dependentes dos participantes envolvidos no seu contexto de produção (Spink, 2004).

Com a atenção centralizada nas práticas linguísticas das pessoas em relação, é possível desconstruir e reconstruir as narrativas por meio das quais as pessoas vivem e descrevem a si mesmas e ao mundo. O conceito de narrativa é definido por Gergen (1997) como um recurso conversacional, um dispositivo linguístico, que permite que as pessoas em interação construam e alterem suas construções sobre o mundo. Para esse autor, as narrativas podem ser entendidas como descrições que conferem sentido e organização à experiência, sendo construídas a partir do contexto cultural, político, econômico e social de sua produção. Elas ganham sua utilidade por meio das trocas sociais, nas diferentes conversas entre pessoas - conversas sendo entendidas como locus de produção de sentidos. Assim, uma narrativa é uma ação social, que age para criar, sustentar ou alterar diferentes relações sociais.

Não estamos sugerindo que indivíduos constroem realidades de maneira isolada, em uma orientação individualista sobre a origem do conhecimento. Nenhuma ação tem sentido sozinha. Nós podemos apenas construir significados na relação com os outros e, se queremos abrir espaço para diferentes possibilidades emergirem, podemos apresentar diferentes recursos conversacionais como forma de convidar as pessoas para construção de padrões de relação alternativos.

No entanto, os limites culturais e históricos das práticas linguísticas das pessoas, assim como os limites de cada contexto de produção particular, delimitam as possibilidades de ação e significados coconstruídos. Em outras palavras, o movimento construcionista não propõe uma filosofia do "tudo é possível", ou seja, que qualquer construção sobre o mundo pode ser feita, tendo em vista que as pessoas estão limitadas (bem como potencializadas) pelos aspectos históricos, contextuais e relacionais de suas interações (McNamee, 2006).

Dada a variedade das interações disponíveis para qualquer pessoa, grupo, organização ou cultura, uma diversidade de realidades, crenças e valores são possíveis. Tal diversidade certamente está relacionada a uma postura relativista com relação ao conhecimento, um relativismo delimitado por cada situação. Para a proposta construcionista existe uma ética para a ação, sendo importante entendê-la como sendo situada localmente. Uma vez reconhecido dentro de seu contexto local de produção, o diálogo sobre a diversidade das comunidades éticas pode ocorrer e prosperar. No entanto, esses diálogos não se prestam para a descoberta de qual ética é a mais correta. Ao invés disso, o objetivo do construcionista é descobrir formas por meio das quais as pessoas possam continuar juntas, tal como preconiza Wittgenstein (1953). A crítica ao suposto relativismo extremado não faz sentido, uma vez que se entende que as pessoas nunca produzem sentido por si mesmas, mas sempre na relação que estabelecem com os outros. As pessoas sempre têm que coordenar suas ações de modo que a realidade construída possa ser validada dentro de cada contexto de produção.

Somado a isso, o discurso construcionista social não nega a existência de um mundo físico e seus limites. Ao contrário, defende que é a maneira pela qual as pessoas falam sobre e se relacionam com o mundo físico/material que tem importância capital para nós, como seres sociais que somos (McNamee, 2006).

O discurso construcionista social, na forma aqui debatida, oferece uma perspectiva estritamente ética das relações humanas. O pesquisador construcionista olha para o contexto local, para os participantes que estão envolvidos no contexto de produção de sentidos e para as circunstâncias culturais e históricas mais amplas que trazem à tona os significados particulares e ações produzidas em um dado momento interativo (Gergen & Gergen, 2008). Desse modo, as pessoas - vistas sempre em contexto relacional -são responsabilizadas por suas escolhas e, mais importante, essas escolhas vão ser entendidas dentro do contexto de produção contínua das práticas relacionais. Então, sempre haverá possibilidade de inclusão das formas alternativas de entendimento em cada situação, uma vez que cada participante envolvido na coordenação de ações conjuntas carrega múltiplas possibilidades para a significação e ação.

Uma vez delimitado o contexto discursivo que alicerça a construção do presente estudo, apresentamos o objetivo deste trabalho, que é delinear uma visão da avaliação como um processo, no qual aspectos positivos e generativos do contexto interativo podem ser explorados. Desse modo, este estudo apresenta uma abordagem para a avaliação que focaliza os aspectos das interações que geram um bom funcionamento e a identificação de recursos que podem ser utilizados na busca de (dis) soluções para os problemas humanos.

