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POR UMA VISÃO DE LINGUAGEM CIBORGUE E COLETIVA1 1 Os autores são doutorandos no Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da URFJ, sob orientação do Professor Titular Luiz Paulo da Moita Lopes.

TOWARDS A CYBORG AND COLLECTIVE VIEW OF LANGUAGE

RESUMO

Este artigo propõe uma visão de linguagem para pensar a complexidade da produção do corpo e das subjetividades contemporâneas, no que Deleuze (1990)DELEUZE, G. (1990). Pourparlers. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990. denominou sociedades de controle (1990) e Preciado (2018), era farmacopornográfica. Para tanto, refletiremos sobre o corpo na atualidade e conceituaremos o modo de subjetividade produzido no momento presente, surgido com o avanço das tecnologias digitais da economia de plataforma (GUYER, 2016) de nosso século. Tal reflexão nos levará à personagem conceitual ciborgue (HARAWAY, 2000[1991]), a qual traz em sua materialidade corpórea uma ruptura com as perspectivas ontológicas tradicionais de linguagem e comunicação presentes no cotidiano de uma sociedade cada vez mais informatizada, e a uma discussão sobre as bases antropocêntricas que garantiram à Linguística erigir seus objetos de estudo. Com base em tal visão, propomos uma reformulação da concepção de linguagem a partir do conceito do ciborgue que nos legitime uma perspectiva de linguagem pós-humana, deslocando a concepção de linguagem de seu centro gravitacional modernista e antropocêntrico e conferindo um tecer mais coletivo e participativo de agentes diversos (LATOUR, 2012) nas produções sociodiscursivas.

Palavras-chave:
corpo; ciborgue; linguagem; pós-humano

ABSTRACT

This article develops a view of language in order to to think about the complexity of bodily production and contemporary subjectivities in what Deleuze (1990)DELEUZE, G. (1990). Pourparlers. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990. called societies of control and Preciado (2018) defined as a pharmacopornographic era. To do so, we will reflect on the question of the body today and discuss the mode of subjectivity produced in the current moment, one which arises with the advance of the digital technologies in the platform economy (GUYER, 2016) of our century. Such reflection will lead us to the cyborg concept (HARAWAY, 1991), a character that, with their corporeal materiality, ruptures with the traditional and ontological perspectives of language and communication in the daily life of an increasingly computerized society, and then to a discussion on the anthropocentric bases that allowed Linguistics to develop itself as an area of inquiry. Based on this, we reformulate the concept of language using the cyborg as a theoretical basis and argue for a post-human perspective of language, thus displacing the conception of language from its modernist and anthropocentric gravitational center and providing a more collective and participatory weave of multiple agents (LATOUR, 2012) in sociodiscursive productions.

Keywords:
body; cyborg; language; posthuman

INTRODUÇÃO

Na campanha publicitária do dia dos namorados de uma famosa loja de departamento, em circulação recente nas diversas redes sociais hoje presentes, uma gama de diversidades subjetivas é abarcada para não só dar visibilidade a diferentes formas de relacionamento, como também para capturar tais públicos e incentivá-los ao modo de consumo capitalista cada vez mais alastrante na contemporaneidade. No rol de representatividades incluídas no comercial, encenadas por atuações dançantes e felizes, o tradicional casal hétero e cisgênero dividia as filmagens com um casal gay e lésbico, e também com um casal no qual uma das pessoas era cadeirante. Acontece que, em um determinado ponto do vídeo, uma breve cena mostra uma pessoa beijando a tela de um tablet com a imagem de uma outra pessoa nela, simulando o que talvez seja um relacionamento à distância. Tal cena aponta não só para as diferentes formas de interação entre pessoas e máquinas vivenciadas diariamente por muitos de nós, como também reforça o intenso imbricamento, no capitalismo contemporâneo, das máquinas em nossas subjetividades e modos de dar sentido às coisas à nossa volta (e a nós mesmos).

Neste artigo, focamos nessas formas de subjetivação atuais, simbioses entre “pessoas” e “tecnologias”, para argumentar que uma visão de linguagem antropocêntrica, a qual possui uma certa ideia de “humano” e a tem como base norteadora de seus pensamentos, perde gradualmente sua pertinência na produção de conhecimento sobre as práticas de linguagem na contemporaneidade, já que essas mesmas bases são responsáveis pela determinação de uma ciência linguística que buscou criar esse mesmo humano ao qual dizia se referir, apagando a hibridez e a pluralidade de entidades não-humanas que participam dos processos interativos e semióticos - constitutivos do que entendemos por socialidades (LATOUR, 2012LATOUR, B. (2012). Reagregando o social. Uma introdução à Teoria Ator-Rede. Tradução de Gilson César Cardoso de Souza. Salvador: Edufba.)2 2 Para Latour (2012), o social não é algo que acontece a priori; ele é tido como o resultado das associações traçadas entre actantes diversos (sejam eles compreendidos como humanos ou não-humanos) em redes que vão sendo momentaneamente e continuamente (re)traçadas. . Com isso, o que propomos aqui é uma reformulação do modo de se conceber a linguagem que contemple a indeterminabilidade subjetiva de sua própria visão, uma perspectiva de linguagem ciborgue (HARAWAY, 2000[1991]HARAWAY, D. (1991). Manifesto Ciborgue. Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: TADEU, T. (org.), Antropologia do ciborgue. As vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2000.), que desloca a ideia de linguagem de seu centro gravitacional modernista e antropocêntrico e se volta para a produção de sentidos sobre as coisas do mundo a partir da uma elaboração coletiva, diversificada e ecológica de seus atores interacionais (BENNETT, 2010BENNETT, J. (2010). Vibrant Matter: a political ecology of things. United States: Duke University.).

Para desenvolvermos aqui uma teorização sobre a Linguística Aplicada voltada para questões pós-humanas (PENNYCOOK, 2018PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge.), o fio condutor de nossas elucubrações não será o “linguístico”, e sim o corpóreo. Optamos por esse caminho justamente para mostrar que há uma série de ideologias linguísticas (IRVINE; GAL, 2000IRVINE, J.T.; GAL, S. (2000). Language ideology and linguistic differentiation. In: KROSKRITY, P. (org.), Regimes of language. Ideologies, politics and identities. Santa Fe: School of American Research Press.) em operação quando se fala do “corpo” sem questionar sua matriz orgânica, as quais trabalham para manter esse mesmo corpo em um pedestal de pureza e naturalidade (“biológica”), garantindo à própria ciência Linguística um chão sólido para erguer seus alicerces epistemológicos. Dessa forma, é a partir de uma teorização sobre o corpo que questionaremos os fundamentos ontológicos das teorias estruturais sobre a linguagem, argumentando que não podemos simplesmente nos voltar para esse “corpo” sem nos questionarmos o que essa noção abarca, e tampouco sem problematizarmos o que ela deixa de fora (e por quê). É a partir desses mesmos questionamentos que tecemos uma reflexão sobre como pensar a linguagem sem tomar esse corpo enquanto uma unidade totalmente orgânica ou puramente linguística.

Com isso no horizonte, na próxima seção nos deteremos na noção de corpo na atualidade, a qual compõe uma forma de subjetividade específica em conformidade com as práticas sociais e econômicas atuais de uma sociedade de controle (DELEUZE, 1990DELEUZE, G. (1990). Pourparlers. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990.) e farmacopornográfica (PRECIADO, 2018PRECIADO, P.B. (2018). Testo Junkie. Sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. São Paulo: n-1. Traduzido por Maria Paula Gurgel Ribeiro.), transformando esse corpo em um dispositivo aplicável e plugável, uma espécie de nexo de partes encaixáveis que pode ser montado e modulado das mais variadas formas - o que chamaremos de “plataforma” (GUYER, 2016GUYER, J.G. (2016). From market to platform: shifting analytics for the study of current capitalism. In: GUYER, J.G. Legacies, Logics, Logistics. Essays in the Anthropology of the Platform Economy. Chicago: The University of Chicago Press.) - e que, nessa interconexão, borra suas “extremidades” e limites, já que os agentes operantes nessas relações se mesclam e hibridizam continuamente. Essa movimentação nos levará à conceptualização ciborguiana de Hawaray (2000[1991]), para pensarmos esse corpo ao mesmo tempo enquanto metáfora ficcional e como integrante de um circuito material de agenciamentos cibernéticos que produz capital e saber-poder, e nos fará indagar como desenvolver uma teoria de linguagem a partir dessa forma de corpo(real)idade. Na seção seguinte, exploraremos os fundamentos antropocêntricos da Linguística Estrutural (SAUSSURE, 2006[1916]SAUSSURE, F de. (1916). Curso de Linguística Geral. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes, Izidoro Bilkstein. São Paulo: Cultrix, 2006.) para, em seguida reformulá-la a partir da “matriz” ciborguiana anteriormente explorada. Concluímos com alguns apontamentos e questionamentos que podem fomentar mais discussões a respeito de uma episteme que desloque a linguagem do pressuposto centro de humanidade que a sustenta, indicando formas de pensar uma Linguística Aplicada preocupada com as multiplicidades que compõem o coletivo de nossas (enunci)ações (Deleuze; Guattari 1995[1980]DELEUZE, G; GUATARRI, F. (1980). Mil Platôs vol 1. Capitalismo e Esquizofrenia. Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.).

