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Resiliência familiar: percepção de familiares de dependentes de substâncias psicoativas* * Artigo extraído da dissertação de mestrado “Processo de enfrentamento e resiliência familiar: percepção da família de dependentes de álcool, crack e outras drogas”, apresentada à Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.

Resumos

Objetivo:

compreender a percepção dos familiares de dependentes de substâncias psicoativas sobre os elementos do funcionamento de sua família na resiliência familiar.

Método:

estudo de abordagem qualitativa, fundamentado no referencial teórico interpretativo de resiliência familiar na perspectiva sistêmica. Participaram onze familiares de dependentes de substâncias psicoativas de um Centro de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas, de uma cidade do interior paulista. Para a coleta de dados, utilizou-se entrevista semiestruturada, genograma e ecomapa. A análise dos dados baseou-se na técnica de Análise de Conteúdo, categoria temática.

Resultados:

a partir das entrevistas, foram formuladas três categorias temáticas: mobilização em busca de apoio e suporte social; perspectivas positivas que fortaleceriam a família, e comunicação assertiva. Essas categorias apontam referências à mobilização e união da família em busca de suporte social nos contextos intrafamiliar, de família ampliada e extrafamiliar e perspectivas positivas, como persistência, perseverança, esperança, fé e religiosidade.

Conclusão:

a situação de ter um dependente de substâncias psicoativas na família pareceu mobilizar dispositivos de enfrentamento e tentativa de superação por intermédio das forças de resiliência. Os resultados podem favorecer o raciocínio clínico cotidiano dos profissionais de saúde, ajudando-os no reconhecimento e na valorização dos atributos de resiliência identificados.

Descritores:
Resiliência Psicológica; Família; Relações Familiares; Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias; Adaptação Psicológica; Enfermagem Psiquiátrica


Objective:

to understand the perception of family members of psychoactive substance dependents on the elements of the functioning of their family in family resilience.

Method:

a qualitative approach study, based on the theoretical interpretive framework of family resilience from a systemic perspective. The participants were eleven family members of psychoactive substance dependents from a Psychosocial Care Center - Alcohol and Drugs, from a city in the state of São Paulo. For data collection, semi-structured interview, genogram and ecomap were used. Data analysis was based on the Content Analysis technique, thematic category.

Results:

from the interviews, three thematic categories were formulated: mobilization in search of support and social support; positive perspectives that would strengthen the family, and assertive communication. These categories point to references to the mobilization and unity of the family in search of social support in the intra-family, extended family and extra-family contexts and positive perspectives, such as persistence, perseverance, hope, faith and religiousness.

Conclusion:

the situation of having a psychoactive substance dependent in the family seemed to mobilize coping devices and attempts to overcome them through the resilience forces. The results may favor the daily clinical reasoning of the health professionals, helping them to recognize and value the identified resilience attributes.

Descriptors:
Psychological Resilience; Family; Family Relations; Substance-Related Disorders; Psychological Adaptation; Psychiatric Nursing


Objetivo:

comprender la percepción de los familiares de dependientes de sustancias psicoactivas sobre los elementos del funcionamiento de su familia en la resiliencia familiar.

Método:

estudio cualitativo, basado en el marco teórico de la resiliencia familiar en la perspectiva sistémica. Participaron once familiares de dependientes de sustancias psicoactivas de un Centro de Atención Psicosocial - Alcohol y Drogas, de una ciudad del interior de San Pablo. Para la recolección de datos se utilizaron entrevista semiestructurada, genograma y ecomapa. El análisis de datos se basó en la técnica de Análisis de Contenido, categoría temática.

Resultados:

a partir de las entrevistas, se formularon tres categorías temáticas: movilización en busca de apoyo y soporte social; perspectivas positivas que fortalezcan a la familia y comunicación asertiva. Estas categorías hacen referencia a la movilización y unidad de la familia en busca de apoyo social en los contextos intrafamiliares, la familia extendida y extrafamiliar y perspectivas positivas, como persistencia, perseverancia, esperanza, fe y religiosidad.

Conclusión:

tener un dependiente de sustancias psicoactivas en la familia pareció movilizar dispositivos para afrontar e intentar de superar la situación a través de la fuerza de la resiliencia. Los resultados pueden favorecer el razonamiento clínico diario de los profesionales de la salud, ayudándoles a reconocer y valorar los atributos de resiliencia identificados.

Descriptores:
Resiliencia Psicológica; Familia; Relaciones Familiares; Trastornos Relacionados con Sustancias; Adaptación Psicológica; Enfermería Psiquiátrica


Introdução

O consumo de substâncias psicoativas (SPA) costuma repercutir negativamente em vários aspectos da vida da pessoa dependente e de sua família – são comuns, por exemplo, conflitos familiares, violência doméstica e alterações nas relações interpessoais(11 Rodrigues TFCS, Sanches RCN, Oliveira MLF, Pinho LB, Radovanovic CAT. Feelings of families regarding drug dependence: in the light of comprehensive sociology. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 5):2272-9. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0150
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-22 Rodrigues TFCS, Sanches RCN, Rêgo AS, Decesaro MN, Radovanovic CAT. Conflicting daily life of families experiencing drug use. Rev Rene. 2019;20:e41002. doi: http://dx.doi.org/10.15253/2175-6783.20192041002
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).

Os estudos nacionais e internacionais sobre família e dependência de SPA costumam abordar a família como um fator ou cenário de risco, predominando, portanto, uma visão negativa voltada para as disfuncionalidades das relações em família(22 Rodrigues TFCS, Sanches RCN, Rêgo AS, Decesaro MN, Radovanovic CAT. Conflicting daily life of families experiencing drug use. Rev Rene. 2019;20:e41002. doi: http://dx.doi.org/10.15253/2175-6783.20192041002
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-33 McCann TV, Polacsek M, Lubman DI. Experiences of family members supporting a relative with substance use problems: a qualitative study. Scand J Caring Sci. 2019;33(4):902-11. doi: 10.1111/scs.12688
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).

