Acessibilidade / Reportar erro

COMPARAÇÃO DE DIFERENTES CRITÉRIOS NA PREVALÊNCIA DE SÍNDROME METABÓLICA EM ESCOLARES DE PARANAVAÍ, PARANÁ

RESUMO

Objetivo:

Investigar a diferença na proporção de escolares com síndrome metabólica diagnosticada segundo diferentes critérios.

Métodos:

Duzentos e quarenta e um escolares (136 meninos e 105meninas), com idade entre dez e 14 anos, das redes pública e privada de Paranavaí, Paraná. Foram utilizados três diferentes critérios para o diagnóstico da síndrome metabólica, considerando a presença de, ao menos, três dos seguintes fatores de risco: circunferência de cintura aumentada, hipertensão arterial, hiperglicemia em jejum, baixo nível de HDL-C e triglicerídeos elevado.

Resultados:

A prevalência de síndrome metabólica encontrada foi de 1,7% (intervalo de confiança de 95% - IC95% 0-3,3), para o critério de IDF; 3,3% (IC95% 1,0-5,6) em Cook; e 17,4% (IC95% 12,6-22,3) em Ferranti. Na verificação dos critérios em pares, a concordância entre IDF e Cook foi de 97,5% (k=0,95); entre IDF e Ferranti, 83,4% (k=0,67); e entre Cook e Ferranti, 85,9% (k=0,72). Em apenas um aluno (0,4%) a síndrome metabólica foi diagnosticada exclusivamente pelo critério de IDF, e em 34 alunos (14,1%), pelo critério de Ferranti. A comparação entre os três critérios mostrou que o de Ferranti apresentou maior proporção de síndrome metabólica que os demais (p<0,001), e o de Cook maior proporção em relação ao da IDF (p<0,001).

Conclusões:

Houve diferença significante na proporção de síndrome metabólica nos três critérios. A escolha do critério a ser utilizado pode comprometer não apenas o percentual de prevalência de síndrome metabólica, mas também atrapalhar as estratégias de prevenção e intervenção em crianças e adolescentes com e sem síndrome metabólica, respectivamente.

Palavras-chave:
Síndrome metabólica; Obesidade; Gordura abdominal; Adolescente

ABSTRACT

Objective:

To investigate the difference in the proportion of students with metabolic syndrome, diagnosed according to different criteria.

Methods:

The sample consisted of 241 students (136 boys and 105 girls) aged 10 to 14 years, from public and private schools in Paranavaí, Paraná. We used three distinct diagnostic criteria for metabolic syndrome, considering the presence of at least three of the following risk factors: increased waist circumference, hypertension, fasting hyperglycemia, low HDL-C, and elevated triglycerides.

Results:

The prevalence of metabolic syndrome found was 1.7% (confidence interval of 95% - 95%CI 0-3.3) for the IDF criterion; 3.3% (95%CI 1.0-5.6) for Cook; and 17.4% (95%CI 12.6-22.3) for Ferranti. Analyzing the criteria in pairs, the agreement between IDF and Cook was 97.5% (k=0.95); between IDF and Ferranti, 83.4% (k=0.67); and between Cook and Ferranti, 85.9% (k=0.72). Onlyone student (0.4%) was diagnosed with metabolic syndrome solely by the IDF criterion, while 34 (14.1%) were diagnosed exclusively by Ferranti. The comparison of the three criteria showed that Ferranti presented the highest proportion of metabolic syndrome (p<0.001), and Cook had a greater proportion than IDF (p<0.001).

Conclusions:

We found a significant difference in the proportion of metabolic syndrome in the three criteria. The choice of which criterion to use can compromise not only the percentage of metabolic syndrome prevalence but also interfere in strategies of intervention and prevention in children and adolescents with and without metabolic syndrome, respectively.