Salientamos que este trabalho não está voltado à descoberta de verdades absolutas ou à postulação de generalizações universais sobre determinado fenômeno, o que buscamos é exatamente o contrário: romper com os ecos de uma tradição moderna, cartesiana e positivista de fazer ciência (BAUMAN; BRIGGS, 2003BAUMAN, R.; BRIGGS, C. (2003). Voices of modernity. Language ideologies and the politics of inequality. Cambridge: Cambridge University Press.). Oferecemos aqui uma leitura possível dos acontecimentos do mundo, assim como uma possível forma de enxergá-los epistemologicamente, embasados por uma visão de linguagem performativa (AUSTIN, 1990[1962]AUSTIN, J.L. (1962). Quando dizer é fazer. Tradução de Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.; PENNYCOOK, 2007PENNYCOOK, A. (2007). Performance and performativity. In: PENNYCOOK, A. Global Englishes and transcultural flows. New York: Routledge .) e comprometida com a dimensão ética e responsabilidade social dos conhecimentos produzidos (FABRÍCIO, 2006FABRÍCIO, B. F. (2006). Linguística Aplicada como espaço de “desaprendizagem” - redescrições em curso. In: MOITA LOPES, L. P. (org.), Por uma Linguística Aplicada INdisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial.; MOITA LOPES, 2006MOITA LOPES, L.P. da (org.) (2006). Por uma Linguística Aplicada INdisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial.). Os sentidos aqui construídos se entrelaçam às visões de mundo que embasam os conhecimentos empregados e se somam às particularidades subjetivas de nossas formas de estar no mundo, uma vez que a prática científica é calcada em um conhecimento interessado (e, muitas vezes, interesseiro) e não buscamos apagar isso. Nesse sentido, o pesquisador e o conhecimento por ele produzido é tido aqui como in-mundo (ABRAHÃO et al., 2014ABRAHÃO, A.L. et al. (2014). O pesquisador IN-MUNDO e o processo de produção de outras formas de investigação em saúde (a título de fechamento, depois de tudo que escrevemos). In: GOMES, M.P.C.; MERHY, E.E. (orgs.), Pesquisadores IN-MUNDO: um estudo da produção do acesso e barreira em saúde mental. Porto Alegre: Rede UNIDA.) e se mescla aos campos, aos corpos e às práticas em sociedade.

1. CORPO E SUJEITO-PLATAFORMA

Atualmente, estamos vivenciando uma paisagem cada vez mais fluida das técnicas, saberes e procedimentos que pensam e arregimentam as corporeidades. O corpo vem, paulatinamente, deixando as estruturas rígidas a que outrora era submetido, se soltando das mãos tirânicas do soberano e deixando de ser fabricado através do confinamento disciplinar dentro dos muros de instituições totalizantes (FOUCAULT, 2005[1975]FOUCAULT, M. (1975). Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005.) para estar em circulação livre e intensa pelos espaços em que habita3 3 É importante frisar, todavia, que esse esquema de sociabilidade não se aplica a todos os corpos, já que, para funcionar, o atual regime opera por uma lógica de exclusão daqueles que são tidos como improdutivos (e portanto não-rentáveis) no atual momento capitalista de produção. A própria separação entre corpos produtivos ou não fabrica novos confinamentos, formando subjetividades rígidas o suficiente para legitimar necropolíticas (MBEMBE, 2018), tais como as que presenciamos com o caso dos refugiados ao redor do mundo. Esses confinamentos também fazem parte das biopolíticas que compõem a engrenagem capitalista que sustenta a fluidez de movimento expressada por outras corporeidades (tidas como produtivas). . A empresa - antiga fábrica - está agora dissolvida em todos os lugares e práticas, e a gerência de seu fluxo, longe de tirânica, acontece em um esquema aberto, acolhedor e confortável, num circuito contínuo de modulações sociais, no qual “indivíduos” são empresários de si mesmos (LAZZARATO, 2010LAZZARATO, M. (2010). Sujeição e servidão no capitalismo contemporâneo. Cadernos de Subjetividade, nº 14, p. 168-179.) e devem atuar, colaborativamente, na administração e capitalização de seus próprios estabelecimentos - tanto no sentido de “firma” quanto no sentido de “gestão de si”. Esse corpo compõe, então, o que chamaremos de sujeito-plataforma, um processo específico de subjetivação contemporânea que se alinha às práticas econômicas atuais e é operacionalizado por meio de nódulos de conexões microfísicas que o engendram e plastificam, mas que também indeterminam essa própria ideia de corpo enquanto unidade de composição puramente e/ou totalmente orgânica.

Para compreendermos como nos tornamos dispositivos aplicáveis e aplicados, fragmentos de uma estrutura aberta e arquitetada a partir de circuitos em rede, precisamos entender onde esse corpo está situado atualmente. Deleuze (1990)DELEUZE, G. (1990). Pourparlers. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990. denomina o presente momento de sociedade de controle, um modo de governo proveniente de uma mutação do capitalismo que, em sua capacidade produtiva pós-industrial, é capaz de lidar com a subjetividade em sua forma mais fluida, penetrando a vida de cada pessoa de forma capilar e minuciosa, chegando aos “gânglios da estrutura social” (HARDT; NEGRI, 2001HARDT, M.; NEGRI, A. (2000). Império. Tradução de Berílio Vargas. Rio de Janeiro: Record, 2001., p. 43). A estrutura que embasava toda a formatação homogênea dos sujeitos nos regimes disciplinares (FOUCAULT, 2005[1976]FOUCAULT, M. (1975). Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005.) vem sendo modificada para, ao invés de um esquema de blocos fixos, ser constituída e pensada a partir de módulos, isto é, modelagens sociais operadas de forma modular e contínua, o que amplia largamente a arregimentação dos sujeitos e garante a eles uma maior plasticidade e maleabilidade em suas formas de ser e agir. Essa gerência é realizada por máquinas informatizadas que transformam tudo em cifras calculáveis, uma espécie de “modulação” ininterrupta que intervém nos corpos dos indivíduos, separando-os internamente e transformando-os em sujeitos “dividuais” (DELEUZE, 1990DELEUZE, G. (1990). Pourparlers. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990.), com códigos informacionais que podem ser combinados ad infinitum e que também possibilitam ao corpo formas imprevisíveis e ilimitadas de combinação tecnocientífica.

Essa era informatizada da sociedade de controle, no ápice de sua modulação biopolítica (FOUCAULT, 2005[1976]FOUCAULT, M. (1975). Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005.), é descrita por Preciado (2018)PRECIADO, P.B. (2018). Testo Junkie. Sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. São Paulo: n-1. Traduzido por Maria Paula Gurgel Ribeiro. nos termos de um regime capitalista pós-industrial, global e midiático denominado farmacopornográfico. Nele, a tecnociência, um esquema de poder-saber-prazer (FOUCAULT, 2005[1976]FOUCAULT, M. (1975). Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005.) extremamente sofisticado, funciona como reguladora e definidora das produções tecnológicas de corporeidade, elaboradas a partir de aparatos discursivo-materiais que regulam, gerenciam e formatam os corpos a partir de substâncias farmacológicas e próteses cibernéticas voltadas para uma construção tecnicista de si. Essa lógica cibernético-computacional é alicerçada e orientada por um novo regime de saber-poder sexual que norteia as composições e limites corpóreos em suas possibilidades orgasmáticas e em diferentes modos e graus de excitabilidade e reprodutibilidade, definindo, organizando, prescrevendo, patologizando e remediando subjetividades para que a força motriz de suas atividades seja sempre o sexo e suas formas de exercê-lo e dominá-lo. Aqui, o conceito de informação é aplicado e projetado nos recônditos internos e moleculares de cada sujeito, possibilitando que fármacos e prostéticos sejam desenvolvidos de formas particulares e assim consumidos de modo específico por cada pessoa.

