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Programas de governo e promessas de campanha

Government’s programs and campaign pledges

RESUMO

Introdução:

O artigo analisa os programas de governo dos candidatos eleitos para a Presidência da República no Brasil entre 1994 e 2006. Verificamos se eles apresentavam elementos informativos orientando a escolha dos eleitores e apuramos possíveis diferenças temáticas marcantes entre os programas apresentados pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Materiais e

Métodos: As fontes do estudo foram os planos de governo dos candidatos do PSDB e do PT e a metodologia utilizada foi a análise de conteúdo, com codificação por pares e teste de replicabilidade (Alpha de Krippendorff). Identificamos as promessas de campanhas expressas nos programas de governo. Com a utilização do software MAXQDA, as sentenças foram codificadas como promessas verificáveis e promessas retóricas e os programas foram organizados conforme a frequência dessas duas categorias. Dadas as diferenças ideológicas e organizacionais entre PSDB e PT, analisamos a agenda temática dos documentos para ressaltar diferenças de ênfases. Para isso, utilizamos os protocolos do Manifesto Research on Political Representation (MARPOR) para identificar áreas de políticas públicas prioritárias.

Resultados:

Os resultados encontrados para o primeiro objetivo foram positivos: os quatro programas (de 1994, 1998, 2002 e 2006) foram considerados informativos. Nos programas do PSDB, mais de 80% das sentenças catalogadas como promessas enquadram-se na categoria promessas verificáveis nas duas eleições analisadas. Já nos programas do PT, identificamos tendências diferentes. Em 2002, 53% das promessas são verificáveis, enquanto que em 2006 são quase 85%. No que diz respeito às áreas temáticas, os programas de governo acompanham parcialmente a tendência encontrada em democracias estabelecidas, dando mais ênfase a questões relativas à economia e ao bem-estar social, não demonstrando grande diversidade em relação aos temas prioritários já estabelecidos pela literatura.

Discussão:

Trata-se de um estudo original por se debruçar sobre um campo ainda pouco explorado, a análise de programas de governo como fonte para aferição dos compromissos assumidos pelos futuros governantes durante as campanhas eleitorais no Brasil. Por ser um estudo exploratório e documental, esperamos que sirva como base para o desenvolvimento de futuras pesquisas sobre promessas de campanha.

PALAVRAS-CHAVE
programas de governo; promessas de campanha; MARPOR; PT; PSDB

ABSTRACT

Introduction:

The article analyzes the government’s programs of the candidates elected for the Presidency of the Republic in Brazil, from 1994 to 2006. We verified whether they had informative elements to guide the choice of voters and investigated possible striking thematic differences between the programs presented by the Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) and Partido dos Trabalhadores (PT).

Materials and Methods:

The study sources were the government’s plans of the PSDB and PT candidates and the methodology used was content analysis, with peer coding and replicability test (Alpha de Krippendorff). We identified the campaign promises expressed in government’s programs. Using the MAXQDA software, the sentences were codified as verifiable promises and rhetorical promises, and the programs were organized according to the frequency of these two categories. Given the ideological and organizational differences between PSDB and PTs, we analyzed the thematic agenda of the documents to highlight differences in emphasis. For this, we use the protocols of the Manifesto Research on Political Representation (MARPOR) to identify priority public policy areas.

Results:

The results found for the first objective were positive: the four programs (from 1994, 1998, 2002 and 2006) were considered informative. In PSDB programs, more than 80% of sentences cataloged as promises fall under the category of verifiable promises in the two analyzed elections. In the PT’s programs, we identified different trends. In 2002, 53% of the promises are verifiable, while in 2006 they were almost 85%. With regard to thematic areas, government’s programs partially follow the trend found in established democracies, giving more emphasis on issues related to the economy and social welfare, without showing great diversity in relation to priority themes already established in the literature.

Discussion:

This is an original study because it focuses on a field that is still little explored, the analysis of government’s programs as a source for measuring the commitments assumed by future governors during election campaigns in Brazil. As an exploratory and documentary study, we hope that it will serve as a basis for the development of future research on campaign promises.

KEYWORDS
government’s programs; campaign pledges; MARPOR; PT; PSDB

I. Introdução1 1 Este texto é um subproduto da pesquisa “Promessas de Campanha Eleitoral e Agenda de Governo - Análise da Gestão dos ex-Presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva”, financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo no 2017/23525-2. Agradecemos aos pareceristas da FAPESP e da Revista de Sociologia e Política pelos comentários.

Pesquisas sobre programas de governo ainda são pouco difundidas na ciência política brasileira, apesar desses documentos serem importantes para a identificação do posicionamento e do comportamento de um partido político2 2 Importante esforço para suprir essa lacuna foi realizado por Salles (2019) e Salles & Guarnieri (2019). . No plano internacional, por outro lado, encontramos um volume significativo de análises sobre esse tema - muitas delas vinculadas à teoria do mandato (Downs 2013Downs, A. (2013) [1957] Uma Teoria Econômica da Democracia. São Paulo: Edusp. [1957]) - incluindo promessas de campanha3 3 Na literatura internacional, análises sobre promessas de campanha comumente utilizam a palavra “manifesto” quando se debruçam, grosso modo, sobre dois conjuntos de documento: a) documentos de fundação e/ou diretrizes dos partidos, que podem ser denominados programas partidários; b) programas de governo apresentados pelas candidaturas. Este artigo tem como foco o segundo tipo de texto apontado. . Nessa tradição, assume-se que os programas de governo podem ser vistos como uma espécie de compromisso centrado em dois atores: partidos políticos e eleitores. No modelo downsiano, a principal motivação dos políticos é obter benefícios associados a cargos, enquanto a dos eleitores é que as políticas governamentais correspondam aos seus interesses. Decorre desse postulado a concepção de que partidos formulam políticas públicas para vencer eleições e não o contrário (vencer eleições para formular políticas), de modo que os programas de governo têm por objetivo ancorar o apoio eleitoral daqueles já identificados com o partido ou atrair um eleitorado potencial.

A teoria do mandato é alvo de um intenso debate. As críticas se baseiam na “irrealidade” da natureza da ligação entre democracia e o comportamento dos eleitores, partidos e governos. Segundo elas, por um lado, políticos têm objetivos, interesses e valores próprios que podem diferir daqueles almejados pelos cidadãos e, quando eleitos, podem desejar se dedicar a eles em detrimento do interesse público; além disso, podem haver incentivos para que os políticos se desviem das propostas de campanha. Por outro, faltariam aos eleitores informações necessárias sobre vários temas, tanto para que eles decidam prospectivamente em quem votar quanto para que, retrospectivamente, avaliem a classe política. Uma ilustração típica dessa situação seria a ausência de informação completa sobre, por exemplo, a situação econômica e fiscal do país. Suponha-se que o governo anterior, competindo pela reeleição, tenha omitido ou manipulado dados. Nesse caso, tanto o novo ocupante do Poder Executivo quanto os eleitores desconheceriam o cenário real das contas públicas, delas se inteirando apenas após o novo governante assumir o cargo; assim, a liderança política recém-eleita depara-se com o dilema de desviar-se de suas promessas de campanha, formulando alternativas para o bom desempenho da situação econômica do país, ou manter-se fiel às promessas feitas anteriormente, apesar de as circunstâncias terem mudado (Manin, Przeworski & Stokes 2006Manin, B., Przeworski, A. & Stokes, C. (2006) Eleições e Representação. Lua Nova, s/v(67), pp. 105-138. DOI: /10.1590/S0102-64452006000200005
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, p.113).

Em contrapartida, há autores que entendem que a teoria do mandato pode ser utilizada como parâmetro para avaliação do regime democrático, principalmente porque os partidos políticos são organizações que selecionam e pautam temas para apresentar propostas ao eleitorado (Naurin, Royed & Thomson 2019Naurin, E., Royed, T. & Thomson, R. (2019) Party Mandates and Democracy: Making, Breaking and Keeping Elections Pledges in Twelve Countries. Ann Arbor: University of Michigan Press.). Sendo assim, os programas de governo podem ser tomados como objeto empírico para avaliação do grau de compromisso dos partidos nas campanhas e na execução das promessas durante os governos. Para isso, em geral, busca-se desvendar os fatores explicativos do comportamento governamental, o que evidencia a influência da matriz neoinstitucionalista dessa abordagem. Arranjos institucionais, como o sistema de governo ou partidário, são acionados como variáveis explicativas para o cumprimento das promessas.

É o caso, por exemplo, do trabalho de Royed (1996)Royed, T. (1996) Testing the Mandate Model in Britain and the United States: Evidence from the Reagan and Thatcher Eras. British Journal of Political Science, 26(1), pp. 45-80. DOI: 10.1017/S0007123400007419
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, que, ao analisar comparativamente os governos Reagan e Thatcher, questiona o pressuposto de que o sistema norte-americano não proporcionaria as condições institucionais para que líderes executassem suas promessas de campanha. Segundo essa perspectiva, isso aconteceria devido à separação de poderes, à fragmentação partidária e à baixa coesão dos partidos políticos nos Estados Unidos; o caso inglês, comparativamente, apresentaria condições mais propícias para honrar os compromissos assumidos devido ao controle partidário sobre as instituições políticas. Royed (1996)Royed, T. (1996) Testing the Mandate Model in Britain and the United States: Evidence from the Reagan and Thatcher Eras. British Journal of Political Science, 26(1), pp. 45-80. DOI: 10.1017/S0007123400007419
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mostra que, em ambos os casos, promessas substantivas de políticas foram anunciadas e implementadas. No entanto, o caso britânico se sobressai no cumprimento de promessas quando comparado aos EUA. Assim, pesquisas desse tipo são feitas por meio da análise de diferentes governos nacionais ou diferentes áreas de políticas públicas num mesmo país, tendo como ponto em comum o fato de que, em alguma medida, há cumprimento das promessas de campanha4 4 São referências os trabalhos de Artés (2011), Artés & Bustos (2008), Costello & Thomson (2007), Dolezal et al. (2012), Mansergh & Thomson (2007), Moury (2010), Naurin, Royed & Thomson (2014, 2019), Schermann & Ennser-Judenastik (2014), Svacinová (2015), Thomson (2001), Thomson, Royed & Naurin (2010) e Zubek & Klüver (2013). .

