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O prazer e a dor na adicção sexual: vicissitudes do masoquismo1 1 Pesquisa financiada pelo Programa Pós-Doutorado Nota 10 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (PDR Nota 10/Faperj). Processos nº E-26/202.405/2017 e nº E-26/202.406/2017.

Plaisir et douleur dans l’adiction sexuelle: les vicissitudes du masochisme

El placer y el dolor en la adicción sexual: las vicisitudes del masoquismo

Resumo

A adicção sexual pode ser definida como quadro psicopatológico no qual o sexo é buscado de forma incontrolável, desenfreada, a despeito dos prejuízos emocionais, sociais e profissionais que suscita no cotidiano do adicto. Após o frenesi, a excitação e a adrenalina em ceder aos próprios impulsos urgentes e vorazes, o sex-addict percebe-se incapaz de gerenciar suas atuações sexuais, sendo consumido por sentimentos de vazio, fracasso e desespero. A problemática do prazer sexual “além do princípio de prazer”, conjugada à da dor psíquica, nos conduz a uma interrogação mais rigorosa sobre a dimensão do masoquismo na vida subjetiva e sua relação com os estados destrutivos da psicossexualidade. Neste artigo, fundamentado sob o viés da psicanálise, procuramos examinar a estreita relação entre autodestruição e satisfação libidinal nos fenômenos próprios do quadro em questão.

Palavras-chave:
adicção sexual; masoquismo; compulsão; libido; psicanálise

Résumé

La dépendance sexuelle peut être définie comme une condition psychopathologique dans laquelle le sexe est cherché de façon incontrôlable, effrénée, malgré les préjudices émotionnels, sociaux et professionnels causés à la vie quotidienne de le dépendent. Après la frénésie, l’excitation et l’adrénaline ressenties en s’adonnant à ses propres impulsions urgentes et voraces, le sex-addict se sent incapable de gérer ses performances sexuelles, consumés par des sentiments de vide, d’échec et de désespoir. Le problème du plaisir sexuel « au-delà du principe du plaisir », combiné à celui de la douleur psychique, conduit à un questionnement plus rigoureux sur la dimension du masochisme dans la vie subjective et sa relation avec les états destructeurs de la psychosexualité. Dans cet article, basé sur la perspective de la psychanalyse, on cherche à examiner la relation étroite entre l’autodestruction et la satisfaction libidinale dans les phénomènes caractéristiques de la condition en question.

Mots-clés:
dépendance sexuelle; masochisme; contrainte; libido; psychanalyse

Resumen

La adicción sexual puede ser definida como un cuadro psicopatológico en el cual se busca el sexo de forma incontrolable, desenfrenada, a pesar de los perjuicios emocionales, sociales y profesionales provocados en el cotidiano del adicto. Después del frenesí, de la excitación y de la adrenalina en ceder a los impulsos urgentes y voraces, el adicto sexual se percibe incapaz de gestionar sus actuaciones sexuales, siendo consumido por sentimientos de vacío, fracaso y desesperación. La problemática del placer sexual “más allá del principio de placer”, combinada a la del dolor psíquico, nos conduce a una interrogación más rigurosa sobre la dimensión del masoquismo en la vida subjetiva y su relación con los estados destructivos de la psicosexualidad. Fundamentado en el sesgo del psicoanálisis, en este artículo nos proponemos analizar la estrecha relación entre la autodestrucción y la satisfacción libidinal en los fenómenos propios del cuadro en cuestión.

Palabras clave:
adicción sexual; masoquismo; compulsión; libido; psicoanálisis

Abstract

Sexual addiction can be defined as a psychopathological condition in which sex is sought in an uncontrollable, unrestrained manner, despite the emotional, social, and professional harm caused to the addict’s daily life. After the frenzy, excitement, and adrenaline rush experienced in indulging in their own urgent and eager impulses, sexual addicts find themselves incapable to manage their sexual performances, being consumed by feelings of emptiness, failure, and despair. The issue of sexual pleasure “beyond the pleasure principle,” combined with the issue of psychic pain, leads us to a more rigorous questioning about the dimension of masochism in subjective life and its relation with the destructive states of psychosexuality. In this article, based on the perspective of psychoanalysis, we seek to examine the close relation between self-destruction and libidinal satisfaction in the phenomena that are characteristic of the condition in question.

Keywords:
sexual addiction; masochism; compulsion; libido; psychoanalysis

Neste artigo, definiremos a adicção sexual como o apelo compulsivo à atividade sexual. Trata-se de um quadro psicopatológico no qual o sexo é buscado de forma desenfreada (Estellon, 2014Estellon, V. (2014). Les sex-addicts. “Que sais-je?”. Paris: P.U.F. ; Goodman, 1992Goodman, A. (1992). Sexual addiction: designation and treatment. Journal of sex and marital therapy, 18(4), 303-314.). O sex-addict, incapaz de administrar seus impulsos sexuais, pode aproximar-se da autodestruição. Intermináveis horas em aplicativos de encontros sexuais; assédio sexual frenético e descomedido a pessoas conhecidas e anônimas; noites passadas em claro, regadas pelo consumo insaciável de pornografia; gastos financeiros progressivamente maiores com prostituição e outros serviços similares; negligências diversas e constantes com os compromissos profissionais, familiares e sociais; pensamentos obsessivos em relação à busca de situações sexuais diversas; sexo praticado frequentemente sem cautela e proteção; masturbação contínua, muitas vezes em ambientes inapropriados; propensão a situações de risco, ocasionalmente implicando lesões corporais e até mesmo perigos fatais etc.

Após o habitual e compreensível frenesi da busca sexual, vem o receio, sentimentos mórbidos de decadência, exaustão, desespero e abandono. Apesar da ausência de estudos epidemiológicos, estima-se que a incidência do quadro varia entre 3% e 6% na população adulta geral dos Estados Unidos, afetando cerca de 17 milhões de homens e mulheres estadunidenses (Estellon, 2014Estellon, V. (2014). Les sex-addicts. “Que sais-je?”. Paris: P.U.F. ; Karila et al., 2014Karila, L., Wéry, A., Weinstein, A., Cottencin, O., Petit, A., Reynaud, M. et al. (2014). Sexual addiction or hypersexual disorder: different terms for the same problem? A review of the literature. Current Pharmaceutical Design, 20(25), 4012-4020.). Números que podem ser considerados, no mínimo, bastante expressivos. Esse tipo de compulsão teria incidência maior sobre indivíduos do sexo masculino, já que 80% dos sujeitos tratados por adicção sexual são homens (Estellon, 2014Estellon, V. (2014). Les sex-addicts. “Que sais-je?”. Paris: P.U.F. ).

No Brasil, identifica-se crescimento no número de grupos de apoio a adictos sexuais, como a irmandade Dependentes de Amor e Sexo Anônimos2 2 Afiliada ao programa de tratamento internacional Sex and Love Addicts Anonymous. (Dasa), subdividida em diversas unidades em diferentes regiões do país, cinco delas apenas no estado do Rio de Janeiro (Ferreira, 2013Ferreira, C. B. C. (2013). A emergência da adicção sexual, suas apropriações e as relações com a produção de campos profissionais. Sexualidad, Salud y Sociedad (Rio de Janeiro), 14, 284-318.). Trata-se basicamente de um programa de recuperação baseado nos Doze Passos, modelo pioneiro dos Alcóolicos Anônimos, calcado em reuniões semanais de ajuda mútua entre pessoas que sofrem de dependência afetiva e/ou sexual.

Em São Paulo, desde 1994, funciona o Ambulatório de Tratamento do Sexo Patológico3 3 Outra enfermaria especializada no tratamento desses casos é o Ambulatório de Impulso Sexual Excessivo e de Prevenção aos Desfechos Negativos Associados ao Comportamento Sexual (Aisep), parte integrante do Ambulatório dos Transtornos do Impulso (Pro-Amiti), situado no Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). , totalmente dedicado a casos de compulsão sexual, como parte do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Universidade Federal de São Paulo (Silveira, Vieira, Palomo & Silveira, 2000Silveira, D. X., Vieira, A. C., Palomo, V., & Silveira, E. D. (2000). Validade de critério e confiabilidade da versão brasileira de uma escala de rastreamento para dependência de sexo. Revista Brasileira de Psiquiatria, 22(1), 4-10.). Além disso, pode-se dizer que a procura por tratamento psicoterapêutico para adictos sexuais tornou-se mais acentuada e perceptível, embora haja certa lacuna de estudos rigorosamente sistematizados sobre o assunto (Estellon, 2014Estellon, V. (2014). Les sex-addicts. “Que sais-je?”. Paris: P.U.F. ; Ferreira, 2013Ferreira, C. B. C. (2013). A emergência da adicção sexual, suas apropriações e as relações com a produção de campos profissionais. Sexualidad, Salud y Sociedad (Rio de Janeiro), 14, 284-318.).