As práticas desenvolvidas nesse regime farmacopornográfico operam em uma lógica de feedback loop advinda de teorias da informação, as quais concebem qualquer entidade como uma sequência de códigos informacionais que se auto gerenciam (HAYLES, 1999HAYLES, N.K. (1999). How We Became Posthuman: Virtual Bodies in Cybernetics, Literature and Informatics. London: University of Chicago Press.). Isso faz circular todo um esquema de práticas e saberes que tomam a sexualidade enquanto base de todo processo, pois, assim como o sexo é aquilo que dá início a um circuito, ele também é o destino final desse mesmo ciclo, para então começar novamente a partir de uma outra requisição sexual-farmacológica. Nesse loop circular, a necessidade de se administrar um fármaco é produzida em conjunto com o próprio fármaco que medica tal necessidade - a tecnociência elabora saberes e técnicas precisos sobre sujeitos e corporeidades ao mesmo tempo em que lança no mercado fórmulas específicas para combatê-las (caso sejam consideradas enfermidades) ou regulá-las (caso sejam consideradas condição variável). Preciado (2018, p. 37)PRECIADO, P.B. (2018). Testo Junkie. Sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. São Paulo: n-1. Traduzido por Maria Paula Gurgel Ribeiro. ilustra esse feedback performativo do regime farmacopornográfico ao afirmar que

O sucesso da indústria tecnocientífica contemporânea consiste em transformar nossa depressão em Prozac, nossa masculinidade em testosterona, nossa ereção em Viagra, nossa fertilidade ou esterilidade em Pílula, nossa aids em triterapia, sem que seja possível saber quem vem primeiro: a depressão ou o Prozac, o Viagra ou a ereção, a testosterona ou a masculinidade, a Pílula ou a maternidade, a triterapia ou a aids.

Diante disso, podemos entender que a estética da existência desenvolvida na contemporaneidade transformou o cuidado de si (FOUCAULT, 2006[1982]FOUCAULT, M. (1982). A Hermenêutica do Sujeito. Tradução de Márcio Alves da Fonseca e Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2006.) em uma espécie de edição de si. O esquema informacional estendido a toda e qualquer coisa faz com que os sujeitos hoje encarem suas próprias vidas em termos de autoformatação, modulando suas subjetividades e corporeidades de forma semelhante ao que é feito com um botão de regulagem de volume, aumentando ou diminuindo a característica que se quer moldar. Atualmente, isso é tornado possível através da geração de perfis editáveis e modulados de acordo com o uso que cada pessoa faz das tecnologias digitais. Os mais diversos tipos de dispositivos digitais traduzem os dados obtidos de usuários em cifras numéricas (os famosos algoritmos) que são capazes de mapear e fazer corresponder determinada condição subjetiva a padrões de consumo e comportamento - farmacológico, midiático, prostético etc.

Estamos entrando em um momento tão intenso dessa edição de si que tal tarefa está cada vez mais imbuída, gerida e promulgada por aplicativos de sistemas informacionais. Essa questão é conceituada por Guyer (2016)GUYER, J.G. (2016). From market to platform: shifting analytics for the study of current capitalism. In: GUYER, J.G. Legacies, Logics, Logistics. Essays in the Anthropology of the Platform Economy. Chicago: The University of Chicago Press. a partir do que a autora denomina economia de plataforma, um termo que busca se distanciar de uma ideia engessada e opaca de “mercado”, que não corresponde às mudanças e práticas econômicas ocorridas na atualidade. Guyer (2016, p. 114)GUYER, J.G. (2016). From market to platform: shifting analytics for the study of current capitalism. In: GUYER, J.G. Legacies, Logics, Logistics. Essays in the Anthropology of the Platform Economy. Chicago: The University of Chicago Press. argumenta que “enquanto um mercado é tido como um lugar, pessoas e commodities, uma plataforma é feita de componentes integrados e aplicações, cujas ações são realizadas para construir um mundo ainda por vir”. Vistas enquanto uma combinação entre arquitetura, aplicações padrão e espaço para inovações, plataformas têm como foco o contexto específico em que as trocas comerciais ocorrem, isto é, a própria cena - seu local e atores - de uma determinada atividade econômica, e envolvem o desenrolar de tais atividades sem antevê-las. Uma plataforma, então, é tanto a estrutura quanto o palco onde os acontecimentos econômicos se desenvolvem, é aquilo que sustenta tais práticas ao mesmo tempo que possibilita suas constantes modificações e adaptações. E são elas que permitem que editemos, continuamente, nossas subjetividades.

Em um momento cada vez mais povoado e gerido por Tecnologias e Sistemas de Informação e seus aplicativos, os apps, Guyer (2016)GUYER, J.G. (2016). From market to platform: shifting analytics for the study of current capitalism. In: GUYER, J.G. Legacies, Logics, Logistics. Essays in the Anthropology of the Platform Economy. Chicago: The University of Chicago Press. sugere que se preste atenção às performances desses mesmos aplicativos diante de suas oportunidades de inovação - o que ela chama de apportunity (“apportunidade”), unindo ambas as questões tecnológicas e adaptativas de plataformas em um único termo. Nesse viés, plataformas4 4 Por serem ambos “aplicações” e “palcos” onde as práticas econômicas acontecem, aplicativos e plataformas serão aqui utilizados de forma intercambiável, ressaltando ora suas facetas tecnológicas (enquanto dispositivos e softwares computacionais e informacionais), oras suas facetas inovativas (enquanto nódulos de desenvolvimento subjetivo e inovativo). como as que estão presentes nos aplicativos de nossos smartphones oferecem “apportunidades” que definem e configuram a rotina dos corpos, suas formas e extensões, onde e como devem ir, assim como suas possibilidades e limites de interação. Isso significa que, hoje, dispositivos de controle estão passando a ser totalmente gerenciados e exercidos por aplicativos que orientam as formulações e condutas de nossas subjetividades, “plataformizando” as mais variadas subjetivações: para cada saber ou prática envolvendo uma questão biopolítica, isto é, um modo de governo da vida, há também um aplicativo em uma plataforma para que seja possível conhecê-lo, explorá-lo, administrá-lo, compartilhá-lo, conectá-lo e controlá-lo. Assim, para além do esquema sexual que embasa os modos de conceber o corpo e as formas de administrá-lo farmacopornograficamente, como a relação entre a ereção e o Viagra desenvolvida por Preciado (2018)PRECIADO, P.B. (2018). Testo Junkie. Sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. São Paulo: n-1. Traduzido por Maria Paula Gurgel Ribeiro., no esquema econômico atual temos o desenvolvimento de uma série de plataformas de gestão da vida que regulam nossos entendimentos e limites subjetivos. São elas que, por sua vez, transformam nossa carência em Tinder, nosso desejo em Grindr, nossa dúvida em Google, nossa fama em YouTube, nossa fome em iFood, nossa diversão em Candy Crush, nossa comunicação em WhatsApp, nosso deslocamento em Uber, nossa leitura em Kindle, nosso exercício em SmartFit e nossa produção científica em ORCID.

Nos transformamos, assim, em sujeito-plataforma. Inserido em um regime social de controle e farmacopornográfico (DELEUZE, 1990DELEUZE, G. (1990). Pourparlers. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990.; PRECIADO, 2018PRECIADO, P.B. (2018). Testo Junkie. Sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. São Paulo: n-1. Traduzido por Maria Paula Gurgel Ribeiro.), esse modo pós-humano de subjetivação contemporânea faz do sujeito um nexo de (inter)conexões, uma plataforma de aplicações a serem unidas a outras plataformas e aplicativos, concebendo o corpo como um gradiente interativo e modulável que realiza as mais variadas transações, conexões, colaborações e inovações. Códigos informacionais geram padrões de conexão e movimentação corpórea ao mesmo tempo em que corpos influenciam padrões numéricos que, em infinitos cálculos probabilísticos, gerenciam as plataformas de acordo com esse esquema duplo de retroalimentação, o qual segue o mesmo esquema de circuito em feedback descrito por Hayles (1999)HAYLES, N.K. (1999). How We Became Posthuman: Virtual Bodies in Cybernetics, Literature and Informatics. London: University of Chicago Press.. O importante, para esse esquema, são as possibilidades inovativas que emergem a cada nova combinação, e por isso o sujeito, formado em conjunto com as tecnologias que o cercam, colabora horizontalmente e coletivamente na produção de toda essa gama de outros agentes na criação de novos esquemas platafórmicos. O corpo “orgânico”, aqui, é apenas um dos nódulos desse feixe de ligações, assim como também o são todos os outros componentes de uma economia de plataforma - estão todos dispostos em um mesmo horizonte de relações modulares. Segundo Preciado (2018, p. 46)PRECIADO, P.B. (2018). Testo Junkie. Sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. São Paulo: n-1. Traduzido por Maria Paula Gurgel Ribeiro., esse corpo atual “é uma entidade tecnoviva multiconectada que incorpora tecnologia”.