No entanto, aspectos funcionais das dinâmicas familiares têm sido evidenciados no contexto da dependência de SPA(44 Zerbetto SR, Galera SAF, Ruiz BO. Family resilience and chemical dependency: perception of mental health professionals. Rev Bras Enferm. 2017;70(6):1184-90. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0476
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-55 Claus MIS, Zerbetto SR, Gonçalves AMS, Galon T, Andrade LGZ, Oliveira FC. The family strengths in the context of psychoactive substance dependence. Esc Anna Nery. 2018;22(4):e20180180. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0180
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). Nesta visão, ela é construída, desenvolvida e vivida em contexto relacional e de experiência ao longo da vida. Desta maneira, a resiliência familiar, percebida na unidade familiar e em sua funcionalidade, considera o modo deste grupo enfrentar e lidar com situações adversas, de se reorganizar de modo eficaz e de superar tais dificuldades(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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).

Estudos internacionais sobre resiliência familiar salientam que as famílias que vivenciam situações de sofrimento psíquico reorganizam seus padrões funcionais ao estabelecer rotinas diárias, ao promover eventos regulares que minimizam ou aliviam situações estressantes(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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), ao proporcionar conexões intra e extrafamiliares(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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) e ao buscar recursos de apoio e suporte social intrafamiliar e extrafamiliar(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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-77 McCann TV, Lubman DI. Adaptive coping strategies of affected family members of a relative with substance misuse: a qualitative study. J Adv Nurs. 2018;74:100-9. doi: 10.1111/jan.13405
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). No Brasil, há poucos estudos sobre a temática de resiliência familiar(88 Medeiros APG, Carvalho MAP, Medeiros JRA, Dantas GD, Nascimento AQIC, Pimentel ERS, et al. Resilient characteristics of families in dealing with psychic suffering. Rev Enferm UFPE On Line. 2019;13:e236727. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.236727
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), e, no âmbito da saúde mental, o foco envolve características e fatores de resiliência individuais dos familiares, que podem influenciar outro membro da família(88 Medeiros APG, Carvalho MAP, Medeiros JRA, Dantas GD, Nascimento AQIC, Pimentel ERS, et al. Resilient characteristics of families in dealing with psychic suffering. Rev Enferm UFPE On Line. 2019;13:e236727. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.236727
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).

Estudos nacionais sobre resiliência e consumo de SPA envolvem métodos quantitativos, com aplicação de escalas com dimensões de funcionamento familiar para investigar a relação entre resiliência familiar e problemas advindos das famílias consumidoras de álcool e de outras substâncias(99 Payá R, Pillon S, Figlie NB. A pathway for families to cope with substance misuse in a Brazilian context. Ment Health Addict Res. [Internet]. 2016; [cited 31 Jul, 2018];1(4):1-6. Available from: http://www.oatext.com/pdf/MHAR-1-121.pdf
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), bem como validar escala que envolve dimensões de funcionamento familiar e resiliência(1010 Payá R, Pillon S, Figlie NB. Measuring resilience in Brazilian families with substance abuse problems resilience in families with substance abuse. J Addict Depend. [Internet]. 2017; [cited Jul 31, 2018];3(1):1-7. Available from: https://pdfs.semanticscholar.org/dc9c/f594da72c63b730ca160467e3f627235090a.pdf?_ga=2.114808964.283838325.1559511009-2034033127.1558275187
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). Ambos os estudos apontam o reconhecimento da resiliência como fator protetor para familiares que vivenciam problemas com SPA(99 Payá R, Pillon S, Figlie NB. A pathway for families to cope with substance misuse in a Brazilian context. Ment Health Addict Res. [Internet]. 2016; [cited 31 Jul, 2018];1(4):1-6. Available from: http://www.oatext.com/pdf/MHAR-1-121.pdf
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-1010 Payá R, Pillon S, Figlie NB. Measuring resilience in Brazilian families with substance abuse problems resilience in families with substance abuse. J Addict Depend. [Internet]. 2017; [cited Jul 31, 2018];3(1):1-7. Available from: https://pdfs.semanticscholar.org/dc9c/f594da72c63b730ca160467e3f627235090a.pdf?_ga=2.114808964.283838325.1559511009-2034033127.1558275187
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). Tais estudos salientam que vivenciar situações de alta vulnerabilidade pode despertar aspectos positivos individuais que auxiliam a pessoa a enfrentar e superar as adversidades(99 Payá R, Pillon S, Figlie NB. A pathway for families to cope with substance misuse in a Brazilian context. Ment Health Addict Res. [Internet]. 2016; [cited 31 Jul, 2018];1(4):1-6. Available from: http://www.oatext.com/pdf/MHAR-1-121.pdf
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-1010 Payá R, Pillon S, Figlie NB. Measuring resilience in Brazilian families with substance abuse problems resilience in families with substance abuse. J Addict Depend. [Internet]. 2017; [cited Jul 31, 2018];3(1):1-7. Available from: https://pdfs.semanticscholar.org/dc9c/f594da72c63b730ca160467e3f627235090a.pdf?_ga=2.114808964.283838325.1559511009-2034033127.1558275187
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).

Assim, no ano de 2013, a Organização Mundial da Saúde elaborou o Plano Global de Saúde Mental - 2013-2020, salientando que a saúde mental de uma população requer que as pessoas reconheçam seu potencial para lidar com os conflitos e tensões da vida. Portanto, investir em estudos que compreendam as situações adversas vivenciadas pelos membros familiares do dependente de SPA pode ser útil para implementar estratégias de promoção à saúde mental que incluem a família.

Apreender o processo de resiliência da família, a partir da perspectiva do familiar, contribuirá para aprofundar o conhecimento sobre o conceito de resiliência e sua aplicabilidade para a prática da enfermagem. Compreende-se que tal prática consiste no planejamento de ações estratégicas de cuidado de enfermagem junto às famílias, instrumentalizando-as para desenvolverem e fortalecerem sua resiliência, habilitando-as a responderem como unidade funcional.

Diante do exposto, as perguntas que nortearam a presente pesquisa foram: como os membros familiares dos dependentes de SPA têm enfrentado e superado esta problemática? Que estratégias de enfrentamento são utilizadas por esses membros e reconhecidas por eles como os mantendo em resiliência? Quais elementos do funcionamento familiar contribuem para o processo de resiliência familiar, na perspectiva dos familiares? Quais as forças reconhecidas por estes membros que provocam mudanças positivas no funcionamento de sua família?

