Indicadores de Boas Práticas de Enfermagem para grupos vulneráveis na Atenção Primária em Saúde: Revisão de Escopo^*

Resumos

Objetivo:

mapear os indicadores de Boas Práticas de Enfermagem na Atenção Primária em Saúde, na perspectiva da Saúde Coletiva, reportados aos grupos sociais vulneráveis.

Método:

trata-se de uma revisão de escopo conforme o PRISMA Extension for Scoping Reviews. As buscas foram realizadas no ano de 2020 em seis bases de dados e em uma biblioteca virtual. Revisores independentes realizaram a leitura dos textos completos, o tratamento, a análise e a síntese do conteúdo.

Resultados:

foram encontrados 13 artigos, sendo o primeiro de 2007 e o último de 2020. Os dados foram classificados segundo as categorias empíricas: avaliação e controle das condições de saúde (três indicadores); avaliação do conhecimento sobre saúde (três indicadores); uso de características sociodemográficas para estimar riscos ou vulnerabilidades (três indicadores); avaliação e acompanhamento das necessidades em saúde (cinco indicadores); promoção da segurança e confiança nos serviços de saúde (seis indicadores); avaliação do processo de cuidar (quatro indicadores).

Conclusão:

os artigos mostraram uma variedade de indicadores que avaliam as intervenções realizadas no âmbito da Enfermagem na Atenção Primária junto aos grupos sociais vulneráveis. Esses indicadores têm relação com as condições de saúde, principalmente do corpo biopsíquico, reportadas às populações vulneráveis, destacando-se mulheres, crianças, adolescentes e idosos.

Descritores:
Indicadores de Saúde Comunitária; Populações Vulneráveis; Atenção Primária em Saúde; Enfermagem; Revisão; Pesquisa Qualitativa

Objective:

to map the indicators of Good Nursing Practices in Primary Health Care, from the perspective of Collective Health, reported to the vulnerable social groups.

Method:

this is a scoping review according to the PRISMA Extension for Scoping Reviews. The searches were carried out in2020 in six databases and in a virtual library. Independent reviewers performed the reading of the full texts, as well as treatment, analysis and synthesis of the content.

Results:

a total of 13 articles were found, the first from 2007 and the last from 2020. The data were classified according to the following empirical categories: assessment and control of health conditions(3 indicators); assessment of knowledge about health(3 indicators); use of sociodemographic characteristics to estimate risks or vulnerabilities(3 indicators); assessment and monitoring of health needs(5 indicators); promotion of safety and trust in health services(6 indicators); and assessment of the care process(4 indicators).

Conclusion:

the articles showed a variety of indicators that assess the interventions carried out in the context of Nursing in Primary Care with vulnerable social groups. These indicators are related to health conditions, especially those of the biopsychological body, reported to vulnerable populations, especially women, children, adolescents and older adults.

Descriptors:
Community Health Status Indicators; Vulnerable Populations; Primary Health Care; Nursing; Review; Qualitative Research

Objetivo:

mapear los indicadores de Buenas Prácticas de Enfermería en la Atención Primaria de la Salud, desde la perspectiva de la Salud Colectiva, en los grupos sociales vulnerables.

Método:

revisión de alcance de acuerdo con PRISMA Extension for Scoping Reviews. En 2020 se realizaron búsquedas en seis bases de datos y una biblioteca virtual. Revisores independientes realizaron la lectura de los textos completos, el tratamiento, el análisis y la síntesis del contenido.

Resultados:

se encontraron 13 artículos, el primero de 2007 y el último de 2020. Los datos se clasificaron según las categorías empíricas: evaluación y control de las condiciones de salud (3 indicadores); evaluación del conocimiento sobre la salud (3 indicadores); uso de características sociodemográficas para estimar riesgos o vulnerabilidades (3 indicadores); evaluación y seguimiento de las necesidades de salud (5 indicadores); promoción de la seguridad y la confianza en los servicios de salud (6 indicadores); evaluación del proceso de atención (4 indicadores).