Keywords:
Metabolic syndrome; Obesity; Abdominal fat; Adolescent

INTRODUÇÃO

A síndrome metabólica (SM) é definida como a associação de pelo menos três dos seguintes fatores de risco: obesidade abdominal, hipertensão arterial, hipertrigliceridemia, elevados níveis de glicemia de jejum (GJ) e baixos níveis de lipoproteína de alta densidade (HDL-C).11. Zimmet P, Alberti G, Kaufman F, Tajima N, Silink M, Arslanian S, et al. The metabolic syndrome in children and adolescents. Lancet. 2007;369:2059-61.Sua prevalência tem aumentado na última década, tonando-se um importante problema de saúde mundial, principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil.22. Moreira C, Santos R, Farias Junior JC, Vale S, Santos PC, Soares-Miranda L, et al. Metabolic risk factors, physical activity and physical fitness in azorean adolescents: a cross-sectional study. BMC Public Health. 2011;11:214.O diagnóstico está associado ao desenvolvimento de doenças crônicas, especialmente às doenças cardiovasculares e diabetes melito tipo 2, independentemente da faixa etária.33. Dias Pitangueira JC, Rodrigues Silva L, Portela de Santana ML, Monteiro da Silva MC, de Farias Costa PR, D`Almeida V, et al. Metabolic syndrome and associated factors in children and adolescents of a Brazilian municipality. Nutr Hosp. 2014;29:865-72.,44. Huang TT, Ball GD, Franks PW. Metabolic syndrome in youth: current issues and challenges. Appl Physiol Nutr Metab. 2007;32:13-22.

Na população adulta, os pontos de cortes para o diagnóstico de SM estão bem estabelecidos,55. Lee S, Bacha F, Gungor N, Arslanian S. Comparison of different definitions of pediatric metabolic syndrome: relation to abdominal adiposity, insulin resistance, adiponectin, and inflammatory biomarkers. J Pediatr. 2008;152:177-84. e vários são os estudos que trazem a prevalência e a comparação com outras populações, conseguindo, assim, parâmetros de como a SM está se comportando em diferentes lugares do mundo.66. Salaroli LB, Saliba RA, Zandonade E, Molina MC, Bissoli NS. Prevalence of metabolic syndrome and related factors in bank employees according to different defining criteria, Vitória/ES, Brazil. Clinics (Sao Paulo). 2013;68:69-74.,77. Morrison J, Friedman L, Wang P, Glueck C. Metabolic syndrome in childhood predicts adult metabolic syndrome and type 2 diabetes mellitus 25-30 years later. J Pediatr. 2008;152:201-6.

Vale ressaltar que estudos longitudinais demonstraram que os problemas de saúde se iniciam na infância e na adolescência, justificando a investigação de SM e seus fatores de risco nesse período.77. Morrison J, Friedman L, Wang P, Glueck C. Metabolic syndrome in childhood predicts adult metabolic syndrome and type 2 diabetes mellitus 25-30 years later. J Pediatr. 2008;152:201-6.,88. Sun SS, Liang R, Huang TT, Daniels SR, Arslanian S, Liu K, et al. Childhood obesity predicts adult metabolic syndrome: the Fels Longitudinal Study. J Pediatr. 2008;152:191-200.

No entanto, em populações mais jovens, os pontos de cortes ainda não estão estabelecidos, fazendo com que muitos estudos adaptem definições de SM em adultos para usar nas populações infantojuvenis, existindo, assim, considerável variabilidade na identificação dos fatores de risco e, consequentemente, na prevalência de SM entre os diversos critérios.44. Huang TT, Ball GD, Franks PW. Metabolic syndrome in youth: current issues and challenges. Appl Physiol Nutr Metab. 2007;32:13-22.

O principal motivo para a heterogeneidade dos critérios são as mudanças no crescimento e no desenvolvimento durante a infância e a adolescência, fazendo com que os pontos de corte não tenham valores fixos, particularmente em relação à pressão arterial, aos lipídeos e à circunferência de cintura.99. Harrell JS, Jessup A, Greene N. Changing our future obesity and the metabolic syndrome in children and adolescents. J Cardiovasc Nurs. 2006;21:322-30.,1010. Costa RF, Santos NS, Goldraich NP, Barski TF, Andrade KS, Kruel LF. Metabolic syndrome in obese adolescents: a comparison of three different diagnostic criteria. J Pediatr (Rio J). 2012;88:303-9.,1111. Sewaybricker LE, Antonio MA, Mendes RT, Barros Filho AA, Zambon MP. Metabolic syndrome in obese adolescents: what is enough? Rev Assoc Med Bras. 2013;59:64-71. A divergência é tão grande que alguns estudos têm demonstrado prevalência de SM de 20 a 300% em uma mesma amostra.1212. Braga-Tavares H, Fonseca H. Prevalence of metabolic syndrome in a Portuguese obese adolescent population according to three different definitions. Eur J Pediatr. 2010;169:935-40.,1313. Sangun Ö, Dündar B, Kösker M, Pirgon Ö, Dündar N. Prevalence of metabolic syndrome in obese children and adolescents using three different criteria and evaluation of risk factors. J Clin Res Pediatr Endocrinol. 2011;3:70-6.

