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Processos psicossociais, saúde mental e trabalho em um instituto federal de educação

Psychosocial processes, mental and occupational health in a Brazilian federal education institution

Resumo:

Introdução:

estudos sobre processos ou fatores psicossociais e suas possíveis relações com a saúde ocupacional no mundo contemporâneo do trabalho são necessários para poder intervir e minimizar vulnerabilidades sociais e psicológicas nos locais de trabalho.

Objetivo:

caracterizar os fatores psicossociais - protetivos e de risco à saúde mental - relacionados ao trabalho, sob a perspectiva de gestores e profissionais de saúde do trabalhador de uma instituição federal de educação.,

Métodos:

pesquisa qualitativa com abordagem da psicodinâmica do trabalho. Os dados foram coletados por meio de grupos focais e interpretados com análise temática de conteúdo.

Resultados:

os fatores protetivos evidenciados incluíram ambiente e equipamentos; autonomia do trabalhador; participação nas decisões; relacionamento interpessoal; cultura institucional de apoio; e valorização social do trabalho. Como fatores de risco foram destacados intensificação e sobrecarga de trabalho; imprecisões de competências e responsabilidades; insegurança na carreira; e conciliação trabalho-família.

Conclusão:

condições de trabalho e aspectos individuais do trabalhador foram referidos tanto como fatores protetivos quanto de risco à saúde mental do trabalhador e podem propiciar parâmetros para a estruturação de programas de gestão de riscos psicossociais.

Palavras-chave:
trabalho; intervenção psicossocial; saúde mental; saúde do trabalhador

Abstract

Introduction:

research on psychosocial factors or processes and their possible relations to occupational health in the contemporary labor world are necessary for intervening and minimizing social and psychological vulnerabilities in the workplace.

Objective:

to characterize psychosocial factors, protective and of risk for work-related mental health, as seen by managers and occupational health professionals from a Brazilian federal education institution.

Methods:

qualitative research based on psychodynamics. We collected data by focus groups and interpreted them using content thematic analysis.

Results: the highlighted protective factors included environment and equipment; worker autonomy; participation in decision-making; interpersonal relationships; supportive institutional culture; and social appreciation. Work intensification and overload; vagueness of competencies and responsibilities; career insecurity; and work-family balance were highlighted as risk factors.

Conclusion:

working conditions and worker’s individual aspects emerged as both protective and risk factors for worker’s mental health and can provide guidelines for developing psychosocial risk management programs.

Keywords:
work; psychosocial intervention; mental health; occupational health

Introdução

Mudanças tecnológicas e sociais, avanço da globalização e alterações econômicas mundiais transformaram as organizações, os processos de trabalho e os modos de relação entre as pessoas nos ambientes laborais. A partir disso, outras formas de organização, relações profissionais, vivências de prazer e de sofrimento surgiram.

Doenças relativamente novas, tais como as afecções musculoesqueléticas e os transtornos mentais, estão cada vez mais frequentes no contexto atual, em que é complexo estabelecer nexo causal com o trabalho. No Brasil, as causas de afastamento laboral acompanharam essa tendência mundial e têm como principais motivos a má postura, esforços repetitivos e sobrecarga mental11. Organização Internacional do Trabalho (OIT). A prevenção de doenças profissionais [Internet]. 2013 [citado em 10 mar 2019]. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-lisbon/documents/publication/wcms_714586.pdf
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Nas últimas duas décadas, adoecimentos no país relacionados aos transtornos mentais, considerando os benefícios previdenciários por doença comum ou por agravos à saúde relacionados ao trabalho, têm oscilado entre segunda e terceira causa de afastamentos de trabalhadores regidos pela Previdência Social22. Bahia. Secretaria da Saúde do Estado, Superintendência de Vigilância e Proteção da Saúde, Diretoria de Vigilância e Atenção à Saúde do Trabalhador. Protocolo de atenção à saúde mental e trabalho. Salvador: DIVAST; 2014.. Quando se observa a concessão de auxílios-doença e aposentadorias por invalidez aos segurados empregados, entre 2012 e 2016, verifica-se que os transtornos mentais e comportamentais foram a terceira causa de incapacidade laboral33. Brasil. Secretaria da Previdência, Ministério da Fazenda. Adoecimento Mental e Trabalho: a concessão de benefícios por incapacidade relacionados a transtornos mentais e comportamentais entre 2012 e 2016. 1º Boletim Quadrimestral sobre Benefícios por Incapacidade. Brasília, DF: Secretaria da Previdência; 2017.. No serviço público, de acordo com estudos de prevalência, tais transtornos já são considerados a principal causa de afastamento por saúde44. Baash D, Trevisan R, Cruz R. Perfil epidemiológico dos servidores públicos catarinenses afastados do trabalho por transtornos mentais de 2010 a 2013. Cien Saude Colet. 2017;22(5):1641-50..