A multiplicidade de agentes na construção de nossa corporeidade evidencia a hibridez de nossa constituição “humana”, escancarando a grande coletividade de aparatos que comumente e constantemente separamos na edificação do que se foi concebido como nossa materialidade “original”, isto é, proveniente de uma natureza “orgânica”. Esse trabalho de transparência e purificação subjetiva é delatado por Latour (1994, p. 16)LATOUR, B. (1994). Jamais Fomos Modernos: ensaio de antropologia simétrica. Tradução de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Editora 34. como o cerne epistemológico da modernidade, que buscava criar “duas zonas ontológicas inteiramente distintas, a dos humanos, de um lado, e a dos não-humanos, de outro”. Esse esforço, todavia, nunca chegou a concretizar tal separação de fato, já que os híbridos sempre estiveram a desestabilizar as ontologias puras e naturais do empreendimento moderno e não houve um momento sequer em que se chegou à “natureza propriamente dita”. É isso que faz com que Latour (1994)LATOUR, B. (1994). Jamais Fomos Modernos: ensaio de antropologia simétrica. Tradução de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Editora 34. afirme que Jamais Fomos Modernos. Seguindo esse argumento, podemos concluir, também, que jamais fomos humanos. Ou, como bem nos lembra Hayles (1999, p. 291)HAYLES, N.K. (1999). How We Became Posthuman: Virtual Bodies in Cybernetics, Literature and Informatics. London: University of Chicago Press., “sempre fomos pós-humanos”.

A categoria ciborguiana desenvolvida por Haraway (2000[1991])HARAWAY, D. (1991). Manifesto Ciborgue. Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: TADEU, T. (org.), Antropologia do ciborgue. As vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2000. pode nos ser bastante útil para pensarmos o hibridismo formado entre humano e máquina na produção das formas de corpo(real)idade da atual sociedade de controle e farmacopornográfica (DELEUZE, 1990DELEUZE, G. (1990). Pourparlers. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990.; PRECIADO, 2018PRECIADO, P.B. (2018). Testo Junkie. Sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. São Paulo: n-1. Traduzido por Maria Paula Gurgel Ribeiro.). O empréstimo de uma figura ciborguiana do espaço, guerreando nas estrelas por um telos apocalíptico, é subvertido pela autora em uma personagem política e pós-moderna sem fim e sem origem, que implode a necessidade moderna de busca por uma matriz identitária natural e derruba a ideia de construção ontológica e teleológica enquanto totalidade. Em seu projeto, ciborgues são ao mesmo tempo criadores e criaturas, não têm pai, nem mãe, nem deus, nem deusa. Não vieram do pó e nem retornarão a ele. Não possuem gênero, nem sexualidade, nem qualquer identidade. Em sua base constitutiva está a ironia, a dispersão, o simulacro, o desmontamento e o remontamento. Em suas redes, a busca incessante por sobrevivência. Todavia, essa “liberdade” gozada por ciborgues não deixa de vir acompanhada de desespero e desamparo: a destituição de origens ontológicas nos deixa órfãos das perspectivas transcendentais que nos asseguravam, trazendo à tona a responsabilidade e o desafio de se pensar, de forma ética e responsiva, as alianças formadas entre quaisquer agentes, sem que para isso se remonte a uma raiz intrínseca e natural, e sem que se estabeleça um produto final e completamente determinado para o que está em processo de produção. Trata-se então de um trabalho incessante de tensionamento fronteiriço, como a própria Haraway (2000[1991], p. 96-97)HARAWAY, D. (1991). Manifesto Ciborgue. Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: TADEU, T. (org.), Antropologia do ciborgue. As vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2000. afirma:

O corpo do ciborgue não é inocente; ele não nasceu num Paraíso; ele não busca uma identidade unitária, não produzindo, assim, dualismos antagônicos sem fim (ou até que o mundo tenha fim). Ele assume a ironia como natural. Um é muito pouco, dois é apenas uma possibilidade. O intenso prazer na habilidade - na habilidade da máquina - deixa de ser um pecado para constituir um aspecto do processo de corporificação. A máquina não é uma coisa a ser animada, idolatrada e dominada. A máquina coincide conosco, com nossos processos; ela é um aspecto de nossa corporificação. Podemos ser responsáveis pelas máquinas; elas não nos dominam ou nos ameaçam. Nós somos responsáveis pelas fronteiras; nós somos essas fronteiras.

Assim, ao invés de empregar as modernas narrativas de gênese identitária das quais tão facilmente, rapidamente e ignorantemente nos apropriamos na tradição da ciência e da política ocidentais, a figura do ciborgue nos propõe pensar em termos de fluxos e intensidades. Em qualquer evento analisado atualmente, tais intensidades se manifestam em correntes e circuitos - os quais, como já discutimos, são vistos como informacionais - que vão compondo as corpo(real)idades e formando os sujeitos tais como os conhecemos e nomeamos. Para que isso ocorra, é preciso entender o ciborgue não enquanto “humano” e nem enquanto “máquina”, e muito menos como a junção desses dois: ele é, justamente, a impossibilidade de delimitação desses extremos, ao mesmo tempo em que se atualiza nessas duas instâncias em suas movimentações platafórmicas ao (re)unir “pessoas” e “tecnologias” interacionalmente. Assim, vamos dizer “hasta la vista, baby” para uma versão robocop e androide de ciborgue para entendê-lo como uma produção biopolítica de contestação fronteiriça da “humanidade” enquanto tal. O cerne, aqui, está justamente na indeterminação de uma subjetividade fixa e puramente orgânica ou maquínica, com foco na tensão e no movimento entre tais instâncias, em uma unidade em aberto, atenta às redes formadas e sagaz o suficiente para não delimitar nenhum fechamento às novas conexões que se apresentam.

2. A LINGUÍSTICA ESTRUTURAL E SUA BASE ANTROPOCÊNTRICA

Se nossas corpo(real)idades são ciborgues e não obedecem à dicotomia entre natureza e cultura que tanto norteou nossas formas de compreensão do “humano”, não podemos simplesmente nos voltar para o “corpo” sem nos questionarmos o que essa noção abarca, e tampouco sem entendermos o que ela deixa de fora (e por quê). Desse modo, como pensar a materialidade dos “corpos” quando o que temos diante de nós não é humano e sim um ciborgue? Como pensar esse “corpo” em uma teoria de linguagem sem tomar sua suposta organicidade como dada?

Refletir sobre o corpo enquanto uma categoria em si mesma é importante para que percebamos como sua essencialização é base para uma série de teorizações modernistas que engendram e naturalizam essa mesma ideia de corpo “humano”, a qual ainda muito bebe da velha dicotomia natureza/cultura e toma essa “humanização” como centro de suas racionalizações - não é à toa que estamos inseridos em uma área do conhecimento denominada “Humanidades”. Para a Linguística Estrutural, isso forneceu o embasamento necessário para o estabelecimento de seus objetos de estudo mais básicos, totalmente ancorados em um modelo Antropocêntrico de reflexão, estruturação e funcionamento da linguagem. Tomando o corpo-ciborgue como ponto de partida, voltemo-nos à Linguística Aplicada a partir de uma noção que não toma essa “humanidade” como ponto de partida e sim como ponto de contestação, advogando em prol de uma visão “desumanizada” de “corpo” e, consequentemente, de uma Linguística Aplicada voltada ao pós-humano (PENNYCOOK, 2018PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge.).