Conforme indicado no início desta seção, na ciência política brasileira há poucas análises sobre os programas de governo e não encontramos registro de pesquisas sobre a vinculação entre esses documentos e as promessas de campanha. A descrença em relação à classe política e a visão disseminada de que nossos partidos políticos são meros aglomerados de atores sem comprometimento programático podem ser fatores que desestimulam esse tipo de análise (Mainwaring 1991Mainwaring, S. (1991) Políticos, partidos e sistemas eleitorais: o Brasil numa perspectiva comparada. Novos Estudos Cebrap, 1(29), pp. 34-58.; Samuels 1997Samuels, D. (1997) Determinantes do voto partidário em sistemas eleitorais centrados no candidato: evidências sobre o Brasil. Dados, 40(3). DOI: 10.1590/S0011-52581997000300008
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). Por outro lado, a literatura sobre a modernização de campanhas e seu corolário de que as disputas se dão, de fato, em torno de temas “quentes” e conjunturais desvalorizam as razões de se investigar em que medida os pontos tratados nas campanhas dos partidos são promessas que apontam para uma possível agenda de governo (Farrell & Webb 2002Farrell, D. & Webb, P. (2002) Political Parties as Campaign Organizations. In R. Dalton & M. Wattenberg (eds) Parties without Partisans: political changes in advanced industrial democracies. Oxford: Oxford University Press, pp. 102-128.). De nossa perspectiva, partir desses pressupostos serve apenas para obscurecer o que de fato ocorre no caso brasileiro e desestimular que se ponha à prova a validade dos programas de governo como lócus importante de ação política.

Neste artigo, partimos da premissa de que um dos propósitos dos programas de governo é fornecer informação para que os eleitores possam fazer suas escolhas eleitorais tendo como elemento avaliativo as promessas formuladas pelos postulantes ao cargo governamental sobre uma possível agenda de governo; portanto, esses documentos também podem ser utilizados como uma ferramenta para identificar temas de políticas públicas considerados prioritários pelas candidaturas.

Nesses termos, inspiradas nas pesquisas internacionais, nossas metas são identificar nos referidos programas: (i) o volume de promessas verificáveis de campanha, isto é, que possam ser consideradas críveis porque apresentam elementos que possibilitam a identificação de futuras ações governamentais, distinguindo-as de promessas retóricas; (ii) as áreas temáticas enfatizadas nesse conjunto, tendo em vista as diferenças programáticas e organizacionais dos dois partidos aqui em questão. Trata-se, portanto, de um estudo exploratório, de base documental, que poderá subsidiar o desenvolvimento de futuras pesquisas sobre promessas de campanha no Brasil.

Para tanto, utilizamos como fonte primária os programas de governo elaborados pelos partidos e candidatos eleitos à Presidência da República no período de 1994 a 2002, denominados “Mãos à Obra, Brasil: Proposta de Governo” e “Avança Brasil: Proposta de Governo”, elaborados pela candidatura de Fernando Henrique Cardoso (PSDB)5 5 Cardoso (2008a; 2008b), acessado em 25 de março de 2018. Vale ressaltar que a exigência para que todos os candidatos a cargos executivos registrem no TSE seus programas de governo passou a vigorar com a promulgação da Lei no 12.034, de 29 de setembro de 2009 (Brasil 2009). e referentes às eleições presidenciais de 1994 e 1998, respectivamente; e “Um Brasil para Todos”6 6 Partido dos Trabalhadores (2002). e “Lula de Novo com a Força do Povo”,7 7 Partido dos Trabalhadores (2006). do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de 2002 e 2006, respectivamente.

A escolha desses casos se justifica por três aspectos: foram presidentes que tiveram dois mandatos completos seguidos, eleitos por partidos que se diferenciam do ponto de vista ideológico e organizacional (o que permite responder ao segundo objetivo deste artigo) e que conformaram coalizões partidárias distintas (a primeira mais uniforme e a segunda mais diversa).

O artigo está organizado em quatro seções, além da introdução. Na primeira, apresentamos como a literatura internacional tem abordado questões metodológicas para o desenvolvimento de estudos sobre programas de governo e promessas de campanha. Em seguida, apresentamos os resultados relativos à quantificação e classificação das promessas. Na próxima, analisamos a quantidade de vezes que uma determinada área de política pública foi mencionada nos programas de governo e o seu percentual em relação ao total de promessas e identificamos os temas que receberam mais ênfase por parte de cada candidatura, de forma a caracterizar se houve alguma diferenciação entre os programas de governo. Na última, destacamos os principais achados da pesquisa.

II. Bases metodológicas e análise dos programas de governo

Há uma grande controvérsia, em termos metodológicos, sobre como levar a cabo pesquisas dessa natureza. Uma delas diz respeito ao que pode ou não ser considerado promessa de campanha. Essa preocupação está expressa em Royed (1996)Royed, T. (1996) Testing the Mandate Model in Britain and the United States: Evidence from the Reagan and Thatcher Eras. British Journal of Political Science, 26(1), pp. 45-80. DOI: 10.1017/S0007123400007419
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, que, ao analisar os trabalhos de Hofferbert & Budge (1992)Hofferbert, R.I. & Budge, I. (1992) The Party Mandate and the Westminster Model: Election Programmes and Government Spending in Britain, 1945-1985. British Journal of Political Science, 22(2), pp. 151-182. DOI: 10.1017/S0007123400006323
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, aponta que a distinção entre “promessas” e “afirmações retóricas” não é clara. Nas palavras do autor: “parece razoável sugerir que a melhor maneira de ‘testar’ a teoria do mandato nas campanhas eleitorais é considerar apenas as promessas bem definidas e indicar se cada promessa foi realmente cumprida ou não” (Royed, 1996Royed, T. (1996) Testing the Mandate Model in Britain and the United States: Evidence from the Reagan and Thatcher Eras. British Journal of Political Science, 26(1), pp. 45-80. DOI: 10.1017/S0007123400007419
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, p.54, tradução livre).8 8 No original: “it seems reasonable to suggest that the best way to ‘test’ the mandate theory of elections is to look only at firm pledges, and to determine whether or not each pledge has indeed been redeemed” (Royed, 1996, p.54).

Assim, o primeiro movimento necessário é verificar se os quatro programas de governo coletados no recorte temporal estabelecido (1994 a 2006) expressam, de fato, propostas passíveis de serem implementadas. Manin, Przeworski & Stokes (2006Manin, B. (2013) A democracia do público reconsiderada. Novos Estudos CEBRAP, s/v(97), pp. 115-127. DOI: 10.1590/S0101-33002013000300008
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, p.107) destacam, nesse sentido, a necessidade de se verificar se tais programas são “informativos”, isto é, “se os eleitores podem justificadamente esperar que os partidos façam o que propuseram”.

Bara (2005)Bara, J. (2005) A question of trust implementing party manifestos. Parliamentary Affairs, 58(3), pp. 585-599. DOI: 10.1093/pa/gsi053
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argumenta que os programas podem ter diferentes conteúdos e que essas variações podem ser explicadas por características institucionais do regime democrático (como a legislação que regula a dinâmica de funcionamento dos partidos políticos ou o sistema eleitoral adotado), pela formação partidária (como sua origem, orientação ideológica e formato organizacional), pela influência de atores e grupos de pressão sobre as legendas ou mesmo por uma dada conjuntura.

Harmel (2016)Harmel, R. (2016). The hows and whys of party manifestos. Some guidance for a cross-national research agenda. Party Politics, 24(3), pp. 229-239. DOI: 10.1177/1354068816678880
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apresenta três postulados para explicar por que certos programas apresentam promessas bastante detalhadas e outros privilegiam a apresentação de conteúdos pouco específicos, fazendo uso intensivo de sentenças retóricas sem especificar metas a serem alcançadas ou como operacionalizá-las. No primeiro postulado, baseando-se no perfil ideológico dos partidos, o autor sugere que siglas de esquerda são bastante específicas em suas promessas políticas devido à forte vinculação entre a liderança e os militantes. No segundo, em que se apoia na distribuição do poder na estrutura organizacional do partido, o autor aponta que siglas controladas por organizações parlamentares privilegiam promessas vagas e gerais em relação a quaisquer compromissos políticos. E, no terceiro, ele assume que os partidos que estão no exercício do poder e disputam o pleito eleitoral, por terem experiência com a política na prática, tenderiam a apresentar um programa mais amplo e detalhado que partidos que nunca exerceram o poder. Uma limitação da pesquisa, entretanto, é que Harmel (2016)Harmel, R. (2016). The hows and whys of party manifestos. Some guidance for a cross-national research agenda. Party Politics, 24(3), pp. 229-239. DOI: 10.1177/1354068816678880
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não testa estas hipóteses; ainda assim, seu trabalho acrescenta elementos relevantes que podem ser verificados nos casos empíricos.