O objetivo consistiu em compreender a percepção dos familiares de dependentes de substâncias psicoativas sobre os elementos do funcionamento de sua família na resiliência familiar.

Método

Estudo de abordagem qualitativa realizado com familiares de dependentes de SPA atendidos em um Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS-AD) de uma cidade do interior paulista, Brasil. Neste estudo, adotou-se o conceito de resiliência familiar de Walsh(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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), o qual valoriza o modo como o sistema familiar enfrenta as experiências adversas e desafiadoras, se reorganiza eficientemente e as supera, ressoando tais impactos em toda a família e em suas relações(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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).

Os elementos constituintes do conceito de resiliência familiar envolvem o sistema de crenças, os padrões organizacionais e os processos de comunicação. As crenças relacionam-se às percepções e compreensão do mundo pela família. A unidade familiar pode extrair significados positivos de uma situação adversa para enfrentá-la e superá-la, por intermédio de atitudes de perseverança e esperança, de modo a identificar suas forças e seu potencial para resolver os problemas(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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). A família também pode recorrer aos seus recursos religiosos e espirituais, tais como a fé, meditação e práticas religiosas, bem como aprendizados da adversidade, os quais constituem em fontes importantes de resiliência(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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).

A organização familiar é compreendida pelo padrão organizativo que promove relacionamento eficaz. O fortalecimento da resiliência decorre de estrutura funcional flexível da família, em que ocorre a conexão, cooperação e apoio entre os familiares e a descoberta e mobilização de seus recursos sociais, econômicos e laborais(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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).

O processo comunicativo consiste em maneiras de comunicação que facilitam o funcionamento da família(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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), as quais devem ser claras, esclarecedoras, que possibilitem expressar abertamente as emoções e compartilhar sentimentos, com o objetivo de decidir e resolver os conflitos coletivamente(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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).

Participaram do estudo onze familiares de dependentes de SPA indicados pela equipe de saúde do CAPS AD: uma irmã, um cunhado, uma avó, quatro mães e quatro pais.

Os critérios de inclusão foram: ser familiar de um dependente de SPA com mais de 18 anos de idade; participar de grupos de família ou de atendimento individual com profissionais de saúde do serviço, considerando serem estes indicativos para resiliência, e conviver com o usuário pelo menos duas vezes por semana. Os critérios de exclusão foram: familiar que apresentasse sinais de intoxicação por SPA no dia da entrevista.

A amostragem foi intencional e o fechamento amostral se deu por exaustão, ou seja, foram entrevistadas todas as famílias disponíveis e elegíveis, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão(1111 Fontanella BJB, Luchesi BM, Saidel MGB, Ricas J, Turato ER, Melo DG. Sampling in qualitative research: a proposal for procedures to detect theoretical saturation. Cad Saúde Pública. 2011;27(2):388-94. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2011000200020
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).

O agendamento do encontro se deu por meio telefônico, constituindo-se em um encontro com cada família. As entrevistas foram realizadas no CAPS-AD ou no domicílio da família, no período de junho a novembro de 2016, com tempo médio de 1 hora e 30 minutos, conduzidas por duas pesquisadoras sendo, a primeira autora, mestranda, e segunda autora, doutora e docente na universidade.

Realizou-se uma entrevista semiestruturada, com a utilização do genograma e ecomapa(1212 Libbon R., Triana J, Heru A, Berman E. Family Skills for the Resident Toolbox: the 10-min Genogram, Ecomap, and Prescribing Homework. Acad Psychiatry. 2019;43:435-9. doi: https://doi.org/10.1007/s40596-019-01054-6.
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) para abordagem inicial dos entrevistados, com o objetivo de facilitar a interação e acolhida da família. Tais instrumentos foram construídos manualmente durante a entrevista e validados junto às famílias, sendo que possibilitaram compreender a configuração familiar, os padrões organizacionais e relacionais no funcionamento familiar considerado positivo e flexível, destacando-se os processos fundamentais para a resiliência relacional, bem como a rede de suporte social. A seguir, buscou-se realizar a caracterização sociodemográfica dos participantes e introduzir a questão norteadora: “Conte-me como a sua família tem vivido, enfrentado e superado o problema das drogas”, a partir da qual a expressão dos pensamentos do(a) participante foi estimulada.

As entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas de acordo com a técnica de análise de conteúdo, categoria temática(1313 Belotto MJ. Data Analysis Methods for Qualitative Research: Managing the Challenges of Coding, Interrater Reliability, and Thematic Analysis. Qualitative Report. [Internet]. 2018 [cited Set 20, 2020];11;23(11):2622-33. Available from: https://nsuworks.nova.edu/tqr/vol23/iss11/2/
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). O processo de análise foi realizado por duas pesquisadoras de maneira independente, as quais se reuniram posteriormente, para rever, decidir, validar e chegar ao consenso sobre os relatos com os significados dos temas e categorias. O processo consistiu em: leitura atenta aos detalhes de cada entrevista, identificando e codificando frases/parágrafos relevantes que apontassem as percepções da família sobre a situação vivenciada, as estratégias de enfrentamento e superação para as adversidades, as forças positivas utilizadas na organização e funcionamento da família. Foram elaboradas planilhas para cada família em arquivo formato Microsoft Word, contendo apontamentos que indicassem temas emergentes e seus respectivos relatos ilustrativos. Após, as pesquisadoras leram todas as planilhas e buscaram agrupar e reagrupar os temas e os relatos de todas as entrevistas, os quais foram se constituindo em núcleos de sentido (considerando tanto a frequência de ocorrências quanto a inferência de sua importância para os entrevistados). Posteriormente, a classificação dos temas possibilitou a formulação de categorias temáticas(1313 Belotto MJ. Data Analysis Methods for Qualitative Research: Managing the Challenges of Coding, Interrater Reliability, and Thematic Analysis. Qualitative Report. [Internet]. 2018 [cited Set 20, 2020];11;23(11):2622-33. Available from: https://nsuworks.nova.edu/tqr/vol23/iss11/2/
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). Deste processo, foram constituídas três categorias temáticas, comentadas na seção seguinte deste artigo, as quais foram interpretadas por meio dos elementos presentes no funcionamento de famílias, que auxiliam na resiliência familiar, segundo o modelo de Walsh(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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), padrões organizacionais, sistemas de crenças e padrões de comunicação.

