Resumos
O estudo da excelência humana assume essencialmente dois enfoques, um deles acentuando as variáveis psicológicas dos indivíduos e outro enfatizando as aquisições decorrentes da prática ou treino deliberado. Neste artigo procurou-se integrar tais estudos, propondo que o surgimento e a manutenção da excelência pressupõem uma constelação de variáveis psicológicas que vão para além da alta capacidade intelectual. Mais concretamente, descreveu-se um conjunto de variáveis cognitivas, motivacionais e de personalidade, assumidas como relevantes na excelência profissional em diferentes áreas de desempenho e de conhecimento. No seio das variáveis cognitivas e, fazendo uma ponte com as variáveis de personalidade, destaca-se o papel da criatividade para a excelência, reconhecendo a sua particular relevância em algumas áreas de realização profissional.
Cognição; Criatividade; Excelência; Motivação; Personalidade
The study of human excellence can be described based on two main approaches focusing either on individuals' psychological variables or on acquisitions by training or deliberate practice. The purpose of this study is to integrate these models based on the assumption that the emergence and maintenance of excellence requires a constellation of fundamental psychological variables that transcend intellectual capacity. More specifically, a set of cognitive, motivational, and personality variables that are considered important for professional excellence in different levels of performance and areas of knowledge were described. Among the cognitive variables and their association with personality variables, it is worth mentioning the significant role of creativity in the pursuit of excellence, recognizing its relevance to specific areas of professional performance.
Cognition; Creativity; Excellence; Motivation; Personality
As altas habilidades e talentos do ser humano sempre despertaram alguma curiosidade, mesmo que nem sempre foram entendidas ou valorizadas como um aspecto positivo. Um livro muito bem escrito, um recorde mundial ultrapassado numa prova de atletismo, o brilhantismo na execução de um instrumento musical ou uma pesquisa que desvenda um mistério da ciência chamam a nossa atenção pela sua singularidade. No entanto, a Psicologia, desde as suas origens, voltou-se preferencialmente para a compreensão dos transtornos psíquicos, para as doenças mentais e as deficiências cognitivas.
Recentemente, em boa medida com o desenvolvimento da Psicologia Positiva, novos constructos passaram a ser pesquisados, entre eles o otimismo, a coragem, o perdão, a perseverança, a virtude, a sabedoria, o bem-estar, a sobredotação e a excelência (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000Seligman, M., & Csikszentmihalyi, M. (2000). Positive Psychology: An introduction. American Psychologist 55(1), 5-14.). Embora a Psicologia Humanista já viesse discutindo a importância de se acreditar no potencial humano (Maslow, 1968Maslow, A. H. (1968). Toward a psychology of beingNew York: Van Nostrand.; Rogers, 1961Rogers, C. R. (1961). On becoming a person Boston: Houghton Mifflin Company.), a intervenção de Martin Seligman, na qualidade de presidente da American Psychology Association, pode ser apontada como decisiva para a emergência ou a consolidação da Psicologia Positiva. A saúde, a realização excelente ou o bem-estar são temas tão meritórios do estudo da Psicologia quanto as doenças, as disfunções e o sofrimento psíquico (Linley, Joseph, Harrington, & Wood, 2006Linley, P. A., Joseph, S., Harrington, S., & Wood, A. M. (2006). Positive psychology: Past, present, and (possible) future. Journal of Positive Psychology, 1(1), 3-16.).
A Psicologia Positiva, segundo Seligman (2002Seligman, M. (2002). Positive psychology, positive prevention, and positive therapy. In C. R. Snyder & S. J. Lopez (Eds.), Handbook of positive psychology (pp.3-9). New York: Oxford University Press.), valoriza as experiências de bem-estar, satisfação e otimismo face ao futuro, centrando-se nos processos que explicam o desenvolvimento e o funcionamento ótimo do indivíduo, dos grupos e das instituições (Gable & Haidt, 2005Gable, S. L., & Haidt, J. (2005). What (and why) is positive psychology? Review of General Psychology, 9(2), 103-110.; Sheldon & King, 2001Sheldon, K. M., & King, L. (2001). Why positive psychology is necessary., American Psychologist 56(3), 216-217.). Sendo verdade que experiências e sentimentos negativos podem também estimular o desenvolvimento psicológico do indivíduo (McNulty & Fincham, 2012McNulty, J. K., & Fincham, F. D. (2012). Beyond positive psychology? Toward a contextual view of psychological processes and well-being. American Psychologist 67(2), 101-110.), a Psicologia Positiva centra-se nos constructos e nos processos que podem favorecer a felicidade e a qualidade de vida, o bem-estar subjetivo e realização plena (Seligman, 2002Seligman, M. (2002). Positive psychology, positive prevention, and positive therapy. In C. R. Snyder & S. J. Lopez (Eds.), Handbook of positive psychology (pp.3-9). New York: Oxford University Press.). Transpondo para a excelência, a investigação procura identificar os fatores e os processos que explicam a emergência e a manutenção de um desempenho superior na área acadêmica e profissional (Ericsson, 2005Ericsson, K. A. (2005). Recent advances in expertise research: A commentary on the contributions to the special issue. Applied, Cognitive Psychology 19(2), 233-241.; Monteiro, Castro, Almeida, & Cruz, 2009Monteiro, S., Castro, M., Almeida, L., & Cruz, J. F. A. (2009). Alunos de excelência no ensino superior: comunalidades e singularidades na trajectória académica. Análise Psicológica1(XVII), 79-87.; Renzulli, 2002Renzulli, J. S. (2002). Emerging conceptions of giftedness: Building a bridge to the new century. Exceptionality, 10(2), 67-75.; Zimmerman, 2002Zimmerman, B. J. (2002). Achieving academic excellence: A self-regulatory perspective. In M. Ferrari (Ed.), The pursuit of excellence in education (pp.85-110). Hillsdale, NJ: Erlbaum.).