Cabe ressaltar que não é muito comum a produção internacional focar em programas partidários de países latino-americanos. Apenas em 2016, por exemplo, o Manifesto Research on Political Representation (MARPOR) - grupo de pesquisa da European Consortium for Political Research que investiga programas partidários em mais de cem países desde 1945 - passou a considerar a América Latina em suas pesquisas (Vizoná 2019Vizoná, A. (2019) Discursos Eleitorais de PT e PSDB nos Programas de Governo e Debates Televisivos: ideologia, estratégias e pragmatismo. Tese de Doutorado. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos.). Os resultados obtidos pelo MARPOR demonstraram que, nos países presidencialistas da região, os programas de governo contêm mais frases retóricas do que aqueles dos parlamentaristas europeus devido ao forte personalismo das campanhas eleitorais. Entretanto, apesar de serem “menos informativos”, uma questão para a qual ainda não se tem resposta é quão “informativos” eles podem ser. Dito de outra forma, apesar de trazerem mais frases retóricas, os programas de governo nos países latino-americanos presidencialistas apresentam ao eleitor algum grau de informação sobre as promessas dos futuros governos?

Além disso, outro aspecto que merece atenção nessa conclusão do MARPOR é de que o termo “presidencialismo” encerra diferentes arranjos e graus de poder de agenda na mão dos partidos e do Executivo, aspectos que acabam sendo apagados quando tomamos os sistemas de governos latino-americanos de forma unificada. Assim como há parlamentarismos, há também presidencialismos9 9 Shugart & Carey (1992) analisam detalhadamente as variações do sistema presidencialista. : nos diferentes países da região há diferentes graus de controle e interferência na agenda do governo e da campanha por parte do partido do presidente e dos outros parceiros da coligação e da coalizão.

Por fim, outro elemento de crítica importante à conclusão do MARPOR é que, de acordo com a literatura de modernização de campanhas e democracia de público (Manin 1995Manin, B. (1995) As metamorfoses do governo representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 10(29), pp. 1-24., 2013Manin, B. (2013) A democracia do público reconsiderada. Novos Estudos CEBRAP, s/v(97), pp. 115-127. DOI: 10.1590/S0101-33002013000300008
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), o processo de personalização dos candidatos e das plataformas eleitorais em detrimento das diretrizes partidárias durante as campanhas não seria um fenômeno restrito à América Latina, mas um resultado de mudanças estruturais e comunicativas das democracias representativas como um todo.

Assim, concordando que, de fato, há questões a serem respondidas sobre os programas de governo nos casos latino-americanos e buscando problematizar as hipóteses sugeridas pela literatura acerca do caso brasileiro, nossa primeira meta foi verificar se os programas de governo do PSDB e do PT, no período coberto pela pesquisa, poderiam ser considerados “informativos” (Manin, Przeworski & Stokes 2006Manin, B., Przeworski, A. & Stokes, C. (2006) Eleições e Representação. Lua Nova, s/v(67), pp. 105-138. DOI: /10.1590/S0102-64452006000200005
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).

Para tanto, uma primeira diferença seria fundamental: o que seria considerado uma promessa? E, mais além, quando uma promessa poderia ser considerada como meramente retórica? Os conceitos de Royed (1996)Royed, T. (1996) Testing the Mandate Model in Britain and the United States: Evidence from the Reagan and Thatcher Eras. British Journal of Political Science, 26(1), pp. 45-80. DOI: 10.1017/S0007123400007419
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e Thomson (2001)Thomson, R. (2001) The programme to policy linkage: the fulfilment of election pledges on socio-economic policy in the Netherlands, 1986-1998. European Journal of Political Research, 40(2), pp. 171-197. DOI: 10.1111/1475-6765.00595
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nos ajudaram a distinguir essas categorias; para o primeiro autor mencionado, as promessas reais são:

um compromisso com vistas a realizar ou produzir algum resultado, de forma que seja possível estimar objetivamente se a ação foi ou não realizada ou o resultado produzido. Se um partido se compromete com algum tipo de mudança e se pode igualmente argumentar veementemente que esta mudança ocorreu ou não, então a “promessa” é considerada muito vaga ou sobrecarregada de valores para ser considerada um “real” compromisso. Em vez disso, é considerada principalmente uma declaração retórica. (Royed, 1996Royed, T. (1996) Testing the Mandate Model in Britain and the United States: Evidence from the Reagan and Thatcher Eras. British Journal of Political Science, 26(1), pp. 45-80. DOI: 10.1017/S0007123400007419
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, p.79, tradução livre com grifo nosso)10 10 No original: “a commitment to carry out some action or produce some outcome, where an objective estimation can be made as to whether or not the action was indeed taken or the outcome produced. If a party seems to commit to some sort of change, and one could equally strongly argue that it was carried out, and that it was not, then the “pledge” is considered too vague or value-laden to be considered a “real” pledge. Instead, it is considered primarily a rhetorical statement.” (Royed, 1996, p.79, grifo nosso). Recorremos a essa definição tanto pela sua capacidade de operacionalização quanto pelo fato de que se trata do primeiro estudo sobre programas de governo a apresentar uma definição explícita de “promessa” (Petry & Collette 2008).

De forma semelhante, Thomson (2001Thomson, R. (2001) The programme to policy linkage: the fulfilment of election pledges on socio-economic policy in the Netherlands, 1986-1998. European Journal of Political Research, 40(2), pp. 171-197. DOI: 10.1111/1475-6765.00595
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, p.180, tradução livre) propõe que “promessas são definidas como declarações nas quais os partidos expressam apoio inequívoco para propostas de ações (ou não ações) de política governamental que são testáveis”.11 11 No original: “pledges are defined as statements in which parties express unequivocal support for proposed government policy actions or non-actions that are testable” (Thomson, 2001, p.180).

Assim, para que determinada afirmação ou sentença seja considerada uma promessa crível, é necessário que ela contenha a proposta de uma ação verificável. Mas como isso poderia ser feito? Consideramos, para os termos deste artigo, que as promessas deveriam requerer alguma ação do governo perante o parlamento. Esse aspecto é relevante, já que a relação do Poder Executivo com os partidos que ocupam cadeiras nas casas legislativas é um dos principais elementos de veto e dificuldade apontado pela literatura para a realização da agenda do governo. Ao propor algo ao Legislativo, podemos pressupor, portanto, que o governo está minimamente comprometido em estabelecer ações de cooperação e negociação sobre a matéria. Por outro lado, o gabinete tem a prerrogativa de implementar certas medidas sem aprovação do Congresso Nacional, motivo pelo qual a verificação das promessas precisa considerar também a possibilidade de realização de atos administrativos.

Consideradas essas condições, seriam selecionadas, inicialmente, todas as quasi sentence12 12 A unidade de análise quasi sentence é expressa numa frase, que pode apresentar subdivisões de orações que arrolam itens. presentes nos programas de governo que indicassem a submissão de propostas pelo Poder Executivo à apreciação do Congresso Nacional ou a implementação de alguma ação via ministérios. Entretanto, no decorrer do processo de pesquisa constatamos que, muitas vezes, não havia menção explícita à apresentação de proposições legislativas ou à realização de ações que, por sua natureza, deveriam passar pelo crivo do Poder Legislativo. Diante dessa constatação, adotamos como procedimento metodológico identificar se as promessas expressas nos programas seriam posteriormente passíveis de verificação (ou seja, na nomenclatura utilizada aqui, promessas verificáveis), seja por meio de produção legislativa ou de atos administrativos.

Iniciamos a organização dos dados da seguinte forma:

  1. Fizemos uma leitura preliminar dos programas de governo, identificando 2.315 quasi sentence consideradas como promessas de campanha. Em seguida, com o auxílio do software MAXQDA, realizamos uma segunda leitura dos documentos com a marcação das sentenças consideradas promessas, distinguindo-as entre promessas verificáveis (1920 quasi sentence) e promessas retóricas (395 quasi sentence) - portanto, não passíveis de verificação. Em seguida, quantificamos e ordenamos os textos para tratá-los como dados.

  2. Considerando que muitas vezes não havia a indicação explícita de encaminhamento de matéria legislativa ou de ato administrativo, para assegurar o maior grau possível de confiabilidade e replicabilidade à pesquisa, adotamos o sistema de codificação por pares13 13 A codificação foi realizada pela coordenação do projeto e por uma assistente de pesquisa. com aplicação do índice Alpha de Krippendorff14 14 Trata-se de um coeficiente de concordância para escalas nominais que remove o efeito de coincidências aleatórias (ou seja, que ocorrem quando os codificadores concordam por mero acaso). Uma codificação será considerada confiável se o índice for superior a 0,667 (Sampaio & Lycarião, 2018, p.38). nas sentenças que seriam consideradas promessas verificáveis ou promessas retóricas. Para a realização do teste, utilizamos a plataforma ReCal, desenvolvida pelo pesquisador Dean Freelon e disponibilizada gratuitamente online (Freelon 2010Freelon, D. (2010) ReCal: Intercoder Reliability Calculation as a Web Service. International Journal of Internet Science, 5(1), pp. 20-33.)15 15 Ver também Freelon (2017). . O resultado do teste com aplicação do índice de Krippendorf indicou grau de confiabilidade suficiente para o prosseguimento da pesquisa. Para o programa de governo do PSDB de 1994, foram testadas 771 quasi sentence, sendo que em 732 houve concordância e em 39, discordância. A porcentagem de acordo foi de 94,9% e o índice Alpha de Krippendorff foi 0,746. Para o programa do mesmo partido de 1998, o teste ocupou-se de 1.049 quasi sentence, sendo 984 casos concordantes e 65 discordantes. A porcentagem de acordo foi de 93,8% e o índice Alpha de Krippendorff foi 0,762.