Avaliação para a valorização

Ao proporem uma postura de avaliação como valorização (evaluation to valuation) do contexto estudado, os pesquisadores construcionistas apostam na busca por aquilo que está sendo valorizado e que de algum modo dá certo naquilo que as pessoas fazem juntas. Dessa forma, ao buscarem esses relatos de sucesso, realidades de sucesso podem ser construídas. Não se pretende negar a presença dos problemas ou minimizar sua importância, mas perceber que eles são produzidos na linguagem e nas relações nas quais as pessoas se engajam. O foco naquilo que é útil e funcional, em cada situação avaliada, decorre da escolha intencional de valorizar essas ações, ainda que esse método também leve em conta as descrições sobre os "problemas" percebidos ou enfrentados, caso apareçam (Cooperrider & Whitney, 2005).

McNamee (2002) apresenta uma proposta de avaliação que convida a uma atitude de apreciação por aquilo que é funcional e valorizado dentro de um contexto relacional. A autora contextualiza os processos convencionais de avaliação, situando-os como frutos de uma tradição moderna de pensamento, que preconiza a crença de que a mensuração objetiva pode determinar o que está funcionando ou não em uma organização.

Asensibilidade construcionista social alerta para a centralidade das ações das pessoas que estão avaliando e permite investigar como essas ações convidam ou repelem formas particulares de respostas. O foco é posto nas ações conjuntas, no convite e na forma como as demais pessoas suplementam esse convite. Para o pesquisador, então, a atenção é colocada sobre os tipos de perguntas formuladas e respostas que são recebidas. No momento em que uma pergunta é feita, também são criadas as limitações do que pode acontecer em seguida. Fazer perguntas sobre problemas convida respostas que elaboram, expandem e refinam uma realidade de problemas. Fazer perguntas sobre o que é valorizado e sobre experiências de sucesso é elaborar, expandir e construir possibilidades. Dessa maneira, quando se investiga algo, realidades são construídas e modificadas (McNamee, 2007). Então, os processos avaliativos são produzidos e também modificados na relação.

O mundo contemporâneo demanda informações avaliativas para a tomada de decisões que afetam a vida das pessoas e organizações. Essas informações são também valorizadas pelas comunidades científicas (Mc-Namee, 2007). Surge a questão sobre como é possível saber se uma organização, ou um projeto específico, ou um programa educacional, são efetivos. Como saber se uma equipe de gerenciamento está tendo uma boa performance? Como concluir que a assistência oferecida por um serviço de saúde está ajudando seus clientes? Como saber se o instrumento "correto" está sendo utilizado para medir o sucesso ou o fracasso quando existem vários instrumentos disponíveis? Essas questões são fundamentais para o construcionista, pois colaboram na identificação do aspecto relacional da produção de sentidos, que possui consequências significativas para o modo como as pessoas desenvolvem suas instituições e vivem suas vidas.

Questionada sobre o futuro do movimento construcionista social, McNamee (Guanaes & Rasera, 2006) afirmou que os pesquisadores têm diante de si o desafio de encontrar diferentes formas de compreensão sobre avaliação, sempre buscando deixar claros os valores e as crenças que estão presentes nos parâmetros a partir dos quais a avaliação é construída. A avaliação da eficácia de qualquer tratamento psicoterapêutico, por exemplo, não tem que, necessariamente, envolver uma única medida avaliativa. O que vale como efetivo em cada situação deve ser contextualizado a cada momento. Para McNamee, muito do descontentamento dos profissionais da área da saúde deve-se à dificuldade que eles encontram em se submeterem aos parâmetros abstratos das práticas avaliativas utilizadas (Guanaes & Rasera, 2006). Essa dificuldade emerge do sentimento de ineficiência e impotência que aparecem como consequência dos modelos tradicionais de avaliação.

Seguindo o mesmo argumento, Gergen e Gergen (2000) escreveram sobre o que o futuro, segundo sua opinião, trará em termos de desenvolvimentos científicos para a área da investigação qualitativa. Os autores anteciparam que os desenvolvimentos metodológicos futuros deverão valorizar uma sensibilidade relacional. De maneira específica, eles acreditam que, quando um método de pesquisa é escolhido, os pesquisadores devem ser sensíveis para reconhecer quais são as interações que estão sendo privilegiadas, qual a utilidade de suas escolhas para o contexto específico e para seus participantes em cada momento investigativo.

Ainda que a orientação construcionista seja uma alternativa radical ao modo modernista de investigação científica, é possível encontrar modelos metodológicos na literatura construcionista que localizam a conexão entre uma perspectiva relacional/construída de pesquisa e a forma quantitativa, controlada e "objetiva" de produzir conhecimento. Um exemplo de tal modelo é a Investigação Apreciativa (IA).