Para tanto, precisamos compreender como uma determinada ideia de “humano” foi utilizada como alicerce epistemológico para garantir à Linguística se desenvolver enquanto disciplina e inaugurar sua área de conhecimento durante a modernidade. Ela conseguiu se instaurar enquanto campo do conhecimento justamente por conjecturar, para si, o próprio domínio “natural” de sua investigação. As “cabeças falantes” de Saussure (2006[1916])SAUSSURE, F de. (1916). Curso de Linguística Geral. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes, Izidoro Bilkstein. São Paulo: Cultrix, 2006. são um bom ponto de partida e ilustram bem esse ideário esterilizado e homogeneizante da episteme linguística moderna, que, ao somente “descrever” línguas, produziu efeitos de verdade na forma como são concebidos os próprios usos de linguagem. Os “indivíduos” - como são chamados - do circuito de fala saussuriano são aparentemente retratados de forma bastante uniforme e insossa, sem nomes ou traços marcantes a pretexto de serem lidos como universais. Todavia, apesar da generalização padronizada que se queria estabelecer, tais indivíduos apontam para marcadores de raça e gênero bem específicos: são cabeças de homens brancos e cisgêneros5 5 Esses homens são também cisgêneros pois a constituição de um sujeito “natural” e “universal” é tecida também pela ideia de que sexo e gênero correspondem a instâncias equivalentes e que, portanto, um determinado gênero equivale a um determinado sexo (BUTLER, 1999). . Além disso, em suas interações, nenhum problema de comunicação parece acontecer: as verbalizações ocorrem sem dificuldades articulatórias ou acústicas e os sons saem, viajam e chegam ao ouvido (e ao cérebro) do outro lado de forma clara, transparente e sem ruídos, ou seja, se pressupõe que seus sentidos são interpretados sem quaisquer mal-entendidos, fiéis aos significantes utilizados.

Imagem 1
Circuito de fala saussuriano.

Mas, se prestarmos bem atenção, podemos também nos indagar se o que está acontecendo ali é uma conversa entre duas “pessoas”, uma de frente para a outra, ou apenas uma interação de uma pessoa consigo mesma. Ao dobramos essa imagem ao meio (ver imagem 2), veremos que se trata de um desenho espelhado, e o que deveria contar como “interação verbal” pode ser entendido como alguém falando de si para/com si próprio, já que o que está do outro lado não é outra coisa que seu próprio reflexo. A constituição da Linguística enquanto ciência foi erguida, portanto, sob um esquema semiótico que representa a ideia de um grande monólogo, uma teorização que promulga como ponto mais básico a enunciação de um indivíduo único e padrão. Tal unidade do “eu” nos faz lembrar de vertentes do humanismo iluminista, bem representado no “cogito, ergo sum” de Descartes (1979[1662])DESCARTES, R. (1962) Discurso do Método. In: DESCARTES, R. Os Pensadores. Tradução de Jacob Guinsburg e Bento Prado Jr. São Paulo: Abril Cultural, 1979., trazendo consigo uma perspectiva de humanidade, racionalidade e individualidade particulares à filosofia ocidental. Pretensamente universal, o sujeito retratado na imagem carrega consigo marcas históricas que garantiram ao ocidente um tipo ideal dominante de humanidade e de corpo modernos: europeu, branco, masculino, hétero, cisgênero, racional, civilizado e capitalista. Foi a partir dessa ideia singularizada e individualizante de “humano” que a Linguística fundamentou seu pensamento edificante, projetando-o de si para si mesmo, à sua imagem e semelhança, ao mesmo tempo em que definia, delimitava e circunscrevia exatamente aquilo que se pretendia estudar.

Imagem 2
Circuito de fala saussuriano dobrado ao meio.

A partir do momento que se construiu todo um modo de pensar a linguagem com base na ideia de uma fala exercida de um “eu” para um “eu mesmo” (sendo esse “eu” o “humano” pensado como nódulo teórico central), foi possível elaborar conceitos precisos e apurados sobre o que vinha a ser a comunicação “linguística” como um fenômeno universal. O objeto primordial da Linguística pôde enfim ser instituído - a chamada “língua” - e, pela elaboração de seu conceito, ele pode ser visto como algo existente e “concreto” a ser estudado para além da materialidade da “fala”. Assim, uma vez estabelecido o local em que esse sistema existia - na estrutura mental abstrata dos tais “falantes” -, foi possível delimitá-lo e destrinchá-lo para então analisar as partes constituintes de seu funcionamento. E da mesma forma que Butler (1997)BUTLER, J. (1997). Excitable Speech. A politics of the performative. New York: Routledge. mostrou como certos corpos são tidos como abjetos e excluídos das matrizes de inteligibilidade que concebem esses mesmos corpos, o esquema de produção verbal saussuriano tratou, em suas dicotomias, de instituir certos “falantes” e desconsiderar outros, excluindo de sua teorização todas as pessoas que não fossem tais quais o “humano” “produtor” de tal “língua” e previsto para utilizar tal linguagem.

A base da Linguística Estrutural (e do modernismo científico como um todo) demonstra-se, então, como eurocêntrica, branca, heterossexual, cisgênera, masculina e capitalista. Esse edifício não para por aí: suas sustentações são ainda cimentadas sob modos específicos de psiquismo (MANNING, 2018MANNING, E. (2018). Me lo dijo un pajarito. Neurodiversity, black life, and the university as we know it. Social Text, nº 136, vol. 36, nº 3, September 2018, p. 1-24.), pois pressupõem um “sujeito” “saudável” e “pleno” em suas capacidades “mentais”, “capaz” de produzir “racionalidades” que só são tidas como “razão” caso sejam frutíferas e produtivas em um mundo capitalizado - um mundo em que o conhecimento produzido está, em grande medida, a serviço da manutenção de hierarquias institucionais. Cada uma dessas instâncias dá a mão à outra e forma essa noção “padrão” de “ser humano comum”, a partir da qual se vai, ignorantemente, tecendo todo um conjunto de teorizações que reforçam ainda mais a argamassa que valida tais concepções ao mesmo tempo em que aliena todo e qualquer agenciamento que não obedeça às suas regras pré-estabelecidas.

Desse modo, a teoria saussuriana possibilitou a afirmação de que, em um “circuito de fala” supostamente dialógico, uma “compreensão mútua” acontecia, pois, uma vez que era firmada sob um modelo espelhado de produção/recepção de linguagem, aquilo que chegava do “outro lado” era recebido da mesma forma como era pensado e produzido pela outra “ponta” (afinal, era a mesma ponta), sendo capaz, portanto, de ser “compreendido”. Essa noção de reciprocidade em um processo linguístico de “se fazer entender” foi também muito importante na formulação de todo arcabouço teórico da Linguística Estrutural, já que a própria noção de signo linguístico, outro objeto muito caro a essa ciência, requeria uma conceituação alheia ao ato comunicativo em que ele ocorria. Alojado no “cérebro humano”, os dois componentes essenciais dos signos, conceito (significado) e imagem acústica (significante), estão situados em um esquema de significação fixo, externo e já determinado em si antes da interação verbal, justamente para não lidarem com a “imprecisão” de seus momentos enunciativos. Nesse esquema, portanto, tudo é fixo: signos e falantes pré-determinados garantem a “compreensão” de tudo aquilo que é enunciado pois estão voltados a si próprios - “eu” falo, “eu” escuto, “eu” entendo: este “eu” puramente “humano”. Para Pennycook (2018, p. 92)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge.:

Um aspecto das crenças universais que sustentam o humanismo é uma suposição de semelhança acoplada a um modelo de comunicação que começa com a ideia de mentes se comunicando entre si por meio de palavras. Muito do pensamento linguístico tem sido pressuposto sob um modelo de entendimento mútuo, de transmissão de mensagens codificadas que vêm e vão de uma cabeça a outra, em uma comunidade de fala com normas combinadas de uso de linguagem e compreensão.

Se complexificamos minimamente esse circuito de fala - acrescentando no circuito ou um muro, ou o barulho de carros ao longe, ou uma leve dor de cabeça, ou sujeira em um dos ouvidos, ou um braço gesticulativo, ou um corte de cabelo diferenciado, ou um tablet do outro lado -, todo seu edifício desmorona, pois sua sustentação depende dessa projeção “humana”, autocentrada e homogeneizada para que a comunicação aconteça. Tal circuito de fala puro e impecável está apoiado na tríade “nação”, “povo” e “língua”, sustentáculos mais básicos da modernidade (FABRÍCIO, 2016FABRÍCIO, B. (2016). Mobility and discourse circulation in the contemporary world: the turn of the referential screw. Revista da Anpoll, nº 40, p. 129-140, Florianópolis, Jan./Jun. 2016, p. 130-140.), para formar um todo perfeito e acabado, permitindo à teoria dos signos se desenvolver progressivamente em suas dicotomias, sem o que Saussure (2006[1916], p. 92)SAUSSURE, F de. (1916). Curso de Linguística Geral. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes, Izidoro Bilkstein. São Paulo: Cultrix, 2006. chamou de “acidentes” e “acessórios” do entorno social. Só que muita coisa está faltando nesse circuito estruturalista de interação verbal, Pennycook (2018, p. 93)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge. argumenta que ele carece de: “o contexto e a desordem da comunicação, seu conflito, ambiguidade e incerteza, o papel de corpos, lugares, artefatos, roupas, sentimentos, cheiros, relações sociais, gênero, raça, classe e muito mais”. Como podemos perceber, está faltando quase tudo.