Conclusión:

los artículos mostraron una variedad de indicadores que evalúan las intervenciones realizadas en el contexto de la Enfermería en la Atención Primaria con grupos sociales vulnerables. Estos indicadores están relacionados con las condiciones de salud, especialmente del cuerpo biopsíquico, de las poblaciones vulnerables, especialmente mujeres, niños, adolescentes y adultos mayores.

Descriptores:
Indicadores de Salud Comunitaria; Poblaciones Vulnerables; Atención Primaria de Salud; Enfermería; Revisión; Investigación Cualitativa

Introdução

O conceito de Boas Práticas na área da saúde é amplo e diversificado. Um estudo o define como a melhor forma de identificar, avaliar e implementar informações por meio do monitoramento dos resultados dos cuidados de saúde(¹). Outro estudo o considera como técnica ou metodologia de confiabilidade comprovada para orientar um determinado resultado(²). Para outros autores, ele corresponde à tríade formada pelos melhores resultados de pesquisas científicas, pelo conhecimento clínico e pelas necessidades dos usuários(³).

No que se refere à Enfermagem, o conceito de Boas Práticas é entendido como o processo crítico reflexivo sobre as ações realizadas, na busca pela efetividade de uma prática. Conhecer o significado da prática é essencial, pois embasado nesse conhecimento, o enfermeiro pode aplicar na organização do cuidado a quantidade de intelecto necessária. Além disso, o entendimento de melhores práticas baseia-se no pressuposto de que, em determinado contexto, algumas soluções sejam superiores, em comparação a outras, para a resolução de problemas(⁴).

Na perspectiva da Enfermagem em Saúde Coletiva, considera-se que as Boas Práticas de Enfermagem (BPE) na Atenção Primária em Saúde (APS) devem conter princípios como: observar que esse campo de prática se realiza no território geopolítico de produção e reprodução social e que o trabalho em saúde visa à transformação dos perfis epidemiológicos da população(⁵). É no território que os fenômenos sociais expressos nos perfis de saúde da população se manifestam de forma explícita e demandam dos enfermeiros conhecimentos e competências para o reconhecimento das necessidades em saúde e para o enfrentamento das vulnerabilidades às quais estão expostos os diferentes grupos populacionais(⁶).

Diante da diversidade de conceitos de Boas Práticas, considera-se que, além de implementá-las, é necessário estabelecer critérios que possam subsidiar a construção de indicadores com o intuito de parametrizar o cuidado e as ações dele decorrentes. Os indicadores são parâmetros quantitativos ou qualitativos que detalham os objetivos de uma proposta segundo a condução (avaliação do processo) ou o alcance (avaliação dos resultados). Além disso, apontam tendências e atuam como instrumentos que não operam por si mesmos(⁷).

Embora no âmbito da APS sejam encontradas BPE, não são conhecidos suficientemente estudos sobre indicadores que respaldem essas práticas. Frente a isso, a pergunta científica deste estudo é: Quais indicadores são utilizados para respaldar as BPE reportadas aos grupos sociais vulneráveis na APS? Com base nisso, o objetivo do presente estudo foi mapear os indicadores de BPE na APS, na perspectiva da Saúde Coletiva, reportados aos grupos sociais vulneráveis.

Método

Trata-se de uma revisão de escopo seguindo as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR). Esse tipo de revisão é utilizado para mapear evidências, explorar a amplitude ou a extensão da literatura e informar pesquisas futuras. Também é recomendado para identificar e analisar lacunas do conhecimento sobre um determinado tópico ou campo de pesquisa(⁸).

O protocolo desta revisão de escopo está registrado no Open Science. A questão de revisão foi elaborada por meio da estratégia PCC, que preconiza como elementos fundamentais o acrônimo mnemônico: P - População, C - Conceito e C - Contexto. Para a busca de evidências, foram definidos os elementos: P - grupos sociais vulneráveis, C - indicadores de Boas Práticas de Enfermagem e C - Atenção Primária à Saúde. Diante disso, a questão de revisão adotada foi: Quais indicadores são utilizados para respaldar as Boas Práticas de Enfermagem reportadas aos grupos sociais vulneráveis na Atenção Primária à Saúde?