Esse modelo tem sido amplamente utilizado em diversos países com relatos de sucesso, consolidandose como uma estratégia promissora. Publicações com o foco no uso da Investigação Apreciativa têm se multiplicado ao redor do mundo (Carter, Cummings & Cooper, 2007; Finegold, Holland & Lingham, 2002; Kavanagh, Stevens, Seers, Sidani, & Watt-Watson, 2008; Lander & Graham-Pole, 2008; Marchionni & Richer, 2007; O'Brien, 2002; Rogers & Fraser, 2003; Shreeve, 2008; Spencer, 2004). Todavia, a IA é ainda pouco conhecida no Brasil, à exceção de sua aplicação como modelo de consultoria em empresas (Cooperrider & Whitney, 2005). Na próxima seção, é apresentado o histórico da IA e seus principais pressupostos, enfatizando o seu uso como um instrumento metodológico para a pesquisa científica.

Investigação Apreciativa (IA)

Na sua forma original, na língua inglesa, esse recurso conversacional é denominado de Appreciative Inquiry e pode ser traduzido para o idioma português como Investigação Apreciativa. Em países de língua espanhola a tradução mais usual e aceita é Dialogo Apreciativo ou Inquerito Apreciativo.

Cooperrider e Whitney (2005) utilizaram-se das definições de dicionário para explicar o significado do termo. A partir dessa referência, Apreciativa é definida como "o ato de reconhecer o melhor nas pessoas ou no mundo à nossa volta, afirmando as forças, sucessos e potenciais passados e presentes, perceber essas coisas que dão vida (saúde, vitalidade, excelência) aos sistemas vivos" (p. 9). E Investigação foi definida como "o ato de exploração e descoberta. Fazer perguntas, estar aberto a ver novos potenciais e possibilidades" (p. 9)

O foco principal desse método é a busca pelas descrições linguísticas apreciativas. Reed (2007) explica que esse foco emergiu de uma observação de David Cooperrider, durante suas pesquisas, da importância decisiva que têm os tipos de questões que o pesquisador faz. Cooperrider percebeu que tecer perguntas sobre o que as pessoas valorizavam em suas ações promovia um ambiente que facilitava o fluxo da conversa e contribuía para a promoção de transformações.

Em situações nas quais perguntas apreciativas eram formuladas, as pessoas foram capazes de se comunicar de maneira aberta e entusiasmada. Elas também se mostraram mais confiantes em si mesmas e começaram a valorizar as perspectivas das outras pessoas. E se mostraram mais dispostas a correrem riscos e promoverem mudanças. Além disso, o uso da IA em organizações criou a oportunidade para o desenvolvimento de novas informações, e os participantes se mostraram mais flexíveis a novas propostas (McNamee, 2003).

As raízes desse método encontram-se, prioritariamente, na área da pesquisa organizacional, especificamente, no estudo das dinâmicas organizacionais. Desde 1980, a IA tem sido utilizada em diferentes contextos, expandindo seu território para além da área organizacional na qual se originou. Ao longo dos anos, a IA tem sido considerada um método que facilita o diálogo, gerando a capacidade de compartilhar desejos, bem como a capacidade de fazer escolhas, de oferecer suporte mútuo e de ter uma atitude positiva frente à vida (Preskill & Catsambas, 2006).

Cooperrider (1986), um dos criadores da IA, empregou essa abordagem em seu projeto de doutorado na Case Western Reserve University, em Cleveland, Estados Unidos. Desde essa época, ele e outros estudiosos têm colaborado para a construção de uma série de iniciativas, que incluem a criação da revista on-line AIPractitioner (http://www.aipractitioner.com) que publica artigos sobre o uso da IA em variados contextos (escolas, organizações, comunidades, entre outros) e práticas colaborativas desenvolvidas em diversos países. A página na Internet nomeada Appreciative Inquiry Commons (http://appreciativeinquiry.case.edu) serve como um locus que permite aglutinar a produção de trabalhos, projetos, artigos e discussões sobre o uso e a prática da IA. Há uma profusão de outros recursos que emergiram dessa orientação.

Os cofundadores e colaboradores do The Taos Institute, uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo a promoção das práticas construcionistas sociais em vários contextos sociais, abre espaço em seu site na Internet (http://www.taosinstitute.net) para a publicação de artigos, anúncio de workshops, programas educacionais, conferências e outros trabalhos dedicados à promoção da IA e à construção social (Cooperrider & Whitney, 2005).

No Brasil, existem algumas organizações, a maior parte delas empresas particulares, que fazem uso da IA. Frequentemente, a IA passa a ser utilizada depois que um dos funcionários dessas empresas participou de algum curso sobre essa abordagem.