Nesse cenário, é importante identificar quais processos psicossociais estão envoltos nas atividades laborais. De um lado, tem-se o indivíduo com suas vivências e necessidades; do outro, os aspectos do trabalho55. Guimarães LAM. Fatores psicossociais de risco no trabalho. In: Ferreira JJ, Penido LO, coordenadores. Saúde mental no trabalho: uma coletânea do fórum de saúde e segurança no trabalho do estado de Goiás. Goiânia: Cir Gráfica; 2013. p. 273-82.. De acordo com a literatura, esses processos englobam três dimensões (fatores individuais do trabalhador, condições laborais e fatores externos ao trabalho) e são representados pelas percepções e experiências dos trabalhadores e influenciados pela organização do trabalho e pelo cenário social e econômico66. International Labour Office (ILO). Psychosocial factors at work: recognition and control [Internet]. 1984 [citado em 10 mar 2019]. Disponível em: https://www.ilo.org/public/libdoc/ilo/1986/86B09_301_engl.pdf
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Os fatores individuais do trabalhador dizem respeito à satisfação de necessidades e expectativas do indivíduo. As condições laborais se referem ao ambiente e às condições físicas no local das atividades, à tarefa do indivíduo, às relações interpessoais e às práticas de gerenciamento. E as condições externas ao trabalho estão ligadas à preocupação com a vida privada, relações familiares, facilidade de transporte e habitação66. International Labour Office (ILO). Psychosocial factors at work: recognition and control [Internet]. 1984 [citado em 10 mar 2019]. Disponível em: https://www.ilo.org/public/libdoc/ilo/1986/86B09_301_engl.pdf
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Essas interações dinâmicas entre trabalho e trabalhador podem ser interpretadas como protetivas ou como de riscos psicossociais à saúde mental desses indivíduos. Nesse sentido, o trabalho pode ofertar suporte e proteção ou pode ser ameaçador e perigoso77. Zanelli JC, Kanan LA. Fatores de riscos, proteção psicossocial e trabalho: organizações que emancipam ou que matam. Lages: Editora Uniplac; 2018..

Tanto em organizações privadas, quanto no serviço público são encontrados fatores protetivos e de riscos psicossociais relativos ao trabalho. Com relação aos riscos, alguns destes, devido à realidade diferenciada da esfera pública, são específicos: privatizações das organizações; terceirizações setoriais; condições laborais degradadas; deficiências dos serviços e responsabilização dos servidores; instabilidade advinda das mudanças políticas; não continuidade das ações; acúmulo de funções; além do estereótipo da morosidade88. Nunes AVL, Lins SLB. Servidores públicos federais: uma análise do prazer e sofrimento no trabalho. Rev Psicol Organ Trab. 2009;9(1):51-67..

Considerando que tais fatores relacionados ao ambiente e à organização do trabalho podem ser importantes riscos para a saúde mental dos indivíduos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta sobre a importância de organizações trabalharem com a prevenção no ambiente laboral99. World Health Organization (WHO). Global plan of action on workers' health (2008-2017): baseline for implementation [Internet]. 2013 [citado em 18 mar 2019]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-FWC-PHE-2013-01
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e, portanto, adotarem ações psicossociais protetivas que promovam confiança e respeito nas relações interpessoais, estimulem a resiliência, o engajamento e a aprendizagem compartilhada77. Zanelli JC, Kanan LA. Fatores de riscos, proteção psicossocial e trabalho: organizações que emancipam ou que matam. Lages: Editora Uniplac; 2018..

Dessa forma, o desenvolvimento de estudos em organizações de trabalho que identifiquem tais fatores pode gerar conhecimentos relevantes para lidar com os processos saúde-doença e trabalho, além de poder propiciar a elaboração de estratégias interventivas com foco na minimização de vulnerabilidades psicossociais e na promoção de ações de saúde mental, com o intuito de diminuir os riscos de adoecimentos.