Tendo como foco deste artigo a excelência profissional, procurou-se sistematizar a investigação psicológica que busca explicar a expertise de indivíduos adultos no trabalho, nos esportes, nas artes, na vida social ou na investigação científica (Lubinski & Benbow, 2000Lubinski, D., & Benbow, C. P. (2000). States of excellence. American Psychologist55(1), 137-150.; Shanteau, Weiss, Thomas, & Pounds, 2002Shanteau, J., Weiss, D. J., Thomas, R. P., & Pounds, J. C. (2002). Performance-based assessment of expertise: How to decide if someone is an expert or not. European Journal of Operational Research136(2), 253-263.; Winner, 2000Winner, E. (2000). The origins and ends of giftedness. American Psychologist 55(1), 159-169.). Ao mesmo tempo, a presente investigação se deu nos domínios da inteligência e da criatividade (Almeida, Guisande, & Ferreira, 2009Almeida, L. S., Guisande, M. A., & Ferreira, A. I. (2009). Inteligência: perspectivas teóricasCoimbra: Livraria Almedina.; Wechsler, 2006Wechsler, S. M. (2006). Estilos de pensar e criar Campinas: LAMP/IDB digital.; Wechsler, Oliveira, & Suárez, 2015Wechsler, S. M., Oliveira, K. L., & Suárez, J. T. (2015). Criatividade e saúde mental: desenvolvendo as forças positivas do caráter. In M. F. Morais, L. C. Miranda, & S. M. Wechsler (Eds.), Criatividade: aplicações práticas em contextos internacionais (pp.59-76). São Paulo: Vetor.), bem como de estudos nos campos da sobredotação e excelência (Araújo, Cruz, & Almeida, 2011Araújo, L. S., Cruz, J. F. A., & Almeida, L. S. (2011). A entrevista no estudo da excelência: uma proposta. Psychologica 52(1), 253-280.; Garcia-Santos & Almeida, 2008Garcia-Santos, S., & Almeida, L. S. (2008). Historiometria: um método na investigação da excelência. Sobredotação9, 77-86.; Garcia-Santos, Almeida, & Werlang, 2012Garcia-Santos, S. C., Almeida, L. S., & Werlang, B. S. G. (2012). Human excellence: The contribution of personality. Paideia22(52), 271-279.; Matos, Cruz, & Almeida, 2011Matos, D. S., Cruz, J. F. A., & Almeida, L. S. (2011). Excelência no desporto: para uma compreensão da "arquitectura" psicológica dos atletas de elite. Motricidade7(4), 27-41.; Monteiro, Almeida, & Vasconcelos, 2012Monteiro, S. C., Almeida, L. S., & Vasconcelos, R. M. (2012). Abordagens à aprendizagem, autorregulação e motivação: convergência no desempenho acadêmico excelente. Revista Brasileira de Orientação Profissional13(2), 153-162.; Peiffer & Wechsler, 2013Pfeiffer, S., & Wechsler, S. M. (2013). Youth leadership: A proposal for identifying and developing creativity and giftedness. Estudos de Psicologia (Campinas), 30(2), 219-229. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-166X2013000200008
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). Trata-se de uma síntese reflexiva na área, sem especificar ou diferenciar domínios profissionais de atuação, que pretende destacar a relevância das variáveis psicológicas na emergência e manutenção da excelência e, assim, sugerir caminhos para a investigação psicológica no estudo de pessoas excelentes ou para o apoio psicológico à sua realização profissional.
Conceito e explicação da excelência
De forma bem simples, entende-se a excelência, neste artigo, como realização particularmente singular ou desempenho notoriamente superior numa determinada área de atuação ou domínio de conhecimento (Trost, 2000Trost, G. (2000). Prediction of excellence in school, higher education and work. In K. Heller, F. Mönks, R. Sternberg, & R. Subotnik (Eds.), International handbook of giftedness and talent (2nd ed.). Oxford: Pergamon Press.). Aspectos quali e quantitativos combinam-se na definição desse conceito, podendo uns e outros tornarem-se mais e menos importantes dependendo da área de excelência profissional investigada (Araújo et al., 2011Araújo, L. S., Cruz, J. F. A., & Almeida, L. S. (2011). A entrevista no estudo da excelência: uma proposta. Psychologica 52(1), 253-280.; Garcia-Santos & Almeida, 2008Garcia-Santos, S., & Almeida, L. S. (2008). Historiometria: um método na investigação da excelência. Sobredotação9, 77-86.). Um primeiro problema passa, então, pela especificação dos critérios da excelência profissional, mesmo quando se institui que o conceito se refere aos indivíduos pertencentes aos 5% com desempenho mais elevado (critério estatístico). Se em várias modalidades esportivas existem rankings internacionais que podem servir esse objetivo, também podendo-se recorrer às medalhas conquistadas em campeonatos do mundo ou nos Jogos Olímpicos, nas outras áreas a situação tende a não ser tão clara e os critérios de definição da excelência assumem alguma ambiguidade. Por exemplo, se nas artes, música e literatura pode ser determinante a marca ou o cunho identitário do autor, na investigação científica pode-se tomar alguns critérios quantitativos, tais como verbas auferidas para financiamento dos projetos ou quantidade de artigos publicados em revistas internacionais.