3. TRAÇANDO UM ESQUEMA DE LINGUAGEM CIBORGUE

Precisamos repensar, então, esse datado modelo de comunicação, removendo o “anthropos” (o “homem”) de seu núcleo e colocando o ciborgue em seu lugar. É necessário elaborar um esquema teórico sobre a linguagem que não coloque sua enunciação sob bases “humanistas” de recepção/produção de sentidos; que pense seus objetos na emergência dos eventos comunicativos em que ocorrem e não os aloque em locais específicos da “mente humana”; que leve em consideração o movimento, a circulação e a imprecisão dos processos semióticos e, por fim, que amplie seu entendimento sobre o que vem a ser “linguagem” para além de esquemas estruturais, com foco nas ações sociais que são produzidas durante os incessantes atos de agenciamentos coletivos nos quais a linguagem está presente. Isso sem, todavia, pressupor um modelo de linguagem que abarque a totalidade desses mesmos acontecimentos. O que precisamos, então, não é de um “circuito de fala”, mas provocar um “curto-circuito na linguagem”, para colapsar as bases antropocêntricas que ainda o mantêm em funcionamento. Precisamos de um esquema ciborgue, aberto, caótico, irredutível, rizomático, material, performativo, vibratório, ressonante, prostético, acoplável, situacional e in-mundo (ABRAHÃO et al. 2014ABRAHÃO, A.L. et al. (2014). O pesquisador IN-MUNDO e o processo de produção de outras formas de investigação em saúde (a título de fechamento, depois de tudo que escrevemos). In: GOMES, M.P.C.; MERHY, E.E. (orgs.), Pesquisadores IN-MUNDO: um estudo da produção do acesso e barreira em saúde mental. Porto Alegre: Rede UNIDA.). Para que isso aconteça, é preciso levar em conta os seguintes pontos nesse tipo de teorização pós-humana de linguagem: a quebra com um paradigma referencial de linguagem e uma percepção emergente, indexical e situada de produção semiótica, desenvolvida em processos de descontextualização e recontextualização; a visão performativa de linguagem na construção sociodiscursiva do “ser humano” e a expansão da ideia de performatividade a esquemas de materialidade, sendo esta última não restrita ao corpo “humano”; a reformulação da ideia de entendimento em interações verbais e, por fim, uma apuração mais ecológica de fenômenos de linguagem, baseada em um entendimento de negociação de semioses enquanto agenciamentos comunitários.

Em primeiro lugar, escapar de um paradigma referencial significa perceber como uma ideia naturalizada de “humanidade” pressupõe uma ideia naturalizada de linguagem, na qual palavras e coisas estão ligadas diretamente e se relacionam de uma para outra de maneira icônica, tal como acontece com a projeção espelhada das cabeças saussurianas. Sob essa visão, a realidade constitui um domínio próprio e a linguagem (também autônoma) é tão somente a representação desse cenário, possuindo o mero papel de intermediar a produção de sentidos desenvolvida entre alguém e sua experiência no mundo. São essas expectativas icônico-referenciais que possibilitam o estabelecimento de definições precisas entre entidades e seus nomes, como é o caso da noção de identidade, considerada por algumas vertentes de estudos como algo “real” e “intrínseco” de uma “pessoa” e que permite a detecção e descrição de suas propriedades essenciais, manifestadas “naturalmente” toda vez que esse “indivíduo” interage no mundo. Esse árduo trabalho de carpintaria linguística garante uma fixidez entre os domínios da linguagem, da “realidade” e de seus conceitos, parafusando e atarraxando coisas no mundo com muito esmero e precisão para que a conexão entre palavras e coisas se mantenha sempre fixa e fidedigna (FABRÍCIO, 2016FABRÍCIO, B. (2016). Mobility and discourse circulation in the contemporary world: the turn of the referential screw. Revista da Anpoll, nº 40, p. 129-140, Florianópolis, Jan./Jun. 2016, p. 130-140.).

Ao colocarmos essa metafísica referencial em xeque, abrimos espaço para formas de pensar a linguagem sem precisar operar por uma lógica de autenticidade, estabilidade e universalidade linguística. Em vez de referentes cravejados e imóveis, a produção de sentidos precisa ser contemplada em sua movimentação incessante, na qual o processo de se “referir a” algo não corresponde a uma ligação direta e a-histórica entre conceitos/coisas e suas respectivas nomeações. Nesse viés, os significados construídos devem ser vistos junto ao entorno contextual em que estão ocorrendo, ou seja, na situacionalidade das interações semióticas em que acontecem. A “referência”, no caso, não alude a uma instância em separado dessa mesma situação, ela é a relação momentânea e imanente que se estabelece ao se utilizar determinadas semioses e as dimensões espaço-temporais para as quais elas apontam. Assim, saímos de um domínio de pensamento que enxergava as estruturas linguísticas como formas pré-estabelecidas de significação (enclausuradas no recôndito saussuriano da langue) para adentrarmos num modo de se conceber a linguagem como indissociável do seio contextual em que acontece.

Contemplar a produção de significados enquanto emergente das interações em que ocorrem significa, então, levar em conta sua indexicalidade, conceito que abarca uma visão de significado enquanto situadamente (re)construído. Para Silverstein (2009, p. 756)SILVERSTEIN, M. (2009). Pragmatic Indexing. In: MEY, J. L. Concise Encyclopedia of Pragmatics. Oxford: Elsevier., proponente desse termo, “as coisas nunca são bem as mesmas como eram antes”, e itens semióticos, por mais que conservem alguns traços de seus usos anteriores, estão sempre em processo de atualização sobre aquilo a que se referem ou predicam no momento em que são utilizados. Daí a necessidade de se analisar usos de linguagem em contextos situacionais - é somente no arranjo circunstancial específico de seus usos que as estruturas semióticas estabelecem os significados que erigem. Não sendo fixos, é nessa abertura e maleabilidade que os itens semióticos podem ser modificados em suas formas e significados, assim como é no olhar para essas mesmas mudanças que repousa a possibilidade de verificar processos de ressignificação enquanto práticas coletivas de agenciamento e resistência - como ocorreu com a palavra queer, que de vocábulo ofensivo passou a ser utilizada no âmbito teórico com o objetivo de combater essencialismos na produção de conhecimento, sobretudo sobre gênero e sexualidade (BUTLER, 1997BUTLER, J. (1997). Excitable Speech. A politics of the performative. New York: Routledge.).

Uma visão emergente, indexical e situada de significação também requer uma visão maleável de produção e circulação textual. Para potencializar o conceito de indexicalidade, textos também precisam ser vistos em sua movimentação, no incessante processo de condensamento a que são submetidos - suas entextualizações (BAUMAN; BRIGGS, 1990BAUMAN, R.; BRIGGS, C. (1990). Poetics and Performance as Critical Perspectives on Language and Social Life. Annual Review of Anthropology, v. 19, p. 59-88.). Uma vez que “texto” corresponde a um modo de interpretar uma determinada porção de itens semióticos em conjunto, organizados de tal forma a serem vistos como uma forma unitária de significação (SILVERSTEIN; URBAN, 1996SILVERSTEIN, M.; URBAN, G. (1996). The Natural history of discourse. In: SILVERSTEIN, M.; URBAN, G. (orgs.), The Natural histories of discourse. Chicago: The University of Chicago Press.), é preciso também enxergá-los enquanto entidades entrecortáveis, reorganizáveis e reaplicáveis a novos contextos interativos, em um processo contínuo de descontextualização - remoção de textos de seus formatos anteriores - e recontextualização - o uso renovado de textos em práticas discursivas atuais (BAUMAN; BRIGGS, 1990BAUMAN, R.; BRIGGS, C. (1990). Poetics and Performance as Critical Perspectives on Language and Social Life. Annual Review of Anthropology, v. 19, p. 59-88.). Assim, a noção de entextualização, aliada à de indexicalidade, contribui para que se preste atenção ao amplo e interminável processo de significação em suas consolidações (con)textuais. Por esse viés, como bem argumenta Fabrício (2016, p. 136)FABRÍCIO, B. (2016). Mobility and discourse circulation in the contemporary world: the turn of the referential screw. Revista da Anpoll, nº 40, p. 129-140, Florianópolis, Jan./Jun. 2016, p. 130-140.,

contextos e referentes são concebidos como ambientes processuais, o que torna o fenômeno de significação em geral um acontecimento nômade, paradoxalmente durável-itinerante, no qual a possibilidade de determinação de sentidos é remetida, não a referentes perenes ou originais, mas a textos que apontam para textos, signos que apontam para signos, e histórias que apontam para histórias - um jogo ad infinitum.