O termo organização de trabalho, nesta pesquisa, é entendido na sua acepção mais geral: da reunião de pessoas para o alcance de um objetivo comum e que possui uma estrutura e processos de trabalho, tal qual é o que fundamenta a literatura sobre processos psicossociais.

Neste sentido, o presente estudo teve como objetivo principal caracterizar os fatores psicossociais - protetivos e de risco à saúde mental - relacionados ao trabalho, sob a perspectiva de gestores e de profissionais de saúde do trabalhador de uma instituição federal de educação profissional, científica e tecnológica.

Métodos

A abordagem da pesquisa foi qualitativa, com o propósito de aprofundar a compreensão dos fenômenos investigados, interpretando-os por meio da perspectiva dos sujeitos participantes daquela situação e contexto1010. Minayo MCS, organizadora. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 30 ed. Petrópolis: Vozes; 2011.. A delimitação do campo da pesquisa foi aplicada, exploratória e descritiva1111. Córdova FP, Silveira DT. A pesquisa científica. In: Gerhardt TE, Silveira DT, organizadoras. Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS; 2009. p. 31-42.. Aplicada, por envolver “verdades”, interesses locais e problemas específicos; exploratória, por proporcionar maior familiaridade com uma realidade vivenciada, mas pouco conhecida; e descritiva, por ter como objetivo a descrição dos fenômenos de determinada realidade1111. Córdova FP, Silveira DT. A pesquisa científica. In: Gerhardt TE, Silveira DT, organizadoras. Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS; 2009. p. 31-42..

A psicodinâmica do trabalho foi a abordagem escolhida para fundamentar a discussão dos dados desta pesquisa. Também fez parte do referencial teórico a conceituação de órgãos internacionais sobre fatores psicossociais relacionados ao trabalho.

Local da pesquisa

O lócus da pesquisa foi uma instituição federal de educação profissional, científica e tecnológica, localizada na região Sul do país. Instalada em seis macrorregiões do estado, possui 24 unidades - reitoria, 22 campi e centro de educação à distância. Entre técnicos administrativos e docentes, conta com, aproximadamente, 3 mil servidores. Atua em diversos níveis educacionais - qualificação profissional, educação de jovens/adultos, cursos de nível técnico, superior e de pós-graduação. Apresenta um modelo de gestão descentralizado e possui estrutura didático-pedagógica e organizacional administrativa independente. Além de espaços coletivos de discussões e deliberações, tais como conselho superior, colegiado de dirigentes, de desenvolvimento de pessoal e de ensino, pesquisa e extensão1212. Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Plano de desenvolvimento institucional 2020-2024 [Internet]. 2020 [citado em 5 jun 2019]. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1XiW-Iox93MuAimDCT2BcZTfrGfG0nC1T/view
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Participantes

Os participantes foram escolhidos intencionalmente, por conveniência. Foram convidados três grupos de profissionais - gestores da administração superior, representantes da área de gestão de pessoas e profissionais de saúde que trabalham na área de saúde do trabalhador.

A escolha por esses grupos levou em consideração que: 1) os gestores da administração superior são os responsáveis pelo cumprimento da legislação federal para o serviço público e pela elaboração de normativas internas, que influenciam na vida funcional dos trabalhadores; 2) os representantes de gestão de pessoas são responsáveis por implantar as ações definidas pelo Governo para a coordenação do trabalho dos servidores e estão próximos das necessidades que estes apresentam; e 3) os profissionais de saúde do trabalhador mediam atividades referentes à saúde e às expectativas dos gestores institucionais e do governo.

Sobre o critério de inclusão/exclusão, os participantes deveriam estar em pleno exercício profissional na instituição e atuar no cargo/função por, no mínimo, um ano. Foram convidados 71 sujeitos e, destes, 19 participaram da investigação. O convite foi realizado pelo e-mail institucional. Na Tabela 1 consta o detalhamento do número de participantes da pesquisa por grupo de profissionais convidados.

Tabela 1
Relação de participantes da pesquisa

A maioria dos participantes foi do sexo feminino (14). Quanto ao nível de escolaridade, oito participantes tinham o título de mestre, seis eram especialistas, quatro eram doutores e um era graduado. Conforme as áreas de conhecimento disponibilizadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), sete eram da área de Ciências Sociais Aplicadas (CSA), sete de Ciências Humanas (CH), três de Engenharia (ENG), um pertencente a Ciências da Saúde (CS) e um de Ciências Exatas e da Terra (CET).