Cooperrider e Whitney (2005) descrevem os cinco princípios da IA. O termo princípio aqui não se refere a uma descrição determinista da origem de algo, mas é entendido por esses autores como uma postura assumida pelo profissional ou pesquisador, ou sensibilidades na forma de colocar a IA em prática.

- O princípio construcionista: a partir da leitura da obra de Gergen (1985), entende-se que as descrições sobre o mundo são coconstruções produzidas entre as pessoas. A tentativa de estabelecer a história mais verdadeira (aqui o termo história está sendo utilizado como sinônimo de narrativa) e a postura de checar os fatos ignoram as múltiplas possibilidades de interpretação. A atenção do pesquisador deve deter-se

nos processos de construção, na maneira pela qual as pessoas contam diferentes histórias sobre o passado, o presente e o futuro, e na maneira que essas histórias têm o poder de dar forma e refletir como as pessoas agem e pensam. (Reed, 2007, p. 26, tradução dos autores)

- O princípio da simultaneidade: a compreensão da simultaneidade entre investigação e mudança, ou seja, ao pesquisar, a realidade está sendo construída. Nesse sentido, a pesquisa construcionista social é considerada uma intervenção.

Apartir da compreensão desse princípio, o pesquisador não busca entender se a pergunta que está fazendo leva a respostas certas ou erradas, mas sim a buscar qual o efeito dessas perguntas na construção de diferentes realidades a partir da interação pesquisador-participante.

- O princípio poético: enfatiza-se a forma como as pessoas dão autoria a seu próprio mundo de maneira contínua, "escolhendo as partes de suas histórias nas quais elas estão mais interessadas naquele momento" (Reed, 2007, p. 26, tradução dos autores). Nas palavras de Cooperider e Whitney (2005), o princípio poético é assim definido:

Passado, presente e futuro são fontes infinitas de aprendizagem, inspiração e interpretação, assim como as infinitas possibilidades interpretativas contidas em um poema literário. A implicação é que podemos estudar praticamente qualquer tópico relacionado à experiência humana. Podemos investigar a natureza da alienação ou alegria, entusiasmo ou desânimo, eficiência ou excesso em qualquer organização humana (p. 51, tradução dos autores).

- O princípio antecipatório: compreende-se que a maneira como as pessoas pensam sobre o futuro constrói a maneira com que elas se direcionam para o futuro. Ao verem o futuro como pleno de possibilidades, as pessoas se engajam em ações que vão construí-lo dessa maneira.

- O princípio positivo: constata-se que as perguntas com o foco colocado naquilo que é positivo tendem a fazer com que as pessoas fiquem mais profundamente engajadas no processo de investigação/pesquisa. A procura pelas ações apreciativas tem se mostrado fundamental para o engajamento das pessoas na busca por mudanças.

Além desses princípios, a IAfoi elaborada a partir de alguns pressupostos importantes (Cooperrider &Whitney, 2005): (a) em toda sociedade, organização ou grupo, alguma coisa funciona; (b) aquilo que focamos se torna nossa realidade; (c) a realidade é criada no momento e existem múltiplas realidades; (d) a ação de produzir perguntas sobre algum grupo influencia o grupo de alguma forma; (e) as pessoas se sentem mais confortáveis e confiantes sobre o futuro quanto retomam experiências positivas do passado; (f) é importante valorizar as diferenças; e (g) a linguagem que utilizamos cria nossa realidade.

A Investigação Apreciativa em prática

A escolha dos tópicos de investigação

Escolher o que vai ser investigado em um grupo, comunidade ou instituição é uma tarefa cujo foco deve estar na descoberta do que é positivo nesses contextos. Alguns exemplos dessas questões: "Quais foram os fatores que possibilitaram essa instituição alcançar os melhores resultados já obtidos até hoje?", "Imagine que se passou um ano, você acordou hoje e todos os seus desejos para essa instituição foram realizados; como é esse cenário? O que mudou? O que você precisou fazer para isso acontecer? O que as demais pessoas envolvidas precisaram fazer para isso acontecer?", "Quais são as qualidades que você mais admira em você? E no seu trabalho? E na instituição?" (Cooperrider, Whitney & Stavros, 2003).

As questões devem levar em conta sempre dois aspectos:

1. A busca por relatos de experiências pessoais que já deram certo. Dessa forma, busca-se que as pessoas identifiquem aquilo que foi vivenciado como sucesso no passado.