No campo da psicanálise, Joyce McDougall (1978/1992McDougall, J. (1992). Plea for a measure of abnormality. New York: Brunner/Mazel Publishers. (Trabalho original publicado em 1978)., 1995/1997McDougall, J. (1997). As múltiplas faces de Eros: uma exploração psicoanalítica da sexualidade humana. São Paulo, SP: Martins Fontes . (Trabalho original publicado em 1995).), pioneira nos estudos sobre a compulsão sexual desde o final da década de 1970, frequentemente mesclou sua tematização com a problemática da perversão sexual por meio do entrecruzamento dos conceitos de “neonecessidade” (sexualidade adictiva) e “neossexualidade” (sexualidade desviante ou perversa). Posteriormente, na década de 2000, Vincent Estellon (2002Estellon, V. (2002). De l’angoisse à l’orgasme. La métaphore auto-érotique en défaut dans la sexualité addictive. Cliniques méditerranéennes, 65(1), 183-202., 2005Estellon, V. (2005). Sexualités précaires et précarité sexuelle. Cliniques méditerranéennes, 72(2), 63-79.) debruçou-se sobre a problemática do sexo vivenciado como situação de adicção, inserindo-a no espectro das patologias narcísicas e/ou dos estados fronteiriços. Apesar dos avanços na tematização sobre a adicção sexual, algumas questões permanecem obscuras. Entre elas, nos chama atenção o estreito feixe de relações entre autodestruição e satisfação libidinal, dor e prazer, pulsão de morte e libido, tão característico desse quadro. Aqui, o prazer sexual “além do princípio de prazer” se conjuga à dor psíquica, nos levando para o centro, por definição, da experiência masoquista.

Alicerçado na teoria freudiana, o conceito psicanalítico de masoquismo se refere essencialmente ao alcance do prazer na experiência da dor (Freud, 1924/2007Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924).). Essa noção envolve intrincada constelação de fantasias, sentimentos, ideações e comportamentos caracterizados por dor, sofrimento, culpa, humilhação ou fracasso, subjetivamente vivenciados pelo sujeito de formas singulares e diversas, que parecem excessivos e, de certa forma, autoinduzidos (Glucksman, 2015Glucksman, M. L. (2015). Discussion of masochism and pathological gambling: a review of masochism. Psychodynamic Psychiatry, 43(1), 27-45.; Maleson, 1984Maleson, F. (1984). The multiple meanings of masochism in psychoanalytic discourse. Journal of the American Psychoanalytic Association, 32(2), 325-356.). Manifestações penosas que estariam em maior ou menor grau atreladas à obtenção de alguma forma de prazer.

No caso do sex-addict, ao mesmo tempo que o alívio para suas tensões e anseios é procurado de forma descomedida, por intermédio de recorrentes imersões no território do gozo sexual, o substrato de tais excessos e extremos hedonistas é tamanho mal-estar psíquico. Sua imersão no campo de uma jouissance mortífera se dá de distintas formas nos mais diversos casos. Nosso objetivo, por conseguinte, é fazer avançar a compreensão da relação entre sexualidade e destrutividade, prototípica da adicção sexual, desenvolvendo a hipótese de que haveria uma dimensão masoquista implicada em sua dinâmica de funcionamento.

Dor psíquica e prazer sexual

A adesão incontrolável a diferentes práticas sexuais revela em sua base graves prejuízos na dinâmica psíquica do sujeito adicto, afetando drasticamente as esferas de sua vida afetiva, social, profissional, familiar e, inclusive, sua condição médica geral. Ao não conseguir se abster da conduta adictiva, o indivíduo se coloca frequentemente em situações de risco, como expor-se deliberadamente a graves doenças sexualmente transmissíveis e outras circunstâncias que implicam sérias ameaças à sua integridade física e psíquica. Nesse contexto, como nos afirma Estellon (2014Estellon, V. (2014). Les sex-addicts. “Que sais-je?”. Paris: P.U.F. ) em sua obra Les sex-addicts, os avanços clínicos e científicos sobre a adicção sexual interessam aos campos sociológico, antropológico, epidemiológico e da saúde pública, especialmente no que tange à sua repercussão em termos de prevenção e/ou propagação do vírus da imunodeficiência humana (HIV).

Na medicina, o quadro da adicção sexual foi descrito por Aviel Goodman (1990Goodman A. (1990). Addiction: definition and implications. British Journal of Addiction, 85, 1403-1408., 1992Goodman, A. (1992). Sexual addiction: designation and treatment. Journal of sex and marital therapy, 18(4), 303-314., 1998Goodman, A. (1998). Sexual addiction: an integrated approach. Michigan: International Universities Press.), psiquiatra de orientação psicanalítica, que propôs considerá-la uma “adicção comportamental”. Segundo o autor, essa adicção se refere a um padrão de comportamento sexual caracterizado sobretudo por (1) perda de controle e (2) continuação apesar das consequências nocivas (Goodman, 1992Goodman, A. (1992). Sexual addiction: designation and treatment. Journal of sex and marital therapy, 18(4), 303-314.). Essa ideia de adicção comportamental dá lugar privilegiado à subjetividade porque, na descrição dos sintomas, o próprio sujeito reconhece o comportamento problemático que continuamente tenta dominar sem sucesso (Estellon, 2014Estellon, V. (2014). Les sex-addicts. “Que sais-je?”. Paris: P.U.F. ). Ele percebe sua captura por um processo que lhe escapa e o aprisiona.

O que nos chama atenção na “sexualidade adictiva” é a maciça dialética entre dor e prazer, emblemática, a nosso ver, dos fenômenos em jogo. Estellon (2012Estellon, V. (2012). Sexualités extrêmes. Les sexualités mélancoliques. In F. Marty, & V. Estellon (Orgs.), Cliniques de l’extrême (pp.109-129). Paris: Armand Colin., 2014Estellon, V. (2014). Les sex-addicts. “Que sais-je?”. Paris: P.U.F. ) destaca que, no intervalo entre a busca da situação sexual almejada e a execução do ato, o sex-addict pode usufruir de certos benefícios: bem-estar, excitação maníaca, asseguração narcísica, sensação de prazer. No entanto, após a consumação do ato sexual, não é incomum o sujeito ser tomado por crescente mal-estar.

A descrição nosológica de adicção sexual proposta por Reed e Blaine (1988Reed, R. C., & Blaine, D. A. (1988). Sexual addictions. Holistic Nursing Practice, 2(4): 75-83.) expõe bem a dialética mencionada, subdividida em quatro fases bem distintas: (1) fase de obsessão, na qual, em resposta às dificuldades existenciais, o sujeito é totalmente absorvido por preocupações e pensamentos sexuais; (2) fase de ritualização, na qual o adicto se entrega a certos “rituais” para a busca da atividade sexual, por exemplo, utilizar aplicativos (Tinder, Grindr etc.) e/ou frequentar determinados clubes noturnos, pontos de encontro ou locais que considera propícios para a aquisição de um parceiro e/ou prática sexual (cruising, prostituição, buscas na internet, banheiros públicos etc.); (3) fase do “agir sexual” propriamente dito, durante a qual o sex-addict vive diretamente a experiência sensorial do sexo, conquistando assim certas doses ou níveis de prazer, satisfação e alívio; e (4) fase de desespero, na qual, após a experiência de apaziguamento, é consumido pelo sentimento de impotência no gerenciamento de seus impulsos sexuais, vendo-se confrontado à impossibilidade de controle de suas condutas compulsivas (Estellon, 2014Estellon, V. (2014). Les sex-addicts. “Que sais-je?”. Paris: P.U.F. ).

Logo, nessas configurações, o prazer transitório e provisório ligado à atividade sexual termina por ser fonte de dor psíquica. A adicção se instaura por gradual processo que envolve numerosas etapas: a experimentação; o uso ocasional ou festivo; o uso regular, mas que não ultrapassa ainda o limiar da perda de controle etc. (Estellon, 2012Estellon, V. (2012). Sexualités extrêmes. Les sexualités mélancoliques. In F. Marty, & V. Estellon (Orgs.), Cliniques de l’extrême (pp.109-129). Paris: Armand Colin., 2014Estellon, V. (2014). Les sex-addicts. “Que sais-je?”. Paris: P.U.F. ). Em algum ponto do caminho, o ímpeto sexual torna-se uma exigência devoradora, sendo mais forte do que a razão e o pensamento.