A investigação psicológica na área da excelência está marcada por dois enfoques: um primeiro enfatiza, sobretudo, as variáveis psicológicas e o seu desenvolvimento, ou seja, os atributos dos indivíduos (Gagné, 2004Gagné, F. (2004). Transforming gifts into talents: The DMGT as a developmental theory. High Ability Studies15(2)119-147.; 2015Gagné, F. (2015). De los genes al talent: La perspectiva DMGT/CMTD. Revista de Educación368, 12-39.; Renzulli, 2002Renzulli, J. S. (2002). Emerging conceptions of giftedness: Building a bridge to the new century. Exceptionality, 10(2), 67-75.; Renzulli & Gaesser, 2015Renzulli, J. S., & Gaesser, A. H. (2015). Un sistema multicriterial para la identificación del alumnado de alto rendiminento y de alta capacidad creativo-productiva. Revista de Educación 368, 96-131.), enquanto um segundo associa a excelência aos conhecimentos e competências decorrentes de uma extensa experiência ou prática deliberada na área (Ericsson, 2005Ericsson, K. A. (2005). Recent advances in expertise research: A commentary on the contributions to the special issue. Applied, Cognitive Psychology 19(2), 233-241.; Lubinski, Benbow, Shea, Eftekhari-Sanjaui, & Halvorson, 2001Lubinski, D., Benbow, C. P., Shea, D. L., Eftekhari-Sanjaui, H., & Halvorson, M. B. J. (2001). Men and women at promise for scientific excellence: Similarity not dissimilarity. Psychological Science12(4), 309-317.; Lubinski, Benbow, Webb, & Bleske-Rechek, 2006Lubinski, D., Benbow, C. P., Webb, R. M., & Bleske-Rechek, A. (2006). Tracking exceptional human capital over two decades. Psychological Science17(3), 194-199.). Neste artigo, mesmo reconhecendo a relevância do contexto cultural e da prática deliberada, pretende-se destacar as variáveis psicológicas que explicam a emergência e a manutenção da excelência profissional em indivíduos adultos. Acredita-se, aliás, que a própria prática deliberada apenas se institui e surte efeito quando certas variáveis psicológicas dos indivíduos estão presentes (Matos et al., 2011Matos, D. S., Cruz, J. F. A., & Almeida, L. S. (2011). Excelência no desporto: para uma compreensão da "arquitectura" psicológica dos atletas de elite. Motricidade7(4), 27-41.). Assim, será destacada uma constelação de variáveis cognitivas, motivacionais e de personalidade para a explicação da excelência.
Variáveis psicológicas na explicação da excelência
A excelência deve ser entendida como um fenômeno multivariado, podendo algumas variáveis ganharem relevância sobre outras em função das áreas de realização. Basicamente, podemos assumir que as habilidades cognitivas, mesmo que necessárias, não são suficientes para explicar a excelência, menos ainda quando esta está relacionada a algumas áreas da realização artística e esportiva, por exemplo.
Num dos modelos mais referenciados internacionalmente, Renzulli (1986Renzulli, J. S. (1986). The three-ring conception of giftedness: A developmental model for creative productivity. In R. Sternberg & J. E. Davidson (Eds.), Conceptions of giftedness (pp.53-92). Cambridge: Cambridge University Press.; 2002Renzulli, J. S. (2002). Emerging conceptions of giftedness: Building a bridge to the new century. Exceptionality, 10(2), 67-75.) postula que a sobredotação traduz a interseção de três variáveis (daí chamar-se a "teoria dos três anéis"): aptidão intelectual acima da média, criatividade e motivação ou envolvimento na tarefa. Essa teoria tem sofrido algumas modificações, aceitando-se a possibilidade de indivíduos sobredotados serem mais orientados por uma inteligência convergente/acadêmica (o tradicional QI - Quociente de Inteli-gência) ou pelas habilidades criativas (Renzulli & Gaesser, 2015Renzulli, J. S., & Gaesser, A. H. (2015). Un sistema multicriterial para la identificación del alumnado de alto rendiminento y de alta capacidad creativo-productiva. Revista de Educación 368, 96-131.), discutindo-se ainda hoje a relativa independência entre esses dois aspectos, sobretudo quando se considera sujeitos muito inteligentes ou muito criativos. Progressivamente, alguns autores (Gagné, 2004Gagné, F. (2004). Transforming gifts into talents: The DMGT as a developmental theory. High Ability Studies15(2)119-147.; 2015Gagné, F. (2015). De los genes al talent: La perspectiva DMGT/CMTD. Revista de Educación368, 12-39.; Winner, 2000Winner, E. (2000). The origins and ends of giftedness. American Psychologist 55(1), 159-169.) postulam as habilidades cognitivas na base dos talentos e de desempenhos superiores, destacando um processo de desenvolvimento em que as capacidades básicas indiferenciadas se cristalizam em aptidões específicas, fruto das experiências e das motivações dos indivíduos (Ackerman, 1996Ackerman, P. L. (1996). A theory of adult intellectual development: Process, personality, interests, and knowledge. Intelligence22(2) 229-259.; Gagné, 2015Gagné, F. (2015). De los genes al talent: La perspectiva DMGT/CMTD. Revista de Educación368, 12-39.). Nesse quadro, é clara a relevância das variáveis psicológicas e das próprias capacidades básicas, pois que, sem elas, o treino ou a aprendizagem não moldam talentos.