Nesse sentido, este estudo teve por objetivo verificar a diferença na proporção de escolares com SM, diagnosticados por diferentes critérios.

MÉTODO

Esta pesquisa, com delineamento transversal, foi realizada nos meses de julho e agosto de 2013. Especificamente para investigar a SM, o delineamento amostral foi definido com base no número total de escolares (n=4.540); na prevalência desconhecida; no nível de confiança igual a 95%; e no erro amostral de 4%, estimando-se o número mínimo de 206 escolares. Os alunos foram escolhidos por amostragem aleatória sistemática, em três etapas:

  • Sorteio de uma escola de cada região da cidade.

  • Sorteio das turmas em cada escola.

  • Convite a todos os escolares das turmas sorteadas e explicações sobre o estudo.

Desse modo, 566 escolares do 6º ao 9º ano, com idade de dez a 14 anos, de escolas das redes pública (4) e privada (2), foram selecionados e apresentaram o termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos pais ou responsáveis. Destes, excluíram-se 325 indivíduos por não terem realizado todas as avaliações necessárias para o diagnóstico de SM. A amostra final foi composta de 241 crianças e adolescentes, 136 meninos e 105 meninas. A margem de erro amostral calculada a posteriori foi de 3,6 a 3,7%, abaixo do valor estabelecido a priori (4%).

A circunferência de cintura foi obtida com o uso de fita métrica flexível e inextensível (Gullikâ, Brasil), com resolução de 0,1 cm, aplicada imediatamente acima das cristas ilíacas.1414. National Institutes of Health. The practical guide. Identification, evaluation, and treatment of overweight and obesity in adults. Bethesda: U.S. Dept. of Health and Human Services; 2000.

A mensuração da pressão arterial obedeceu às técnicas recomendadas pela Sociedade Brasileira de Cardiologia,1515. Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Hipertensão, Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95:1-51. utilizando-se esfigmomanômetro com coluna de mercúrio (WanMedâ, Brasil). Foram obtidas três medidas com intervalo mínimo de dois minutos entre elas, considerando-se válido o valor médio entre as duas últimas medidas.

Para classificar as variáveis circunferência de cintura e pressão arterial, cujas alterações são diagnosticadas a partir de sua distribuição em percentis, utilizaram-se as referências de Fernandez et al.1616. Fernández JR, Redden DT, Pietrobelli A, Allison DB. Waist circumference percentiles in nationally representative samples of African-American, European-American, and Mexican-American children and adolescents. J Pediatr. 2004;145:439-44.e do The Fourth Report on the Diagnosis, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure in Children and Adolescents.1717. National High Blood Pressure Education Program Working Group on High Blood Pressure in Children and Adolescents. The fourth report on the diagnosis, evaluation, and treatment of high blood pressure in children and adolescents. Pediatrics. 2004;114:555-76.

Para as análises bioquímicas foram coletadas amostras de 10mL de sangue venoso na veia anti-cubital após período em jejum de no mínimo 10-12 horas, entre 8h00 e 9h30, em um laboratório de análises clínicas da cidade. As amostras foram devidamente coletadas e analisadas no mesmo dia da coleta. Asmedidas incluíram a glicemia de jejum e o perfil lipídico, que foi composto dos níveis séricos de colesterol total, HDL-C, colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) e triglicerídeos.

A SM foi identificada por meio de três critérios, dois deles baseados no National Cholesterol Education Program, modificado para crianças e adolescentes de Cook et al.1818. Cook S, Weitzman M, Auinger P, Nguyen M, Dietz WH. Prevalence of a metabolic syndrome phenotype in adolescents: findings from the third National Health and Nutrition Examination Survey, 1988-1994. Arch Pediatr Adolesc Med. 2003;157:821-7. e Ferranti et al.;1919. Ferranti SD, Gauvreau K, Ludwig DS, Neufeld EJ, Newburger JW, Rifai N. Prevalence of the metabolic syndrome in American adolescents: findings from the Third National Health and Nutrition Examination Survey. Circulation. 2004;110:2494-7. e o terceiro a partir do consenso proposto pela International Diabetes Federation (IDF) (Tabela 1).11. Zimmet P, Alberti G, Kaufman F, Tajima N, Silink M, Arslanian S, et al. The metabolic syndrome in children and adolescents. Lancet. 2007;369:2059-61.

Tabela 1
Variáveis e pontos de corte segundo as diferentes classificações para a síndrome metabólica.

