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O ESPECTRO DESAFIADOR E IMPREVISÍVEL DA COVID-19 EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Um novo coronavírus, denominado coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), surgiu na China no final de 2019 e, após menos de 6 meses, sua doença relacionada (COVID-19) já afetou mais de 6 milhões de indivíduos em quase todos os países do mundo. Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi declarada uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde, tornando-se uma das crises de saúde pública mais desafiadoras e preocupantes enfrentadas pela geração atual.11. World Health Organization (WHO) [homepage on the Internet]. Coronavirus disease (COVID-19) pandemic. Geneva: WHO; 2020 [cited 2020 Jun 05]. Available from: Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019
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,22. Safadi MA. The intriguing features of COVID-19 in children and its impact on the pandemic. J Pediatr (Rio J). 2020;96:265-8. https://doi.org/10.1016/j.jped.2020.04.001
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,33. Palmeira P, Barbuto JA, Silva CA, Carneiro-Sampaio M. Why is SARS-CoV-2 infection milder among children? Clinics. 2020;75:e1947. https://doi.org/10.6061/clinics/2020/e1947
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,44. Almeida FJ, Olmos RD, Oliveira DB, Monteiro CO, Thomazelli LM, Durigon EL, et al. Hematuria associated with SARS-CoV-2 infection in a child. Pediatr Infect Dis J. 2020;39:e161. https://doi.org/10.1097/inf.0000000000002737
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Uma característica marcante da pandemia de COVID-19 é que crianças e adolescentes parecem ser menos frequentemente infectados pelo SARS-CoV-2 em comparação aos adultos. Evidências preliminares também mostram que, diferentemente da influenza ou do vírus sincicial respiratório, as crianças não desempenham um papel crítico na transmissão do SARS-CoV-2 na comunidade.55. Lee B, Raszka Jr WV. COVID-19 transmission and children: the child is not to blame. Pediatrics. 2020;e2020004879. https://doi.org/10.1542/peds.2020-004879
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Além disso, embora a maioria das crianças e adolescentes infectados seja assintomática ou apresente sintomas leves, dados recentes e inesperados mostram o surgimento de uma síndrome inflamatória grave de início tardio, associada temporalmente ao SARS-CoV-2, destacando a importância da vigilância contínua em todo o mundo.66. Whittaker E, Bamford A, Kenny J, Kaforou M, Jones CE, Shah P, et al. Clinical characteristics of 58 children with a pediatric inflammatory multisystem syndrome temporally associated with SARS-CoV-2. JAMA. 2020. Epub 2020 Jun 08. https://doi.org/10.1001/jama.2020.10369
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Dados de casos COVID-19 confirmados em laboratório na Ásia, Europa e América do Norte, por faixas etárias, mostraram que a prevalência de crianças e adolescentes nessas séries de casos variou de 1,0 a 1,7%. O espectro clínico da COVID-19 pediátrica é amplo, variando de casos assintomáticos a casos graves. Febre e tosse foram consistentemente os sintomas mais comuns relatados nessas séries de casos, embora com menos frequência do que em adultos, seguidos por eritema faríngeo, dispneia, rinorreia, náusea, dor abdominal, vômito e diarreia. Outros sintomas relatados incluem mialgia, cansaço, dor de cabeça, anosmia e ageusia. Mais recentemente, manifestações cutâneas variáveis foram descritas em populações pediátricas com COVID-19, incluindo erupções cutâneas eritematosas, urticária, lesões vesiculares e eritema pérnio.77. Parri N, Lenge M, Buonsenso D, Coronavirus Infection in Pediatric Emergency Departments (CONFIDENCE) Research Group. Children with Covid-19 in pediatric emergency departments in Italy. New Engl J Med. 2020. Epub 2020 May 01. https://doi.org/10.1056/NEJMc2007617