O caráter indexical da produção semiótica evidencia também uma visão de linguagem enquanto um fazer performativo, isto é, uma ação interpretativa que se caracteriza no próprio desenrolar de sua encenação. Mais que simplesmente uma manifestação de essência ou o mero resultado de condições discursivas assujeitadoras, atos de linguagem performativos configuram produções espe(ta)culares6 6 Tanto no sentido de “espetáculo” quanto de “especulação” de sentidos. que envolvem “a interação de padrões formais complexos e heterogêneos na construção social da realidade” (BAUMAN; BRIGGS, 1990BAUMAN, R.; BRIGGS, C. (1990). Poetics and Performance as Critical Perspectives on Language and Social Life. Annual Review of Anthropology, v. 19, p. 59-88., p. 65). Assim, uma noção performativa de linguagem traz à tona o negociar contínuo das atividades semióticas entre participantes que, ao se engajarem em eventos específicos, constroem suas realidades e formas de entender a ação no mundo. Há uma mudança de enfoque muito significativa aqui: ao invés de enxergar em usos de linguagem determinados estilos que orientariam uma prática discursiva em específico - pessoas de características A, B e C “falam” de modo Y -, é a estilização performativa de padrões linguísticos que garante a instituição desses mesmos esquemas de subjetividade - porque a pessoa X performa de forma Y é que pode ser entendida como A, B ou C. Nesse sentido, por exemplo, o conceito de “identidade” é tido como o resultado de performances ao invés de uma “manifestação intrínseca” por meio da linguagem (PENNYCOOK, 2007PENNYCOOK, A. (2007). Performance and performativity. In: PENNYCOOK, A. Global Englishes and transcultural flows. New York: Routledge .), fazendo com que esse mesmo conceito não seja visto como uma característica inata de pessoas que “expressam suas identidades” discursivamente, e sim como um fazer contínuo de subjetividades por meio de práticas discursivas em sociedade.

Performances iluminam a faceta teatralizada e criativa da linguagem. Nesse viés, eventos discursivos passam a ser vistos como uma apresentação em aberto, na qual sentidos não estão dados a priori, mas são acordados continuamente e laboriosamente, modificados e reformulados a todo momento a depender da forma como são recebidos e reencenados - e a indexicalidade entra aqui como importante recurso para se verificar tais construções. Nesse movimento, não há um momento final de encenação: significados estão sendo recorrentemente negociados, sendo cada entextualização um novo apontar para outros sentidos, outras práticas, outras lógicas e outros contextos, em um elo intrincado e ininterrupto de conexões discursivas que nunca terminam e tampouco têm origem, pois se constroem na repetição, na citacionalidade exaustiva de suas produções (BAKHTIN, 1997[1979]BAKHTIN, M. (1979). Estética da criação verbal. Tradução de Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997.; DERRIDA, 1973DERRIDA, J. (1973). Gramatologia. Traduzido por Miriam Schnaiderman e Renato Ribeiro. São Paulo: Perspectiva.). É nessa reiteração, inclusive, que reside a possibilidade de ressignificação semiótica e a quebra com narrativas hegemônicas de inteligibilidade, pois a linguagem configura esse local onde ocorre, ao mesmo tempo, estabilidades e transformações sociais (BUTLER, 1997BUTLER, J. (1997). Excitable Speech. A politics of the performative. New York: Routledge.).

Não havendo essência, é preciso voltar a atenção para como os atos de linguagem são operacionalizados na construção de efeitos de verdade, os quais garantem às coisas e conceitos a própria aparência de substância a que são associados (BUTLER, 1999BUTLER, J. (1999). Gender Trouble. Feminism and the subversion of identity. New York: Routledge.). Sob um viés pós-humano, isso significa olhar para como uma certa ideia de “humanidade” é sociodiscursivamente construída em interações que versam sobre essa mesma instância naturalizada, criando a ideia de que há um corpo genuíno e intrinsecamente orgânico, que existe “de fato” no mundo como tal. Aquilo que entendemos por matéria não pode incidir (novamente) em uma lógica de pensamento que organi(ci)za - isto é, organiza em sua própria organicidade - e estabelece níveis de essencialização entre as coisas do mundo, já que o ciborgue, como vimos, é a contestação a uma unidade natural e puramente orgânica e também de uma unidade artificial e totalmente construída - ele performatiza uma guerra constante à organização dos órgãos (DELEUZE; GUATTARI, 1996[1980]DELEUZE, G.; GUATTARI, F. (1980). 28 de novembro de 1947 - Como criar para si um corpo sem órgãos. Tradução de Aurélio Guerra Neto. In: DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs vol 3. Rio de Janeiro: Editora 34, 1996.). Um ciborgue não obedece a uma lógica dialética que apaga as diferenças em nome de uma totalidade identitária, é antes produzido a partir de uma disjunção inclusiva, constituindo um comum na e a partir da diferenciação (DELEUZE; GUATTARI, 2004[1972)DELEUZE, G.; GUATTARI, F. (1972). O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Joana Moraes Varela e Manuel Maria Carrilho. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004., ou seja, compondo sua corpo(real)idade de modo heterogenético, na e com a multidão em (in)formação (HARDT; NEGRI, 2004HARDT, M.; NEGRI, A. (2004). Multitude. War and democracy in the age of empire. Nova Iorque: The Penguin Press.). Isso nos faz considerar entidades “não-humanas” como pertencentes ao mesmo nível de entidades “humanas” na produção de sentidos e, portanto, como participantes ativas na construção e configuração sociodiscursiva dos eventos que tomam parte (LATOUR, 2012LATOUR, B. (2012). Reagregando o social. Uma introdução à Teoria Ator-Rede. Tradução de Gilson César Cardoso de Souza. Salvador: Edufba.). Ao mesmo tempo, nos move a considerar que toda ação só é possível justamente porque as entidades dela participantes, sejam quais forem, modificam suas próprias constituições em suas interactâncias.

Para que esse ponto fique claro, precisamos entender que ao sairmos de uma perspectiva de linguagem que se voltava exclusivamente ao “humano” para um modo pós-humano de enxergar a produção de sentidos, isto é, ao considerarmos que eventos são formados tanto por entidades humanas quanto não-humanas, o conceito de performance, voltado à negociação contínua dos atos enunciativos, precisa também ser estendido a esses agentes não-humanos. A performance, no caso, não é algo desenvolvido somente por “pessoas” e sim por todos os participantes da interação, os quais negociam, coletivamente, os sentidos, estruturas, limites e associações das atividades que estão a desenvolver naquele momento. Uma visão performativa precisa estar estendida, então, não só à linguagem, mas também à toda materialidade não-humana que transforma os sentidos daquilo que chamamos de linguagem. Segundo Rose-Redwood e Glass (2014, p. 10)ROSE-REDWOOD, R.; GLASS, M.R. (orgs.) (2014). Performativity, Politics, and the Production of Social Space. New York: Routledge. “a delimitação entre ‘discurso’ e ‘materialidade’ já é, por si só, um movimento performativo que traça um horizonte conceitual à existência ao invés de simplesmente descrever uma realidade ontológica pré-existente”. Discurso e materialidade, então, se imbricam no fazer performativo das corpo(real)idades existentes, sejam elas humanas ou não.