Na análise estatística, testou-se a normalidade dos dados pelo Teste de Kolmogorov-Smirnov, e a existência de elementos discrepantes (outliers)por meio de Boxplots.Os outliers foram incluídos nas análises porque correspondiam aos dados de sujeitos com alterações antropométricas e metabólicas, os quais interessavam para o estudo. Para as variáveis contínuas, utilizou-se análise descritiva por meio de percentis (P25, P50, P75, P90), média (intervalo de confiança de 95% - IC95%) e desvio padrão (DP). Comparações de proporções das variáveis categóricas foram realizadas pelo teste do qui-quadrado e pelo teste exato de Fisher. A verificação da concordância entre os resultados obtidos pelos diferentes critérios diagnósticos se deu pelo cálculo do índice Kappa. Em razão da assimetria da distribuição de dados na tabela de contingência, o que compromete a interpretação e o cálculo do Kappa, o índice Kappa ajustado pela prevalência ebias foi utilizado (PABAK). Em todos os testes a significância adotada foi de p<0,05.

RESULTADOS

Na Tabela 2, são apresentadas as características gerais da amostra, bem como o intervalo de confiança das médias das variáveis. Aamostra consistiu de 241 crianças e adolescentes com idade média de 12,3±1,2 anos, 136 (56,4%) do sexo feminino, 134 (55,6%) escolares com idade entre dez e 12 anos e 107 (44,4%) de 13-14 anos.

Tabela 2
Descrição da amostra quanto às características antropométricas, pressão arterial e variáveis metabólicas dos escolares de Paranavaí, Paraná, 2013.

A Tabela 3 apresenta a proporção de diagnósticos positivos para a SM, de acordo com os critérios utilizados. A prevalência de SM encontrada foi de 1,7% (IC95% 0-3,3%) para o critério de IDF, 3,3% (IC95% 1,0-5,6%) em Cook e 17,4% (IC95% 12,6-22,3%) em Ferranti. A análise de concordância mostrou que em três alunos (1,3%) o diagnóstico de SM coincidiu para as três definições. Na verificação dos critérios em pares, a concordância entre IDF e Cook foi de 97,5% (k ajustado=0,95). EntreIDF e Ferranti, a concordância foi de 83,4% (k ajustado=0,67), e para Cook e Ferranti, 85,9% (k ajustado=0,72). Em apenas um aluno (0,4%) a SM foi diagnosticada exclusivamente pelo critério de IDF, e em 34 alunos (14,1%), pelo critério de Ferranti. Acomparação entre os três critérios pelo teste do qui-quadrado e de Fisher mostrou que o critério de Ferranti apresentou maior proporção de SM que os demais (p≤0,001), e que o critério de Cook teve maior proporção em relação ao da IDF (p≤0,001).

Tabela 3
Proporção dos escolares quanto à síndrome metabólica e número de fatores de risco para os trêscritérios.

Em relação à análise feita na proporção do número de componentes em cada critério, pode-se notar que o de Ferranti foi o mais distinto entre os três, obtendo proporção inferior nos alunos que não tinham nenhum fator de risco, bem como proporção superior nos alunos com três ou mais fatores de risco (p≤0,001). Entre Cook e IDF houve diferença significante (p≤0,001), porém, pode-se notar menor diferença em valores percentuais para cada número de componentes identificados em seus respectivos critérios.

A análise dos componentes da SM feita separadamente demonstrou que o critério de Ferranti apresentou proporções de circunferência de cintura aumentada e valores inadequados de HDL-C significantemente maiores que os outros dois critérios (p≤0,001). O critério da IDF apresentou menor proporção que os demais nos componentes pressão arterial (p≤0,001) e triglicerídeos, em que p<0,001. No que diz respeito à glicemia, o critério da IDF apresentou maior prevalência que o de Cook e de Ferranti (p≤0,001) (Figura 1).

Figura 1
Prevalência dos fatores de risco alterados para diagnóstico da síndrome metabólica.