2. Colocar o participante para pensar as melhores possibilidades futuras para si mesmo e para o grupo do qual participa.

Convidando para a participação no processo

A pesquisa construcionista social tem como foco a multiplicidade, a busca não por aquilo que se repete regularmente ou pela generalização dos resultados obtidos, mas pelo que difere, pela descrição alternativa e pela compreensão de quais sentidos constroem essas possíveis diferenças. Dessa forma, a IA deve buscar a maior participação possível das pessoas envolvidas no contexto que está sendo estudado. Considerando-se a exequibilidade dessas investigações, um recorte desse universo muitas vezes torna-se necessário, e como Cooperrider, Whitney e Stavros (2003) sugerem, essa seleção dos participantes deve considerar a busca da maior participação possível, ou seja, a escolha de diferentes pessoas que ocupem posições e espaços distintos e que representem a pluralidade do contexto estudado.

O ciclo 4-D

O ciclo 4-D (no original em inglês: Discovery, Dreaming, Design e Destiny) foi construído como forma de operacionalização da IAna prática. Esse ciclo é composto de quatro fases: Descoberta, Sonho, Planejamento e Destino. Todavia, Cooperrider, Whitney e Stavros (2003) chamam a atenção para que a IA não seja vista apenas como a execução de uma série de procedimentos. Na tentativa de proteger a natureza reflexiva e crítica da IA, mas buscando a criação de alguns parâmetros para sua aplicação, foi criado o ciclo 4-D, o método de aplicação da IA mais utilizado atualmente, especialmente na área organizacional.

- Descoberta: nessa fase busca-se questionar os participantes sobre o que dá energia ao grupo e à instituição. É comum que as pessoas tenham certa dificuldade em buscar as narrativas de sucesso, uma vez que estamos acostumados a conversar sobre o que está errado em nossas vidas. Nessa fase, dependendo do número de participantes, as pessoas entrevistam-se umas às outras, em pares.

- Sonho: nessa fase os participantes trabalham juntos para o desenvolvimento de descrições sobre como poderia ser o futuro. Aqui se encoraja "pensar grande", pensar no cenário futuro ideal, mesmo que pareça impossível de ser alcançado.

- Planejamento: os participantes trabalham juntos para o planejamento das ações futuras. Encoraja-se a produção das "proposições provocativas", que são os objetivos mais desafiadores a serem delineados pelo grupo, que se tornam motivadores para que as pessoas alcancem resultados positivos no futuro.

- Destino: essa fase requer a criação de um plano de ação, que defina o que será necessário para a realização das "proposições provocativas" elaboradas na fase anterior.

O IA como proposta de pesquisa científica

Reed (2007) sugere que a IA pode ser mais do que um método de consultoria, que constitui sua utilização original. A autora defende que a IA pode ser utilizada como um método de pesquisa. Ela define esse método como construção social em ação, com a ênfase nas práticas linguísticas. Em outras palavras, ela debate que o conhecimento é produzido pelas escolhas das perguntas do pesquisador, com os seus objetivos de pesquisa, com a forma pela qual ele busca as respostas e com os participantes envolvidos no processo da pesquisa (McNamee, 2007). Essa forma de compreensão da pesquisa abre espaço para o questionamento sobre o que irá ser validado como fato e sobre quais são as crenças que estão sendo privilegiadas nos relatos. Acentuam-se, assim, os processos sociais por meio dos quais os problemas e potencialidades são produzidos no desenrolar das práticas linguísticas empregadas em relacionamentos específicos (Gergen, 2009).

A IA aproxima-se de outras estratégias teóricas e metodológicas, como a Teoria Crítica, a etnografia, o estudo de caso, a análise de narrativa e a pesquisa-ação. Diferentemente do uso que dela é feito como estratégia de desenvolvimento organizacional, a IA como método de pesquisa tem seu foco no processo da investigação, na maneira como a informação é coletada e processada. Busca-se, na pesquisa, entender como foram possíveis, por exemplo, as narrativas de sucesso.

Postura colaborativa

Segundo Reed (2007) um ponto fundamental no uso da IAcomo método de pesquisa é a noção de trabalho colaborativo, no qual a pesquisa não é um processo de posse do pesquisador, mas realizada com a colaboração dos participantes. Isso contradiz muitas vezes a maneira tradicional de pesquisar, que possui um método predeterminado, com o pesquisador controlando os passos de coleta dos dados para que se garanta a fidedignidade dos resultados e a validade da pesquisa. Na IA, o pesquisador deve encorajar os participantes a terem voz no processo, escutando não só as vozes mais consoantes dentro do contexto estudado, mas sendo capaz de levar em conta as mais diferentes opiniões que podem aparecer.