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Leucopenia, linfopenia e marcadores inflamatórios aumentados (velocidade de hemossedimentação, proteína C reativa ou procalcitonina) foram os achados laboratoriais mais frequentemente relatados em crianças e adolescentes com COVID-19. Embora os dados sejam limitados em comparação aos des adultos, linfopenia, altos níveis de proteína C reativa, procalcitonina, D dímero e CKMB foram achados laboratoriais associados a doenças mais graves.11. World Health Organization (WHO) [homepage on the Internet]. Coronavirus disease (COVID-19) pandemic. Geneva: WHO; 2020 [cited 2020 Jun 05]. Available from: Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019
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,22. Safadi MA. The intriguing features of COVID-19 in children and its impact on the pandemic. J Pediatr (Rio J). 2020;96:265-8. https://doi.org/10.1016/j.jped.2020.04.001
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,33. Palmeira P, Barbuto JA, Silva CA, Carneiro-Sampaio M. Why is SARS-CoV-2 infection milder among children? Clinics. 2020;75:e1947. https://doi.org/10.6061/clinics/2020/e1947
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,44. Almeida FJ, Olmos RD, Oliveira DB, Monteiro CO, Thomazelli LM, Durigon EL, et al. Hematuria associated with SARS-CoV-2 infection in a child. Pediatr Infect Dis J. 2020;39:e161. https://doi.org/10.1097/inf.0000000000002737
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,55. Lee B, Raszka Jr WV. COVID-19 transmission and children: the child is not to blame. Pediatrics. 2020;e2020004879. https://doi.org/10.1542/peds.2020-004879
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,66. Whittaker E, Bamford A, Kenny J, Kaforou M, Jones CE, Shah P, et al. Clinical characteristics of 58 children with a pediatric inflammatory multisystem syndrome temporally associated with SARS-CoV-2. JAMA. 2020. Epub 2020 Jun 08. https://doi.org/10.1001/jama.2020.10369
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,77. Parri N, Lenge M, Buonsenso D, Coronavirus Infection in Pediatric Emergency Departments (CONFIDENCE) Research Group. Children with Covid-19 in pediatric emergency departments in Italy. New Engl J Med. 2020. Epub 2020 May 01. https://doi.org/10.1056/NEJMc2007617
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O curso clínico da COVID-19 em crianças e adolescentes resultou, incomumente, em doenças potencialmente fatais, com consequências graves. Na maior série de casos relatados nos EUA, com informações sobre o estado de hospitalização, aproximadamente 20% das crianças e adolescentes foram hospitalizados, e 2% deles foram admitidos em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP). É importante ressaltar que lactentes com idade <1 ano representam a faixa etária com maior percentual de hospitalização entre os pacientes pediátricos com COVID-19. Menos de 1% das crianças e adolescentes apresentavam COVID-19 grave com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) ou falência de vários órgãos.88. Centers for Disease Control and Prevention (CDC) COVID-19 Response Team. Coronavirus disease 2019 in children - United States, February 12-April 2, 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2020;69:422-6. https://doi.org/10.15585/mmwr.mm6914e4
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Um estudo recente que relatou os resultados de crianças e adolescentes com COVID-19 internados nas UTIP dos EUA e Canadá mostrou que a doença grave é menos frequente, e os resultados iniciais em crianças hospitalizadas são muito melhores em comparação com os dos adultos. Curiosamente, entre 46 crianças e adolescentes (mediana da idade de 13 anos) internados na UTIP, 40 (83%) apresentaram doenças crônicas associadas, 18 (38%) precisaram de suporte ventilatório invasivo e apenas 2 (4,2%) morreram.99. Shekerdemian LS, Mahmood NR, Wolfe KK, Riggs BJ, Ross CE, McKiernan CA, et al. Characteristics and outcomes of children with coronavirus disease 2019 (COVID-19) infection admitted to US and Canadian pediatric intensive care units. JAMA Pediatr. 2020. Epub 2020 May 11. https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2020.1948