DISCUSSÃO

Em razão das divergências na literatura para definição de SM em crianças e adolescentes, estudos envolvendo essa população têm adaptado critérios e pontos de corte para sexo e idade na tentativa de diagnosticar esses indivíduos.1010. Costa RF, Santos NS, Goldraich NP, Barski TF, Andrade KS, Kruel LF. Metabolic syndrome in obese adolescents: a comparison of three different diagnostic criteria. J Pediatr (Rio J). 2012;88:303-9.,1212. Braga-Tavares H, Fonseca H. Prevalence of metabolic syndrome in a Portuguese obese adolescent population according to three different definitions. Eur J Pediatr. 2010;169:935-40.,1313. Sangun Ö, Dündar B, Kösker M, Pirgon Ö, Dündar N. Prevalence of metabolic syndrome in obese children and adolescents using three different criteria and evaluation of risk factors. J Clin Res Pediatr Endocrinol. 2011;3:70-6.,2020. Wang Q, Yin J, Xu L, Cheng H, Zhao X, Xiang H, et al. Prevalence of metabolic syndrome in a cohort of Chinese schoolchildren: comparison of two definitions and assessment of adipokines as components by factor analysis. BMC Public Health. 2013;13:249.,2121. Lim H, Xue H, Wang Y. Association between obesity and metabolic co-morbidities among children and adolescents in South Korea based on national data. BMC Public Health. 2014;14:279.

O presente estudo, na tentativa de verificar diferenças nas proporções de SM em escolares a partir de três diferentes critérios, verificou que a menor prevalência foi no critério proposto pela IDF (1,7%), seguido por Cook (3,4%) e Ferranti (17,4%). Corroborando este achado, em outros estudos o critério de Ferranti também apresentou maior prevalência de SM em relação a outros parâmetros.1010. Costa RF, Santos NS, Goldraich NP, Barski TF, Andrade KS, Kruel LF. Metabolic syndrome in obese adolescents: a comparison of three different diagnostic criteria. J Pediatr (Rio J). 2012;88:303-9.,2222. Sarrafzadegan N, Gharipour M, Sadeghi M, Nouri F, Asgary S, Zarfeshani S. Differences in the prevalence of metabolic syndrome in boys and girls based on various definitions. ARYA Atheroscler. 2013;9:70-6. Uma possível explicação seria pelo fato de os valores de pontos de cortes serem menos rigorosos para a circunferência de cintura e os triglicerídeos.

Entre os componentes de fatores de risco, o de menor prevalência foi a hiperglicemia em jejum. A maior proporção dessa variável esteve presente no critério da IDF (12,4%); nos outros dois, apenas 1,7% da amostra foi diagnosticada. Resultadosemelhante foi visto no estudo com adolescentes obesos utilizando-se os mesmos critérios da presente pesquisa, no qual o percentual de casos de glicemia elevada foi superior no critério da IDF (7,4%) e inferior (1,7%) nos demais critérios.1010. Costa RF, Santos NS, Goldraich NP, Barski TF, Andrade KS, Kruel LF. Metabolic syndrome in obese adolescents: a comparison of three different diagnostic criteria. J Pediatr (Rio J). 2012;88:303-9.

A glicemia também foi a variável menos prevalente nos fatores de risco para SM em vários estudos que utilizaram outros critérios para diagnosticar SM.2323. Rizzo AC, Goldberg TB, Silva CC, Kurokawa CS, Nunes HR, Corrente JE. Metabolic syndrome risk factors in overweight, obese, and extremely obese Brazilian adolescents. Nutr J. 2013;12:19.,2424. Buff CG, Ramos E, Souza FI, Sarni RO. Frequency of metabolic syndrome in overweight and obese children and adolescents. Rev Paul Pediatr. 2007;25:221-6. Esse fato torna questionável a utilização de glicemia como um dos componentes de fatores de risco para diagnóstico da SM. Alguns pesquisadores têm sugerido a utilização do Homeostatic Model Assessment for Insulin Resistance (HOMA-IR) como um dos componentes no lugar da glicemia em jejum,2525. Juárez-López C, Klünder-Klünder M, Medina-Bravo P, Madrigal-Azcárate A, Mass-Díaz E, Flores-Huerta S. Insulin resistance and its association with the components of the metabolic syndrome among obese children and adolescents. BMC Public Health. 2010;10:318. pois esse exame verifica a resistência à insulina, o que precede a hiperglicemia, sendo esse mais indicado nessa população.