Essa postura colaborativa faz com que o pesquisador tenha que lidar com o fato de que muitas das escolhas conjuntas não serão as mesmas que ele faria sozinho. Um exemplo disso está no fato de que a escolha de quem vai participar da pesquisa pode não ser a mesma seleção de pessoas que ele pensou a princípio (Gergen & Gergen, 2008). Para que essa coparticipação seja realmente eficaz, saindo da postura tradicional do pesquisador como o portador de um arsenal especializado para produzir um conhecimento privilegiado da realidade e colocando as verdades produzidas por pesquisador e participantes como possíveis construções de conhecimento, é necessário garantir que os participantes conheçam as habilidades que são necessárias para a pesquisa, facilitando sua participação. Por exemplo, manusear gravadores, discutir sobre o roteiro da entrevista e suas formas de condução.

Novamente deve-se atentar para não ser um "contar" para os participantes sobre o que eles devem fazer. Ao invés disso, deve-se convidá-los a pensar junto como devem fazer, sendo que o pesquisador pode colocar seus sentidos, todavia garantindo a multiplicidade de vozes, com conversas que são facilitadas por esse ambiente colaborativo. É comum haver um clima de desconfiança entre os participantes no início, pois é esperado que o pesquisador ocupe uma posição de especialista e orientador do processo.

Convite para a participação na pesquisa

Egg, Schratz-Hadwich, Trübswasser e Walker (2004) sugerem que, para facilitar a participação das pessoas no estudo, é importante deixar muito claro para todos os objetivos do projeto, trabalhando sempre de maneira transparente. Outra opção eficaz escolhida por alguns pesquisadores é a de, antes de começar as perguntas, pedir para que cada participante aponte suas qualidades e o que fez/faz dentro daquele grupo que considera importante. Após essa etapa, pergunta-se para cada participante de que maneira cada um acha que pode participar do estudo.

A pesquisa, nessa perspectiva, é a produção de informações, e não a busca de informações, como uma realidade lá fora a ser encontrada. As diferentes pessoas participantes da pesquisa terão diferentes bases de conhecimento. E o clima de participação resulta na pesquisa, contribuindo para levantar descrições sobre o desenvolvimento da prática, como uma estratégia de mudança prática em si mesmo (Reed, 2007). Interessante notar que as pesquisas realizadas dessa maneira tendem a garantir um grande número de participantes, pois as pessoas sentem-se também "donas" da pesquisa, sentem-se valorizadas e empoderadas. Assim, se mostram mais abertas ao processo.

Sigilo e cuidados éticos

Com relação à confidencialidade dos resultados, o sigilo é contratado dentro do grupo, uma vez que as pessoas vão compartilhar as decisões no processo e os relatos produzidos. As decisões sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e sobre a confidencialidade devem ser amplamente discutidas e resolvidas entre os participantes (Reed, 2007).

Uso de entrevistas

Dentro dessa perspectiva, a entrevista, como instrumento de coleta de dados, é vista de modo diferente do tradicional modelo de interrogatório, com categorias definidas a priori para garantir a precisão na captação dos dados da realidade. Nesse novo formato, a entrevista é concebida como uma troca, como a produção conjunta de sentidos, na qual entrevistador e entrevistado constroem juntos suas narrativas (Fontana, 2003). O tempo da entrevista não é fixado anteriormente, e o processo pode ser realizado em mais de um encontro ou incluir pausas para lanches e descanso. A entrevista deve ser realizada em um ambiente informal, no qual o participante possa se sentir à vontade para narrar suas experiências (Carter, Cummings, & Cooper, 2007).

Em alguns casos, a distância física entre os entrevistados pode impedir as entrevistas entre pares, sendo assim, o pesquisador pode realizar as entrevistas uma a uma. Carter, Cummings e Cooper (2007), em sua pesquisa com a IA, afirmam que a impossibilidade dos participantes de se entrevistarem uns aos outros foi compensada nos encontros grupais para apresentação e discussão dos dados coletados

Cronologia do estudo

Tal qual o modelo etnográfico de pesquisa, no qual as perguntas são feitas à medida que o estudo se desenvolve, a proposta da IA defende que o método para a coleta de dados deve ser escolhido na medida em que o pesquisador conhece melhor o contexto no qual está trabalhando. O critério para definir a sequência dos passos da pesquisa "deve centrar-se na maneira com que os estudos se mostram responsivos ao mundo pesquisado, e não se restringir a planos predeterminados" (Reed, 2007, p. 79, tradução dos autores). Dessa forma, a cronologia do estudo poderá ser replanejada diversas vezes durante o processo da pesquisa, de forma a levar em conta o seu caráter construído e negociado.