Os trechos que ilustram os relatos dos participantes foram identificados de acordo com a seguinte convenção: F(número da família) e uma letra adicional identificando o parentesco (sendo M=mãe, P=pai, I=irmã ou irmão, C=cunhado). Dessa maneira, o código F5-M significa a entrevista com a família 5, tendo sido entrevistada a mãe do usuário com dependência de SPA.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, pelo parecer de número 1.302.491 em 29/10/2015. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido após esclarecimentos dos objetivos e técnica de coleta de dados.

Resultados

Em relação à caracterização dos familiares, o grau de parentesco com o dependente de SPA consistiu em uma irmã, um cunhado, uma avó, quatro mães e quatro pais, sendo a faixa etária entre 45 e 97 anos. Entre as famílias, quatro são de configuração nuclear. Quanto à religião, houve unanimidade de cristãos, sendo uma família evangélica praticante, enquanto as outras são católicas também praticantes.

Foram formuladas três categorias temáticas que descrevem aspectos da percepção dos familiares de dependentes de SPA sobre o que consideram ser ou acontecer no funcionamento de sua família e que as auxiliam naquilo que a teoria chama de resiliência familiar: a) mobilização em busca de apoio e suporte social; b) perspectivas positivas que fortaleceriam a família e c) comunicação assertiva.

Na primeira categoria, mobilização da família na busca de apoio e suporte social, a resiliência familiar consistiu em mobilização de recursos emocionais, afetivos, informacionais, institucionais, econômicos e sociais pelas famílias, para enfrentarem e superarem os desafios vivenciados, tanto no ambiente intrafamiliar e família ampliada, quanto no meio extrafamiliar. No tocante ao ambiente intrafamiliar e da família ampliada, houve modificação de rotinas, com participação em grupos de mútua ajuda e em grupos de familiares no CAPS AD, para auxiliarem no tratamento de seu parente e os ajudarem na convivência com ele.

Eu fui ontem, no Amor Exigente, né? Fui com a esposa dele [dependente] porque, como ela está trabalhando, ela vai precisar frequentar as reuniões à noite. Então nós fomos lá [grupo de mútua ajuda], mas normalmente nós estamos vindo no CAPS, desde quando ele se internou. (E1F1-I)

Como demonstração de preocupação e cuidado, alguns familiares abdicaram de um emprego para acompanhar o parente dependente no tratamento.

Então nós [casal] abrimos mão de tudo [...]. Que eu abri mão de outro salário, de outro emprego que eu tinha, para eu me dedicar exclusivamente ao tratamento dela [dependente]. (E1F2-P)

A união e o senso de conexão familiar também foram comentados. Fortalecer vínculos afetivos, estabelecer alianças positivas e valorizar sentimento de amor entre os membros da família deram forças à unidade familiar, aparentemente auxiliando no processo de superação da crise.

A gente [marido e mulher] é super unido. [...] Estamos juntos até hoje (Risos). A gente se apoia muito um no outro. [...] Na hora da dificuldade, então nós ficamos muito mais unidos do que a gente já era. (E1F3-M)

As situações desafiadoras vivenciadas pelos familiares propiciaram-lhes refletir acerca de seu relacionamento, mudando o comportamento e fortalecendo o vínculo do casal para enfrentar a situação de crise.

A gente [casal] era pouco de dialogar, de estar presente, agora a gente está mais presente, mais junto [...]. A gente percebeu que precisava de mais união para superar isso, e acreditar na força para superar e para seguir em frente e forte. E olhamos para trás e vimos que a gente estava bastante desunido, longe um do outro, o diálogo era pouco. [...] Nós temos nos sentindo bem melhor, porque a união, como diz aquele ditado ”a união faz a força”; então a gente se unindo se sente mais forte para enfrentar. (E1F5-P)

Um sentimento amoroso, expresso e compartilhado entre os familiares, foi alegado como motivo de não desistência diante da adversidade.

E o amor, né? Que a gente tem com a família, pelo filho, o amor que tem um com o outro [...]. A gente tem que ter amor também, porque senão, não dá. (E1F5-M)

Foi reconhecida a relevância de investir tempo em atividades de entretenimento e lazer em conjunto para fortalecer vínculo e laços afetivos entre os membros familiares, promovendo momentos de humor, distração, alívio de tensão, relaxamento e desabafos, bem como relembrar momentos significativos da vida.

Às vezes, a gente [casal] fala: “vamos tomar um café da tarde junto‟. E ele [irmão da entrevistada] também vem, ele passa. Então a gente é, entre irmão, muito unido. Esse momento de café da tarde, a gente esquece de tudo, né? A gente começa a rir, contar histórias, a gente relaxa. [...] A gente conversa, ri, conta piada, né? [...] Tanto a família minha, quanto a família dele é igual. [...] Faz o café da tarde. A gente tem os mesmos costumes. (E1F3-M)

Quanto às dificuldades econômicas, buscou-se apoio financeiro de membros familiares ou recorreram a outro emprego, reorganizando-se em seus horários.

É, dificuldade [...]. Para você manter alguém na clínica, não é barato. A esposa [do dependente] ficou meio que na mão. Ela tem, trabalho ela tem, mas ela está sozinha, então ela teve que arrumar outro trabalho para agregar esse, conciliar, colocar a filha na escola o dia todo para poder ter meio período de muito trabalho e conciliar com o banho e tosa, e a gente dando suporte, tanto na medida do possível psicológico, quanto financeiro. Agora está se normalizando. (E1F1-I)

Por fim, recorreu-se ao apoio emocional de outros membros familiares, por meio da escuta e conselhos.

Emocional. [...] a gente é de família, a gente se sente mais à vontade para falar, né? Você sente segurança em falar para um irmão ou com uma pessoa mais chegada da gente, né? É difícil se abrir com uma pessoa de fora, você não fala, né? A gente fala, eles aconselham, né? Dá aquele apoio para gente, e tudo vai dar certo. A gente fica mais aliviado, né? (E1F3-M)

Quanto ao apoio extrafamiliar, houve busca por recursos da comunidade (clínicas de recuperação, internações particulares ou mediadas pelo CAPS-AD, defensoria pública e grupos de mútua ajuda – Amor Exigente e Narcóticos Anônimos), profissionais de saúde e parentes ou amigos da família. Isso parece ter auxiliado na compreensão da situação, trazendo novos significados.