Os critérios de elegibilidade foram estudos publicados nas línguas inglesa, espanhola e portuguesa, sem data-limite de publicação. Foram incluídos estudos primários, empíricos, quantitativos e qualitativos de qualquer desenho ou metodologia; estudos que apontavam indicadores ou meios de avaliação de uma BPE na APS referente a grupos sociais vulneráveis; estudos sobre avaliação de saúde da população vulnerável decorrente de alguma intervenção (política ou prática); estudos sobre prática ou avaliação do ponto de vista de mudança de perfil de saúde ou condição pré-existente. Foram excluídos estudos relacionados à perspectiva dos profissionais sobre a prática ou efetividade da prática na APS referentes a grupos sociais vulneráveis, pois tal perspectiva se expressa como opinião, e não como indicador.

A coleta de dados foi realizada nas bases de dados que apresentavam interface multidisciplinar sobre o fenômeno das BPE na APS. As bases de dados consultadas foram: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online via PubMed (MEDLINE/PubMed), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), PsycINFO, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Scopus e Excerpta Médica Database (EMBASE). Também foi acessada a biblioteca virtual Scientific Electronic Library Online (SciELO) como fonte adicional. Foi feita uma busca manual das referências dos estudos primários e secundários identificados na busca eletrônica.

As estratégias de busca elaboradas e utilizadas para cada base eletrônica de dados estão apresentadas na Figura 1 e foram realizadas em agosto de 2020, não havendo restrição a idiomas ou formas de publicação.

Figura 1
Estratégias de busca por base de dados com operadores booleanos. São Paulo, Brasil, 2020

O processo de seleção dos estudos foi realizado por três revisoras independentes, e as divergências foram resolvidas por uma quarta revisora.

A seleção dos estudos foi realizada em duas etapas. Na primeira etapa, foram avaliados os títulos e resumos das referências identificadas por meio da estratégia de busca, tendo sido pré-selecionados os estudos potencialmente elegíveis. Na segunda etapa, foi realizada a avaliação do texto na íntegra dos estudos pré-selecionados para confirmação de sua elegibilidade (Figura 2).

A seleção dos estudos de acordo com o título e o resumo foi realizada por meio da ferramenta digital Rayyan QCR(⁹), e os artigos selecionados em cada base de dados foram importados no formato de arquivo BibTex. Posteriormente, três revisoras realizaram a leitura de maneira independente e cega dos títulos e resumos a fim de reduzir a possibilidade de viés interpretativo. Em seguida, uma quarta revisora procedeu à avaliação dos artigos que apresentaram divergência na decisão para inclusão ou exclusão no estudo. Nos casos em que a dúvida sobre a seleção permaneceu, avançou-se para a etapa seguinte, correspondente à leitura na íntegra.

A extração dos dados dos artigos na íntegra foi realizada por meio de instrumento contendo os seguintes itens: ano de publicação, área de concentração, país onde foi produzido o artigo, tipo de estudo, população estudada, local do estudo, ação realizada e indicador de qualidade. Além disso, foram consideradas as categorias de análise: Determinação Social do Processo Saúde-Doença, Necessidades em Saúde e Vulnerabilidade e Processo de Cuidar.

A Determinação Social do Processo Saúde-Doença está associada à compreensão de que a saúde e a doença resultam da forma de viver das pessoas, como consequência de sua maneira de inserção no sistema de produção social(¹⁰). As Necessidades em Saúde estão ligadas ao potencial de produção de salutogenicidade, extrapolando os carecimentos. A Vulnerabilidade, ou seja, a fragilidade para o enfrentamento das vicissitudes da vida, está relacionada ao processo de exclusão social e ao seu enfrentamento junto aos sujeitos e grupos sociais(¹¹). O Processo de Cuidar está pautado na dinâmica da realização práxica do objeto epistêmico do cuidado, privilegiando as necessidades em saúde dos grupos sociais(¹²).

No tratamento dos dados, foram consideradas somente as publicações revisadas por pares. Também foi realizada a avaliação crítica dos textos, principalmente no que se refere à metodologia, conforme a expertise das revisoras.