  3. Para os programas petistas os resultados foram os seguintes: no programa de 2002, foram testadas 242 quasi sentence, com 225 casos de concordância e 17 de discordância; a porcentagem de acordo foi de 93% e o índice Alpha de Krippendorff foi 0.858. No programa de governo de 2006, foram obtidas 253 quasi sentence, com 233 casos de concordância, 20 de discordância, porcentagem de acordo de 92,1% e índice Alpha de Krippendorff de 0,725.

O Quadro 1 ilustra a forma de organização do banco de dados. A sentença n. 01 indica explicitamente uma promessa de campanha verificável por mencionar o envio da matéria ao Senado por meio de fontes oficiais da legislação. A sentença n. 02 também foi considerada como promessa de campanha; ainda que não haja indicação explícita de ação governamental legislativa, ela é verificável na produção legislativa nacional. A sentença n. 03, por outro lado, é uma promessa que dificilmente poderia ser checada nas fontes oficiais, motivo pelo qual foi classificada como promessa retórica. É importante argumentar que, apesar de prever “áreas” de atuação - como transporte e eletrificação -, a proposta é muito abrangente e vaga, caindo naquilo que Royed (1996)Royed, T. (1996) Testing the Mandate Model in Britain and the United States: Evidence from the Reagan and Thatcher Eras. British Journal of Political Science, 26(1), pp. 45-80. DOI: 10.1017/S0007123400007419
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destacou quanto à “incerteza” de realização. Já a sentença n. 04 exemplifica a execução de uma promessa por meio de ato administrativo.

Quadro 1
Esboço da organização da base de dados dos Manifestos Partidários

III. Programas informativos

Seguindo a orientação de Manin, Przeworski & Stokes (2006Manin, B., Przeworski, A. & Stokes, C. (2006) Eleições e Representação. Lua Nova, s/v(67), pp. 105-138. DOI: /10.1590/S0102-64452006000200005
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, p.107) sobre a necessidade de se verificar se os programas de governo são informativos, obtivemos resultados positivos após a classificação descrita no Quadro 1.

Nos programas do PSDB, mais de 80% das sentenças catalogadas enquadraram-se na categoria de promessas verificáveis, conforme indica a Tabela 1. Também chama a atenção o volume de promessas apresentadas: 771 na campanha de 1994 e 1049 na de 1998.

Tabela 1
Promessas de campanha, governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB)

Nos programas do PT, a quantidade de promessas foi menor do que a apresentada pelo PSDB: 242 e 253 em 2002 e 2006, respectivamente. Entretanto, também não podemos deixar de levar em conta que, em termos de extensão dos textos apresentados (com base no número de páginas), os programas petistas eram significativamente menores. Ao contrário do PSDB, que manteve características semelhantes nos dois documentos (de 1994 e 1998), o PT mostrou tendências diferentes: no primeiro programa (de 2002), 47% das promessas enquadraram-se em promessas retóricas; já no segundo (de 2006), o percentual de promessas verificáveis chegou a quase 85%, conforme indicado na Tabela 2.

Tabela 2
Promessas de campanha, governos Lula (PT)

Importante destacar que os dados das Tabelas 1 e 2 demonstram que nenhum dos três postulados de Harmel (2016)Harmel, R. (2016). The hows and whys of party manifestos. Some guidance for a cross-national research agenda. Party Politics, 24(3), pp. 229-239. DOI: 10.1177/1354068816678880
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se aplica aos casos estudados - pelo menos, não na íntegra. Em relação ao primeiro postulado, referente ao comportamento dos partidos de esquerda, verificamos que o PT, no programa de 2002, fez amplo uso de sentenças retóricas (47%) e, no programa de 2006, aproximou-se da tendência registrada nos programas do PSDB (Tabela 2). Por sua vez, o caso típico do segundo postulado, em termos organizacionais, seria o do PSDB, mas o pressuposto prevê um programa com promessas vagas e gerais, o que não ocorreu. Por fim, o terceiro postulado, que afirma que partidos com experiência em gestão governamental tendem a apresentar propostas mais detalhadas, é o que mais se aproxima dos resultados encontrados nesta pesquisa: no caso do primeiro programa do PSDB, por conta da experiência do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso como parlamentar e ministro, e nas disputas à reeleição, em que tanto tucanos quanto petistas apresentaram programas mais detalhados.

Voltando à nossa questão inicial, nossa conclusão é que os programas analisados podem ser considerados informativos - ou seja, registraram promessas verificáveis, dando sinalizações claras aos eleitores sobre a possível direção e o formato dos governos caso fossem eleitos. Note-se que, ao avaliá-los como informativos, não afirmamos aqui que necessariamente houve correspondência entre as promessas e a agenda governamental posta em prática posteriormente, mas que os programas explicitam, de forma clara, os pontos de ação que essas candidaturas apresentavam para o país, constituindo-se, portanto, como documentos importantes para a compreensão da posição do partido - ou do conjunto de partidos da coligação - frente ao escrutínio dos eleitores. Os programas do PSDB, por exemplo, continham informações pormenorizadas, especificando metas e dando detalhes até mesmo sobre obras de infraestrutura. Uma amostra disso são as menções às rodovias que passariam por manutenção intensiva, como se pode observar no trecho a seguir: “BR-317: construção do trecho Rio Branco - Assis Brasil, saída para o Oceano Pacífico através do Porto de 110, no Peru” (Cardoso, 2008aCardoso, F. H. C. (2008a). Mãos à obra, Brasil: proposta de governo. [Programa de Governo] Rio de Janeiro: Centro Edelstein. DOI: 10.7476/9788599662663
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, p. 27).

Outro excerto em que esse detalhamento é evidenciado está na descrição sobre o desenvolvimento de projetos turísticos nas regiões norte e nordeste e suas fontes de financiamento:

Os recursos necessários para este programa virão de seis fontes principais: as verbas tradicionais do orçamento público, saneado e revigorado por uma reforma fiscal; os fundos provenientes do processo de privatização; a criação de um Fundo de Financiamento do Desenvolvimento, usando parte das reservas internacionais do país; a participação nos mercados financeiros nacional e internacional, mediante a emissão de títulos de longo prazo, possibilidade concreta a partir da estabilização macroeconômica; a definição de uma nova parceria com o setor privado na realização de investimentos públicos, na forma de concessões ou de associações com empresas nacionais e estrangeiras; e, finalmente, as fontes usuais de financiamento externo. (Programa PSDB, 1994, p. 5)

Os programas do PT também podem ser classificados como informativos, mesmo o de 2002, que, dos quatro documentos analisados, contém o maior índice de promessas retóricas - como, por exemplo, as seguintes sentenças: “Construir laboratórios regionais de referência para análise da água e dos afluentes sanitários” e “O nosso governo vai estimular o pleno envolvimento da sociedade na definição das políticas setoriais, tanto do ponto de vista da inserção industrial do País quanto do emprego maciço da Tecnologia da Informação nos serviços públicos, na atividade produtiva e na educação” (Partido dos Trabalhadores, 2002Partido dos Trabalhadores. (2002). Um Brasil para Todos, crescimento, emprego e inclusão social. [Programa de Governo]. Disponível em: <https://www1.uol.com.br/fernandorodrigues/arquivos/eleicoes02/plano2002-lula.pdf>. Acesso em: 11 de jun. 2021.
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, p. 70).

IV. Qual a agenda das promessas?

Um segundo movimento no sentido de caracterizar quão informativos seriam os programas de governo foi identificar se haveria diferenças quanto às políticas e temas de cada um dos documentos analisados no que se refere às promessas apresentadas. Dois campos teóricos podem subsidiar essa análise. Um, capitaneado por Downs (2013[1957]), opera na perspectiva de que a ênfase em determinados temas é uma ação estratégica adotada pelos partidos baseada na expectativa de preferência do eleitor mediano, com o objetivo de angariar votos. Outro, conhecido como “teoria da saliência” (Robertson, 1976Robertson, D. (1976) A Theory of Party Competition. London: Wiley.), parte do pressuposto de que os partidos enfatizam diferentes questões, fornecendo aos eleitores possibilidades de escolha. A intensidade com que certos temas aparecem nos programas de governo seria um indicativo da posição assumida pelo partido, caso eleito, e de sua possível priorização na agenda governamental.

Harmel (2016)Harmel, R. (2016). The hows and whys of party manifestos. Some guidance for a cross-national research agenda. Party Politics, 24(3), pp. 229-239. DOI: 10.1177/1354068816678880
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tem enfatizado que os programas de governo podem ter múltiplas finalidades, que não são mutuamente excludentes, para além daquelas indicadas na teoria do mandato ou na teoria da saliência. Um dos propósitos pode ser, por exemplo, estabelecer um certo domínio sobre áreas específicas de políticas. Outros podem estar relacionados a objetivos de ação estratégica em um certo contexto eleitoral. Ainda segundo o autor, nas democracias estabelecidas há mais tempo, os programas partidários tendem a se concentrar em três grandes áreas temáticas: política social, economia e política externa.