A pesquisa, sendo considerada uma prática social, conforme afirma o discurso construcionista, aponta para os significados implicados na escolha de sua metodologia. As decisões acerca dos passos metodológicos a serem obedecidos passam pelas vicissitudes do pesquisador. O rigor e a objetividade são garantidos pela compreensão do sentido produzido dentro do seu contexto de produção (Spink & Lima, 2000).

Posição do pesquisador

O pesquisador pode ser um membro da comunidade, instituição ou grupo que está investigando. Nesse caso, essa posição de insider pode facilitar a obtenção de familiaridade com o contexto de produção e a negociação no processo de participação e envolvimento das pessoas no estudo. Todavia, deverá ficar atento para a maneira com que suas responsabilidades dentro do grupo ou instituição relaciona-se com a produção de sentidos na pesquisa, promovendo uma abertura para novas formas de narrar a situação investigada. Sendo o pesquisador alguém de fora (outsider), deverá passar por um período de aproximação e conhecimento do ambiente pesquisado, o que demandará algum tempo de imersão no contexto até que possa construir essa familiaridade. Por outro lado, essa posição de "estranhamento", própria do outsider, pode favorecer a formulação de questões que não seriam feitas por alguém habituado com as coisas como elas são (Reed, 2007).

A posição do pesquisador como membro do contexto estudado é ainda vista com suspeita pela comunidade científica tradicional, acreditando-se que ele não teria o distanciamento necessário para que suas conclusões fossem aceitas como válidas. Uma vez que o pesquisador construcionista não separa o sujeito do objeto a ser estudado, toda descrição na pesquisa será uma construção relacional, não havendo, dessa forma, uma posição privilegiada de acesso à realidade, mas diferentes possibilidades de construção. Os relacionamentos preexistentes, conflitos, preferências e sentidos construídos pelo pesquisador na sua relação prévia com o contexto de produção investigado deverão estar explicitados na sua análise, cumprindo, assim, a exigência de dar visibilidade aos passos metodológicos adotados (Spink & Lima, 2000).

Possibilidades de análise dos dados

A fase da análise do material configura o esforço do pesquisador para dar sentido e coerência aos dados coletados, ordenando seus achados e organizando o material para sua posterior publicação. Esse momento deve envolver o processo de reflexividade, uma revisão crítica das próprias interpretações que é inserida na análise (Savin-Baden, 2004). Os passos da análise devem ser descritos de maneira clara e transparente, de forma que seus leitores possam compreender o percurso realizado.

A IA, como estratégia de pesquisa, não privilegia nenhuma abordagem analítica específica. Diferentes pesquisadores sugerem, a partir da aplicação da IA em suas investigações, algumas possibilidades de análise dos dados. Reed (2007) propõe que a análise dos dados leve em consideração dois eixos norteadores: a análise do contexto de produção de sentidos e a análise da mudança. Para o estudo desse contexto, o pesquisador deve compreender o material coletado de maneira contextualizada, considerando o ambiente, as práticas relacionais envolvidas, as pessoas participantes, as experiências vividas, as funções oficiais e não oficiais empreendidas, os recursos humanos e materiais encontrados, as atividades formais e não formais praticadas, entre outros aspectos contextuais.

A análise da mudança parte do princípio de que pesquisa é intervenção, portanto, modifica o contexto estudado. Soma-se a isso o pressuposto de que a IA pro-move diálogos que facilitam com que as pessoas passem a coordenar suas ações em busca dos objetivos almejados para si e para sua comunidade (grupo, instituição). Desse modo, o pesquisador deve estar interessado em compreender de que forma essa mudança foi vivida ao longo do processo da pesquisa. Aqui, a IA inspira-se nas metodologias daAnálise da Pesquisa-ação e Análise Narrativa. Essa análise deve começar pela descrição do contexto de produção de sentidos estudado no início da pesquisa, identificando, posteriormente, as mudanças que foram sugeridas na intervenção realizada e pormenorizando a maneira com que essas sugestões foram colocadas em prática. Por fim, é preciso discutir os efeitos da intervenção nesse cenário não como causalidade, mas como processo coconstruído, convidando todos os participantes a significarem esse processo.

Carter, Cummings e Cooper (2007) utilizaram, em seu estudo com famílias de crianças com necessidades especiais, a análise temática, com reconhecimento das diferentes categorias, temas e subtemas. Todavia, reformularam essa estratégia metodológica na busca de maior flexibilidade em seu uso, de modo a garantir o posicionamento dos participantes como copesquisadores.