O instrumento utilizado para a coleta das informações foi incorporado ao software de análise qualitativa webQDA(¹³). A caracterização dos estudos foi realizada por meio dos códigos descritivos. A codificação descritiva foi realizada utilizando-se a ferramenta de codificação automática, que permite importar arquivos no formato XML. Em seguida, os dados foram codificados pelo Sistema de Códigos Árvore, permitindo a emergência das categorias empíricas por meio da técnica de análise de conteúdo temática(¹⁴), que possibilitou elaborar as sínteses do conhecimento. Foram considerados “indicadores” exatamente o que os autores consideraram como tal, não importando o conceito ou a finalidade a que se prestavam.

Resultados

A busca nas bases de dados mapeou 1.095 estudos potencialmente elegíveis, permanecendo 13 na amostra final, conforme mostrado na Figura 2.

Figura 2
Fluxograma Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses Extension for Scoping Reviews (PRISMA-SCR) sobre a seleção dos estudos. São Paulo, Brasil, 2020

No que se refere às características dos 13 estudos selecionados, o primeiro foi publicado em 2007 e os demais, descontinuamente, até 2020. A maior produção ocorreu no ano de 2019, com quatro artigos, seguida de 2018, com três artigos. As áreas referidas foram: Enfermagem (n=4), Saúde (n=4) e outras áreas (Geriatria, Saúde Pública, Saúde Materno-Infantil, Psicologia e Saúde Global) com um artigo cada.

Os países onde foram produzidos os estudos foram: Estados Unidos da América (n=6), Austrália (n=3) e, com um artigo cada, Brasil, Canadá, Irlanda e Espanha. Todos foram publicados em língua inglesa, sendo 10 estudos de abordagem quantitativa e três de abordagem qualitativa.

Em relação à população estudada, sete estudos foram conduzidos com pessoas adultas, sendo que cinco incluíram somente mulheres e três referiam-se a pessoas idosas. Houve um artigo sobre crianças e outro sobre adolescentes.

Os grupos sociais vulneráveis associados à população estudada foram descritos como residentes em áreas urbanas desfavorecidas. As mulheres participantes foram caracterizadas como mães, vítimas de violência por parceiro íntimo ou vulneráveis; as crianças, como portadoras de doença crônica ou em risco de violência; os idosos, como portadores de demência ou multimorbidades; e os adolescentes, como vítimas de violência, em situação de rua ou drogadição, ou cumprindo medidas socioeducativas. Somente um estudo abordou a população aborígene e outro, a população afro-americana.

A avaliação das ações executadas nos estudos foi realizada por meio de questionários (n=7), entrevistas (n=6), grupo focal (n=3), visitas domiciliares (n=2), documentos (n=2) e escala (n=1). Alguns estudos utilizaram mais de uma estratégia para avaliação das ações.

A Figura 3 mostra as características das publicações segundo os indicadores.

Figura 3
Caracterização dos artigos selecionados segundo ano de publicação, ação realizada e indicadores. São Paulo, Brasil, 2020

As categorias empíricas que emergiram da revisão de escopo foram construídas a partir da seleção de todos os indicadores listados nos artigos selecionados. Apesar de o tema de pesquisa ser distinto nas publicações, foi possível agrupar os indicadores segundo as características das BPE implementadas e avaliadas no contexto da APS. A Figura 4 contém os indicadores segundo as categorias empíricas.

Figura 4
Distribuição dos estudos segundo as categorias empíricas emergentes e indicadores. São Paulo, Brasil, 2020

Discussão

O saber da Enfermagem em Saúde Coletiva vem sendo desenvolvido a partir do aprofundamento dos referenciais teórico-metodológicos e da construção e testagem de instrumentos que visam analisar os processos de trabalho com potencial para intervir na realidade objetiva e, portanto, no processo saúde-doença de diferentes grupos sociais. Além disso, é possível verificar uma ampliação do espectro desses instrumentos(¹¹).

Essa ampliação foi identificada na revisão de escopo, uma vez que os anos de 2018 e 2019, por exemplo, apresentaram maior número de publicações quando comparados aos demais nos últimos 13 anos. Além disso, verificou-se que os instrumentos apresentados nos estudos selecionados para analisar as ações da Enfermagem têm capacidade para fundamentar o uso de indicadores para avaliação do processo de trabalho desenvolvido no contexto da APS.