As reações adversas implicadas no ciclo adictivo, como propõe Estellon (2012Estellon, V. (2012). Sexualités extrêmes. Les sexualités mélancoliques. In F. Marty, & V. Estellon (Orgs.), Cliniques de l’extrême (pp.109-129). Paris: Armand Colin., 2014Estellon, V. (2014). Les sex-addicts. “Que sais-je?”. Paris: P.U.F. ), variariam de acordo com a singularidade da estruturação psíquica de cada indivíduo, algumas com tonalidade mais neurótica (sentimentos de culpabilidade, autorrepugnância, vergonha), outras com tonalidade mais narcísica, fronteiriça (vazio abissal, melancolia, profunda desesperança). Apesar de certos paralelos com a neurose obsessiva, como a presença invasiva de obsessões sexuais e a prevalência do sistema compulsivo, a adicção sexual seria uma patologia predominantemente fronteiriça, limite. Ao contrário do obsessivo, o sex-addict passa ao ato literalmente, não fica imerso no plano dos pensamentos e das fantasias. Se o obsessivo apresenta sérias inibições na esfera do agir, o adicto sexual não consegue frear suas passagens ao ato.

Adepto de uma perspectiva pluralista, que articula os modelos pulsional (intrassubjetivo) e objetal (intersubjetivo), Estellon (2014Estellon, V. (2014). Les sex-addicts. “Que sais-je?”. Paris: P.U.F. ) procura investigar os mecanismos de defesa na base da adicção sexual. As proposições do autor se aproximam da noção de “defesa maníaca”, introduzida por Melanie Klein (1935/1996Klein, M. (1996). Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos. In M. Klein, Amor, culpa e reparação e outros trabalhos (pp. 301-329). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1935)., 1940/1996Klein, M. (1996). O luto e suas relações com os estados maníaco-depressivos. In M. Klein, Amor, culpa e reparação e outros trabalhos (pp. 385-412). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1940).) décadas antes, em seus estudos sobre os estados depressivos em neuroses graves, estados fronteiriços, entre outros quadros psicopatológicos. A defesa maníaca é a atitude intrapsíquica na qual o indivíduo evita, nega ou tenta reverter a dependência que sente em relação a seus objetos primários e fundamentais (Segal, 1988Segal, H. (1988). Introduction to the work of Melanie Klein. London: Karnac.). Para Klein, a dependência objetal se torna uma experiência nitidamente perceptível na posição depressiva e, por conta disso, fomenta intensas reações por parte do ego: ambivalência afetiva, medo da perda, luto, anseio e culpa. “É contra toda essa experiência que a organização da defesa maníaca é dirigida” (Segal, 1988Segal, H. (1988). Introduction to the work of Melanie Klein. London: Karnac., p. 83, tradução nossa). O sujeito, consequentemente, assume uma postura triunfalmente desdenhosa no que tange à realidade anímica (Schmid-Kitsis, 2005Schmid-Kitsis, E. (2005). Manic defenses. In A. de Mijolla (Ed.), International dictionary of psychoanalysis (p. 1007). Farmington Hills: Thomson/Gale.). O sentido de seu esforço combativo é esquivar-se do confronto à própria vulnerabilidade perante os objetos, internos e externos.

Nessa exata direção, Estellon (2014Estellon, V. (2014). Les sex-addicts. “Que sais-je?”. Paris: P.U.F. ) afirma que, na dinâmica psíquica do sex-addict, o conflito psíquico seria exteriorizado por meio de estratégias defensivas menos elaboradas, como: (1) a clivagem4 4 Cabe observar que a recusa (Verleugnung) e a clivagem são dois mecanismos de defesa elementares e complementares propostos por Freud (1927/2007), predominantemente em sua teorização sobre as perversões e a psicose. No entanto, no âmbito da psicanálise contemporânea, ambos os mecanismos servem como paradigmas para a investigação de outros sofrimentos não neuróticos (Estellon, 2014). O primeiro deles se refere à recusa do indivíduo em reconhecer a realidade de uma percepção traumatizante. Nos estudos sobre o fetichismo, modelo privilegiado das perversões, o sujeito perpetuaria “uma atitude infantil ao fazer coexistirem duas posições inconciliáveis: a recusa e o reconhecimento da castração feminina” - protótipo de uma divisão no seio do ego (Laplanche & Pontalis, 1967/1982, p. 436). A recusa, portanto, institui uma clivagem do ego, promovendo a coexistência de duas atitudes contrárias e incongruentes nessa instância psíquica: uma que rejeita um dado perceptivo da realidade externa e outra que reconhece esse mesmo dado. entre sentimentos e condutas sexuais, cujo principal objetivo é evitar a ambivalência afetiva e o sofrimento depressivo - consequentemente, os parceiros sexuais tendem a não ser investidos afetivamente; (2) de modo complementar, instaura-se o mecanismo da recusa5 5 Ver nota anterior. , que exclui da consciência certas representações e afetos inconciliáveis com o ego ideal, mantendo-os isolados e contrainvestidos - perdas, lutos, separações, tudo que poderia fragilizar a vida psíquica por ser contraditório ou doloroso é “descartado”, excluído pelo ego - e, ao perder contato com seus afetos, o adicto sexual torna-se refém de seus impulsos; (3) a idealização de objetos e/ou situações inacessíveis, paralela à extrema desvalorização desses mesmos objetos, quando a realidade, as decepções e frustrações se impõem de forma inegociável; (4) a onipotência, na qual o sujeito descarta e desinveste facilmente não apenas seus objetos sexuais, mas desconsidera regras, padrões sociais e demais códigos de boa conduta em sua busca insaciável pela atividade sexual (Estellon, 2012Estellon, V. (2012). Sexualités extrêmes. Les sexualités mélancoliques. In F. Marty, & V. Estellon (Orgs.), Cliniques de l’extrême (pp.109-129). Paris: Armand Colin., 2014Estellon, V. (2014). Les sex-addicts. “Que sais-je?”. Paris: P.U.F. ).

Não à toa, Estellon (2015Estellon, V. (2015). Sexe-addiction ou la quête compulsive de la petite mort. Études sur la mort, 147(1), 109-124.) utiliza o termo “sexualidade melancólica” para se referir ao quadro. Enfatiza assim o caráter de melancolia presente nas determinações da adicção sexual, que se manifesta por meio de uma descrença generalizada. O sex-addict não acreditaria nos benefícios de uma relação a dois e não acreditaria em si mesmo. Julgar-se-ia incapaz de realizar-se afetivamente, mesmo que esse ceticismo não consiga ser verbalizado, colocado em palavras. A sexualidade é então utilizada como estratégia de defesa contra uma aniquiladora aridez interna. O sexo termina por ser buscado de forma maníaca, frenética. Na base desses excessos hedonistas estaria a tentativa desesperada de resguardar-se de uma melancolia latente, rigorosamente enraizada. Consumido por fragilidades narcísicas e carências afetivas, o sex-addict usaria o corpo dos outros para se embriagar e se esquecer de que não acredita mais em nada.

Roussillon (2004aRoussillon, R. (2004a). La pulsion et l’intersubjectivité. Adolescence, 50, 735-753., 2004bRoussillon, R. (2004b). La dépendance primitive et l’homosexualité primaire en double. Revue Française de Psychanalyse, 68, 421-439.), ao propor uma diferenciação entre “prazer-descarga” e satisfação subjetiva, ilumina o paradoxo que se impõe nesse panorama. As formas alienantes de dependência estariam articuladas às formas de prazer sem compartilhamento, sem uma partilha emocional entre duas pessoas. Formas que não equivaleriam a uma satisfação subjetiva. André (2013André, J. (2013). La sexualité masculine. “Que sais-je?”. Paris: P.U.F.) destaca que, mesmo quando se deita com múltiplos parceiros, o sex-addict sente-se isolado, alienado. Termina por padecer de severo desamparo e solidão. Nesse impasse, prazer sexual e dor psíquica se confundem, o gozo sexual deixando de ser vetor exclusivo do prazer, passando a servir simultaneamente como expressão de extremo sofrimento subjetivo.

Pode-se dizer com Estellon (2015Estellon, V. (2015). Sexe-addiction ou la quête compulsive de la petite mort. Études sur la mort, 147(1), 109-124.) que a adicção sexual é uma solução maníaca, contramelancólica, em oposição ao medo da perda e da passividade perante os movimentos desejantes do outro, sendo, no limite, um movimento melancólico e masoquista. Embora o autor não desenvolva essa proposição nem aborde diretamente a relação entre masoquismo e adicção sexual, pensamos residir nessa associação uma espécie de chave-mestra para o entendimento da adicção sexual, especialmente o tortuoso feixe de relações entre prazer sexual e dor psíquica tão característico do quadro. Ao mesmo tempo que o sex-addict se entrega aos mais variados extremos do prazer e do gozo sexual, essa entrega teria como força-motriz e substrato o sofrimento masoquista.

O masoquismo e seus níveis gerais de compreensão

Em um esforço de delimitação, Maleson (1984Maleson, F. (1984). The multiple meanings of masochism in psychoanalytic discourse. Journal of the American Psychoanalytic Association, 32(2), 325-356.) tentou mapear as definições restritas e amplas de masoquismo na teoria psicanalítica e o lugar da excitação sexual nesse complicado e variado espectro de fenômenos. Para tanto, distinguiu três níveis gerais de compreensão do conceito: descritivo, teórico e dinâmico. Em um sentido amplo e puramente descritivo, o termo masoquismo é aplicado a manifestações específicas de perversão sexual e patologias manifestadamente não sexuais, bem como a uma grande diversidade de ações, atitudes e pensamentos mais circunscritos que, salvo algum elemento significativo de sofrimento psíquico e/ou físico, apresentam poucas semelhanças entre si.