Então, nós procuramos uma clínica de reabilitação e ele foi internado. (E1F1-I)

A gente [casal] vai começar no Amor Exigente também, eu e ela, e ela [dependente] está louca para ir no NA [Narcóticos Anônimos]. (E1F2-P)

O CAPS-AD, por intermédio de seus profissionais e grupo de família, foi reconhecido como apoio institucional, informacional e emocional para o manejo de situação de crise, sendo esse ambiente um espaço referido como de aprendizado e acolhimento.

Então, primeiro o CAPS-AD aqui, né? Que eles [profissionais] me ajudam muito, o grupo de família tem me ajudado muito. [...] eu gosto de participar. [...] A gente aprendeu, aprende muita coisa, como lidar com ele [dependente]. [...] quando a gente vem no grupo de família, a gente sai daqui renovada, se sente muito melhor sabe, a gente sente força para continuar enfrentando, a pessoa, o doente [...] então eu me sinto assim forte, fortalecida para poder enfrentar ele em casa [...] eu saio daqui mais tranquila, mais calma. (E1F4-M)

Outra fonte de apoio emocional se referiu aos amigos, sejam em atenção, cuidado espiritual, palavras de conforto e incentivo.

A gente [casal] busca força [...] nas pessoas que estão ali junto com a gente sempre dando apoio, sempre tem uma palavra que uma pessoa fala, já te põe ali em cima, né, ajuda, porque se você pega sozinho, você cai ali embaixo. [...] palavra de conforto, está ali sempre junto te perguntando como que está. Então quando a pessoa te dá uma força, te dá um abraço, te dá uma palavra amiga, te conforta um pouco, te conforta. (E1F5-M)

Na segunda categoria, ou seja, a resiliência familiar envolvendo perspectivas positivas que fortalecem a família foi relatada crenças que teriam auxiliado na resiliência, como a importância da manutenção da persistência e da perseverança.

Que a gente [casal] tem que lutar, não pode desistir, né? A gente tem que ir até o final, como eles [profissionais] falam [...]. Então a gente tem aquele apoio, sente aquela força de lutar, não desistir né? (E1F3-M)

Embora tenham sido expostos sentimentos e emoções negativos, foram relatados fé e esperança de que o familiar dependente se recuperasse, não retornasse ao consumo da substância e retomasse antigos hábitos e comportamentos saudáveis.

Tem que ter fé, né, porque se não, a gente não aguenta. Parece que a gente vai criando força na vida cada dia mais, e vai levando. A gente não pode perder a fé, não pode perder a esperança, não pode perder o amor, não pode perder a paciência, tem que estar sempre ali. (E1F5-M)

Então, tudo vai dar certo, que a gente acha que quando ele sair de lá [clínica], vai ser tudo diferente. [...] Essa esperança a gente tem, né? [...] Esperança que não vai mais usar droga. Que vai voltar a trabalhar, estudar, né? (E1F3-M)

Pareceu importante, para alguns, o apego à religiosidade e às práticas religiosas para adquirir força e coragem no manejo da situação adversa e desafiadora das SPA, relatada como uma das estratégias de apoio espiritual e emocional, reconhecendo-a como fonte motivadora para viver e continuar no tratamento.

Eu acho que se não fosse Ele, a gente não teria força de estar aqui hoje né? Para nós foi muito difícil. E a gente põe o joelho no chão e reza, e pede e ora e faz, né? Para Deus ajudar, para Deus pôr a mão, que tudo mude, né? Que mude a cabeça dele, né? (E1F3-M)

Na percepção dos familiares, a oração individual ou em conjunto foi valorizada:

A oração está para fortalecer e pedir mais ajuda para gente estar firme, para seguir em frente. (E1F5-P)

Quanto à terceira categoria, isto é, a resiliência familiar envolvendo comunicação assertiva, reconheceu-se que a dificuldade pela qual os familiares passam resgatou o diálogo entre os casais, sendo o desenvolvimento da “paciência” um aparente facilitador para união, à medida que possibilitaria avaliação e reflexão do que lhes ocorre, para “tolerar” e “perdoar”.

Um pouco do diálogo, que antigamente quase não tinha. [...] Entre eu e ele [casal]. (E1F2-M)

Paciência [...]. A paciência é um combustível muito grande para união. Quem não tem paciência, não segue em frente. A paciência faz você dar um tempo para você analisar o fato. Se tudo for explodindo de imediato você não tem, você não tem paciência, aí você não tem tempo para analisar o fato: se eu estou certo, se eu estou errado, se eu devo tolerar, se ela [esposa] não tolerou, mas eu vou perdoar, mais tarde a gente fala sobre isso. (E1F5-P)

Percebeu-se, por exemplo, a necessidade de monitorar o tom de voz, para que houvesse compreensão mútua e apoio.

Ele [esposo] é um exemplo dentro de casa, nunca me falta nada, né? Tenho sempre o apoio dele em tudo. Só que, às vezes, eu fico meio nervosa né? E, às vezes, falo um pouquinho alto com ele, ele fica nervoso, fala alto comigo. Aí eu falo: “nós estamos gritando um com o outro”. Falei: “não pode”. A gente procura se corrigir [...] não fica de cara virada para o outro, não fica de briga, de mal um com o outro, nós estamos sempre assim, um se apoiando no outro. (E1F4-M)

“Manter a calma” também foi uma estratégia mencionada, permitindo dialogar e buscar soluções para os problemas, evitando conflitos e agressões.

Porque a gente [casal] consegue dialogar, consegue conversar. Se um altera o outro já fala para abaixar a bola, vamos conversar, falar do assunto, buscar uma forma para resolver esse assunto, a pessoa sugere a fórmula e o outro analisa e acata. É impor uma conversa mais esticada, com calma, com diálogo mais tranquilo. Mãe fica mais brava e logo no início já altera e o pai não, pai já vai com outras palavras, mais com calma, buscando explicações, mais aprofundadas, sem se deixar alterar. Porque quando um altera, o outro se sente também agredido e ele também altera. (E1F5-P)

Discussão

De modo geral, a literatura salienta a predominância da figura feminina no acompanhamento do tratamento de dependentes de SPA, principalmente mães, esposas e avós(1414 Orford J, Padin MFR, Canfield M, Sakiyama HMT, Laranjeira R, Mitsuhiro SS. The burden experienced by Brazilian family members affected by their relatives'alcohol or drug misuse. Drugs (Abingdon, England). 2019;26(2):157-65. doi: https://doi.org/10.1080/09687637.2017.13935000
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). Entretanto, os dados do presente estudo advêm de uma amostra que, embora numericamente pequena, foi composta de um número muito próximo de homens e mulheres (cinco e seis, respectivamente), portanto, apresenta equilíbrio do ponto de vista de familiares na perspectiva de gênero.