Assim, a análise dos domínios temáticos expressos nas promessas de campanha no período em questão nos ajuda não só a caracterizar quão informativos são os programas de governo, mas também a encontrar possíveis fatores explicativos da saliência dada a certos temas em detrimento de outros pelos partidos. Além disso, os dados levantados são uma contribuição importante para pesquisas que se dedicam a explorar pontos específicos dos programas de governo em que os partidos apresentam sua agenda de políticas na campanha.

Na literatura, há indicações marcantes de diferenciação entre os governos dos dois partidos em termos de temas priorizados, organização, composição de quadros e formação das coalizões partidárias. De acordo com Araújo (2011Araújo, M.C. (2011) PSDB e PT e o Poder Executivo. Desigualdade & Diversidade, Dossiê Especial, s/v(s/n), pp. 65-100., p.66), o PT caracteriza-se por “maior ativismo social no partido e no governo, em contraposição ao caráter mais parlamentar do PSDB”. Em relação a políticas públicas, a gestão do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso primou pela estabilidade econômica e um amplo leque de reformas, como a privatização de empresas públicas, reforma administrativa e previdenciária, mudanças na legislação trabalhista, entre outras medidas (Couto & Abrucio 2003Couto, C. & Abrucio, F. (2003) O segundo governo FHC: coalizões, agendas e instituições. Tempo Social, 15(2), pp. 169-301. DOI: 10.1590/S0103-20702003000200011
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; Diniz 2005Diniz, S. (2005) Interações entre os poderes executivo e legislativo no processo decisório: avaliando sucesso e fracasso presidencial. Dados, 48(2), pp. 333-369. DOI: 10.1590/S0011-52582005000200004
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; Silva 2006Silva, S.J. da, (2006) Executivo, legislativo e sindicatos na reforma previdenciária Argentina. Dados, 49(2), pp. 345-377. DOI: 10.1590/S0011-52582006000200004
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). A literatura também aponta para o fato de que a gestão do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu continuidade à política econômica de seu antecessor, mas se diferenciou pela adoção de novas ações governativas de participação, como as Conferências Nacionais (Moroni 2009Moroni, J.A. (2009) O direito à participação no governo Lula. In: L. Avritzer (orgs) Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez.), pela criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e do Fórum Nacional do Trabalho, pelo fomento a políticas de redução da pobreza e combate à fome e pela expansão de programas e políticas sociais (Coêlho 2010Coêlho, D.B. (2010) Competição política e a nova agenda social: por que os partidos políticos de esquerda e direita difundiram programas de transferência de renda no Brasil? In: 13º Congress BIEN (Basic Income Earth Network). São Paulo.; Tomazini 2015Tomazini, C.G. (2015) A disputa pela gestão e participação nas políticas de luta contra a pobreza nos primeiros anos Lula: o caso dos comitês gestores do cartão alimentação. In: O.P. Oliveira & W.R. Romao (orgs) Sociedade civil e políticas públicas: atores e instituições no Brasil contemporâneo: Chapecó: Argos Editora Universitária, pp. 265-298.). Araújo (2011Araújo, M.C. (2011) PSDB e PT e o Poder Executivo. Desigualdade & Diversidade, Dossiê Especial, s/v(s/n), pp. 65-100., p.72) destaca ainda outras diferenças significativas, como

na composição dos quadros mais importantes da administração pública e os arranjos internos à Presidência para abrigar as demandas dos partidos dos governos e seus aliados [...]. O PSDB no poder foi mais permeável à convivência com núcleos petistas do que o PT com o PSDB durante o governo Lula. Do ponto de vista da ocupação estratégica e cargos públicos e políticos, o PT exerceu uma política literalmente mais excludente em relação ao seu principal opositor.

Outros aspectos diferenciais entre as gestões petistas e tucanas referem-se à composição partidária da coalizão de apoio. O ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso formou uma coalizão governista mais homogênea em relação ao espectro ideológico, com adesão de menor número de partidos (no máximo, cinco partidos), ao passo que o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva se viu às voltas com coalizões mais instáveis e heterogêneas, com a participação de maior número de partidos (no máximo, nove partidos).

Variações importantes também podem ser constatadas na criação e composição dos ministérios. Na gestão do ex-Presidente Itamar Franco, antecessor de Fernando Henrique Cardoso, existiam 28 ministérios, passando para 30 durante o primeiro mandato tucano, 26 em 1999 e 27 em 2002. No governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a quantidade de pastas ministeriais chegou a 35 (entre o primeiro mandato e meados do segundo), alcançando 37 pastas em 2007.

A composição partidária do portfólio ministerial nessas gestões é outro aspecto que merece ser mencionado, pois, conforme atesta a literatura (Inácio 2006Inácio, M. (2006) Entre Presidir e Coordenar: Presidência e Gabinetes multipartidários no Brasil. In: 3º Congresso Latino-americano de Ciência Política (4 a 6 de setembro). Campinas.), é por meio da distribuição das pastas ministeriais entre os partidos que o Executivo busca angariar apoio na arena parlamentar. Comparativamente, houve maior equilíbrio na distribuição de pastas ministeriais entre os partidos da base governista durante a gestão tucana do que na petista. De acordo com Araújo (2011Araújo, M.C. (2011) PSDB e PT e o Poder Executivo. Desigualdade & Diversidade, Dossiê Especial, s/v(s/n), pp. 65-100., p.84), o PT chegou a concentrar 50% dos cargos de ministros, embora tivesse em torno de 17% das cadeiras na Câmara dos Deputados.

Nesse sentido, fica claro que há diferenças em relação aos governos dos dois ex-presidentes. Resta indicar se houve diferenças marcantes quanto aos programas apresentados nos pleitos eleitorais, de forma a identificar traços tão distintivos quanto os observados após a vitória dos candidatos. A seleção das promessas nos permitiu demarcar a atuação dos partidos quando o disputante pertencia ao mesmo bloco governista da gestão anterior, como foi o caso do PSDB em relação ao Governo Itamar Franco (na eleição de 1994); quando concorria à reeleição, como nos pleitos de 1998 (PSDB) e de 2006 (PT); e, também, quando fazia o contraponto da situação versus oposição, como aconteceu quando o PT venceu o pleito presidencial de 2002.

Focalizaremos agora a diferenciação das áreas temáticas relativas às promessas de campanha. Para examiná-la, trabalhamos com a hierarquização da frequência dos temas, isto é, analisamos a quantidade de vezes que uma determinada área de política pública foi mencionada nos programas de governo e o seu percentual em relação ao total de promessas. Quanto mais frequente, mais relevante. Com base nos dados obtidos, identificamos os temas que receberam mais ênfase por parte de cada candidatura, de forma a caracterizar se houve alguma diferenciação16 16 Procedemos à classificação temática por meio da codificação por pares. O teste de confiabilidade da codificação temática (Sampaio & Lycarião 2018) foi realizado utilizando a plataforma ReCal. Os resultados são os seguintes: Programa de governo PSDB 1994 e 1998: Alpha de Krippendorff 0,791 e 0,7, respectivamente; Programa de governo PT 2002 e 2006: Alpha de Krippendorff 0,729 e 0,755, respectivamente. .

A análise temática do conteúdo dos programas de governo foi realizada a partir da estrutura proposta pelo MARPOR. O sistema de categorias criado pelo projeto é extremamente relevante devido ao processo de refinamento, replicação e validação alcançado por meio da análise de mais de cem países dos cinco continentes durante 713 eleições, totalizando mais de mil partidos pesquisados desde 1945 (Manifesto Project s.d.), motivo pelo qual decidimos aplicá-lo em nosso corpus17 17 As pesquisas de Contrera, Cassotta & Hebling (2018) e Tarouco & Madeira (2013) indicam que a metodologia utilizada pelo MARPOR para estimar a posição ideológica dos partidos brasileiros apresenta algumas imprecisões. No entanto, como nosso objetivo neste artigo é identificar as áreas temáticas enfatizadas pelo PSDB e pelo PT, a inadequação apontada pelos autores acima mencionados não invalida o uso da categorização temática proposta pelo grupo. .

O MARPOR classifica os manifestos partidários a partir de 56 categorias, das quais 12 são divididas em duas ou mais subcategorias. Essa classificação é agrupada em sete domínios: i) relações exteriores (código 100); ii) liberdades e democracia (código 200); iii) sistema político (código 300); iv) economia (código 400); v) bem-estar e qualidade de vida (código 500); vi) estrutura da sociedade (código 600); vii) grupos sociais (código 700). Alguns domínios são subdivididos, assumindo valores negativos ou positivos - por exemplo, no domínio “liberdade e democracia”, a subcategoria “democracia” (código 202) pode ser abordada tanto numa perspectiva positiva (“democracy as the only game in town”) quanto negativa (“calls for the introduction or maintaining of a non-democratic regime”).

IV.1 Saliência temática

Em relação ao conteúdo temático dos programas, inicialmente fizemos uma comparação entre as sentenças catalogadas como promessas nos quatro documentos, buscando identificar os temas tratados em cada um deles, como apresentado na Tabela 3.