Em um nível teórico, relativo à metapsicologia freudiana, o masoquismo na primeira tópica é compreendido como expressão das pulsões sexuais parciais ou, mais especificamente, como um dos destinos da pulsão sádica, que assumiria uma forma passiva (Freud, 1905/1996Freud, S. (1996). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. VII, pp. 119-231). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1905)., 1915/2004Freud, S. (2004). Pulsões e destinos da pulsão. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. I, pp. 133-173). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1915).). Já na segunda tópica, articula-se à operação da pulsão de morte e a propensões femininas para a dor.

Por fim, no nível dinâmico, o termo masoquismo sugere ou enfatiza processos distintos, por exemplo: a aspereza do superego em relação ao ego; conflitos intrapsíquicos quanto ao ímpeto à agressão; regressões e/ou fixações sádico-anais; tendência à retenção de objetos derivada de privações precoces; traços femininos; desejos ou fantasias de espancamento e violações eróticas, sejam conscientes ou inconscientes. Esses diferentes níveis de abstração teórica podem levar a conotações distantes entre si que fazem variar a percepção e a interpretação dos dados clínicos (Maleson, 1984Maleson, F. (1984). The multiple meanings of masochism in psychoanalytic discourse. Journal of the American Psychoanalytic Association, 32(2), 325-356.).

Na teoria freudiana, o conceito de masoquismo apareceu com sentido bastante restrito, no âmbito de exploração da sexualidade infantil, pré-genital. Estava referido à excitação sexual ligada à dor física ou psíquica, por meio de fenômenos nos quais o ato sexual conjugasse dor e prazer para um sujeito que os experimentasse de forma passiva. A satisfação estava condicionada à dor imposta por algum objeto sexual (Freud, 1905/1996Freud, S. (1996). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. VII, pp. 119-231). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1905).). Além disso, sob a perspectiva da primeira teoria das pulsões, o masoquismo designa uma das pulsões parciais da sexualidade. Estas aparecem, na maior parte das vezes, em pares de opostos. Entre esses pares, Freud (1905/1996)Freud, S. (1996). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. VII, pp. 119-231). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1905). menciona a pulsão de crueldade em suas formas ativa e passiva, correspondendo ao sadismo e ao masoquismo, respectivamente.

Freud deu alguns passos à frente em “Uma criança é espancada”, texto de 1919. O tema central é a fantasia em que uma criança é espancada ou observa outra ser por alguma figura parental. Essa construção se articularia a um desejo de ser espancado(a) pelo pai, desenvolvendo-se sob o impacto do amor edipiano incestuoso (Freud, 1919/1996Freud, S. (1996). Uma criança é espancada: uma contribuição ao estudo da origem das perversões sexuais. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. XVII, pp. 193-218). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1919).; Maleson, 1984Maleson, F. (1984). The multiple meanings of masochism in psychoanalytic discourse. Journal of the American Psychoanalytic Association, 32(2), 325-356.). Geralmente inconsciente, exigiria trabalho de reconstrução em análise. Por conta da culpa, do recalcamento e da regressão à organização pré-genital anal, um desejo erótico sofreria drástica retaliação, transformando-se em desejo de espancamento. Aqui, o masoquismo é apresentado como constelação psíquica inconsciente, resultante de determinada confluência de forças, e não apenas como fenômeno perverso latente ou manifesto.

Com a publicação de “Além do princípio de prazer” (1920), Freud propôs um novo dualismo pulsional, baseado na contraposição entre pulsão de vida (Eros) e pulsão de morte. Dessa forma, alguns pilares de seu pensamento foram profundamente reconfigurados. A pulsão de morte é introduzida como uma força de desligamento, que romperia os vínculos estabelecidos por Eros - conjunto que reúne as pulsões tematizadas anteriormente em seu percurso, as sexuais e de autoconservação (Freud, 1920/2006Freud, S. (2006). Além do princípio de prazer. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. II, pp. 123-198). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1920).). Posteriormente, no ensaio de 1924, “O problema econômico do masoquismo” (Freud, 1924/2007Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924).), ele revisou e aprofundou a metapsicologia do masoquismo, de forma consoante com a segunda teoria das pulsões e a segunda tópica, criando certa unidade conceitual entre suas variadas e complexas formas clínicas (Maleson, 1984Maleson, F. (1984). The multiple meanings of masochism in psychoanalytic discourse. Journal of the American Psychoanalytic Association, 32(2), 325-356.).

O masoquismo, em sua revisão, se apresenta sob três formas: (1) o masoquismo erógeno, uma contingência da excitação sexual, expressão de uma parcela da pulsão de morte não dirigida ao mundo exterior ou ao objeto externo, que permanece fixada libidinalmente dentro do organismo, sendo voltada contra o próprio sujeito; (2) o masoquismo feminino, expressão da essência feminina, associado a uma posição de passividade perante o objeto sexual; e (3) o masoquismo moral, norma ou regra de comportamento na qual a relação com o campo de Eros se enfraquece e a pulsão de morte, após ter sido dirigida aos objetos externos, é violentamente redirecionada para o próprio sujeito, atuando contra si próprio (Freud, 1924/2007Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924).).

Esses desdobramentos complementaram proposições anteriores. Sadismo e masoquismo em 1924 não são mais mencionados como expressões de pulsões sexuais parciais. Do ponto de vista conceitual, passam a ser entendidos como produtos de uma fusão originária entre libido e pulsão de morte, estando relacionados a diferentes instâncias psíquicas: id, ego e superego (Freud, 1924/2007Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924).; Maleson, 1984Maleson, F. (1984). The multiple meanings of masochism in psychoanalytic discourse. Journal of the American Psychoanalytic Association, 32(2), 325-356.). A complicada profusão de relações entre essas instâncias e suas propriedades pulsionais produziria o comportamento sádico ou masoquista. No masoquismo moral, por exemplo, o masoquismo centrado no sistema egoico buscaria a punição, ora pelo superego, ora por parte de poderes parentais externos.

O masoquismo erógeno e primário, entendido como a capacidade de extrair prazer sexual da dor, protótipo de todas as outras formas de masoquismo, estaria baseado em uma fusão originária entre libido e pulsão de morte, irredutível a transposições ulteriores (Freud, 1924/2007Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924).). Após grande porção da pulsão destrutiva ter sido transposta para fora, em direção aos objetos externos, um resíduo interno teria permanecido, fixando-se à libido, tornando-se parte integrante desta e tomando o próprio sujeito como objeto de satisfação e/ou descarga. Isso se difere do masoquismo secundário, definido como a reintrojeção do sadismo - ou seja, um redirecionamento da agressividade voltada ao objeto contra o próprio indivíduo -, que ocorre regularmente por causa da repressão cultural dos componentes pulsionais destrutivos, impedidos em grande parte de ser direcionados para fora e descarregados na realidade externa (Freud, 1924/2007Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924).; Maleson, 1984Maleson, F. (1984). The multiple meanings of masochism in psychoanalytic discourse. Journal of the American Psychoanalytic Association, 32(2), 325-356.). Das formas secundárias e posteriores de masoquismo, o moral não apenas se impõe como exemplo emblemático, mas constitui a forma que nos interessa predominantemente numa análise aprofundada da adicção sexual.

Isso porque o masoquismo moral não está exatamente referido à montagem perversa da vida sexual stricto sensu, não se trata de uma posição passiva e prazerosa perante à dor infligida por um parceiro/objeto sexual (ser subjugado, humilhado, amarrado ou chicoteado em determinadas práticas), mas, sim, a modos de existir, de se relacionar, de se comportar que, à revelia dos prejuízos emocionais e psíquicos que acarreta, estão estreitamente articulados a uma satisfação libidinal. Pode-se dizer que, apesar de eventuais paralelos com a montagem perversa da vida sexual, a adicção sexual é singular e não se confunde com a perversão masoquista. No entanto, nossa hipótese é a de que, em seus fenômenos, comportaria uma dimensão masoquista, o masoquismo aí implicado sendo de ordem secundária, moral, e não estritamente erógena, primária.

A forma mais extrema e patológica do masoquismo moral é reconhecida por meio de um sentimento de culpa inconsciente, que vem a se transfigurar em ávida “necessidade de punição”, cujo efeito mais significativo é a intensa oposição por parte do sujeito às possibilidades de “cura da doença”, segundo as palavras do próprio Freud (1924/2007Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924)., p. 111). Estaria em jogo intenso somatório de forças que se rebelam contra a cura, inviabilizando, entre outras coisas, o sucesso ou até mesmo a adesão do sujeito ao tratamento psicanalítico, dando margem à celebre noção de reação terapêutica negativa (Freud, 1924/2007Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924).). De uma forma ou de outra, o sujeito colocar-se-ia repetidamente em situações penosas, sendo movido por uma força inominável e destrutiva.