Nessa mesma linha, o Modelo do Desenvolvimento da Expertise de Sternberg (1998Sternberg, R. J. (1998). Metacognition, abilities, and developing expertise: What makes an expert student? Instructional Science26, 127-140.; 2001Sternberg, R. J. (2001). Giftedness as developing expertise: A theory of the interface between high abilities and achieved excellence. High Ability Studies 12(2), 159-179.) propõe que as altas habilidades decorrem de um processo de aquisição e cristalização de um conjunto de capacidades consideradas necessárias para uma elevada performance, seja em uma ou várias áreas de desempenho. Depreende-se, então, a importância de destacar as variáveis cognitivas, motivacionais, criativas e de personalidade que podem explicar a excelência humana. A criatividade merece atenção particular, pois que, como fenômeno multidimensional, integra ela própria variáveis cognitivas, de personalidade e sociais (Sainz et al., 2011Sainz, M., Soto, G., Almeida, L., Ferrándiz, C., Fernández, M. C., & Ferrando, M. (2011). Componentes socioemocionales y creatividad según nivel de inteligencia. Revista Electrónica de Formación del Profesorado, 14(3), 97-106.; Wechsler, 2008Wechsler, S. M. (2008). Criatividade:descobrindo e encorajando (3a ed.). Campinas: LAMP/PUC-Campinas.).
Variáveis cognitivas da excelência
Ainda que não sendo suficiente, a cognição é variável necessária da excelência. Mesmo quando se fala sobre talento motor ou excelência em áreas do desporto e atividade física as habilidades cognitivas são requeridas. No entanto, importa entender essas variáveis cognitivas muito para além da capacidade intelectual (QI), incluindo então o conhecimento e os processos metacognitivos e autorregulatórios, a título de exemplo. Na realidade, no estudo da excelência deve-se ampliar o próprio conceito de cognição não o restringindo ao QI ou às capacidades abstratas de pensar e raciocinar, numa referência ao fator g ou inteligência fluída (Almeida et al., 2009Almeida, L. S., Guisande, M. A., & Ferreira, A. I. (2009). Inteligência: perspectivas teóricasCoimbra: Livraria Almedina.; Primi, 2002Primi, R. (2002). Complexity of geometric inductive reasoning tasks: Contribution to the understanding of fluid intelligenceIntelligence30(1), 41-70.).
Assim, a investigação aponta que os indivíduos excelentes apresentam na sua área uma quantidade de conhecimento superior, para além de um saber mais profundo e mais bem organizado, sugerindo, assim, que a prática deliberada pode favorecer a aquisição, o armazenamento organizado e a evocação de tal conhecimento. Num estudo clássico com jogadores de xadrez, Chase e Simon (1973Chase, W. G., & Simon, H. A. (1973). Perception in chess. Cognitive Psychology4 55-81.) constataram desempenhos superiores por parte daqueles que conseguiam ter disponível uma maior quantidade de informações (em termos de posições de jogadas) na sua memória a longo prazo, estando esse número de jogadas memorizadas associado aos anos de prática. Decorre daqui, aliás, a "regra dos dez anos de prática" necessários para atingir a excelência em diferentes domínios de realização (Chase & Simon, 1973Chase, W. G., & Simon, H. A. (1973). Perception in chess. Cognitive Psychology4 55-81.; Ericsson, Krampe, & Tesch-Homer, 1993Ericsson, K. A., Krampe, R.T., & Tesch-Homer, C. (1993). The role of deliberate practice in the acquisition of expert performance. Psycological Rewiew, 100(3), 363-406.).
Por outro lado, indivíduos com excelência numa dada área apresentam comportamentos metacognitivos e de autorregulação da sua realização que os diferenciam claramente. Para Sternberg (1998Sternberg, R. J. (1998). Metacognition, abilities, and developing expertise: What makes an expert student? Instructional Science26, 127-140.) existe um conjunto de capacidades metacognitivas que possibilitam o desenvolvimento da excelência, como por exemplo o desenvolvimento de esquemas apurados de classificação dos problemas, a automatização de sequências na resolução dos mesmos e a monitorização do implemento das ações e avaliação das soluções. Por sua vez, Zimmerman (2002Zimmerman, B. J. (2002). Achieving academic excellence: A self-regulatory perspective. In M. Ferrari (Ed.), The pursuit of excellence in education (pp.85-110). Hillsdale, NJ: Erlbaum.) descreve um conjunto de processos autorregulatórios, como planificação, monitorização e avaliação, associados ao desempenho excelente. Vale acrescentar que esses processos estimulam sentimentos ajustados de autoeficácia e de autoestima, os quais reforçam a energia e paixão pela aprendizagem e realização (Ericsson & Lehman, 1996Ericsson, K. A., & Lehmann, A. C. (1996). Expert and exceptional performance: Evidence of maximal adaptation to task constraints. Annual Review of Psychology, 47, 273-305.).