O entendimento do processo de trabalho da Enfermagem em Saúde Coletiva dá relevo aos conceitos de vulnerabilidades sociais e necessidades em saúde como objetos das práticas de cuidado. Contudo, uma vez avaliadas as necessidades em saúde, é preciso considerar o desafio de reconhecer e enfrentar as vulnerabilidades sociais, elaborar ações de intervenção e as respectivas avaliações(¹¹).

Os estudos incluídos na presente revisão mostraram a amplitude de pessoas em situação de vulnerabilidade social assistidas pela Enfermagem. No que se refere à idade, destacaram-se estudos envolvendo adultos(¹⁶-¹⁷,¹⁹,²¹,²³-²⁵), idosos(¹⁸,²²,²⁷), crianças(¹⁵) e adolescentes(²⁰); quanto ao sexo, estudos envolvendo mulheres(¹⁶-¹⁷,²¹,²³-²⁴); quanto à raça/etnia, estudos associados à população aborígene(²¹) e afro-americana(²⁶).

A revisão demonstrou que o processo de trabalho da Enfermagem desenvolvido junto às populações vulneráveis pode ser avaliado por meio de indicadores que, em sua maioria, envolvem condições clínicas de saúde. Esse aspecto foi evidenciado na primeira categoria empírica, na qual se percebem como indicadores: o tratamento medicamentoso, a aplicação de vacinas, os exames diagnósticos, as medidas antropométricas, as comorbidades e os agravos crônicos à saúde.

Um documento produzido pela Associação Americana de Enfermagem (ANA) atribui ao enfermeiro a responsabilidade pela prestação direta de cuidados e pelos resultados consequentes(²⁸). Apesar de o documento tratar das práticas baseadas em evidência, ele não aborda indicadores de BPE na APS.

A pequena quantidade de estudos incluídos nesta revisão mostra o quanto o entendimento de BPE pode ser ofertado em guias, mas poucos estudos comprovam o respaldo por meio dos indicadores. Mesmo assim, a Enfermagem mostra sua face inovadora atuando nos fenômenos associados a vulnerabilidades, tais como populações etnicamente subalternas em uma dada sociedade ou, ainda, grupos geracionais como adolescentes pertencentes a classes sociais subalternas e idosos em situação de isolamento domiciliar. Mais ainda, a Enfermagem atuou junto às populações pouco visibilizadas, tais como pessoas que vivenciam situações de violência provocadas por parceiros íntimos, o que envolve não apenas mulheres, mas crianças que convivem no mesmo ambiente.

Quando se fala em intervenções da Enfermagem na APS voltadas para grupos vulneráveis, certamente as relativas à violência contra as mulheres e as crianças são relevantes. Verificou-se que poucos estudos são produzidos na perspectiva de buscar indicadores de efetividade ou de avaliação dos resultados das intervenções. Um dos encontrados nesta revisão mostra a amplitude, a complexidade e as dificuldades quando se trata de produzir indicadores. MOSAIC (sigla em inglês para Mothers’ Advocates In the Community) descreve um ensaio clínico randomizado de apoio a mães mentoras para reduzir a violência por parceiro íntimo entre mães grávidas ou recentes. Trata-se de uma abordagem ampla e complexa na qual as ações do enfermeiro são produzidas com diferentes perspectivas: avaliação de resultados, processos e impactos econômicos(¹⁷).

A categoria empírica “Avaliação e controle das condições de saúde” agrega os indicadores de BPE na APS a grupos sociais vulneráveis, vinculando-os a cuidados em saúde. Nessa categoria, a família aparece como objeto do cuidado e, nesse sentido, o estudo realizado no Brasil(²⁹) poderia significar um salto de qualidade em termos de indicadores de BPE, pois validou um instrumento capaz de avaliar grupos vulneráveis tanto em relação às condições sociais quanto em relação às condições de saúde.