Tendo em vista que elementos psíquicos como o sofrimento, a dor, o fracasso e a autopunição constituem os aspectos determinantes do masoquismo moral, a sua relação com o campo da sexualidade não é imediatamente clara, acessível, objetiva. Contudo, é importante ressaltar que, de acordo com o referencial teórico freudiano, tanto as formas morais quanto as manifestadamente perversas do masoquismo possuiriam componentes sexuais e seriam derivações do masoquismo erógeno e primordial (Freud, 1924/2007Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924).; Maleson, 1984Maleson, F. (1984). The multiple meanings of masochism in psychoanalytic discourse. Journal of the American Psychoanalytic Association, 32(2), 325-356.).

No masoquismo moral, em sua dimensão subjetiva, haveria uma “ressexualização” direta do complexo de Édipo da seguinte forma: (1) um sentimento inconsciente de culpa vem a se transfigurar em acentuada e inconsciente necessidade de punição por parte do ego em relação a algum poder parental; (2) a moral, até então “dessexualizada” após a suposta resolução do Édipo - ou seja, após o abandono de suas metas sexuais diretas -, tornar-se-ia mais uma vez “sexualizada”, propiciando intensa regressão à esfera das vivências edípicas infantis (Freud, 1924/2007Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924).; Maleson, 1984Maleson, F. (1984). The multiple meanings of masochism in psychoanalytic discourse. Journal of the American Psychoanalytic Association, 32(2), 325-356.).

Para Catherine Chabert (2014Chabert, C. (2014). Œdipe aux frontières. In V. Estellon (Org.), Actualité des états limites (pp. 91-107). Toulouse: ERES.), seria precisamente o masoquismo moral que tomaria a frente da cena em configurações fronteiriças. As suas formas patológicas se expressam por meio de uma “necessidade de punição” que coage o ego e o aprisiona, levando o sujeito a agir de forma autopunitiva e autodestrutiva. Os desejos, sentidos como forças maléficas, impuras, constituiriam fonte de drástica retaliação, traduzida pela dimensão da desqualificação e da falta de autoestima, que impõem condutas sacrificiais visando ao corpo e à psique em suas capacidades de seduzir e de experimentar o prazer. O sujeito, de diferentes formas, procuraria avidamente o estado de abandono, negligência e desamparo psíquico.

Com base no panorama apresentado, propomos que o masoquismo moral se institui, portanto, como uma categoria de singular importância para a compreensão da adicção sexual. Seus fenômenos, atrelados à lógica do trauma e da compulsão à repetição, expõem com tamanha precisão o seguinte paradoxo: o prazer desesperadamente procurado nesses casos é indissociável do ímpeto à dor e à autodestruição.

O prazer masoquista: um prazer “além do princípio de prazer”

Avaliando a articulação entre masoquismo e pulsão de morte, Laplanche (1970/1985)Laplanche, J. (1985). Vida e morte em psicanálise. Porto Alegre, RS: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1970). afirma que o tournant de 1920 veio complexificar ainda mais a problemática do masoquismo na teoria freudiana. A potencialidade masoquista existiria em qualquer ser humano, sempre prestes a despertar e reforçar alguma forma de sofrimento. Entretanto, “o sujeito só é masoquista enquanto ele goza lá onde ele sofre, e não enquanto sofre aqui para gozar lá, em função de uma aritmética ou álgebra dos prazeres” (Laplanche, 1970/1985Laplanche, J. (1985). Vida e morte em psicanálise. Porto Alegre, RS: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1970)., p. 107). Não à toa, o questionamento sobre a predominância do princípio de prazer no curso dos processos psíquicos é o fator-chave para a introdução de uma nova perspectiva teórica, que não se restringe ao paradigma da neurose e do recalque (o que é prazer para uma instância seria desprazer para outra).

A questão central do sofrimento teria como dimensão subjacente a experiência da dor - compreendida aqui como perturbação psíquica resultante de uma efração, do rompimento de barreiras internas protetoras pelo afluxo de energia não ligada (Freud, 1920/2006Freud, S. (2006). Além do princípio de prazer. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. II, pp. 123-198). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1920).; Laplanche, 1970/1985Laplanche, J. (1985). Vida e morte em psicanálise. Porto Alegre, RS: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1970).). Nesse sentido, os fenômenos masoquistas não se conformariam ao postulado clássico da propensão à obtenção de prazer e evitação do desprazer, já que sinalizariam um prazer que pertenceria a uma outra ordem de funcionamento.

O princípio de prazer é redefinido em 1920 como “uma tendência que está a serviço de uma função, a de tornar o aparelho psíquico inteiramente livre da excitação, ou de manter a quantidade de excitação constante, ou, ainda, de mantê-la tão baixa quanto possível” (Freud, 1920/2006Freud, S. (2006). Além do princípio de prazer. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. II, pp. 123-198). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1920)., p. 180). Essa posição - que Freud alega ter sido crucial para a postulação da pulsão de morte -, é uma das mais difíceis que estão contidas no texto de 1920, pelo fato de ele colocar em equivalência três processos bem distintos: (1) reduzir; (2) manter constante; e (3) extinguir totalmente a carga de excitação. Desses três, o único que realmente justificaria a postulação da pulsão de morte seria o referente à redução total da carga excitatória (Klier, 2016Klier, N. (2016). A violência do sexual e o impacto da pulsão de morte. Curitiba, PR: Appris.). Isso porque se a tendência do princípio de prazer fosse a de tornar o psiquismo inteiramente livre de estimulações, qual seria o sentido de evocar um “além” desse princípio?

Essa ambiguidade será resolvida justamente em “O problema econômico do masoquismo” (Freud, 1924/2007Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924).). No texto de 1924, Freud analisa com maior profundidade a relação entre o princípio de prazer e as pulsões de vida e de morte, relação cuja confusão de propósitos era evidente em 1920. Ele atribui ao princípio de prazer uma importante função: a de resguardar não apenas a vida psíquica, mas a vida orgânica em geral, ao visar à homeostase e à constância. Dessa forma, dificilmente poderia fazê-lo coincidir integralmente com o princípio de Nirvana - princípio de redução das excitações ao nível zero, proposto por Barbara Low -, mencionado no texto de 1920 como equivalente ao princípio de prazer (Freud, 1920/2006Freud, S. (2006). Além do princípio de prazer. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. II, pp. 123-198). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1920)., 1924/2007Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924).; Klier, 2016Klier, N. (2016). A violência do sexual e o impacto da pulsão de morte. Curitiba, PR: Appris.).

Assim, Freud (1924/2007)Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924). desfaz a equivalência absoluta entre prazer e redução de tensão, enfatizando o fato de que o acúmulo de excitação poderia ser sentido como prazeroso no psiquismo, assim como a diminuição da tensão poderia ser sentida como desprazerosa. O prazer e o desprazer dependeriam não apenas de um fator quantitativo, mas também de um aspecto qualitativo - que, por sua vez, ele reconhece a dificuldade em delimitar.

Se o princípio de prazer visa a uma regulação qualitativa, e não apenas quantitativa, das cargas de excitação, este não seria primário no funcionamento psíquico, mas secundário em relação ao princípio de Nirvana - mais elementar, associado às pulsões de morte. Freud atribui à libido, substrato energético da pulsão sexual, a força motora para a transformação do princípio de Nirvana em princípio de prazer, já que o último seria, de certa forma, uma complexificação do primeiro (Freud, 1924/2007Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924).).

Um terceiro princípio, o de realidade, expressaria as exigências da realidade externa, garantindo a possibilidade de adiamento da descarga das excitações e a aceitação temporária da tensão gerada pelo desprazer. Apesar de seus propósitos diferentes, a priori nenhum dos três princípios destituiria o outro de poder. Funcionariam concomitantemente, de acordo com um intrincado jogo de forças, proporções e entrecruzamentos (Freud, 1924/2007Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924).).

Destacando as noções de prazer e satisfação, Laplanche (1970/1985)Laplanche, J. (1985). Vida e morte em psicanálise. Porto Alegre, RS: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1970). propõe a seguinte perspectiva, evidenciada após a apresentação da pulsão de morte: “o prazer parece dividir-se em duas direções: de um lado, o gozo, no sentido ao mesmo tempo de um prazer desenfreado e no da concupiscência; de outro, a satisfação que se situa na ordem do apaziguamento das tensões vitais” (p. 108). Logo, o gozo estaria referido a uma modalidade de prazer (descarga, apaziguamento) que desconsideraria a homeostase, a constância. Um prazer “além do princípio de prazer”, regido pela lógica do princípio de Nirvana, que ignoraria os limites próprios à manutenção da vida (física e psíquica).