No quadro das variáveis cognitivas associadas à excelência, a criatividade assume lugar de destaque. Para alguns autores a criatividade e a inteligência são constructos independentes (Getzels & Jackson, 1962Getzels, J. W., & Jackson, P. J. (1962). Creativity and intelligence: Explorations with gifted students New York: John Wiley.; Runco, 2007Runco, M. (2007). Creativity. Theories and themes: Research, development and practiceBurlington, MA: Elsevier Academic Press.), embora outros defendam uma relação positiva entre ambos, assumindo, por exemplo, que indivíduos os quais atingem altos níveis de conceituação e abstração também geram novas ideias (Nusbaum & Silvia, 2011Nusbaum, E. C., & Silvia, P. J. (2011). Are intelligence and creativity really so different? Fluid intelligence, executive processes, and strategy use in divergent thinking. Intelligence, 39(1), 36-45.;
Sternberg, 2001Sternberg, R. J. (2001). Giftedness as developing expertise: A theory of the interface between high abilities and achieved excellence. High Ability Studies 12(2), 159-179.). Aliás, a teoria do limiar (threshold) afirma que os dois constructos se tornam mais autônomos entre si a partir de um ponto de corte, como um QI de 120, complementando-se então sua especificidade na explicação da excelência (Jauk, Benedek, Dunst, & Neubauer, 2013Jauk, E., Benedek, M., Dunst, B., & Neubauer, A. C. (2013). Relationship between intelligence and creativity: New support for the threshold hypothesis by means of empirical breakpoint detection. Intelligence, 41(4), 212-221.; Lubart, 2007Lubart, T. (2007). Psicologia da criatividadePorto Alegre: ArtMed.). Nesse sentido, e mesmo assumindo que a criatividade é uma variável psicológica que vai para além da inteligência (Sainz et al., 2011Sainz, M., Soto, G., Almeida, L., Ferrándiz, C., Fernández, M. C., & Ferrando, M. (2011). Componentes socioemocionales y creatividad según nivel de inteligencia. Revista Electrónica de Formación del Profesorado, 14(3), 97-106.; Wechsler, 2008Wechsler, S. M. (2008). Criatividade:descobrindo e encorajando (3a ed.). Campinas: LAMP/PUC-Campinas.), ambas convergem para a excelência na idade adulta (Runco, Millar, Acar, & Crammond, 2010Runco, M., Millar, G., Acar, S., & Cramond, B. (2010). Torrance tests of creative thinking as predictors of personal and public achievement: A fifty-year follow-up. Creativity Research Journal22(4), 361-368), justificando a sua estimulação na infância e adolescência (Pfeiffer & Wechsler, 2013Pfeiffer, S., & Wechsler, S. M. (2013). Youth leadership: A proposal for identifying and developing creativity and giftedness. Estudos de Psicologia (Campinas), 30(2), 219-229. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-166X2013000200008
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; Wechsler, 2006Wechsler, S. M. (2006). Estilos de pensar e criar Campinas: LAMP/IDB digital.; 2008Wechsler, S. M. (2008). Criatividade:descobrindo e encorajando (3a ed.). Campinas: LAMP/PUC-Campinas.) e o seu maior estudo em contextos profissionais (Nakano, 2007Nakano, T. C. (2007). Criatividade: características da produção científica brasileira. Avaliação Psicológica6(2), 261-270.).
Variáveis motivacionais da excelência
No quadro dos fatores pessoais associados à excelência profissional, alguns autores destacam variáveis motivacionais, como determinação e comprometimento com as tarefas (Ryan & Deci, 2004Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2004). Autonomy is no illusion: Self-determination theory and the empirical study of authenticity, awareness, and will. In J. Greenberg, S. L. Koole, & T. Pyszczynski (Eds.), Handbook of experimental existential psychology (pp.449-479). New York: The Guilford Press.; Stoeber & Otto, 2006Stoeber, J., & Otto, K. (2006). Positive perfectionism: Conceptions, evidence, challenges. Personality and Social Psychology Review10, 219-319.). Sem investimento pessoal e determinação do indivíduo em fazer bem ou em melhorar sucessivamente o seu desempenho em função do treino ou da prática, não parece ser possível atingir a excelência. Com efeito, as biografias de pessoas excelentes nos mais diversos domínios destacam a sua persistência e paixão por aprender e executar bem (Araújo et al., 2011Araújo, L. S., Cruz, J. F. A., & Almeida, L. S. (2011). A entrevista no estudo da excelência: uma proposta. Psychologica 52(1), 253-280.; Vallerand, 2008Vallerand, R. J. (2008). On the psychology of passion: In search of what makes people's lives most worth living. Canadian Psychology49(1), 1-13.). Esses níveis elevados de motivação intrínseca confundem-se a partir da adolescência com necessidades de autonomia, competência e afiliação (Vallerand, 2008Vallerand, R. J. (2008). On the psychology of passion: In search of what makes people's lives most worth living. Canadian Psychology49(1), 1-13.; 2010Vallerand, R. J. (2010). On passion for life activities: The dualistic model of passion. In M. P. Zanna (Ed.), Advances in experimental social psychology (Vol.42, pp.97-193).. New York: Academic Press ), emergindo então uma paixão ou dedicação extrema às aprendizagens e realização. Nestes casos, ao invés de uma paixão patológica decorrente de pressões externas introjetadas, fala-se de um sentimento harmônico inerente ao self (Deci & Ryan, 2000Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2000). The "what" and the "why" of goals pursuits: Human needs and the selfdetermination of behavior. Psychology Inquiry11(4), 227-268.; Ryan & Deci, 2004Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2004). Autonomy is no illusion: Self-determination theory and the empirical study of authenticity, awareness, and will. In J. Greenberg, S. L. Koole, & T. Pyszczynski (Eds.), Handbook of experimental existential psychology (pp.449-479). New York: The Guilford Press.).