Tabela 3
Frequência de domínios temáticos (geral) nas promessas de campanha do PSDB e do PT

Num primeiro olhar sobre os dados, já é possível identificar temas de maior proeminência que atravessam os quatro programas analisados, indicando uma certa uniformização das agendas apresentadas. Um exemplo é “Tecnologia e Infraestrutura”, cujos percentuais variam de 10,7% (Partido dos Trabalhadores, 2002Partido dos Trabalhadores. (2002). Um Brasil para Todos, crescimento, emprego e inclusão social. [Programa de Governo]. Disponível em: <https://www1.uol.com.br/fernandorodrigues/arquivos/eleicoes02/plano2002-lula.pdf>. Acesso em: 11 de jun. 2021.
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) a 23,9% (Cardoso, 2008aCardoso, F. H. C. (2008a). Mãos à obra, Brasil: proposta de governo. [Programa de Governo] Rio de Janeiro: Centro Edelstein. DOI: 10.7476/9788599662663
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) das promessas, e “Expansão do Bem-Estar Social”, item relevante em todas as campanhas. Quando consideramos as dez categorias de maior ênfase, essa proeminência se confirma. Apenas em 2002 a ordem entre essas duas categorias se altera, com “Expansão do Bem-Estar Social” em primeiro lugar. Além disso, o tema “Descentralização” também ganha ênfase nesse ano e figura entre os três primeiros, junto com “Tecnologia e Infraestrutura”, como demonstrado na Tabela 4.

Tabela 4
Proeminência temática geral - promessas de campanha PSDB (1994/1998) e PT (2002/2006)

Importante destacar que cerca de 67% das promessas identificadas no corpus se encontram nos dez temas elencados na Tabela 4, demonstrando sua relevância em todas as campanhas e uma certa uniformidade entre os documentos. Entretanto, se observarmos os dados por ano e sigla, percebemos que o percentual de promessas identificadas nessas áreas é maior nos programas do PSDB, com 69,54% em 1994 e 70,45% em 1998; nos programas do PT, por sua vez, os percentuais são de 59,09% e 52,96% em 2002 e 2006, respectivamente. Essa diferença deve-se a uma provável divergência dos documentos petistas em relação aos temas enfatizados nesse apanhado geral, informando-nos que a análise transversal dos programas pode apresentar peculiaridades importantes para cotejar os resultados gerais.

No caso do PSDB, ambos os documentos apontam um conjunto de temas de destaque semelhantes aos temas gerais. A novidade se dá com o aparecimento de promessas relacionadas a “Trabalho” em 1994 e a ausência de destaque a promessas relacionadas a “Descentralização” das políticas públicas. Ao comparar os dados da Tabela 4 com os da Tabela 3, vemos que esse item foi mencionado em apenas 1,7% das promessas nesse ano. Já em 1998, há uma inversão: “Trabalho” perde proeminência, reduzido a 2,3% das promessas, e “Descentralização” cresce, passando a figurar entre os principais temas, com 5,7% das menções. “Expansão do Bem-Estar Social” também ganha mais destaque no programa que baseia a campanha de reeleição de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), assim como “Educação”, que vai da 5ª posição em 1994 para a 3ª em 1998, com 9,8% das promessas (o que, em termos absolutos, representa 108 ocorrências), conforme indicado no Gráfico 1.

Gráfico 1
Proeminência temática - programas PSDB (1994 e 1998)

Retomando ainda os dados gerais, é relevante destacar, por fim, uma ausência importante: a categoria “Economia de Livre Mercado”. No programa do PSDB, que endossou um governo posterior marcado pela reforma do Estado e pelo caráter liberal na política econômica, a economia aparece nos programas mais atrelada à geração de bem-estar e crescimento econômico - ambas bem posicionadas entre os dez temas mais proeminentes - do que ao livre comércio, com o item “Economia de Livre-Mercado” aparecendo em 15 promessas em 1994 (1,7%) e apenas 1 em 1998. Nos programas do PT, o tema aparece apenas 1 vez em 2002, estando completamente ausente nas promessas de reeleição.

Passemos agora à análise mais detida das promessas petistas. Mesmo com a proeminência dos temas “Tecnologia e Infraestrutura”, “Expansão do Bem-Estar Social” e “Descentralização”, que os assemelha aos programas do seu antecessor, o partido apresenta uma gama maior de temas em relação àqueles disponibilizados na análise geral. É o caso de “Sustentabilidade”, “Proteção Ambiental”, “Objetivos Econômicos” e “Compromisso Democrático”, em 2002, e “Política Anticorrupção”, em 2006. Além disso, como se pode observar no Gráfico 2, o programa de 2006 se aproxima mais dos assuntos tratados nas gestões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso do que a primeira eleição do partido em 2002 (Gráfico 2).

Gráfico 2
Proeminência temática - programas PT (2002 e 2006)

Nesse sentido, conforme apontado por Harmel (2016)Harmel, R. (2016). The hows and whys of party manifestos. Some guidance for a cross-national research agenda. Party Politics, 24(3), pp. 229-239. DOI: 10.1177/1354068816678880
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, apesar das convergências entre candidaturas de partidos distintos, para os casos aqui em análise também parece ser relevante o contexto eleitoral e a ocorrência de disputas intrapartidárias. O pleito de 2002 ocorreu num cenário de crise econômica e de elevação das taxas de desemprego. Assim, é plausível o aumento do tema “Expansão do Bem-Estar Social” no programa vencedor, que continha 39 promessas (16,12% do total) relacionadas a ele, figurando como item mais forte do programa.

A crise econômica e o favoritismo do candidato petista (conforme pesquisas de opinião da época), por outro lado, elevou o grau de incerteza no mercado financeiro. A estratégia petista foi divulgar o documento “Carta aos Brasileiros”, em que o presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o compromisso de, se eleito, não adotar mudanças significativas na política econômica até então praticada. E, diferentemente das disputas anteriores, a sigla consolidou uma coligação com o então Partido Liberal (PL), tendo como candidato à vice-presidência o Senador José Alencar, oriundo originalmente do PMDB (Vizoná, 2019Vizoná, A. (2019) Discursos Eleitorais de PT e PSDB nos Programas de Governo e Debates Televisivos: ideologia, estratégias e pragmatismo. Tese de Doutorado. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos.). Isso também se refletiu na proeminência dos temas “Objetivos Econômicos” e “Crescimento Econômico” em 2002, que perderam força em 2006 e não figuraram entre os assuntos mais proeminentes da agenda.

Além disso, como aponta Azevedo (2017)Azevedo, F. (2017) A grande imprensa e o PT. São Carlos: Edufscar., o Partido dos Trabalhadores e suas candidaturas sofriam fortes críticas de “extremistas” ligados a um modelo político autoritário e pouco democrático. Assim, pode-se observar que o item “Compromisso Democrático” surge nos documentos do PT em 2002 e se mantém em 2006, sinalizando o compromisso do partido e do futuro governo com a estabilidade das instituições e da democracia. Esse tema, que não aparece nos programas tucanos em 1994 e é pouco destacado em 1998 (2,6%), está entre os dez mais proeminentes em ambos os documentos petistas, ocorrendo em um total de 14 (5,8%) e 10 (4%) promessas, respectivamente.

No pleito de 2006, “Tecnologia e Infraestrutura” passa a ser a pauta de maior destaque, seguido de “Expansão do Bem-Estar Social” e “Igualdade”, que sai da 6ª posição em 2002 para a 3ª na reeleição. Essas três categorias temáticas evidenciam ainda uma forte preocupação com o crescimento atrelado à infraestrutura do país e também à igualdade social. Na primeira gestão petista, o governo sofreu fortes críticas por parte de militantes e apoiadores que interpretavam que as ações governamentais se distanciavam cada vez mais de demandas históricas do partido e dos movimentos sociais. O aumento significativo de promessas relacionadas a esses domínios no programa de 2006 também pode ser interpretado, portanto, como uma forma de resposta a essas críticas e uma sinalização a militantes e apoiadores do partido de que um novo direcionamento seria dado caso a sigla fosse vitoriosa no pleito da reeleição.

Um destaque importante é o aparecimento das categorias “Lei e Ordem” e “Políticas Anticorrupção” entre os temas em destaque em 2006. A primeira delas teve apenas 1 menção em 2002, contra 16 na reeleição. E o tema da corrupção, praticamente ausente nas eleições anteriores, passa a figurar em 4% das promessas apresentadas no programa do PT para a continuidade do governo. Cabe ressaltar que, em 2005, um ano antes da eleição, o governo e o seu partido foram mencionados no chamado “escândalo do Mensalão”, em que parlamentares denunciaram a compra de votos no Congresso para aprovação de matérias de interesse do Executivo.