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No final de abril, foram relatados casos de uma síndrome rara grave, temporalmente associada à COVID-19, em crianças e adolescentes, inicialmente na Europa e depois na América do Norte e América Latina. Essa síndrome, denominada síndrome inflamatória multissistêmica em crianças (MIS-C), ocorre dias a semanas após a infecção aguda por SARS-CoV-2. As características clínicas da MIS-C compartilham características semelhantes com a doença de Kawasaki (DK), choque pela DK, síndrome de ativação macrofágica (SAM) e síndrome de choque tóxico. Embora muitos pacientes com MIS-C atendam aos critérios para DK completa ou incompleta, as crianças afetadas eram mais velhas, apresentavam inflamação mais intensa e maiores níveis de marcadores de lesão cardíaca. Observou-se um amplo espectro de sinais e sintomas apresentados e a gravidade da doença entre os casos relatados de MIS-C, incluindo febre persistente, sintomas gastrointestinais (dor abdominal, vômito, diarreia), erupção cutânea, conjuntivite, evoluindo em alguns casos para choque, miocardite, infarto agudo do miocárdio e desenvolvimento de aneurismas da artéria coronária. Os pacientes que apresentaram essa síndrome eram, em geral, previamente saudáveis, e a maioria deles apresentou resultados negativos para o RNA do SARS-CoV-2, mas positivo para anticorpos, sugerindo uma resposta imune desequilibrada após a infecção por SARS-CoV-2. Os achados laboratoriais incluem linfocitopenia, aumento da inflamação (proteína C reativa, velocidade de hemossedimentação, D dímero, ferritina) e biomarcadores cardíacos (troponina, peptídeo natriurético cerebral [BNP]).66. Whittaker E, Bamford A, Kenny J, Kaforou M, Jones CE, Shah P, et al. Clinical characteristics of 58 children with a pediatric inflammatory multisystem syndrome temporally associated with SARS-CoV-2. JAMA. 2020. Epub 2020 Jun 08. https://doi.org/10.1001/jama.2020.10369
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Com base nas evidências atuais, idosos e pessoas de todas as idades com doenças crônicas associadas, incluindo obesidade grave, doença pulmonar crônica, doença cardiovascular, diabetes melito, doença renal crônica, doença hepática, câncer ativo, transplante e pessoas imunocomprometidas, têm apresentado problemas clínicos e maiores taxas de mortalidade por COVID-19.11. World Health Organization (WHO) [homepage on the Internet]. Coronavirus disease (COVID-19) pandemic. Geneva: WHO; 2020 [cited 2020 Jun 05]. Available from: Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019
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,33. Palmeira P, Barbuto JA, Silva CA, Carneiro-Sampaio M. Why is SARS-CoV-2 infection milder among children? Clinics. 2020;75:e1947. https://doi.org/10.6061/clinics/2020/e1947
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Os dados sobre quais doenças crônicas em crianças e adolescentes estão associadas ao aumento do risco de infecção ou doença grave são limitados. Lactentes <1 ano de idade e crianças com doenças pulmonares crônicas (incluindo asma moderada à grave), doenças cardiovasculares (incluindo cardiopatia congênita), malignidade, imunossupressão e obesidade parecem ter um risco aumentado de doença grave.88. Centers for Disease Control and Prevention (CDC) COVID-19 Response Team. Coronavirus disease 2019 in children - United States, February 12-April 2, 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2020;69:422-6. https://doi.org/10.15585/mmwr.mm6914e4
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,99. Shekerdemian LS, Mahmood NR, Wolfe KK, Riggs BJ, Ross CE, McKiernan CA, et al. Characteristics and outcomes of children with coronavirus disease 2019 (COVID-19) infection admitted to US and Canadian pediatric intensive care units. JAMA Pediatr. 2020. Epub 2020 May 11. https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2020.1948