Apenas a paixão por determinada atividade pode explicar a perseverança e o elevado envolvimento pessoal na melhoria constante da sua execução (Stoeber & Otto, 2006Stoeber, J., & Otto, K. (2006). Positive perfectionism: Conceptions, evidence, challenges. Personality and Social Psychology Review10, 219-319.; Vallerand, 2008Vallerand, R. J. (2008). On the psychology of passion: In search of what makes people's lives most worth living. Canadian Psychology49(1), 1-13.). Na realidade, só esse sentimento pode explicar o entusiasmo e a dedicação ao aperfeiçoamento diário constante, as várias horas de treino ao longo de meses e anos para atingir e manter a excelência (Deci & Ryan, 2000Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2000). The "what" and the "why" of goals pursuits: Human needs and the selfdetermination of behavior. Psychology Inquiry11(4), 227-268.; Ryan & Deci, 2004Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2004). Autonomy is no illusion: Self-determination theory and the empirical study of authenticity, awareness, and will. In J. Greenberg, S. L. Koole, & T. Pyszczynski (Eds.), Handbook of experimental existential psychology (pp.449-479). New York: The Guilford Press.; Vallerand, 2008Vallerand, R. J. (2008). On the psychology of passion: In search of what makes people's lives most worth living. Canadian Psychology49(1), 1-13.). A paixão traduz-se num estado de intenso envolvimento (engagement) e absorção na tarefa, denominado por Csikszentmihalyi (1997Csikszentmihalyi, M. (1997)Finding flow New York: Harper & Row.) como "fluir" (flow). Nessa situação, o indivíduo perde a noção das horas, vivenciando o imenso prazer que a atividade lhe produz, estando esse sentimento diretamente relacionado à busca da realização pessoal e profissional. Quando essas pessoas são entrevistadas, podemos notar no seu discurso algumas evidências da paixão que nutrem por uma dada atividade: (i) procuram realizar tais atividades todo o tempo dedicando quantidades elevadas de energia; (ii) atingem níveis altos de envolvimento na atividade e experienciam o crescimento pessoal; (iii) obtêm índices elevados de prazer e bem-estar na atividade; e (iv) sentem que a sua identidade passa pelo fato de realizar bem essa atividade (Araújo et al., 2011Araújo, L. S., Cruz, J. F. A., & Almeida, L. S. (2011). A entrevista no estudo da excelência: uma proposta. Psychologica 52(1), 253-280.; Vallerand, 2008Vallerand, R. J. (2008). On the psychology of passion: In search of what makes people's lives most worth living. Canadian Psychology49(1), 1-13.; 2010Vallerand, R. J. (2010). On passion for life activities: The dualistic model of passion. In M. P. Zanna (Ed.), Advances in experimental social psychology (Vol.42, pp.97-193).. New York: Academic Press ).
A paixão exemplifica a relevância da motivação intrínseca na obtenção e manutenção de altos níveis de excelência (Amabile & Mueller, 2008Amabile, T. M., & Mueller, J. S. (2008). Studying creativity, its processes, and its antecedents: An exploration of the componential theory of creativity. In J., Zhou & C. E., Shalley (Eds.), Handbook of organizational creativity (pp.33-64). New York: Lawrence Erlbaum.). Essa motivação, por sua vez, responde por necessidades pessoais inerentes à própria aprendizagem e realização. Com frequência os profissionais de excelência tornam-se perfeccionistas, assumindo internamente o seu sucesso e impondo a si próprios exigências de qualidade crescente nas suas tarefas profissionais (Frost, Marten, Lahart, & Rosenblate, 1990Frost, R. O., Marten, P., Lahart, C., & Rosenblate, R. (1990). The dimensions of perfectionism. Cognitive Therapy and Research14(5), 449-468.; Stoeber & Otto, 2006Stoeber, J., & Otto, K. (2006). Positive perfectionism: Conceptions, evidence, challenges. Personality and Social Psychology Review10, 219-319.). É comum refazerem o mesmo trabalho muitas vezes, investindo uma grande quantidade de tempo e energia para alcançar o nível elevado de qualidade, o que, por vezes, os torna demasiado autocríticos e os leva a ter medo do fracasso (Alencar, 2007Alencar, E. M. L. S. (2007). Características socioemocionais dos superdotados: questões atuais. Psicologia em Estudo, 12(2), 371-378.). Sendo uma característica positiva e moderadora na excelência, importa também estarmos atentos a formas mais desestruturantes da personalidade (perfeccionismo obsessivo-compulsivo), quando a mesma se traduz na fixação de padrões de realização irrealistas fragiliza a autoestima, institui medo crônico do fracasso ou gera sentimentos de vergonha, insegurança e ansiedade desmesurada. Essa situação, por exemplo, é contrária a uma paixão harmônica pelo trabalho pautada na abertura à experiência e tolerância à ambiguidade em profissionais criativos (Runco et al., 2010Runco, M., Millar, G., Acar, S., & Cramond, B. (2010). Torrance tests of creative thinking as predictors of personal and public achievement: A fifty-year follow-up. Creativity Research Journal22(4), 361-368).