A segunda categoria empírica da revisão também destacou a importância do conhecimento acerca da saúde, por parte das populações vulneráveis, principalmente por meio de programas e atividades educativas. Nesse âmbito, uma pesquisa brasileira revelou a potência do marco de referência teórica baseada na concepção de conscientização e empoderamento. O projeto de intervenção envolveu metodologias participativas, tais como oficinas e maquetes, produzidas coletivamente por meio de atividades artísticas. Ao final, os participantes construíram um produto coletivo que representou o conceito de promoção da saúde do adolescente e estimulou a autodeterminação para mudanças(²⁰).

Nessa mesma categoria, destacou-se a literácia em saúde, associada à compreensão das informações básicas em saúde, para que os usuários possam apoiar a tomada de decisões adequadas, com vistas à promoção dos cuidados em saúde e à prevenção de doenças. Entretanto, nenhum dos artigos que mencionam a literácia utilizou instrumentos validados para verificação, conforme recomendado(³⁰).

O empoderamento dos usuários a respeito do conhecimento sobre saúde representa um passo adiante na superação da hegemonia do cuidado focado no clínico e importa muito para o referencial teórico da Enfermagem em Saúde Coletiva, pois remete às dimensões singular, particular e estrutural dos fenômenos que atingem os indivíduos ou os grupos sociais que demandam assistência de Enfermagem(¹⁰-¹¹).

A terceira categoria empírica abarcou pesquisas utilizando indicadores relacionados às características sociodemográficas para estimar riscos e vulnerabilidades sociais da população estudada(²¹-²²,²⁵-²⁶). O reconhecimento dos riscos e das vulnerabilidades sociais aos quais a população está exposta é importante para orientar de maneira equitativa as ações de cuidado reportadas aos grupos sociais.

Um estudo realizado sobre a desigualdade racial e a mortalidade por COVID-19 considerou que a vulnerabilidade social permite compreender os efeitos desiguais da pandemia na população afro-americana a partir das condições sociais e da exposição ao risco. Os diferentes níveis de pobreza, segregação e discriminação influenciam a capacidade de resposta à doença. Portanto, o aumento da vulnerabilidade social é proporcional à desigualdade em saúde(³¹).

A quarta categoria envolve a avaliação e o acompanhamento das necessidades em saúde das populações vulneráveis. Os estudos consideraram as necessidades de proteção, comportamentais, psicossociais, associadas ao sono, ao peso e à demência. Além disso, levaram em consideração o contexto individual, a história e experiência de vida e o suporte familiar. A avaliação do atendimento das necessidades foi realizada por meio de visitas domiciliares e hospitalizações, principalmente por Condições Sensíveis à Atenção Primária à Saúde, as CSAPs(¹⁵,¹⁸-¹⁹,²¹-²³,²⁵,²⁷).

Um estudo realizado para verificar os efeitos da intervenção e os resultados na assistência no domicílio por meio da visita domiciliar encontrou aspectos positivos correspondentes a três domínios: gerenciamento da saúde, comportamento geral de promoção da saúde e pontuação da subescala de atividade física. Entretanto, as autoras reconhecem que delinear o efeito específico da visita domiciliar realizada por profissionais de enfermagem na mudança de comportamento de saúde é complexo, especialmente pela dificuldade de associar uma estratégia particular a um resultado clínico específico(¹⁹).

A quinta categoria envolveu a relação dos usuários com os serviços de saúde, destacando-se acessibilidade, acolhimento, empatia, confiança, postura não discriminatória, fortalecimento do vínculo e reconhecimento das barreiras que possam influenciar o atendimento e o acompanhamento das necessidades em saúde(¹⁷-¹⁹,²³-²⁷).

Um estudo realizado no Canadá incluindo 68 mulheres com significativa iniquidade social e de saúde mostrou a importância de a equipe de saúde estabelecer um relacionamento de confiança com as usuárias do serviço, particularmente com aquelas que apresentavam experiências estigmatizantes ou julgamentos negativos ao buscarem os serviços de saúde(¹⁴). Com base nisso, considera-se que a utilização de indicadores na APS envolve o conhecimento e o desenvolvimento de cuidados orientados para a equidade em saúde.