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,1010. Chao JY, Derespina KR, Herold BC, Goldman DL, Aldrich M, Weingarten J, et al. Clinical characteristics and outcomes of hospitalized and critically Ill children and adolescents with coronavirus disease 2019 (COVID-19) at a tertiary care medical center in New York City. J Pediatr. 2020;S0022-3476;30580-1. https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2020.05.006
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Dados de pacientes imunocomprometidos com doenças autoimunes e COVID-19 são escassos. Embora o verdadeiro risco de complicações potencialmente fatais dessa doença infecciosa emergente para essas doenças crônicas ainda não seja conhecido, existem preocupações específicas com relação à infecção por SARS-CoV-2 em pacientes tratados com imunossupressores, agentes biológicos e medicamentos antirreumáticos modificadores da doença.1111. Silva CA, Queiroz LB, Fonseca CB, Silva LE, Lourenço B, Marques HH. Spotlight for healthy and preexisting chronic diseases adolescents during COVID-19 pandemic. Clinics. 2020;75:e1931. https://doi.org/10.6061/clinics/2020/e1931
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Um dos centros de referência latino-americanos mais importantes para doenças hepáticas pediátricas e transplante de fígado pediátrico no Brasil descreveu sua experiência com 169 crianças e adolescentes não transplantados com suspeita de SARS-CoV-2, para o qual foram testados. Destaca-se que 13/169 (8%) deles possuíam COVID-19 confirmada em laboratório. Todos eles tinham COVID-19 leve, exceto um que morreu devido à uma síndrome genética grave. Além disso, durante o período do estudo, nenhum dos 190 pacientes pediátricos transplantados apresentou COVID-19.1212. Tannuri U, Tannuri AC, Cordon MN, Miyatani HT. Low incidence of COVID-19 in children and adolescent post-liver transplant at a Latin American reference center. Clinics. 2020;75:e1986. https://doi.org/10.6061/clinics/2020/e1986
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A morbimortalidade geral de COVID-19 em pacientes pediátricos com câncer parece ser baixa. Um dos maiores programas de câncer pediátrico nos EUA, na cidade de Nova York, relatou que 20/178 (11%) crianças e adolescentes com câncer tiveram teste positivo para SARS-CoV-2. Apenas um paciente com COVID-19 necessitou de hospitalização, sem gravidade significativa.1313. Boulad F, Kamboj M, Bouvier N, Mauguen A, Kung AL. COVID-19 in children with cancer in New York city. JAMA Oncol. 2020. Epub 2020 May 13. https://doi.org/10.1001/jamaoncol.2020.2028
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A malignidade em populações pediátricas geralmente é agressiva, necessitando de múltiplas quimioterapias ou transplante de células-tronco. Portanto, o adiamento dessas terapias não é recomendado durante a pandemia de COVID-19.

É importante ressaltar que os efeitos em longo prazo dessa pandemia, com o fechamento das escolas e o isolamento social durante a quarentena/lockdown de crianças e adolescentes, podem influenciar o comportamento sedentário e o consumo de alimentos de alto nível calórico, aumentando o risco de ganho de peso e contribuindo para doenças metabólicas e cardiovasculares, particularmente entre aqueles que vivem em áreas urbanas.1111. Silva CA, Queiroz LB, Fonseca CB, Silva LE, Lourenço B, Marques HH. Spotlight for healthy and preexisting chronic diseases adolescents during COVID-19 pandemic. Clinics. 2020;75:e1931. https://doi.org/10.6061/clinics/2020/e1931