O autor então distingue dois níveis, dimensões de uma escala quantitativa que partiria do “prazer (funcional) - desprazer (funcional)” e iria até a “concupiscência e/ou gozo”. Os fenômenos da vida psíquica se situariam em diferentes pontos dessa série. O masoquismo erógeno e primário, protótipo de todas as outras formas de masoquismo, estaria mais próximo do segundo extremo da escala. Dessa forma, o enigma do prazer masoquista residiria no fato de que, ao mesmo tempo que é corolário de uma liga entre libido e pulsão de morte - uma absorção da última por parte da primeira -, essa vinculação se revela frequentemente mais próxima do território do excesso, dos afluxos excitatórios, das rupturas de barreiras internas protetoras. Uma modalidade de prazer cuja potencialidade, em última instância, só é plenamente alcançada na experiência da dor.

Tendo isso em vista, retomaremos a discussão sobre o masoquismo moral e sua relação com a adicção sexual, com o propósito de avançarmos a nossa investigação sobre a especificidade da dimensão masoquista na dinâmica psíquica do sex-addict.

Complexo de Édipo e masoquismo: novas perspectivas

Segundo Chagnon (2006Chagnon, J. (2006). Le masochisme dans les travaux psychanalytiques français: un sujet (dé)battu. Psychologie clinique et projective, 12(1), 7-67.), com a intensificação do aparecimento de estados fronteiriços na prática clínica, novos paradigmas teóricos se impuseram para a psicanálise como a dor, o sofrimento moral, a melancolia, o “mal-estar” dos excessos e as angústias paradoxais de intrusão e abandono. Em detrimento das questões vinculadas ao desejo edipiano, o foco no “primário”, nos traumas narcísicos, redirecionou o tratamento dos casos limites em direção ao cuidado e à reparação. As perspectivas teóricas sobre o tema, nesse horizonte, assumiriam “o risco de se encontrar ‘dessexualizadas’, tendência (internacional?) a qual muitos analistas franceses vão se opor” (Chagnon, 2006Chagnon, J. (2006). Le masochisme dans les travaux psychanalytiques français: un sujet (dé)battu. Psychologie clinique et projective, 12(1), 7-67., p. 48, tradução nossa).

Chabert (1999Chabert, C. (1999). Les fonctionnements limites: quelles limites? In J. André (Org.), Les états limites: nouveau paradigme pour la psychanalyse? (pp. 93-122). Paris: P.U.F. , 2000Chabert, C. (2000). Les surprises du masochisme moral. Libres cahiers pour la psychanalyse, 1(1), 107-118., 2003Chabert, C. (2003). Masochisme ou mélancolie? In C. Chabert, Féminin mélancolique (pp. 63-90). Paris: P.U.F. , 2014Chabert, C. (2014). Œdipe aux frontières. In V. Estellon (Org.), Actualité des états limites (pp. 91-107). Toulouse: ERES.) foi justamente uma das autoras que se opuseram a isso, investigando as formas masoquistas assumidas pelo Édipo - que, no panorama dos funcionamentos limites, assume teor mais excitatório e desestabilizador do que “estruturante”, por assim dizer. Se nas literaturas anglo-saxã e norte-americana o modelo pré-genital tende a ser predominante, mesmo que não exclusivo, é preciso ter em mente que o complexo de Édipo também está ativo e deve ser tratado especificamente de acordo com a organização psicopatológica em vigor. De modo similar, Estellon (2017Estellon, V. (2017). Les états limites. Paris: P.U.F. ) chama atenção para o risco de se tropeçar em uma lógica simplista e unidimensional que restrinja os sofrimentos neuróticos à angústia de castração, e os problemas fronteiriços às angústias identitárias. O clínico deve trabalhar com a dialética entre posições distintas, às vezes contraditórias - mas, em última instância, complementares.

Extremamente fiel às categorias freudianas, Chabert (1999Chabert, C. (1999). Les fonctionnements limites: quelles limites? In J. André (Org.), Les états limites: nouveau paradigme pour la psychanalyse? (pp. 93-122). Paris: P.U.F. , 2000Chabert, C. (2000). Les surprises du masochisme moral. Libres cahiers pour la psychanalyse, 1(1), 107-118., 2003Chabert, C. (2003). Masochisme ou mélancolie? In C. Chabert, Féminin mélancolique (pp. 63-90). Paris: P.U.F. , 2014Chabert, C. (2014). Œdipe aux frontières. In V. Estellon (Org.), Actualité des états limites (pp. 91-107). Toulouse: ERES.) propõe que o masoquismo moral é a forma especificamente assumida pelo fronteiriço à medida que a luta contra a angústia de perda do objeto requer maciço contrainvestimento quanto às mobilizações objetais incestuosas e culposas advindas do Édipo. O ódio edipiano, ligado à insuficiência do recalcamento do desejo e a dificuldades na elaboração da ambivalência afetiva, pode tomar dois destinos possíveis, por meio do retorno contra si próprio: o masoquismo e/ou a melancolia (Chabert, 1999Chabert, C. (1999). Les fonctionnements limites: quelles limites? In J. André (Org.), Les états limites: nouveau paradigme pour la psychanalyse? (pp. 93-122). Paris: P.U.F. , 2000Chabert, C. (2000). Les surprises du masochisme moral. Libres cahiers pour la psychanalyse, 1(1), 107-118.; Chagnon, 2006Chagnon, J. (2006). Le masochisme dans les travaux psychanalytiques français: un sujet (dé)battu. Psychologie clinique et projective, 12(1), 7-67.).

Na cronologia da obra freudiana, como observa Chabert (2003Chabert, C. (2003). Masochisme ou mélancolie? In C. Chabert, Féminin mélancolique (pp. 63-90). Paris: P.U.F. ), o estudo “Luto e melancolia” (Freud, 1917[1915]/1996Freud, S. (1996). Luto e melancolia. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. XIV, pp. 243-266). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1917 e escrito em 1915).), escrito em 1915, precede o texto sobre o masoquismo de 1924. A descrição sintomática de melancolia proposta em 1915 apresenta surpreendentes semelhanças com a do masoquismo moral anos depois: o humor doloroso, a ausência de interesse no mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição afetiva. Esses elementos são característicos de um modo de ser que “operaria” contra o ego. Chabert (2003)Chabert, C. (2003). Masochisme ou mélancolie? In C. Chabert, Féminin mélancolique (pp. 63-90). Paris: P.U.F. questiona, portanto, se não seria um procedimento análogo que estaria em jogo no masoquismo moral, no qual a relação com o objeto está reduzida a um movimento narcísico, em que o sofrimento é buscado por si próprio. O ódio dirigido ao objeto é voltado contra o seu substituto, o próprio ego do sujeito, rebaixando-o e fazendo-o sofrer, tirando desse sofrimento uma satisfação sádica.

Não é difícil entrever que os movimentos regressivos da adicção sexual estariam de alguma forma associados aos processos melancólicos, entretanto, manifestos sob uma roupagem “masoquista”. A “caça” desenfreada por situações sexuais constituiria uma tentativa de injetar vida e ânimo num sujeito em profundo sofrimento melancólico. O colorido da vida e das relações permanece sem força, sem vigor, o que parece ser contornado apenas transitoriamente, quando o adicto se entrega à “adrenalina” e à excitação da perspectiva de concretizar alguma situação sexual almejada.

Estellon (2012Estellon, V. (2012). Sexualités extrêmes. Les sexualités mélancoliques. In F. Marty, & V. Estellon (Orgs.), Cliniques de l’extrême (pp.109-129). Paris: Armand Colin.), ao enfatizar a dimensão melancólica da sexualidade adictiva, indica que, como contraponto à aridez afetiva interna, instaura-se o registro do “extremo”, no qual a busca sexual assume viés radical e perigoso. A adicção leva o sujeito a não conseguir satisfazer-se com as práticas e vivências habituais, conduzindo-o à busca de sensações mais intensas, aguçadas e cortantes. O sex-addict, sem perceber, passa a testar os limites da realidade externa de forma cega, imprudente e irracional. Expõe-se deliberadamente a doenças sexualmente transmissíveis e outras situações de risco. Ademais, sente-se corroído por angústias e agonias após o cessar de suas atuações. A nosso ver, essa maneira de operar entre a dor e o prazer seria uma derivação do masoquismo moral, incessantemente atualizado nesses casos, engendrado não apenas por formas singulares de melancolia, mas, antes e primordialmente, pela precariedade de estruturação e integração das vivências edípicas6 6 A temática da singularidade do complexo de Édipo nas determinações da adicção sexual foi explorada em maiores detalhes na tese de doutorado do primeiro autor deste artigo, intitulada Adicção sexual: um combate contra Eros? (Klier, 2017), realizada no programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob orientação da Prof.ª Dr.ª Marta Rezende Cardoso. .