Se a produção de socialidades em práticas discursivas é aqui vista enquanto um fazer coletivo de entidades variadas, isso também resvala na questão do “entendimento” em uma interação. Essa noção é complicada pois ainda opera com a ideia de “mentes falantes” do circuito saussuriano e sua noção estanque de “língua”, já que “compreender” algo é afirmar que houve uma transposição, de igual para igual, de um sentido enunciado de um lado para o outro. Daí, mais uma vez linguagem e actantes ficam como meros conduítes passivos desse esquema (BLOMMAERT, 2014BLOMMAERT, J. (2014). Meaning as a nonlinear effect: The birth of cool. Tilburg Papers in Culture Studies, p. 1-21.), já que o que vai para o outro lado não sofre nenhuma alteração nesse percurso. Para trabalhar com essa noção sob um outro prisma e considerar as mudanças ocorridas cada vez que mediadores se engajam em um evento, devemos pensar a comunicação não em relação a um “entendimento”, e sim a partir de uma adequação à produção da própria socialidade ali desenvolvida. Para Pennycook (2018, p. 107)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge., “a questão não é que não há compreensão, e sim que essa compreensão é confusa, diferente, complicada e nunca totalmente transmitida”. A partir dessa perspectiva, o autor desenvolve o conceito de sintonia (attunement) para pensar a comunicação não enquanto um processo em que duas pessoas “se entendem”, e sim um movimento no qual interactantes diversos se engajam em uma atividade de sintonia, síntese, comum, comunhão e afinidade em suas semioses no desenrolar de uma interação específica.

Isso nos leva ao último ponto do desenvolvimento de nosso curto-circuito. Se eventos sociais (nos quais a linguagem é componente pertinente e significativo) se desenrolam em práticas que reúnem e integram diversos atores de modo comunitário, é preciso considerar essa produção de forma ecológica, considerando a complexa e intrincada rede de relações formadas por múltiplos corpos em cada desabrochar social. Para isso, não só a “humanidade” precisa ser removida de seu pedestal ontológico como a própria ideia de “matéria” - da “máquina” ou do “corpo” - precisa também ser repensada; não enquanto um fim em si mesma, mas sim enquanto uma formação (re)vigorante, com atenção para as constantes produções de suas próprias raias e para a própria indeterminabilidade entre as fronteiras precisas daquilo que é “humano” ou “maquínico”. Uma sensibilidade ecológica nos ajuda a perceber que sempre que agimos, agimos em conjunto, e isso nos permite abrir novas possibilidades e potencialidades para nossa existência na composição do comum. Como bem desenvolve Bennett (2010, p. 108)BENNETT, J. (2010). Vibrant Matter: a political ecology of things. United States: Duke University.:

Se a cultura humana é intrincadamente entrelaçada com agências humanas e vibrantes, e se a intencionalidade humana age somente se acompanhada por vastas associações não-humanas, então parece que a unidade de análise apropriada para uma teoria democrática não é nem o indivíduo humano nem um coletivo exclusivamente humano, mas o “público” (ontologicamente heterogêneo) que se aglutina em volta de algo. Precisamos inventar ou reevocar não só conceitos como conatus, actante, assemblagem, pequena agência, operador, disrupção etc. mas também conceber novos procedimentos, tecnologias e regimes de percepção que nos permitam analisar agentes não-humanos mais de perto, ou ouvi-los e responder com mais cuidado a seus rompimentos, objeções, indícios e proposições. Tais questões são de extrema importância para a saúde das ecologias políticas das quais pertencemos.

CONCLUSÕES

Segundo Hawaray (2000[1991], p. 88), “a política do ciborgue é a luta pela linguagem, é a luta contra a comunicação perfeita, contra o código único que traduz todo significado de forma perfeita - o dogma central do falogocentrismo”. Nesse sentido, uma reflexão sobre a imbricação formada entre pessoas e máquinas nos processos de sociabilidade atuais também perpassa discussões sobre o fazer linguístico que compõe e suporta essas mesmas bricolagens ciborgueanas, e é parte dessa luta contra o universalismo, tanto linguístico quanto subjetivo. O que buscamos, neste trabalho, foi argumentar em prol de uma produção de conhecimento sobre a linguagem que leve em consideração toda essa amálgama composicional que entrelaça nossos corpos, nossas máquinas, nossas subjetividades e nossas formas de viver na contemporaneidade, para que, nessa batalha, “pessoas”, “animais”, “objetos” etc. participem coletivamente da produção de sentidos e das elaborações dos eventos de que tomam parte.

Diante do exposto, esperamos ter demonstrado o desafio epistemológico que é pensar uma linguística que leve a sério a heterogênese do corpo contemporâneo, sendo que essa expectativa, para além de uma preocupação didática, configura também “o sonho utópico da esperança de um mundo monstruoso” (HARAWAY, 2000[1991]HARAWAY, D. (1991). Manifesto Ciborgue. Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: TADEU, T. (org.), Antropologia do ciborgue. As vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2000., p. 98). Esse processo está longe de simplório ou acabado: uma vez ciborgue, não é mais possível nos referirmos a uma materialidade “corpórea” sem perceber que essa referência já projeta para si uma ideia humanizante de “corpo” a qual é preciso problematizar. Se a força conceitual e política da categoria ciborgue reside em seu potencial desessencializador, não podemos deixar que ela recaia em alguma outra ontologia; é preciso continuarmos atentos para que a diferença entre humano e não-humano - ou natureza e cultura, pessoa e prótese, sujeito e objeto - esteja sempre em tensionamento, sem que se chegue a uma “conclusão” sobre os limites finais do que é o que nesse embate de fronteiras.

Por conta disso, a linguagem, esse fenômeno que nos ajuda a entender a construção relacional e ecológica dos coletivos quando pensada num viés ciborgue e pós-humano, contribui para a horizontalização das relações entre entidades envolvidas na composição do que chamamos de realidade. Se hoje torna-se cada vez mais importante não apagar a voz de sujeitos historicamente marginalizados pelo “padrão” pretensamente universal (porque europeu) de humanidade, temos de perceber que esse mesmo ideal de humanidade baseou seu esquema de dominação em uma leitura antropocêntrica do mundo, atitude essa que colocou o “homem” como termo primeiro em relação aos não-humanos, relegando a estes últimos um status de recurso, matéria inerte à qual a “verdadeira humanidade” dá forma e função. Assim, para garantir que haja mundo por vir, temos a urgência política e ética de retirá-lo das garras narcísicas do Antropoceno (DANOWSKI; VIVEIROS DE CASTRO, 2017DANOWSKI, D.; VIVEIROS DE CASTRO, E. (2017). Há mundo por vir? Ensaio sobre os meios e os fins. Florianópolis: Desterro.). Talvez, nas mãos pós-humanas do ciborgue no hibridismo presente quando alguém beija a tela de um tablet, esteja a potencialidade de uma era mais coletiva.

  • O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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    Os autores são doutorandos no Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da URFJ, sob orientação do Professor Titular Luiz Paulo da Moita Lopes.
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    Para Latour (2012)LATOUR, B. (2012). Reagregando o social. Uma introdução à Teoria Ator-Rede. Tradução de Gilson César Cardoso de Souza. Salvador: Edufba., o social não é algo que acontece a priori; ele é tido como o resultado das associações traçadas entre actantes diversos (sejam eles compreendidos como humanos ou não-humanos) em redes que vão sendo momentaneamente e continuamente (re)traçadas.
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    É importante frisar, todavia, que esse esquema de sociabilidade não se aplica a todos os corpos, já que, para funcionar, o atual regime opera por uma lógica de exclusão daqueles que são tidos como improdutivos (e portanto não-rentáveis) no atual momento capitalista de produção. A própria separação entre corpos produtivos ou não fabrica novos confinamentos, formando subjetividades rígidas o suficiente para legitimar necropolíticas (MBEMBE, 2018MBEMBE, A. (2018). Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São Paulo: n-1 edições, 2018.), tais como as que presenciamos com o caso dos refugiados ao redor do mundo. Esses confinamentos também fazem parte das biopolíticas que compõem a engrenagem capitalista que sustenta a fluidez de movimento expressada por outras corporeidades (tidas como produtivas).
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    Por serem ambos “aplicações” e “palcos” onde as práticas econômicas acontecem, aplicativos e plataformas serão aqui utilizados de forma intercambiável, ressaltando ora suas facetas tecnológicas (enquanto dispositivos e softwares computacionais e informacionais), oras suas facetas inovativas (enquanto nódulos de desenvolvimento subjetivo e inovativo).
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    Esses homens são também cisgêneros pois a constituição de um sujeito “natural” e “universal” é tecida também pela ideia de que sexo e gênero correspondem a instâncias equivalentes e que, portanto, um determinado gênero equivale a um determinado sexo (BUTLER, 1999BUTLER, J. (1999). Gender Trouble. Feminism and the subversion of identity. New York: Routledge.).
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    Tanto no sentido de “espetáculo” quanto de “especulação” de sentidos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2019
  • Aceito
    05 Jul 2019
  • Publicado
    01 Ago 2019
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