As críticas à Investigação Apreciativa

A proposta da Investigação Apreciativa, na área organizacional, foi muitas vezes acusada de ingênua e idealista pelo seu foco nas descrições linguísticas positivas. Outra crítica comum, entre pesquisadores na área de recursos humanos, é a de que os pesquisadores ignorariam ou suprimiriam as experiências negativas das pessoas e instituições analisadas (Bushe, 1995). Alguns autores (McNamee, 2003; Reed, 2007) respondem a essas críticas afirmando que os problemas são mais facilmente discutidos e identificados a partir de uma postura apreciativa, sendo que as pessoas mostram-se, inclusive, mais abertas para falar do que é problemático em um contexto livre de censura e culpabilização, tal como o favorecido pela IA.

A proposta construcionista social, nesse sentido, entende que as entrevistas são negociações, não imposições; portanto, as narrativas sobre os problemas poderão aparecer. Para a IA, o processo da investigação não se preocupa com a averiguação da veracidade dos fatos ou se relatos dos participantes informam de maneira acurada a realidade. Procura, antes, explorar de que maneira os relatos podem contribuir na construção "do fenômeno" de uma maneira diferente, mais útil para aquelas pessoas.

Outra crítica relaciona-se ao fato de que a IA não levaria em conta a análise das questões de poder presentes nas relações entre as pessoas e dentro das instituições. Essa crítica refere-se à compreensão de que a IA estaria ingenuamente acreditando que o planejamento para as ações futuras poderia se concretizar sem impedimentos e limites. Os pesquisadores na área respondem a essas críticas afirmando que a colocação em prática da IA revela, a todo o momento, o quanto as relações de poder e autoridade estão presentes em todo o processo: "se nos engajamos na compreensão de que o mundo é construído, isso implica também o poder, da mesma maneira como os outros aspectos do mundo social, como potenciais, papéis e responsabilidades" (Reed, 2007, pp. 40-41, tradução dos autores).

O poder não deve ser visto como algo que existe, como uma entidade autolimitada, algo em si mesmo, mas uma realidade que construímos coletivamente: "ninguém pode exercer o poder sem a colaboração de outros" (Reed, 2007, p. 85, tradução dos autores). Para Gergen (1997), esse tipo de crítica baseia-se na crença do poder como um conceito fundamental e metateórico. Esse autor entende que o poder é também uma construção social, com diferentes construções para diferentes teóricos e comunidades sobre o que é "o poder" e a que ele se refere. Quando tratado como uma entidade, o poder é reificado, com consequências para os relacionamentos entre as pessoas.

Considerações finais

A IA se torna um instrumento útil quando se entende que a linguagem é construtora de realidades. As pessoas podem conversar e agir de modos diferentes, quando cada forma de conversa e ação é vista como um convite ao outro, ou seja, as ações de uma pessoa convidam outras a criarem, juntas, rituais, padrões e realidades particulares. É importante notar que, para a proposta construcionista social, uma pessoa não pode controlar os significados que irão emergir em cada interação. Sempre dependemos da ação suplementar dos outros para criarmos significados e para darmos valor a nossas atividades. Assim, cada ação/convite tem a possibilidade de encorajar diferentes tipos de respostas e nos engajar em diferentes formas de coordenação de ações com outras pessoas. Portanto, construímos diferentes realidades dependendo de nosso foco conversacional. Quando o foco está no que é problemático e disfuncional nas interações humanas, nós criamos uma realidade de problemas e disfunções. Quando investigamos o que está funcionando e o que as pessoas valorizam sobre aquilo que fazem, realidades de recursos e possibilidades são produzidas. A IA é um método possível de abordar a pesquisa como essa busca pela multiplicidade e potencialidade das relações humanas.

Nota

* Agência financiadora: CNPq

Recebido em: 19/07/2009

Revisão em: 19/11/2009

Aceite final em: 05/01/2010

Laura Vilela e Souza é Professora do Departamento de Psicologia Clínica e Sociedade da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Endereço: Av. Getúlio Guaritá, 159. Bairro Abadia, Uberaba/MG, Brasil. CEP 38025-180. Email: lavilela@psicologia.uftm.edu.br

Sheila McNamee é Professora do Departamento de Comunicação da Universidade de New Hampshire, Durham, EUA.

Manoel Antônio dos Santos é Professor Doutor do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Bolsista de Produtividade em pesquisa do CNPq.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010

Histórico

  • Revisado
    19 Nov 2009
  • Recebido
    19 Jul 2009
  • Aceito
    05 Jan 2010
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