O componente de maior prevalência foi diferente nos três critérios: em Ferranti foi o HDL-C baixo, e em Cook e na IDF, a hipertensão arterial, contrapondo o que tem sido observado em outras pesquisas,1010. Costa RF, Santos NS, Goldraich NP, Barski TF, Andrade KS, Kruel LF. Metabolic syndrome in obese adolescents: a comparison of three different diagnostic criteria. J Pediatr (Rio J). 2012;88:303-9.,2121. Lim H, Xue H, Wang Y. Association between obesity and metabolic co-morbidities among children and adolescents in South Korea based on national data. BMC Public Health. 2014;14:279.,2424. Buff CG, Ramos E, Souza FI, Sarni RO. Frequency of metabolic syndrome in overweight and obese children and adolescents. Rev Paul Pediatr. 2007;25:221-6.,2626. Cavali ML, Escrivão M, Brasileiro R, Taddei JA. Metabolic syndrome: comparison of diagnosis criteria. J Pediatr (Rio J). 2010;86:325-30.,2727. Madeira IR, Carvalho CN, Gazolla FM, Matos HJ, Borges MA, Bordallo MA. Cut-off point for Homeostatic Model Assessment for Insulin Resistance (HOMA-IR) index established from Receiver Operating Characteristic (ROC) curve in the detection of metabolic syndrome in overweight pre-pubertal children. Arq Bras Endocrinol Metab. 2008;52:1466-73.que identificaram a circunferência de cintura como o componente mais prevalente, independentemente do critério utilizado.

Um dos motivos da circunferência de cintura estar presente em maior proporção nesses estudos pode ser o fato de a análise ter sido realizada somente com crianças e adolescentes com sobrepeso e/ou obesos, identificados a partir do índice de massa corpórea (IMC). Está claro na literatura que o IMC tem correlação muito forte com circunferência de cintura nessa faixa etária,2828. Moser DC, Giuliano IC, Titski AC, Gaya AR, Coelho-e-Silva MJ, Leite N. Anthropometric measures and blood pressure. J Pediatr (Rio J). 2013;89:243-9. fazendo com que grande parte da amostra estudada também seja classificada com obesidade central, justificando assim o motivo pelo qual a circunferência de cintura foi o componente com maior prevalência.

Apesar da forte associação desse indicador antropométrico com as doenças cardiovasculares e a SM,2929. Mardones F, Arnaiz P, Barja S, Giadach C, Villarroel L, Domínguez A, et al. Nutritional status, metabolic syndrome and insulin resistance in children from Santiago (Chile). Nutr Hosp. 2013;28:1999-2005.é importante salientar que a SM não é diagnosticada somente na presença de obesidade abdominal. Nesse sentido, são necessários trabalhos com amostras de diferentes estados nutricionais que comparem critérios de diagnóstico de SM para melhor evidenciar essa questão.

Em relação à pressão arterial, o critério da IDF foi o que teve menor prevalência de hipertensos (15,4%), enquanto os demais critérios tiveram 32,8% de prevalência, resultado semelhante encontrado no estudo com adolescentes obesos da mesma faixa etária (10-14 anos) de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.1010. Costa RF, Santos NS, Goldraich NP, Barski TF, Andrade KS, Kruel LF. Metabolic syndrome in obese adolescents: a comparison of three different diagnostic criteria. J Pediatr (Rio J). 2012;88:303-9.O critério da IDF utiliza pontos de corte mais altos e não classifica os adolescentes quanto à idade, ao sexo e à estatura, podendo, assim, explicar o resultado encontrado.

Embora o objetivo deste estudo seja a presença da SM por diferentes critérios diagnósticos, chama atenção a proporção de escolares que apresentou um e dois fatores de risco. Nocritério de Ferranti, por exemplo, 63,9% dos alunos apresentaram um ou dois fatores de risco, e em Cook e na IDF, 52,3 e 43,2%, respectivamente, diferença considerada significante (p≤0,001). Similarmente, pesquisas têm verificado alta prevalência de fatores de risco em crianças e adolescentes por diferentes critérios.1010. Costa RF, Santos NS, Goldraich NP, Barski TF, Andrade KS, Kruel LF. Metabolic syndrome in obese adolescents: a comparison of three different diagnostic criteria. J Pediatr (Rio J). 2012;88:303-9.,2020. Wang Q, Yin J, Xu L, Cheng H, Zhao X, Xiang H, et al. Prevalence of metabolic syndrome in a cohort of Chinese schoolchildren: comparison of two definitions and assessment of adipokines as components by factor analysis. BMC Public Health. 2013;13:249.,3030. Nguyen TH, Tang HK, Kelly P, van der Ploeg HP, Dibley MJ. Association between physical activity and metabolic syndrome: a cross sectional survey in adolescents in Ho Chi Minh City, Vietnam. BMC Public Health. 2010;10:141. Considerando que a amostra foi constituída de escolares de 10a 14 anos, e que algumas alterações podem ainda não ter se manifestado, a alta prevalência desses fatores pode implicar sua permanência até a idade adulta - fato esse conhecido como tracking da SM44. Huang TT, Ball GD, Franks PW. Metabolic syndrome in youth: current issues and challenges. Appl Physiol Nutr Metab. 2007;32:13-22.- e/ou surgimento de novos fatores de risco ao longo dos anos, que resultaria no diagnóstico da SM no futuro.