Variáveis de personalidade da excelência
O desempenho superior, em qualquer domínio de atuação, está associado a traços de personalidade facilitadores da emergência das capacidades e potencialidades requeridas para aquela prática. Para além de algumas dimensões da inteligência emocional, como a gestão do estresse ou controle emocional, alguns autores falam no ajustamento ocorrido entre motivações e estilos de personalidade ou, ainda, de alguns traços de personalidade na explicação da excelência (Garcia-Santos et al., 2012Garcia-Santos, S. C., Almeida, L. S., & Werlang, B. S. G. (2012). Human excellence: The contribution of personality. Paideia22(52), 271-279.; Matos et al., 2011Matos, D. S., Cruz, J. F. A., & Almeida, L. S. (2011). Excelência no desporto: para uma compreensão da "arquitectura" psicológica dos atletas de elite. Motricidade7(4), 27-41.; Runco et al., 2010Runco, M., Millar, G., Acar, S., & Cramond, B. (2010). Torrance tests of creative thinking as predictors of personal and public achievement: A fifty-year follow-up. Creativity Research Journal22(4), 361-368).
À luz da teoria dos Big Five Fators (McCrae & Costa Jr., 1997McCrae, R. R., & Costa Jr., P. T. (1997). Personality trait structure as a human universal. American Psychologist 52(5), 509-516.), dimensões como a abertura à experiência, o controle emocional, a sociabilidade e a conscienciosidade são apontadas como fundamentais para a excelência, pelo menos em algumas das áreas de realização (Clayton & Birren,1980Clayton, V. P., & Birren, J. E. (1980). The development of wisdom across the life-span: A reexamination of an ancient topic. In P. B. Baltes & O. G. Brim Jr. (Eds.), Life-span development and behavior (Vol.3, pp.103-135). New York: Academic Press.; Ruiz, Sánchez, Durán, & Jiménez, 2006Ruiz, L. M., Sánchez, M., Durán, J., & Jiménez, C. (2006). Los expertos en el deporte: su estudio y análisis desde una perspectiva psicológica. Anales de Psicología22(1), 132-142.; Sainz et al., 2011Sainz, M., Soto, G., Almeida, L., Ferrándiz, C., Fernández, M. C., & Ferrando, M. (2011). Componentes socioemocionales y creatividad según nivel de inteligencia. Revista Electrónica de Formación del Profesorado, 14(3), 97-106.). Várias características de personalidade, de algum modo ligadas à criatividade, aparecem relacionadas com a excelência, como por exemplo a autonomia, a independência e o inconformismo (Runco, 2007Runco, M. (2007). Creativity. Theories and themes: Research, development and practiceBurlington, MA: Elsevier Academic Press.). Essas características ajudam o indivíduo a superar padrões e a desejar ir além do estabelecido, podendo também aparecer associadas a problemas emocionais, ainda que estes ocorram em qualquer pessoa independentemente das suas altas habilidades (Fleith, 2007Fleith, D. S. (2007). Altas habilidades e desenvolvimento socioemocional. In D. S. Fleith & E. M. L. S. Alencar (Eds.), Desenvolvimento de talentos e altas habilidades (pp.41-50) Porto Alegre: Artes Médicas.). Na verdade, se existem relatos de pintores eminentes que tiveram problemas mentais, tais como Van Gogh, existiram ainda outros, como por exemplo Matisse e Picasso, ou ainda eminentes cientistas, como Thomas Edison, que não apresentavam distúrbios patológicos de personalidade. Estes últimos casos ilustram que o alto potencial criativo e cognitivo não se encontra necessariamente relacionado com a doença mental, traduzindo antes formas particulares ou estilos de funcionamento cognitivo (Wechsler et al., 2015Wechsler, S. M., Oliveira, K. L., & Suárez, J. T. (2015). Criatividade e saúde mental: desenvolvendo as forças positivas do caráter. In M. F. Morais, L. C. Miranda, & S. M. Wechsler (Eds.), Criatividade: aplicações práticas em contextos internacionais (pp.59-76). São Paulo: Vetor.).