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Existem outros desafios relacionados para as crianças e adolescentes no que concerne a essa pandemia. As intervenções não farmacológicas têm sido uma medida preventiva essencial, recomendada pelas autoridades nacionais e internacionais de saúde pública. Além do risco de educação limitada ou mesmo inexistente para crianças e adolescentes durante a crise da COVID-19, os isolamentos domiciliares podem levar a mais tempo de uso de tela, inatividade física, alterações no sono, aumento do risco de ingestão de álcool e violência doméstica, principalmente em adolescentes. A adesão a medicamentos também deve ser reforçada para pacientes com doença crônica preexistente e suas respectivas famílias devido ao risco de surto ou danos devido à doença. Pacientes com suspeita ou confirmação da COVID-19 devem ser rigorosamente monitorados quanto ao seu possível risco de reativação após a resolução dessa infecção viral.1111. Silva CA, Queiroz LB, Fonseca CB, Silva LE, Lourenço B, Marques HH. Spotlight for healthy and preexisting chronic diseases adolescents during COVID-19 pandemic. Clinics. 2020;75:e1931. https://doi.org/10.6061/clinics/2020/e1931
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Os sistemas de saúde pública, sobrecarregados pela pandemia da COVID-19, representam um sério risco à saúde geral pediátrica, limitando o acesso de crianças e adolescentes a cuidados básicos de saúde, comprometendo as coberturas de imunização e adiando consultas para pacientes com condições subjacentes. Além disso, o impacto na saúde mental e questões socioeconômicas podem contribuir para resultados negativos a curto e longo prazo em crianças e adolescentes e suas famílias. Estresse agudo, ansiedade, depressão leve à grave, transtorno de estresse pós-traumático e exaustão emocional podem ser diagnosticados durante ou após a pandemia da COVID-19. Dessa forma, o atendimento on-line de saúde mental, por meio de linhas de teleconsulta ou suporte telefônico, pode ser mandatório para populações pediátricas.1414. Brooks SK, Webster RK, Smith LE, Woodland L, Wessely S, Greenberg N, et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet. 2020;395:912-20. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30460-8
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A identificação de uma terapia antiviral segura e eficaz, que poderia melhorar os desfechos da doença, tem sido objeto de extensas pesquisas em todo o mundo. No entanto, até o momento, não existem dados convincentes mostrando que qualquer um dos vários antivirais (inibidor da protease lopinavir/ritonavir, remdesivir ou favipiravir) que estão sendo testados provou ser seguro e eficaz contra o SARS-CoV-2. Além disso, deve-se reconhecer que a maioria desses estudos foi realizada em adultos, com dados escassos ou muito limitados para as diferentes terapias antivirais em crianças.1515. Chiotos K, Hayes M, Kimberlin DW, Jones SB, James SH, Pinninti SG, et al. Multicenter initial guidance on use of antivirals for children with COVID-19/SARS-CoV-2. J Pediatric Infect Dis Soc. 2020;piaa045. https://doi.org/10.1093/jpids/piaa045
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Também é de suma importância ter em mente que a esmagadora maioria das crianças e adolescentes com COVID-19, uma vez infectados, desenvolverá uma forma leve e autolimitada de doença. Isso significa que um grande número de pacientes precisaria ser tratado para demonstrar os benefícios de um antiviral, levantando preocupações sobre os possíveis eventos adversos associados a essa intervenção. Dessa forma, consideramos que, dada a falta de evidências que deem respaldo à segurança e eficácia dos medicamentos atualmente disponíveis para o tratamento de COVID-19 em crianças e adolescentes, somente cuidados de suporte devem ser rotineiramente recomendados na maioria dos casos. Em casos selecionados, de apresentações graves da doença ou risco potencial de progressão da doença devido à presença de fortes fatores de risco, o uso de terapia antiviral pode ser considerado em uma decisão individualizada caso a caso, supondo que os benefícios superem os riscos de possíveis eventos adversos do medicamento utilizado. Recomenda-se que, idealmente, essas terapias antivirais não oficiais para COVID-19 façam parte de um ensaio clínico.