A ação intitulada Comprehensive Care for Multimorbid Adults Project (CC-MAP), avaliada por meio de ensaio clínico controlado e desenvolvida em clínicas de Atenção Primária dos Sistemas de Saúde Clait, maior seguradora e provedora de saúde integrada de Israel, revelou que o modelo de cuidados orientados melhorou a adesão ao tratamento medicamentoso e refletiu no gerenciamento mais atento às necessidades em saúde de adultos vulneráveis(²²).

Na sexta categoria, foram incluídos indicadores que buscaram avaliar o processo de cuidar por meio da visão sobre a qualidade, das medidas dos resultados e dos aspectos positivos, negativos e benéficos das intervenções para o atendimento das necessidades em saúde(¹⁶,²⁰,²³,²⁷).

Uma das maneiras estruturadas para avaliar o impacto das ações de Enfermagem na APS e que atestam as BPE em Saúde Coletiva poderia ser a aplicação da Sistematização da Assistência de Enfermagem em Saúde Coletiva, subordinada à Classificação Internacional das Práticas da Enfermagem em Saúde Coletiva - CIPESC. Diversos estudos produzidos no Brasil para a configuração dos diagnósticos, intervenções e resultados da Enfermagem poderiam alavancar a construção de indicadores de avaliação da assistência de enfermagem na APS(³²).

Por fim, considera-se que a valorização do processo de trabalho da Enfermagem envolve medidas de ações e de qualidade da assistência ofertada aos usuários - medidas estas que desvelarão problemas associados à escassez da força de trabalho e à possibilidade de melhoria do atendimento(³³).

A Enfermagem também deve apropriar-se de ferramentas comuns da APS, especialmente as que buscam indicadores de avaliação das políticas, estratégias e ações de saúde. Um estudo analisando instrumentos utilizados em distintos países verificou domínios importantes, cujos indicadores devem ser ajustados ou aplicados. Dentre eles, destacam-se: governança nacional da iniquidade de gênero no nível da proteção social e da iniquidade de renda no nível da proteção social; participação da sociedade civil na formulação de políticas públicas, com destaque para a população indígena e transgênero; e reorientação do setor de saúde para o desenvolvimento de um conjunto básico de indicadores para ação governamental objetivando melhorar a equidade em saúde(³⁴).

O presente estudo teve como limitação a não padronização a priori dos indicadores utilizados pela Enfermagem no contexto da APS, mapeando apenas os existentes. Estudos futuros devem ser realizados para aprofundar e validar os indicadores identificados nesta revisão. Além disso, a revisão apresentou como limitações: o número restrito de bases de dados selecionadas, o período da coleta de dados e a ausência de avaliação metodológica dos artigos incluídos por meio de instrumento validado. Essas limitações se justificam devido ao tempo para conclusão da revisão.

Apesar dessas limitações, os resultados que emergiram da revisão de escopo contribuem para o avanço do conhecimento científico na área da Enfermagem em Saúde Coletiva, especialmente para a qualificação das ações implementadas no contexto da APS. As evidências mapeadas contribuem para o preenchimento da lacuna de conhecimentos sobre os indicadores que fundamentam as BPE, em especial quando reportadas a grupos sociais vulneráveis.

Conclusão

Os estudos mostraram indicadores que podem qualificar as intervenções realizadas no âmbito da Enfermagem junto a grupos sociais considerados vulneráveis na APS. No que se refere a esses grupos, destacaram-se os residentes em áreas desfavorecidas socialmente, envolvendo principalmente a população do sexo feminino e das faixas etárias correspondentes à infância, juventude e velhice.

Os indicadores mapeados também evidenciaram uma relação com o cuidado ao corpo biopsíquico para além da compreensão multifatorial da saúde-doença, entrando no campo da produção do conhecimento para a promoção da saúde. Além disso, destacaram a atuação do enfermeiro no levantamento das características sociodemográficas e das condições de saúde, no acompanhamento das necessidades em saúde e na avaliação do processo de cuidar.

Agradecimentos

Agradecemos à Bibliotecária-Chefe da Universidade Federal de São Paulo Campus São Paulo Dra. Andreia do Carmo pelo apoio na busca dos dados.

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  Apoio Financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo 408589/2018-3, Brasil.

Editado por

Editora Associada: Maria Lúcia Zanetti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Out 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  27 Jan 2021
• Aceito
  14 Jun 2021