Adicção sexual e as vicissitudes do masoquismo moral

Nos casos limites, a clivagem bom/mau regeria a configuração edipiana, evitando a efetiva instauração da ambivalência afetiva entre amor e ódio, esta permanecendo em ampla escala inacessível. Estellon (2017Estellon, V. (2017). Les états limites. Paris: P.U.F. ) nos remete assim à concepção de “psicose branca”, proposta por Donnet e Green (1973Donnet, J.-L. & Green, A. (1973). L’enfant de ça: psychanalyse d’un entretien, la psychose blanche. Paris: Minuit.), articulada aos estados de vazio que assombram as angústias narcísicas, como também à dificuldade de instauração da ambivalência.

Na psicose branca de Donnet e Green (1973Donnet, J.-L. & Green, A. (1973). L’enfant de ça: psychanalyse d’un entretien, la psychose blanche. Paris: Minuit.), o sujeito não consegue efetivamente desenvolver um espaço interno de solicitude, conforto e apropriação do objeto: a capacidade de estar sozinho na ausência do outro, ou de “esquecer” o outro em sua presença. A obsessão que a dependência implica estaria estranhamente associada à falência da criação de um espaço interno de solidão estruturante (Donnet & Green, 1973Donnet, J.-L. & Green, A. (1973). L’enfant de ça: psychanalyse d’un entretien, la psychose blanche. Paris: Minuit.; Estellon, 2017Estellon, V. (2017). Les états limites. Paris: P.U.F. ). O pensamento aparece esvaziado, denotando fissuras significativas no âmbito das fantasias e da criatividade. Consequentemente, os mal-estares psíquicos tendem a não se manifestar por uma forma subjetivada, mas por meio de uma exclusão somática, como no caso das doenças psicossomáticas, ou por intermédio de uma exclusão pelo ato, como nas compulsões, adicções e demais passagens ao ato. Essa expulsão termina por produzir um estado de branco do pensamento, vazio representativo interno.

Chabert (1999Chabert, C. (1999). Les fonctionnements limites: quelles limites? In J. André (Org.), Les états limites: nouveau paradigme pour la psychanalyse? (pp. 93-122). Paris: P.U.F. ) propõe que a violência dos movimentos negativos (o branco do pensamento, os sentimentos de falta vital, vazio) e a fraca resistência dos positivos (a criação de um espaço de criatividade representativa) tornariam impossível uma formação de compromisso entre ambos, causando desequilíbrio no frágil arsenal defensivo do fronteiriço. A exclusão do conflito, por uma clivagem radical, é a solução de resguarda mais eficaz, embora extremamente dispendiosa.

Nessa direção, a autora destaca que o masoquismo habita lugar essencial no plano simbólico, algo demonstrado por Freud no texto “Uma criança é espancada” (1919/1996Freud, S. (1996). Uma criança é espancada: uma contribuição ao estudo da origem das perversões sexuais. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. XVII, pp. 193-218). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1919).). O cruzamento da fantasia masoquista com o Édipo é evidente: tendências perversas integram os processos de desenvolvimento psicossexual, tanto os estruturantes quanto os desestruturantes. Na concepção freudiana, a fantasia da criança espancada apresenta-se usualmente em três fases, sendo que apenas uma delas permanece inconsciente.

Se na primeira fase a criança imagina outra sendo espancada, o significado aproximado dessa conjectura seria a exclusividade do amor do pai, já que é outra criança que sofre a retaliação. Contudo, esse amor incestuoso sucumbiria posteriormente a tamanho sentimento de culpa, promovendo, na segunda fase, uma inversão do triunfo sádico: agora é a própria criança autora da fantasia que apanha. O sadismo da primeira etapa é convertido em masoquismo na segunda, denotando severo castigo. O desejo de ser punido(a) pelo pai apareceria como uma deformação regressiva do desejo inconsciente de ter uma relação sexual passiva com o mesmo. Em seu sentido mais profundo, equivale a uma das contingências da travessia edípica, expressando-se em maior ou menor grau conforme a singularidade de cada indivíduo.

Essa fase que condensa prazer incestuoso e punição seria a mais importante, como também a mais grave quanto às consequências que pode engendrar (Freud, 1919/1996Freud, S. (1996). Uma criança é espancada: uma contribuição ao estudo da origem das perversões sexuais. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. XVII, pp. 193-218). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1919).). Seu conteúdo, entretanto, não se articula a uma experiência real, pois não estaria referida a uma lembrança ou rememoração, mas, sim, a uma construção em análise. Habitualmente permanece inconsciente.

Chabert (2000Chabert, C. (2000). Les surprises du masochisme moral. Libres cahiers pour la psychanalyse, 1(1), 107-118.) interroga sobre o que aconteceria quando o desdobramento clássico da fantasia não se produz, sendo substituído por uma sequência diferente. A autora percebe a evocação, em certas análises, de cenas organizadas de acordo com os princípios da segunda fase descrita por Freud (a criança, simultaneamente protagonista e autora da fantasia, é espancada pelo pai) e que, por outro lado, não se enquadram no estatuto psíquico que lhe atribuem na teoria da neurose. Não são cenas recalcadas e, portanto, não seriam inconscientes no sentido clássico do termo. Dificilmente poderiam ser consideradas como um produto da análise. “Essas cenas se impõem imediatamente como situações reais, como obsessões conscientes ou mesmo, mais gravemente, como atos mais ou menos compulsivos” (Chabert, 2000Chabert, C. (2000). Les surprises du masochisme moral. Libres cahiers pour la psychanalyse, 1(1), 107-118., p. 114, tradução nossa).

Logo, a hipótese fundamental de Chabert (1999Chabert, C. (1999). Les fonctionnements limites: quelles limites? In J. André (Org.), Les états limites: nouveau paradigme pour la psychanalyse? (pp. 93-122). Paris: P.U.F. ) é a seguinte: em certos pacientes fronteiriços, a fantasia de espancamento é insuficientemente recalcada, reaparecendo sob a forma de repetição em situações masoquistas iterativas. Estas são regularmente colocadas em ato, por exemplo, nos transtornos graves de condutas alimentares e nos comportamentos autodestrutivos. O fronteiriço expressaria na realidade externa tendências severamente autopunitivas que envolveriam alguma forma de obtenção de prazer. Por meio de padecimentos corporais ou compulsivos, algo da ordem do desejo permaneceria excluído da rede associativa de representações. O sujeito padeceria assim a partir do próprio corpo ou de seus próprios atos (ou das consequências de seus atos), e não exatamente a partir de uma relação estabelecida com o outro, seja na realidade externa, seja na fantasia ou no pensamento.

Chabert (1999Chabert, C. (1999). Les fonctionnements limites: quelles limites? In J. André (Org.), Les états limites: nouveau paradigme pour la psychanalyse? (pp. 93-122). Paris: P.U.F. , 2014Chabert, C. (2014). Œdipe aux frontières. In V. Estellon (Org.), Actualité des états limites (pp. 91-107). Toulouse: ERES.) não perde de vista o fato de que a ideia de insuficiência do recalcamento teria sido desenvolvida por Freud justamente por intermédio do conceito de masoquismo moral. Neste, a relação com a sexualidade é aparentemente amainada, abrandecida (Freud, 1924/2007Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924).). Importa menos o objeto sexual e mais o sofrimento que é derivado de circunstâncias adversas. No entanto, a esfera libidinal é apenas aparentemente subtraída, pois continua a estar plenamente atuante na autopunição. Há uma “ressexualização” de vivências infantis: a tentação de cometer o “pecado” vem acompanhada da necessidade de punição, de uma expiação pelo Destino, este último possivelmente entendido como expressão maior e suprema de um poder parental (Freud, 1924/2007Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924).; Chabert, 1999Chabert, C. (1999). Les fonctionnements limites: quelles limites? In J. André (Org.), Les états limites: nouveau paradigme pour la psychanalyse? (pp. 93-122). Paris: P.U.F. ).

Se, em condições habituais, o complexo de Édipo sucumbe ao recalcamento, tornando-se peculiar agrupamento inconsciente de representações e desejos, no masoquismo moral esse processo é extensivamente precário. O sujeito atuaria na realidade externa aquilo que não foi passível de ser integrado na realidade interna, seja pelo trabalho representativo, seja pelo recalcamento (Klier, 2017Klier, N. (2017). Adicção sexual: um combate contra Eros? Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). Inscrevendo-se predominantemente fora do campo de uma culpabilidade inconsciente - que em estruturações neuróticas encontra vias discursivas, notadamente por meio do remorso -, no fronteiriço, essas forças punitivas têm muito mais a ver com um sistema no qual os interditos não são verdadeiramente interiorizados, a fragilidade dos diques psíquicos não autorizando o superego a se engajar em um processo civilizatório. Seria quase o reverso que se impõe, pois é a selvageria que se sobrepõe e inunda o superego (Chabert, 2014Chabert, C. (2014). Œdipe aux frontières. In V. Estellon (Org.), Actualité des états limites (pp. 91-107). Toulouse: ERES.; Freud, 1923/2007Freud, S. (2007). O Eu e o Id. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 13-92). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1923).).