No referente à primeira categoria, observou-se que as famílias participantes efetivamente e espontaneamente se mobilizaram em busca de apoio e suporte social, reorganizando-se para o enfrentamento das adversidades, como ocorre em outros contextos já pesquisados(77 McCann TV, Lubman DI. Adaptive coping strategies of affected family members of a relative with substance misuse: a qualitative study. J Adv Nurs. 2018;74:100-9. doi: 10.1111/jan.13405
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,1515 Pompeo DA, Carvalho A, Olive AM, Souza MGG, Galera SAF. Strategies for coping with family members of patients with mental disorders. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2016;24:e2799. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1311.2799
http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1311...
-1616 Bekhet AK, Avery JS. Resilience from the perspectives of caregivers of persons with dementia. Arch Psychiatr Nurs. 2018;32(1):19-23. doi: https://doi.org/10.1016/j.apnu.2017.09.008
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).

A necessidade de mudança da rotina das famílias para acompanhar o tratamento do seu membro adoecido mostra a presença de um dos atributos da resiliência familiar para resolver problemas, pois requereu novo padrão de funcionamento para atender às novas necessidades familiares, corroborando literatura(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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). De acordo com o referencial sistêmico de resiliência familiar, ao lidar com uma situação adversa, a família pode mobilizar recursos e se reorganizar, adequando-se às novas exigências derivadas das condições de vida que foram alteradas. A unidade familiar busca reorganizar-se de maneira simultaneamente flexível e estável, para preservar seu bom funcionamento(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
https://doi.org/10.1111/famp.12260...
).

Os resultados deste estudo apontaram para a busca de um equilíbrio funcional familiar na dimensão laboral, quando um familiar precisou abdicar do emprego para cuidar do parente dependente. A literatura salienta que os atributos da resiliência familiar envolvem reorganização de condições de vida e muitas vezes abandonar os desejos pessoais ou outras necessidades para se adequar a novas demandas, com equilíbrio entre o cotidiano laboral e doméstico(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
https://doi.org/10.1111/famp.12260...
). Entretanto, os problemas vivenciados no ambiente familiar também podem decorrer de contextos sociais e econômicos específicos, parecendo ser importante que os profissionais de saúde considerem essas dimensões mais amplas que podem impactar o processo de resiliência familiar. Um estudo salientou a necessidade dos serviços criarem estratégias que facilitem a participação dos familiares no tratamento de seu parente, ao mesmo tempo evitando a interrupção da rotina laboral e de entretenimento(1717 Duarte MLC, Pereira LP, Carvalho J, Olschowsky A. Evaluation of families of crack users in relation to support groups. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 5):2184-90. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0808
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).

Na visão dos participantes deste estudo, a coesão e a conexão afetiva e emocional entre os membros da família os fortalecem para enfrentar e superar situações de crise, tendo mantido, em suas avaliações, algum equilíbrio da unidade familiar. Os membros familiares entrevistados, de fato, deram a entender sentirem-se unidos em momentos de crise, respeitando as diferenças existentes entre eles(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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). O senso de conexão permite à família trabalhar em equipe(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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), estabelecer alianças flexíveis, rever papéis individuais e responsabilidades, bem como alcançar metas(44 Zerbetto SR, Galera SAF, Ruiz BO. Family resilience and chemical dependency: perception of mental health professionals. Rev Bras Enferm. 2017;70(6):1184-90. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0476
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). A resiliência familiar é fortalecida quando os membros familiares se apoiam mutuamente, colaboram e se comprometem no processo de enfrentamento da crise(55 Claus MIS, Zerbetto SR, Gonçalves AMS, Galon T, Andrade LGZ, Oliveira FC. The family strengths in the context of psychoactive substance dependence. Esc Anna Nery. 2018;22(4):e20180180. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0180
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-66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
https://doi.org/10.1111/famp.12260...
).

Os participantes expressaram sentir o grupo familiar fortalecido ao vivenciarem o sentimento de amor permeando suas relações. Nesse mesmo sentido, um estudo fenomenológico sobre o significado da convivência diária da família com um membro dependente de crack salientou que, apesar da sobrecarga emocional e física que a família vivencia, ela consegue manifestar sentimentos de amor(55 Claus MIS, Zerbetto SR, Gonçalves AMS, Galon T, Andrade LGZ, Oliveira FC. The family strengths in the context of psychoactive substance dependence. Esc Anna Nery. 2018;22(4):e20180180. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0180
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). Tolerância amorosa e apoio mútuo pareceram estar presentes nas falas dos participantes, mesmo quando vivenciam possíveis contradições (na fala de F5-M, por exemplo, “a gente tem que ter amor”, parece haver uma tensão entre um sentimento imanente ao participante e uma fala que carrega certa formalidade).

Nas entrevistas houve menções à promoção de tempo de convivência intrafamiliar e na família ampliada, que teriam proporcionado momentos de lazer e distração. A literatura aponta que a resiliência familiar se beneficia de tais estratégias, as quais favorecem a conexão e a coesão da família(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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). Dessa maneira, a família tenderia a apresentar melhor funcionamento ao equilibrar a proximidade e a tolerância às diferenças(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
https://doi.org/10.1111/famp.12260...
). Tanto no ambiente intrafamiliar como da família ampliada, os momentos de bom humor e distração parecem ter sido vistos pelos participantes como fatores que minimizam situações angustiantes, possivelmente aliviam sobrecargas emocionais(55 Claus MIS, Zerbetto SR, Gonçalves AMS, Galon T, Andrade LGZ, Oliveira FC. The family strengths in the context of psychoactive substance dependence. Esc Anna Nery. 2018;22(4):e20180180. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0180
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-66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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), favorecem a expressão de emoções e sentimentos relacionados à situação adversa, algo mais difícil de ocorrer em outros contextos(55 Claus MIS, Zerbetto SR, Gonçalves AMS, Galon T, Andrade LGZ, Oliveira FC. The family strengths in the context of psychoactive substance dependence. Esc Anna Nery. 2018;22(4):e20180180. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0180
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).