A presente pesquisa apresentou algumas limitações, tais como não ter sido avaliado o erro técnico de medidas e o coeficiente de variação entre os avaliadores, principalmente nas medidas de circunferência de cintura e pressão arterial, bem como não ter estratificado a amostra de acordo com o nível maturacional, pois os fatores de risco presentes na SM podem ser influenciados por essa variável. Em contrapartida, esse estudo traz importantes aplicações práticas para os profissionais da área da saúde que trabalham na prevenção e no controle de fatores de risco à saúde e SM em adolescentes, pois a partir dos achados desta pesquisa poderão ter conhecimento de que, dependendo do critério adotado para o diagnóstico da SM, a confirmação dos fatores de risco e, consequentemente, o diagnóstico de SM poderão ser diferentes.

Considerando que houve diferença significante no diagnóstico da SM entre os três critérios utilizados, bem como nas proporções dos componentes e no número de fatores de risco, a escolha do critério a ser utilizado pode comprometer não apenas o percentual de prevalência de SM, como também influenciar nas estratégias de intervenção e prevenção em crianças e adolescentes com e sem SM, respectivamente. Desse modo, faz-se necessário a criação de pontos de corte específicos para o diagnóstico de SM na população infantojuvenil, tendo em vista as divergências encontradas neste estudo e na literatura para interpretação e comparação dos resultados em diferentes amostras.