O emaranhado de excitações que o Édipo falha em prover contenção invadiria precisamente o espaço psíquico, pois suas potenciais expressões são regidas por balizes fracas e flutuantes. A sobrecarga pulsional empurraria o sujeito às passagens ao ato, sendo poderosa em suas sanções: devido à valência incestuosa, a sexualidade tomaria outra direção, caótica e irrestrita, a violência se apoderando do psiquismo, colonizando o superego do mesmo modo que as outras instâncias. O sujeito tornar-se-ia ao mesmo tempo juiz e vítima de si próprio, no sentido de que não haveria referência interna consistente a um terceiro que interdita, agente instaurador da lei, vinculado à função paterna. Isso revela de modo exuberante o caráter perverso e atemporal da sexualidade infantil: o padecimento ou a dor que o sujeito sem perceber impõe a si próprio ao se “afirmar” como seu único mestre, onipotente e exibicionista (Chabert, 2014Chabert, C. (2014). Œdipe aux frontières. In V. Estellon (Org.), Actualité des états limites (pp. 91-107). Toulouse: ERES.).

Em situações psicopatológicas, grande parte da consciência moral, fruto do processo de interiorização da interdição, seria perdida em benefício do masoquismo moral que se desencadeia. É importante enfatizar, segundo Chabert (1999Chabert, C. (1999). Les fonctionnements limites: quelles limites? In J. André (Org.), Les états limites: nouveau paradigme pour la psychanalyse? (pp. 93-122). Paris: P.U.F. ), o caráter externo da moral e do superego no masoquismo em jogo que, evidentemente, se articula ao fracasso dos mecanismos de interiorização. Esse colapso repercute nas dificuldades de tratamento da ambivalência afetiva e de integração do ódio.

Na ausência de limites internos bem estabelecidos, o sujeito precisaria desesperadamente testar os limites da realidade externa, colocando-se em situações pelas quais dor e prazer sexual atingem intensidade máxima, a sexualidade assumindo mais do que nunca viés extremo, destrutivo e masoquista. Nesse contexto, a necessidade de punição, expressa em sucessivas atuações e não através de vias discursivas, vem, enfim, como um ponto de interrupção, coup d’arrêt, recurso extremo de freagem, cuja violência equivale à intensidade transbordante dos impulsos incestuosos (Chabert, 2014Chabert, C. (2014). Œdipe aux frontières. In V. Estellon (Org.), Actualité des états limites (pp. 91-107). Toulouse: ERES.). Inserindo-se repetidamente em circunstâncias penosas e possivelmente mortais, o sex-addict estaria, de certa forma, exercendo em ato uma tentativa de auto regulação, de restrição do gozo desenfreado.

Nessa conjuntura, já dizia Freud (1924/2007)Freud, S. (2007). O problema econômico do masoquismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 103-124). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1924). que, para conseguir o representante do casal parental que o castiga e o limita, o masoquista “deve fazer coisas inadequadas e trabalhar contra o seu próprio benefício, destruir as perspectivas que se lhe abrem no mundo real e eventualmente aniquilar a sua própria existência real” (p. 114). O masoquismo moral se apresentaria como notável testemunho da existência de uma fusão pulsional. Por um lado, sua periculosidade deriva da presença da pulsão de morte em sua origem, das parcelas que escaparam de ser direcionadas para fora e, por outro, representa também um componente erótico, o processo de autodestruição do sujeito estando inevitavelmente subjugado a uma satisfação libidinal.

Considerações finais

No que concerne à dimensão masoquista implicada na adicção sexual, não se trata de um padecimento advindo do objeto sexual, de um roteiro específico que envolva submissão a um outro no exercício do sexo, mas, sim, de uma “servidão” involuntária e asfixiante aos próprios imperativos da pulsão. O masoquismo moral seria o elo, a conjugação entre o prazer da descarga e os prejuízos psíquicos resultantes da aderência a um gozo avesso à domesticação. Uma via tortuosa de encaminhamento, de redirecionamento da força pulsional, confinada ao mecanismo elementar da compulsão à repetição, que não se elevaria ao estatuto de uma elaboração psíquica.

Não à toa, Chabert (2000Chabert, C. (2000). Les surprises du masochisme moral. Libres cahiers pour la psychanalyse, 1(1), 107-118.) questiona se o esforço sacrificial nas condutas autodestrutivas não caracterizaria a busca de uma proteção contra o objeto edípico - fonte simultaneamente de amor e ódio não integrados -, interpondo-se como um escudo para desviar movimentos pulsionais mortíferos. Os comportamentos próprios ao masoquismo moral equivaleriam a um movimento maciço de contrainvestimento de uma realidade demasiadamente excitante e perigosa.

Na adicção sexual, esse contrainvestimento defensivo se dá não apenas pelo apelo incessante ao sexo, como também por meio de progressiva adesão do sujeito a situações de risco extremo, causando séria ameaça à sua integridade física e psíquica (Klier, 2017Klier, N. (2017). Adicção sexual: um combate contra Eros? Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). O sex-addict, ao provocar, testar os limites e as convenções sociais, exteriorizaria na realidade externa aquilo que não foi passível de encontrar forma simbólica e figuração no âmbito interno. Seria justamente nesse registro do “extremo” que se tornaria evidente a dimensão do masoquismo moral nos quadros que estamos examinando.

Ao deparar com o branco, o vazio, o desespero e as graves consequências de seus atos, o sex-addict encontraria, de alguma forma, aquilo que tanto masoquistamente procura: uma referência mais consistente de interdição, um ponto de ancoragem em meio aos mares revoltos e selvagens da excitação. Ao buscar o sexo tóxico e descontrolado, ele paradoxalmente procuraria também um freio, um limite e uma punição potencialmente estruturantes.

A patologia se apresenta justamente nessa dinâmica atuada, infantil e onipotente, na qual o adicto, metaforicamente falando, bate continuamente a própria cabeça contra o muro, desconsiderando seus objetos sexuais e, em última instância, desconsiderando o outro, a alteridade e a autoridade. O masoquismo moral denota justamente essa estranha contingência do prazer sexual: seu alcance é irremediavelmente vinculado a um revés que, por sua vez, cumpre a função de salvaguarda narcísica dos desejos objetais mais primitivos e inomináveis.

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  • 1
    Pesquisa financiada pelo Programa Pós-Doutorado Nota 10 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (PDR Nota 10/Faperj). Processos nº E-26/202.405/2017 e nº E-26/202.406/2017.
  • 2
    Afiliada ao programa de tratamento internacional Sex and Love Addicts Anonymous.
  • 3
    Outra enfermaria especializada no tratamento desses casos é o Ambulatório de Impulso Sexual Excessivo e de Prevenção aos Desfechos Negativos Associados ao Comportamento Sexual (Aisep), parte integrante do Ambulatório dos Transtornos do Impulso (Pro-Amiti), situado no Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
  • 4
    Cabe observar que a recusa (Verleugnung) e a clivagem são dois mecanismos de defesa elementares e complementares propostos por Freud (1927/2007)Freud, S. (2007). O fetichismo. In Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. III, pp. 159-170). Rio de Janeiro, RJ: Imago . (Trabalho original publicado em 1927)., predominantemente em sua teorização sobre as perversões e a psicose. No entanto, no âmbito da psicanálise contemporânea, ambos os mecanismos servem como paradigmas para a investigação de outros sofrimentos não neuróticos (Estellon, 2014Estellon, V. (2014). Les sex-addicts. “Que sais-je?”. Paris: P.U.F. ). O primeiro deles se refere à recusa do indivíduo em reconhecer a realidade de uma percepção traumatizante. Nos estudos sobre o fetichismo, modelo privilegiado das perversões, o sujeito perpetuaria “uma atitude infantil ao fazer coexistirem duas posições inconciliáveis: a recusa e o reconhecimento da castração feminina” - protótipo de uma divisão no seio do ego (Laplanche & Pontalis, 1967/1982Laplanche, J. & Pontalis, J-.B. (1982). Vocabulário da psicanálise. São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1967)., p. 436). A recusa, portanto, institui uma clivagem do ego, promovendo a coexistência de duas atitudes contrárias e incongruentes nessa instância psíquica: uma que rejeita um dado perceptivo da realidade externa e outra que reconhece esse mesmo dado.
  • 5
    Ver nota anterior.
  • 6
    A temática da singularidade do complexo de Édipo nas determinações da adicção sexual foi explorada em maiores detalhes na tese de doutorado do primeiro autor deste artigo, intitulada Adicção sexual: um combate contra Eros? (Klier, 2017Klier, N. (2017). Adicção sexual: um combate contra Eros? Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.), realizada no programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob orientação da Prof.ª Dr.ª Marta Rezende Cardoso.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    12 Jun 2018
  • Aceito
    11 Dez 2018
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