Outro atributo de resiliência familiar identificado pelos familiares deste estudo consistiu no apoio e suporte extrafamiliar, envolvendo recursos comunitários e da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que os auxiliaram no enfrentamento da crise e obtenção de apoio informacional, emocional e instrumental. De fato, o bem estar e resiliência da família em contextos de adversidades dependem do acesso a dispositivos e recursos formais e informais de suporte(77 McCann TV, Lubman DI. Adaptive coping strategies of affected family members of a relative with substance misuse: a qualitative study. J Adv Nurs. 2018;74:100-9. doi: 10.1111/jan.13405
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) e, no sentido oposto, de esses dispositivos se transformarem e se adaptarem às necessidades familiares(77 McCann TV, Lubman DI. Adaptive coping strategies of affected family members of a relative with substance misuse: a qualitative study. J Adv Nurs. 2018;74:100-9. doi: 10.1111/jan.13405
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). O CAPS-AD e seus profissionais de saúde parecem ter consistido em fontes de apoio informacional e emocional relevantes aos entrevistados, particularmente os grupos de família. Infere-se que essas famílias puderam reconhecer tal relevância, porque, provavelmente, tais serviços possibilitaram o acesso e se adaptaram às demandas familiares. Tais grupos consistiram, a julgar pelos relatos, em espaço de acolhimento, escuta e partilha de experiências; sendo sentidos como promotores de ajuda mútua, de aprendizado, de reelaboração de estratégias de enfrentamento, de segurança e de conforto. Assim, o grupo de família pareceu fortalecer a resiliência familiar, considerando que as atividades grupais costumam ser reconhecidas como fonte de apoio emocional aos familiares(1818 Silva MP, Oliveira Netto AM, Silva PA, Algeri S, Flores Soares MC. Family orientation group as a strategy for care in chemical codependency. Invest Educ Enferm. 2019;37(3). doi: 10.17533/udea.iee.v37n3e08
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), pois as demandas do grupo tenderiam a ser compreendidas e acolhidas sem julgamentos(1717 Duarte MLC, Pereira LP, Carvalho J, Olschowsky A. Evaluation of families of crack users in relation to support groups. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 5):2184-90. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0808
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).

Os Grupos podem criar e fortalecer vínculos entre as famílias(11 Rodrigues TFCS, Sanches RCN, Oliveira MLF, Pinho LB, Radovanovic CAT. Feelings of families regarding drug dependence: in the light of comprehensive sociology. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 5):2272-9. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0150
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,1717 Duarte MLC, Pereira LP, Carvalho J, Olschowsky A. Evaluation of families of crack users in relation to support groups. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 5):2184-90. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0808
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) e facilitar a mudança de comportamentos por meio do desenvolvimento da paciência, da compreensão e do diálogo(88 Medeiros APG, Carvalho MAP, Medeiros JRA, Dantas GD, Nascimento AQIC, Pimentel ERS, et al. Resilient characteristics of families in dealing with psychic suffering. Rev Enferm UFPE On Line. 2019;13:e236727. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.236727
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). Possivelmente, eles instrumentalizam o cuidado com o familiar dependente(1717 Duarte MLC, Pereira LP, Carvalho J, Olschowsky A. Evaluation of families of crack users in relation to support groups. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 5):2184-90. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0808
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017...
).

Os amigos também foram reconhecidos como fonte de apoio e força, corroborando a teoria sistêmica de resiliência familiar(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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), a qual salienta que as redes sociais também envolvem grupos comunitários e religiosos, amigos(77 McCann TV, Lubman DI. Adaptive coping strategies of affected family members of a relative with substance misuse: a qualitative study. J Adv Nurs. 2018;74:100-9. doi: 10.1111/jan.13405
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), os quais podem ofertar segurança e encorajamento.

A segunda categoria explorou crenças que promoveram perspectivas positivas e otimistas nos contextos vividos pelos participantes, favorecendo a resiliência. De fato, quando a família vivencia experiências de sucesso e promove ambiente protetor, as perspectivas são revitalizadas e reforçadas(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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).

A perseverança, persistência, esperança, fé, religiosidade e confiança pareceram ter-se constituído como forças positivas para enfrentamento e superação das dificuldades advindas do contexto da dependência de SPA, geralmente permeado por emoções negativas e pessimistas.

A esperança de que o familiar se recuperará gera sentimentos motivacionais, que mobilizam e fortalecem os familiares. A iniciativa e a perseverança são elementos fundamentais para a resiliência familiar, muitas vezes estimuladas pela confiança compartilhada(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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). A esperança consiste na crença de um futuro melhor, independentemente do contexto que a família vive no presente, incentiva no enfrentamento de adversidades e motiva a identificação de alternativas positivas(55 Claus MIS, Zerbetto SR, Gonçalves AMS, Galon T, Andrade LGZ, Oliveira FC. The family strengths in the context of psychoactive substance dependence. Esc Anna Nery. 2018;22(4):e20180180. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0180
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-66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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,88 Medeiros APG, Carvalho MAP, Medeiros JRA, Dantas GD, Nascimento AQIC, Pimentel ERS, et al. Resilient characteristics of families in dealing with psychic suffering. Rev Enferm UFPE On Line. 2019;13:e236727. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.236727
https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.2...
).

Famílias em situações difíceis buscam conforto e orientações quando se conectam espiritualmente com suas tradições culturais, por exemplo, as crenças espirituais e religiosas(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
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,88 Medeiros APG, Carvalho MAP, Medeiros JRA, Dantas GD, Nascimento AQIC, Pimentel ERS, et al. Resilient characteristics of families in dealing with psychic suffering. Rev Enferm UFPE On Line. 2019;13:e236727. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.236727
https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.2...
).