Por fim, ainda em 2006, as promessas relacionadas à “Sustentabilidade” e “Proteção Ambiental” perdem força e vemos o destaque de ações relacionadas ao avanço da “Educação”, assim como ocorreu na reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

V. Considerações finais

Conforme ressaltado anteriormente, estudos sobre programas de governo na ciência política brasileira são raros. O mais próximo que se tem disso são os estudos sobre programas partidários pioneiramente desenvolvidos por Tarouco (2011)Tarouco, G.S. (2011) Brazilian Parties According to their manifestos: political identity and programmatic emphases. Brazilian Political Science Review, 5(1), pp. 54-76., Tarouco & Madeira (2013)Tarouco, G.S. & Madeira, R.M. (2013). Partidos, Programas e o Debate sobre Esquerda e Direita no Brasil. Revista de Sociologia e Política, 21(45), pp. 149-165. DOI: 10.1590/S0104-44782013000100011
https://doi.org/10.1590/S0104-4478201300...
e Tarouco, Vieira & Madeira (2015)Tarouco, G.S., Vieira, S.M. & Madeira, R.M. (2015) Mensuração de Preferências Políticas: Análise de Manifestos Partidários. Revista Política Hoje, 24(2), pp. 135-150. e, posteriormente, por Contrera, Cassotta e Hebling (2018)Contrera, F., Cassotta, P.L. & Hebling, M.L. (2018) Estudo da aplicação do método padrão do manifesto project para o posicionamento ideológico de partidos argentines, brasileiros e chilenos em campanhas presidenciais. In: 11º Encontro da ABCP. Curitiba., Gregório e Contrera (2020)Gregório, P.C. & Contrera, F. (2020). A direita nas eleições presidenciais brasileiras de 2018: prioridades temáticas e variações ideológicas. Revista Agenda Política, 8(1), pp. 10-49. e Jorge et. al. (2018)Jorge, V.L., Silva, M.G., Faria, A.M.T. & Ferreira, A.R. (2018) Análise dos programas eleitorais dos candidatos a presidente em 2014: o posicionamento ideológico do PT e do PSDB. Revista de Sociologia e Política, 26(67), pp. 1-20. DOI: 10.1590/1678987318266701
https://doi.org/10.1590/1678987318266701...
. Defendemos aqui que os programas de governo podem contribuir para aprimorarmos o conhecimento sobre a dinâmica de funcionamento do nosso sistema político.

Conforme sugerido por Manin, Przeworski e Stokes (2006)Manin, B., Przeworski, A. & Stokes, C. (2006) Eleições e Representação. Lua Nova, s/v(67), pp. 105-138. DOI: /10.1590/S0102-64452006000200005
https://doi.org/10.1590/S0102-6445200600...
, um primeiro passo para o encaminhamento das análises nesse sentido é verificar se os programas de governo apresentam elementos informativos suficientes que possam orientar a escolha dos eleitores, ou seja, analisar se os documentos efetivamente apresentam compromissos e propostas das candidaturas. Nosso primeiro desafio, então, foi encontrar evidências de que os candidatos aos pleitos presidenciais utilizaram os programas como forma de anunciar possíveis ações governamentais caso eleitos, e os resultados encontrados foram positivos. Ainda que com variações, principalmente na comparação entre os detalhamentos fornecidos pelos programas tucanos e petistas, o fato é que ambos atendem àquele requisito.

Vencida essa etapa, dois campos teóricos podem subsidiar as análises sobre os conteúdos temáticos expressos nas promessas contidas nos programas. De acordo com o primeiro deles (Downs 2013Downs, A. (2013) [1957] Uma Teoria Econômica da Democracia. São Paulo: Edusp. [1957]), os partidos tenderiam a se diferenciar menos porque a ênfase em determinados temas seria definida de acordo com o que as siglas captam das preferências dos eleitores num dado momento. Já para o segundo campo teórico (Robertson 1976Robertson, D. (1976) A Theory of Party Competition. London: Wiley.), haveria uma tendência à maior diferenciação temática, já que o que orienta a ênfase dos temas não é a opinião dos eleitores, mas a posição a priori dos partidos.

Nos casos aqui em análise, há limites para a incorporação de tais teses. PSDB e PT constituíram-se como polos de disputa política e alternância no poder por mais de vinte anos. São partidos diferentes do ponto de vista de sua formação e suas características organizacionais, logo, poderíamos esperar que seus programas também expressassem certas diferenças, principalmente no que diz respeito aos domínios temáticos. Nesse aspecto, nossa pesquisa não permite estabelecer diferenças plenas entre eles.

O que encontramos nos programas de governo aqui analisados acompanha parcialmente a tendência encontrada em democracias longevas de priorização de temas relativos à economia e ao bem-estar. Isso não acontece, entretanto, em relação à política externa, certamente em razão do caráter periférico do Brasil no cenário internacional. As promessas analisadas apontam também para um núcleo estável de temas que atravessam todas as candidaturas - independentemente do partido e da posição de continuidade do candidato -, a saber: “Infraestrutura”, “Expansão do Bem-Estar Social” e “Economia”. Ao mesmo tempo, há um espaço menor de diferenciação que depende da atuação das disputas intrapartidárias e da conjuntura eleitoral (Harmel 2016Harmel, R. (2016). The hows and whys of party manifestos. Some guidance for a cross-national research agenda. Party Politics, 24(3), pp. 229-239. DOI: 10.1177/1354068816678880
https://doi.org/10.1177/1354068816678880...
), como mostram a incorporação das categorias “Compromisso Democrático”, “Política Anticorrupção”, “Sustentabilidade” e “Proteção Ambiental” nos documentos do PT e o foco em “Eficiência Governamental e Administrativa” e “Agricultura” nos manifestos do PSDB. A “Expansão da Educação” ganha ênfase nos dois programas de reeleição dos partidos. Outra diferença importante é que, apesar de os quatro programas tratarem de políticas da promoção de “Igualdade” entre os dez temas mais salientes, nos documentos do PSDB, o item aparece nas últimas posições, sendo melhor enfatizado nos documentos petistas, em especial no da reeleição (Partido dos Trabalhadores 2006Partido dos Trabalhadores. (2006). Lula de Novo com a Força do Povo”. [Programa de Governo] Disponível em: <https://fpabramo.org.br/csbh/wp-content/uploads/sites/3/2017/04/Programa_de_governo_2007-2010.pdf>. Acesso em: 11 de jun. 2021.
https://fpabramo.org.br/csbh/wp-content/...
).

Em resumo, nossos achados apontam para o fato de que os programas não expressam nem uma agenda única, central, nem uma agenda completamente divergente. Trata-se de documentos múltiplos e informativos (Harmel 2016Harmel, R. (2016). The hows and whys of party manifestos. Some guidance for a cross-national research agenda. Party Politics, 24(3), pp. 229-239. DOI: 10.1177/1354068816678880
https://doi.org/10.1177/1354068816678880...
; Manin, Przeworski & Stokes 2006Manin, B., Przeworski, A. & Stokes, C. (2006) Eleições e Representação. Lua Nova, s/v(67), pp. 105-138. DOI: /10.1590/S0102-64452006000200005
https://doi.org/10.1590/S0102-6445200600...
), que podem e devem ser objeto mais aprofundado de pesquisas no âmbito da ciência política brasileira, constituindo um campo fértil para reflexões à luz do cruzamento de variáveis explicativas já apresentadas na literatura ou propostas conforme a necessidade dos pesquisadores.