REFERENCES

  • 1
    Zimmet P, Alberti G, Kaufman F, Tajima N, Silink M, Arslanian S, et al. The metabolic syndrome in children and adolescents. Lancet. 2007;369:2059-61.
  • 2
    Moreira C, Santos R, Farias Junior JC, Vale S, Santos PC, Soares-Miranda L, et al. Metabolic risk factors, physical activity and physical fitness in azorean adolescents: a cross-sectional study. BMC Public Health. 2011;11:214.
  • 3
    Dias Pitangueira JC, Rodrigues Silva L, Portela de Santana ML, Monteiro da Silva MC, de Farias Costa PR, D`Almeida V, et al. Metabolic syndrome and associated factors in children and adolescents of a Brazilian municipality. Nutr Hosp. 2014;29:865-72.
  • 4
    Huang TT, Ball GD, Franks PW. Metabolic syndrome in youth: current issues and challenges. Appl Physiol Nutr Metab. 2007;32:13-22.
  • 5
    Lee S, Bacha F, Gungor N, Arslanian S. Comparison of different definitions of pediatric metabolic syndrome: relation to abdominal adiposity, insulin resistance, adiponectin, and inflammatory biomarkers. J Pediatr. 2008;152:177-84.
  • 6
    Salaroli LB, Saliba RA, Zandonade E, Molina MC, Bissoli NS. Prevalence of metabolic syndrome and related factors in bank employees according to different defining criteria, Vitória/ES, Brazil. Clinics (Sao Paulo). 2013;68:69-74.
  • 7
    Morrison J, Friedman L, Wang P, Glueck C. Metabolic syndrome in childhood predicts adult metabolic syndrome and type 2 diabetes mellitus 25-30 years later. J Pediatr. 2008;152:201-6.
  • 8
    Sun SS, Liang R, Huang TT, Daniels SR, Arslanian S, Liu K, et al. Childhood obesity predicts adult metabolic syndrome: the Fels Longitudinal Study. J Pediatr. 2008;152:191-200.
  • 9
    Harrell JS, Jessup A, Greene N. Changing our future obesity and the metabolic syndrome in children and adolescents. J Cardiovasc Nurs. 2006;21:322-30.
  • 10
    Costa RF, Santos NS, Goldraich NP, Barski TF, Andrade KS, Kruel LF. Metabolic syndrome in obese adolescents: a comparison of three different diagnostic criteria. J Pediatr (Rio J). 2012;88:303-9.
  • 11
    Sewaybricker LE, Antonio MA, Mendes RT, Barros Filho AA, Zambon MP. Metabolic syndrome in obese adolescents: what is enough? Rev Assoc Med Bras. 2013;59:64-71.
  • 12
    Braga-Tavares H, Fonseca H. Prevalence of metabolic syndrome in a Portuguese obese adolescent population according to three different definitions. Eur J Pediatr. 2010;169:935-40.
  • 13
    Sangun Ö, Dündar B, Kösker M, Pirgon Ö, Dündar N. Prevalence of metabolic syndrome in obese children and adolescents using three different criteria and evaluation of risk factors. J Clin Res Pediatr Endocrinol. 2011;3:70-6.
  • 14
    National Institutes of Health. The practical guide. Identification, evaluation, and treatment of overweight and obesity in adults. Bethesda: U.S. Dept. of Health and Human Services; 2000.
  • 15
    Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Hipertensão, Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95:1-51.
  • 16
    Fernández JR, Redden DT, Pietrobelli A, Allison DB. Waist circumference percentiles in nationally representative samples of African-American, European-American, and Mexican-American children and adolescents. J Pediatr. 2004;145:439-44.
  • 17
    National High Blood Pressure Education Program Working Group on High Blood Pressure in Children and Adolescents. The fourth report on the diagnosis, evaluation, and treatment of high blood pressure in children and adolescents. Pediatrics. 2004;114:555-76.
  • 18
    Cook S, Weitzman M, Auinger P, Nguyen M, Dietz WH. Prevalence of a metabolic syndrome phenotype in adolescents: findings from the third National Health and Nutrition Examination Survey, 1988-1994. Arch Pediatr Adolesc Med. 2003;157:821-7.
  • 19
    Ferranti SD, Gauvreau K, Ludwig DS, Neufeld EJ, Newburger JW, Rifai N. Prevalence of the metabolic syndrome in American adolescents: findings from the Third National Health and Nutrition Examination Survey. Circulation. 2004;110:2494-7.
  • 20
    Wang Q, Yin J, Xu L, Cheng H, Zhao X, Xiang H, et al. Prevalence of metabolic syndrome in a cohort of Chinese schoolchildren: comparison of two definitions and assessment of adipokines as components by factor analysis. BMC Public Health. 2013;13:249.
  • 21
    Lim H, Xue H, Wang Y. Association between obesity and metabolic co-morbidities among children and adolescents in South Korea based on national data. BMC Public Health. 2014;14:279.
  • 22
    Sarrafzadegan N, Gharipour M, Sadeghi M, Nouri F, Asgary S, Zarfeshani S. Differences in the prevalence of metabolic syndrome in boys and girls based on various definitions. ARYA Atheroscler. 2013;9:70-6.
  • 23
    Rizzo AC, Goldberg TB, Silva CC, Kurokawa CS, Nunes HR, Corrente JE. Metabolic syndrome risk factors in overweight, obese, and extremely obese Brazilian adolescents. Nutr J. 2013;12:19.
  • 24
    Buff CG, Ramos E, Souza FI, Sarni RO. Frequency of metabolic syndrome in overweight and obese children and adolescents. Rev Paul Pediatr. 2007;25:221-6.
  • 25
    Juárez-López C, Klünder-Klünder M, Medina-Bravo P, Madrigal-Azcárate A, Mass-Díaz E, Flores-Huerta S. Insulin resistance and its association with the components of the metabolic syndrome among obese children and adolescents. BMC Public Health. 2010;10:318.
  • 26
    Cavali ML, Escrivão M, Brasileiro R, Taddei JA. Metabolic syndrome: comparison of diagnosis criteria. J Pediatr (Rio J). 2010;86:325-30.
  • 27
    Madeira IR, Carvalho CN, Gazolla FM, Matos HJ, Borges MA, Bordallo MA. Cut-off point for Homeostatic Model Assessment for Insulin Resistance (HOMA-IR) index established from Receiver Operating Characteristic (ROC) curve in the detection of metabolic syndrome in overweight pre-pubertal children. Arq Bras Endocrinol Metab. 2008;52:1466-73.
  • 28
    Moser DC, Giuliano IC, Titski AC, Gaya AR, Coelho-e-Silva MJ, Leite N. Anthropometric measures and blood pressure. J Pediatr (Rio J). 2013;89:243-9.
  • 29
    Mardones F, Arnaiz P, Barja S, Giadach C, Villarroel L, Domínguez A, et al. Nutritional status, metabolic syndrome and insulin resistance in children from Santiago (Chile). Nutr Hosp. 2013;28:1999-2005.
  • 30
    Nguyen TH, Tang HK, Kelly P, van der Ploeg HP, Dibley MJ. Association between physical activity and metabolic syndrome: a cross sectional survey in adolescents in Ho Chi Minh City, Vietnam. BMC Public Health. 2010;10:141.

Financiamento

  • O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2017
  • Aceito
    10 Abr 2018
  • Publicado
    29 Maio 2019
Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rpp@spsp.org.br