Para os cristãos, por exemplo, e assim se consideram todos os participantes da pesquisa, ter fé e vivenciar experiências espirituais que consideram positivas geram conforto(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
https://doi.org/10.1111/famp.12260...
). As práticas religiosas parecem constituir-se em mecanismos de enfrentamento positivos sobre a vida e o tratamento de pessoas dependentes de SPA(55 Claus MIS, Zerbetto SR, Gonçalves AMS, Galon T, Andrade LGZ, Oliveira FC. The family strengths in the context of psychoactive substance dependence. Esc Anna Nery. 2018;22(4):e20180180. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0180
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,1919 Church S, Bhatia U, Velleman R, Velleman G, Orford J, Rane A, et al. Coping strategies and support structures of addiction affected families: a qualitative study from Goa, India. Fam Syst Health. 2018;36(2):216-24. doi: 10.1037/fsh0000339
https://doi.org/10.1037/fsh0000339...
), pois haveria uma força superior que auxiliaria a família na superação de crises(55 Claus MIS, Zerbetto SR, Gonçalves AMS, Galon T, Andrade LGZ, Oliveira FC. The family strengths in the context of psychoactive substance dependence. Esc Anna Nery. 2018;22(4):e20180180. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0180
https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-20...
). Na amostra, frequentar instituições religiosas, participar de seus rituais, orar e meditar foram as principais fontes de resiliência consideradas; os entrevistados perceberam nessas práticas alívio e bem-estar, aspectos que têm sido apontados em outros estudos(44 Zerbetto SR, Galera SAF, Ruiz BO. Family resilience and chemical dependency: perception of mental health professionals. Rev Bras Enferm. 2017;70(6):1184-90. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0476
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016...
,66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
https://doi.org/10.1111/famp.12260...
). Práticas e crenças religiosas da família parecem constituir-se em estratégias mediadoras para o processo saúde-doença, pois promovem recursos de coping religioso e espiritual e fortalecem a resiliência(44 Zerbetto SR, Galera SAF, Ruiz BO. Family resilience and chemical dependency: perception of mental health professionals. Rev Bras Enferm. 2017;70(6):1184-90. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0476
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016...
,66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
https://doi.org/10.1111/famp.12260...
).

A terceira categoria apontou que as famílias teriam buscado comunicação assertiva para auxiliá-las no processo de resiliência, envolvendo diálogo paciente, monitoração do tom de voz e manutenção da calma.

Os padrões de comunicação interferem intensamente nas relações interpessoais e podem dificultar ou facilitar o manejo da situação estressora(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
https://doi.org/10.1111/famp.12260...
).

A situação de adversidade pode promover a união e conexão familiar, facilitando o compartilhamento de sentimentos e a expressão emocional aberta(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
https://doi.org/10.1111/famp.12260...
). Porém, a família que tem possibilidades de se comunicar de modo ponderado, geralmente possui melhores condições emocionais para vivenciar a situação e resolver seus problemas coletivamente(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
https://doi.org/10.1111/famp.12260...
,88 Medeiros APG, Carvalho MAP, Medeiros JRA, Dantas GD, Nascimento AQIC, Pimentel ERS, et al. Resilient characteristics of families in dealing with psychic suffering. Rev Enferm UFPE On Line. 2019;13:e236727. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.236727
https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.2...
). A criação de espaços no contexto familiar que facilitem a comunicação emocional podem promover resiliência e minimizar o impacto negativo frente às situações adversas(2020 Palacio, C, Krikorian, A, Limonero, JT. The influence of psychological factors on the burden of caregivers of patients with advanced cancer: resiliency and caregiver burden. Palliat Support Care. 2018;16(3):269-77. doi: 10.1017/S1478951517000268
https://doi.org/10.1017/S147895151700026...
-2121 Pessotti, CFC, Fonseca, LC, Tedrus, GMAS, Laloni, DT. Family caregivers of elderly with dementia: Relationship between religiosity, resilience, quality of life and burden. Dement Neuropsychol. 2018;12(4):408-14. doi: 10.1590/1980-57642018dn12-040011
https://doi.org/10.1590/1980-57642018dn1...
).

O tom de voz afetivo e otimista pode facilitar o processo de enfrentamento, pois os membros familiares conseguem demonstrar os sentimentos emergentes. Embora as mensagens possam ser inesperadas, elas podem ser transmitidas de forma empática e respeitosa(66 Walsh F. Applying a family resilience framework in training, practice and research: mastering the art of the possible. Fam Process. 2016;55(4):616-32. doi: https://doi.org/10.1111/famp.12260
https://doi.org/10.1111/famp.12260...
).

Dentre as limitações deste estudo, observa-se a impossibilidade de validar as análises junto aos familiares, justificada pela ausência de tempo hábil para encontrar os participantes da pesquisa; portanto, a solução para minimizar o impacto desta limitação consistiu em buscar na literatura evidências sobre os aspectos da resiliência para a discussão dos resultados.

As contribuições deste estudo referem-se à utilização dos elementos fundamentais da resiliência no processo de avaliação e intervenção no cuidado às famílias, podendo ajudar os profissionais de saúde e de enfermagem a reconhecerem e valorizarem as forças familiares, ajudando-as no processo de (re) organização funcional. Com esta postura, pode-se evitar estereotipar e rotular a família como “disfuncional”, “codependente” ou “resistente”, mas percebendo-a também como agente potencialmente ativo do processo.

Conclusão

Este estudo possibilitou aprimorar a compreensão de alguns aspectos da percepção de familiares de dependentes de SPA sobre os elementos de seus funcionamentos que auxiliam na resiliência familiar, perpassando seus padrões organizacionais, seus sistemas de crenças e seus processos da comunicação.

Embora as dependências de substâncias acarretem importantes repercussões nas famílias, essas situações adversas podem ser vistas também como um desafio a ser enfrentado e superado através dos potenciais e forças existentes no sistema familiar. Reconhecer e fortalecer esses potenciais parece importante para que a família compreenda seu papel, enquanto unidade capaz de superar as adversidades e viver de forma mais saudável.

  • *
    Artigo extraído da dissertação de mestrado “Processo de enfrentamento e resiliência familiar: percepção da família de dependentes de álcool, crack e outras drogas”, apresentada à Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.
  • 2
    Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil.

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Editado por

Editora Associada: Maria Lúcia Zanetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2019
  • Aceito
    2 Nov 2020
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