A profilaxia pós-exposição é outra estratégia potencial para o uso de terapias antivirais. Nesse contexto, um estudo randomizado duplo cego recente testou o uso de hidroxicloroquina nos primeiros quatro dias após a exposição relatada. No entanto, os resultados não mostraram nenhum efeito desse fármaco na prevenção de doenças compatíveis com a infecção por COVID-19 ou SARS-CoV-2 confirmada quando usada como profilaxia pós-exposição.1616. Boulware DR, Pullen MF, Bangdiwala AS, Pastick KA, Lofgren SM, Okafor EC, et al. A randomized trial of hydroxychloroquine as postexposure prophylaxis for COVID-19. N Engl J Med. 2020. Epub 2020 Jun 03. https://doi.org/10.1056/NEJMoa2016638
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O capítulo mais emocionante e fascinante da batalha contra a COVID-19 é, sem dúvida, o desenvolvimento de uma vacina segura e eficaz. Atualmente, temos mais de 130 vacinas candidatas sendo desenvolvidas, e pelo menos 10 delas já estão sendo testadas em seres humanos, usando diferentes plataformas de vacinas, incluindo vacinas baseadas em ácido nucleico (mRNA e DNA), baseadas em vetor e inativadas ou recombinantes. Estudos realizados com várias estratégias de vacina contra o outro coronavírus zoonótico, SARS-CoV e MERS-CoV, focados na proteína S como alvo, abriram o caminho para facilitar um desenvolvimento mais rápido da atual vacina contra SARS-CoV-2.1717. Diamond M, Pierson T. The challenges of vaccine development against a new virus during a pandemic. Cell Host Microbe. 2020;27:699-703. https://doi.org/10.1016/j.chom.2020.04.021
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Embora tenha ocorrido um progresso significativo em um período muito curto de tempo, ainda existem várias perguntas e desafios sem resposta para o desenvolvimento de uma vacina contra SARS-CoV-2, incluindo o risco teórico de amplificação mediada por anticorpos (“Antibody-Dependent-Enhancement”), a falta de correlatos claros de proteção, a persistência em longo prazo das respostas imunes induzidas pela vacinação, o número de doses de vacina necessárias para diferentes faixas etárias, a provável necessidade de adjuvantes para desencadear a resposta TH1 e os altos níveis anticorpos neutralizantes necessários para poupar a dose de antígenos. Também é difícil prever se essas vacinas fornecerão proteção contra a infecção (que também terá a possibilidade de diminuir a transmissão na comunidade quando uma alta cobertura estiver presente) ou apenas impedir a gravidade e/ou óbito.1717. Diamond M, Pierson T. The challenges of vaccine development against a new virus during a pandemic. Cell Host Microbe. 2020;27:699-703. https://doi.org/10.1016/j.chom.2020.04.021
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O papel de uma imunização recente com Bacille-Calmette-Guerin (BCG) na prevenção da COVID-19 também está sendo analisado em ensaios clínicos. Estudos anteriores mostraram que a imunização com BCG, além de seu efeito específico contra formas graves de tuberculose, induz uma resposta imune protetora não específica contra outras infecções.1717. Diamond M, Pierson T. The challenges of vaccine development against a new virus during a pandemic. Cell Host Microbe. 2020;27:699-703. https://doi.org/10.1016/j.chom.2020.04.021
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Concluindo, quase seis meses da pandemia de COVID-19, seu epicentro deslocou-se da China, Europa e EUA para o Brasil, expondo nossa população vulnerável a consequências devastadoras. Apesar de crianças e adolescentes parecerem ter menor prevalência, manifestações clínicas mais brandas e menores taxas de mortalidade em comparação com outros grupos etários, a crise global da COVID-19 tem um impacto negativo potencialmente profundo em longo prazo nas populações pediátricas. A identificação recente de casos raros e graves de síndrome inflamatória de COVID-19 em crianças mais velhas e adolescentes destaca seu imprevisível espectro de patogênese e prognósticos. O impacto da saúde mental, o impacto social e a perda financeira são desafios importantes para crianças e adolescentes desta e das gerações futuras. Novos estudos multicêntricos e longitudinais de pediatria com grandes populações serão necessários para esclarecer esses achados e avaliar doenças crônicas e preexistentes em crianças e adolescentes.

REFERENCES

Financiamento

  • Este estudo foi financiado com suportes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq 303422/2015-7 ao CAS), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP 2015/03756-4 ao CAS) e Núcleo de Apoio à Pesquisa “Saúde da Criança e do Adolescente” da USP (NAP-CriAd) ao CAS.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Jun 2020
Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
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