  • 1
    Este texto é um subproduto da pesquisa “Promessas de Campanha Eleitoral e Agenda de Governo - Análise da Gestão dos ex-Presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva”, financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo no 2017/23525-2. Agradecemos aos pareceristas da FAPESP e da Revista de Sociologia e Política pelos comentários.
  • 2
    Importante esforço para suprir essa lacuna foi realizado por Salles (2019)Salles, N. (2019) Programs and parties: rethinking electoral competition through analysis of brazilian “grotões”. Brazilian Political Science Review, 13(2), pp. 1-36. DOI: 10.1590/1981-3821201900020003
    https://doi.org/10.1590/1981-38212019000...
    e Salles & Guarnieri (2019)Salles, N. & Guarnieri, F. (2019) Estratégia eleitoral nos municípios brasileiros: componente programático e alinhamento partidário. Revista de Sociologia e Política, 27(72), pp. 2-22. DOI: 10.1590/1678-987319277201
    https://doi.org/10.1590/1678-98731927720...
    .
  • 3
    Na literatura internacional, análises sobre promessas de campanha comumente utilizam a palavra “manifesto” quando se debruçam, grosso modo, sobre dois conjuntos de documento: a) documentos de fundação e/ou diretrizes dos partidos, que podem ser denominados programas partidários; b) programas de governo apresentados pelas candidaturas. Este artigo tem como foco o segundo tipo de texto apontado.
  • 4
    São referências os trabalhos de Artés (2011)Artés, J. (2011) Do Spanish Politicians keep their promises? Party Politics, 19(1), pp. 143-158. DOI: 10.1177/1354068811407581
    https://doi.org/10.1177/1354068811407581...
    , Artés & Bustos (2008)Artés, J. & Bustos, A. (2008) Electoral promises and minority governments: an empirical study. European Journal of Political Research, 47(3), pp. 307-333. DOI: 10.1111/j.1475-6765.2007.00722.x
    https://doi.org/10.1111/j.1475-6765.2007...
    , Costello & Thomson (2007)Costello, R. & Thomson, R. (2007) Election Pledges and their enactment in coalition governments: A comparative analysis of Ireland. In: ECPR General Conference. Pisa., Dolezal et al. (2012)Dolezal, M., Ennser-Jedenastik, L., Müller, W.C. & Winkler, A.K. (2012) Analysing Manifestos in their Electoral Context: A New Approach with Application to Austria, 2002-2008. Political Science Research and Methods, 4(3), pp. 641-650. DOI: 10.1017/psrm.2015.38
    https://doi.org/10.1017/psrm.201538...
    , Mansergh & Thomson (2007)Mansergh, L. & Thomson, R. (2007) Election Pledges, Party Competition, and Policymaking. Comparative Politics, 39(3), pp.311-29. DOI: 10.2307/20434043
    https://doi.org/10.2307/20434043...
    , Moury (2010)Moury, C. (2010) Coalition agreement and party mandate: how coalition agreements constrain the ministers. Party Politics, 17(3), pp. 385-404. DOI: 10.1177/1354068810372099
    https://doi.org/10.1177/1354068810372099...
    , Naurin, Royed & Thomson (2014Naurin, E., Royed, T. & Thomson, R. (2014) Is Promise a Promise? Election Pledge Fulfilment in Comparative Perspective Using Sweden as an example. West European Politics, 37(5), pp. 1046-1064. DOI: 10.1080/01402382.2013.863518
    https://doi.org/10.1080/01402382.2013.86...
    , 2019Naurin, E., Royed, T. & Thomson, R. (2019) Party Mandates and Democracy: Making, Breaking and Keeping Elections Pledges in Twelve Countries. Ann Arbor: University of Michigan Press.), Schermann & Ennser-Judenastik (2014)Schermann, K. & Ennser-Judenastik, L. (2014) Explaining coalition-bargaining outcomes: evidence from Austria, 2002-2008. Party Politics, 20(5), pp. 791-801. DOI: 10.1177/1354068812453373
    https://doi.org/10.1177/1354068812453373...
    , Svacinová (2015)Svacinová, P. (2015) Manifesto Pledges and Coalition Agreements in Czech County Towns after the 2014 Local Elections. ECPR Joint Sessions (29 march - 2 april), University of Varsaw, Panel City Leadership and Austerity: Political Strategies for Local Governing in Times of Crisis. Varsaw. Disponível em: <https://ecpr.eu/Filestore/PaperProposal/9c59d6bb-fa7e-44e7-9a67-ff95d1a1db1a.pdf> [requer login]. Acesso em: 11. jun. 2021.
    https://ecpr.eu/Filestore/PaperProposal/...
    , Thomson (2001)Thomson, R. (2001) The programme to policy linkage: the fulfilment of election pledges on socio-economic policy in the Netherlands, 1986-1998. European Journal of Political Research, 40(2), pp. 171-197. DOI: 10.1111/1475-6765.00595
    https://doi.org/10.1111/1475-6765.00595...
    , Thomson, Royed & Naurin (2010)Thomson, R., Royed, T. & Naurin, E. (2010) The Program-to-policy linkage: a comparative study of election pledges and government policies in the United States, the United Kingdom, the Netherlands and Ireland. In: Annual Meeting of the American Political Science Association. Washington. e Zubek & Klüver (2013)Zubek, R. & Klüver, H. (2013) Legislative pledges and coalition government. Party Politics, 21(4), pp. 603-614. DOI: 10.1177/1354068813487126
    https://doi.org/10.1177/1354068813487126...
    .
  • 5
    Cardoso (2008aCardoso, F. H. C. (2008a). Mãos à obra, Brasil: proposta de governo. [Programa de Governo] Rio de Janeiro: Centro Edelstein. DOI: 10.7476/9788599662663
    https://doi.org/10.7476/9788599662663...
    ; 2008bCardoso, F. H. C. (2008b). Avança Brasil: proposta de governo. [Programa de Governo] Rio de Janeiro: Centro Edelstein. DOI: 10.7476/9788599662687
    https://doi.org/10.7476/9788599662687...
    ), acessado em 25 de março de 2018. Vale ressaltar que a exigência para que todos os candidatos a cargos executivos registrem no TSE seus programas de governo passou a vigorar com a promulgação da Lei no 12.034, de 29 de setembro de 2009 (Brasil 2009Brasil (2009). Lei no 12.034, de 29 de setembro de 2009. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2009/lei-12034-29-setembro-2009-591412-norma-pl.html> Acesso em: 11 de jun. 2021.
    https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei...
    ).
  • 6
    Partido dos Trabalhadores (2002).
  • 7
    Partido dos Trabalhadores (2006).
  • 8
    No original: “it seems reasonable to suggest that the best way to ‘test’ the mandate theory of elections is to look only at firm pledges, and to determine whether or not each pledge has indeed been redeemed” (Royed, 1996Royed, T. (1996) Testing the Mandate Model in Britain and the United States: Evidence from the Reagan and Thatcher Eras. British Journal of Political Science, 26(1), pp. 45-80. DOI: 10.1017/S0007123400007419
    https://doi.org/10.1017/S000712340000741...
    , p.54).
  • 9
    Shugart & Carey (1992)Shugart, M.S. & Carey, J. (1992) Presidents and Assemblies: Constitucional Design and electoral dynamics. New York: Cambridge University Press. analisam detalhadamente as variações do sistema presidencialista.
  • 10
    No original: “a commitment to carry out some action or produce some outcome, where an objective estimation can be made as to whether or not the action was indeed taken or the outcome produced. If a party seems to commit to some sort of change, and one could equally strongly argue that it was carried out, and that it was not, then the “pledge” is considered too vague or value-laden to be considered a “real” pledge. Instead, it is considered primarily a rhetorical statement.” (Royed, 1996Royed, T. (1996) Testing the Mandate Model in Britain and the United States: Evidence from the Reagan and Thatcher Eras. British Journal of Political Science, 26(1), pp. 45-80. DOI: 10.1017/S0007123400007419
    https://doi.org/10.1017/S000712340000741...
    , p.79, grifo nosso). Recorremos a essa definição tanto pela sua capacidade de operacionalização quanto pelo fato de que se trata do primeiro estudo sobre programas de governo a apresentar uma definição explícita de “promessa” (Petry & Collette 2008Petry, F. & Collette, B. (2008) Measuring how political parties keep their promises. In: L.M. Imbeau (eds) Do They Walk Like They Talk? Speech and Action in Policy Processes. New York: Springer-Verlag New York, pp. 65-82.).
  • 11
    No original: “pledges are defined as statements in which parties express unequivocal support for proposed government policy actions or non-actions that are testable” (Thomson, 2001Thomson, R. (2001) The programme to policy linkage: the fulfilment of election pledges on socio-economic policy in the Netherlands, 1986-1998. European Journal of Political Research, 40(2), pp. 171-197. DOI: 10.1111/1475-6765.00595
    https://doi.org/10.1111/1475-6765.00595...
    , p.180).
  • 12
    A unidade de análise quasi sentence é expressa numa frase, que pode apresentar subdivisões de orações que arrolam itens.
  • 13
    A codificação foi realizada pela coordenação do projeto e por uma assistente de pesquisa.
  • 14
    Trata-se de um coeficiente de concordância para escalas nominais que remove o efeito de coincidências aleatórias (ou seja, que ocorrem quando os codificadores concordam por mero acaso). Uma codificação será considerada confiável se o índice for superior a 0,667 (Sampaio & Lycarião, 2018Sampaio, R. & Lycarião, D. (2018) Eu quero acreditar! Da importância, formas de uso e limites dos testes de confiabilidade na Análise de Conteúdo. Revista de Sociolgia e Política, 26(66), pp. 31-47. DOI: 10.1590/1678-987318266602
    https://doi.org/10.1590/1678-98731826660...
    , p.38).
  • 15
    Ver também Freelon (2017)Freelon, D. (2017) ReCal: reliability calculation for the masses [online utility]. Disponível em: <http://dfreelon.org/utils/recalfront/>. Acesso em 11 de jun. 2021.
    http://dfreelon.org/utils/recalfront/...
    .
  • 16
    Procedemos à classificação temática por meio da codificação por pares. O teste de confiabilidade da codificação temática (Sampaio & Lycarião 2018Sampaio, R. & Lycarião, D. (2018) Eu quero acreditar! Da importância, formas de uso e limites dos testes de confiabilidade na Análise de Conteúdo. Revista de Sociolgia e Política, 26(66), pp. 31-47. DOI: 10.1590/1678-987318266602
    https://doi.org/10.1590/1678-98731826660...
    ) foi realizado utilizando a plataforma ReCal. Os resultados são os seguintes: Programa de governo PSDB 1994 e 1998: Alpha de Krippendorff 0,791 e 0,7, respectivamente; Programa de governo PT 2002 e 2006: Alpha de Krippendorff 0,729 e 0,755, respectivamente.
  • 17
    As pesquisas de Contrera, Cassotta & Hebling (2018)Contrera, F., Cassotta, P.L. & Hebling, M.L. (2018) Estudo da aplicação do método padrão do manifesto project para o posicionamento ideológico de partidos argentines, brasileiros e chilenos em campanhas presidenciais. In: 11º Encontro da ABCP. Curitiba. e Tarouco & Madeira (2013)Tarouco, G.S. & Madeira, R.M. (2013). Partidos, Programas e o Debate sobre Esquerda e Direita no Brasil. Revista de Sociologia e Política, 21(45), pp. 149-165. DOI: 10.1590/S0104-44782013000100011
    https://doi.org/10.1590/S0104-4478201300...
    indicam que a metodologia utilizada pelo MARPOR para estimar a posição ideológica dos partidos brasileiros apresenta algumas imprecisões. No entanto, como nosso objetivo neste artigo é identificar as áreas temáticas enfatizadas pelo PSDB e pelo PT, a inadequação apontada pelos autores acima mencionados não invalida o uso da categorização temática proposta pelo grupo.
  • A produção desse manuscrito foi viabilizada através do patrocínio fornecido pelo Centro Universitário Internacional Uninter à Revista de Sociologia e Política.

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Outras fontes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2019
  • Aceito
    22 Jun 2020
  • Recebido
    02 Nov 2020
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