O interesse pelo conceito de estilo deve-se ao fato de que permite funcionar como uma ponte entre o pensamento e a personalidade, marcando a individualidade de profissionais excelentes. Kirton (1994Kirton, M. (1994). Adaptors and innovators styles of creativity and problem solvingLondon: Routledge.), por exemplo, discorre sobre a importância dos estilos inovador e adaptador para se entender o comportamento criativo. Sternberg e Grigorenko (1997Sternberg, R. J., & Grigorenko, E. (1997). Are cognitive styles still in style? American Psychologist 52(7), 700-712.) apresentam uma teoria sobre estilos definindo funções (legislativa, executiva e de julgamento), formas (monárquica, oligárquica e anárquica) e abrangências (interna e externa). Por sua vez, Wechsler (2006Wechsler, S. M. (2006). Estilos de pensar e criar Campinas: LAMP/IDB digital.) demonstrou que cinco diferentes tipos de estilos de pensar (Cauteloso-Reflexivo, Inconformista-Inovador, Lógico-Objetivo, Emocional-Intuitivo, Relacional-Divergente) estavam relacionados com a produção reconhecida ou premiada no Brasil, sendo os mesmos importantes para o reconhecimento da liderança e excelência em diferentes áreas (Mundim & Wechsler, 2007Mundim, M. C., & Wechsler, S. M. (2007). Estilos de pensar e criar em gerentes organizacionais e subordinados. Boletim de Psicologia126 (XVII), 15-32.; Wechsler, Vendramini, & Oakland, 2012Wechsler, S. M., Vendramini, C., & Oakland, T. (2012). Thinking and creative styles: A validity study. Creativity Research Journal 24(2-3), 235-242.).
Considerações Finais
Aceitando que a família, a escola e a cultura exercem uma influência central na expressão da excelência, valorizando algumas habilidades em detrimento de outras (Solow, 2001Solow, R. (2001). Parents' conceptions of giftedness. Gifted Child Today24(2), 14-22.; Virgolim & Konkiewitz, 2014Virgolim, A. M. R., & Konkiewitz, E. C. (2014). Altas habilidades/superdotação, inteligência e criatividade. Campinas: Papirus Editora.) ou incentivando, inclusive, mais os homens que as mulheres em determinadas áreas, como as matemáticas e as ciências (Halpern, 2012Halpern, D. F. (2012). Sex differences in cognitive abilities. New York: Psychology Press.; Nosek et al., 2009Nosek, B. A., Smyth, F. L., Sriram, N., Lindner, N. M., Devos, T., Ayala, A., Greenwald, A. G. (2009). National differences in gender-science stereotypes predict national sex-differences in Science and Math achievement. Proceedings of the National Academy ofScience, 106(26), 10593-10597.), este artigo centrou-se na proposta de que a excelência profissional requer convergência de variáveis cognitivas, motivacionais e de personalidade. Assim, procurou-se, com esta proposta, demonstrar que a capacidade intelectual, apesar de necessária, não é suficiente para explicar a excelência na idade adulta.
Ao explicitar o que são pessoas com inteligência exitosa, Sternberg (2003Sternberg, R. J. (2003). A broad view of intelligence: The theory of successful intelligence. Consulting Psychology Journal: Practice and Research, 55(3), 139-154.) explicita que estas não se limitam a possuir altas capacidades, porém refletem antes sobre quando e onde devem utilizálas de maneira efetiva, integrando outras dimensões da sua personalidade nessa análise e na tomada de decisão. Um amplo leque de variáveis psicológicas determinantes da emergência e manutenção da excelência é atribuído a esses indivíduos, integrando a cognição, a motivação e a personalidade. Segundo Ackerman (1996Ackerman, P. L. (1996). A theory of adult intellectual development: Process, personality, interests, and knowledge. Intelligence22(2) 229-259.; 2000Ackerman, P. L. (2000). Domain-specific knowledge as the "dark matter" of adult intelligence: Gf/Gc, personality, and interest correlates. Journals of Gerontology: Psychological Sciences55B, 69-84.), a excelência pode ser entendida como um processo desenvolvimental que se inicia com capacidades superiores as quais delimitam até onde o sujeito pode ir, tendo esse processo uma certa direção para formas concretas de atuação e realização em função das características de personalidade e da motivação.
Em uma breve síntese da investigação na área, pautada sobretudo em medidas de autorrelato e dados autobiográficos, destaca-se, neste artigo, que a excelência profissional requer a convergência de variáveis psicológicas relacionadas com a cognição, a motivação e a personalidade. No que diz respeito à cognição, merece destaque os níveis elevados de habilidade e de conhecimento para se atingir a excelência numa determinada área do exercício profissional. Integra-se aqui um conhecimento estratégico, autorregulado e metacognitivo do indivíduo. Quanto à motivação, ganham particular destaque todas as suas formas intrínseca, bem como a paixão harmoniosa com a profissão, traduzidas no comprometimento do indivíduo com um desempenho de qualidade muito superior. Por último, e relacionando criatividade e personalidade, a excelência profissional está associada a características pessoais, como a abertura à experiência, o inconformismo, a autonomia e a procura de novas ideias relevantes nas produções inovadoras.
Reconhecida a importância dessas características pessoais, estudos futuros poderão voltar-se para as maneiras de se estimular a excelência por meio de mentores, os quais poderão ser representados por familiares, professores, pessoas da comunidade ou do local de trabalho. Considerando que a sociedade necessita de pessoas com nível de excelência para realizar determinadas atividades ou para assumir cargos de liderança em diferentes áreas, deve ser reconhecida a importância de mais pesquisas direcionadas a este tema.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2015
Histórico
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Recebido
06 Fev 2015 -
Revisado
19 Jun 2015 -
Aceito
20 Jun 2015