Com relação à ocupação de cargos de gestão, 11 dos 19 participantes exerciam atividades de chefia. As funções estavam relacionadas ou ao cargo de direção (administração superior) ou ao de coordenação (ligados à área de gestão de pessoas).

Coleta e análise de dados

A coleta foi realizada por meio de grupos focais - técnica apropriada para a obtenção de informações sobre um determinado fenômeno de forma coletiva e para promover interação grupal com propósito de fomentar reflexões1313. Kind L. Notas para o trabalho com técnica de grupos focais. Psicologia em Revista. 2004;10(15):124-36.. Esse tipo de procedimento foi considerado o mais adequado por se tratar de coleta presencial, dado o problema de pesquisa e a facilidade de acesso aos participantes, em especial os gestores que se encontravam geograficamente dispersos em diferentes campi.

Sobre a condução dos grupos, participaram seis sujeitos nos dois primeiros encontros e sete no último. No primeiro grupo participaram os profissionais da área da saúde, seguidos dos representantes de gestão de pessoas e da administração superior. A duração média dos encontros foi de duas horas. O guia temático trabalhado nos grupos foi relacionado aos objetivos da pesquisa, de modo que as questões apresentadas foram as mesmas para todos e incluíram conceituação e discussão sobre os fatores psicossociais protetivos e de riscos. O trabalho seguiu as recomendações da literatura - abertura, preparação, conjunto de debate, encerramento, questões posteriores à avaliação grupal e ação posterior1313. Kind L. Notas para o trabalho com técnica de grupos focais. Psicologia em Revista. 2004;10(15):124-36..

Para a investigação, foram apresentados aos participantes, a priori, alguns fatores que poderiam ser compreendidos como indutores de proteção e de riscos psicossociais, por serem considerados os mais amplos encontrados na literatura. Adotaram-se, para essa seleção, aspectos relacionados em um guia temático sobre riscos psicossociais, desenvolvido pela União Geral de Trabalhadores de Portugal (1414. União Geral dos Trabalhadores (UGT). Departamento de Saúde e Segurança no Trabalho. Riscos psicossociais no trabalho: riscos, efeitos na saúde e prevenção [Internet]. 2017[citado em 20 março 2019]. Disponível em: https://www.ugt.pt/publicfiles/6qkw5lae6qr9tlwapatzl4lwttic2baax1txdzoj.pdf
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. O Quadro 1 ilustra, de forma geral, os fatores apresentados e discutidos com os participantes da pesquisa:

Quadro 1
Fatores psicossociais relacionados ao trabalho

Para a interpretação dos resultados, foi utilizada a análise temática de conteúdo com três fases distintas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados (inferência e interpretação) (1515. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1977.. A organização do material, a escolha dos documentos, das informações relevantes e a leitura flutuante fizeram parte da primeira etapa do trabalho (pré-análise). Após, houve codificação do material e categorização em unidades de registros (exploração do material). Por último, a interpretação dos dados foi realizada, com articulação entre teoria e empiria (tratamento dos resultados) (1616. Guerra E. Manual de pesquisa qualitativa. Belo Horizonte: Anima Educação; 2014..

Aspectos éticos

A pesquisa foi submetida à apreciação do Comitê de Ética de Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) (parecer de aprovação nº 2.908.377). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado por todos os participantes da pesquisa.

Resultados e discussão

Para alinhamento conceitual, esta investigação adotou como base a concepção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os fenômenos psicossociais relacionados ao trabalho. Para a OIT, tais fenômenos englobam a interação entre três dimensões do trabalho - fatores individuais do trabalhador, condições de trabalho e fatores externos ao trabalho -, representada pelas percepções e experiência dos trabalhadores66. International Labour Office (ILO). Psychosocial factors at work: recognition and control [Internet]. 1984 [citado em 10 mar 2019]. Disponível em: https://www.ilo.org/public/libdoc/ilo/1986/86B09_301_engl.pdf
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O resultado da pesquisa foi estruturado em dois segmentos: os fatores relacionados ao trabalho, ou seja, os protetivos e os de riscos psicossociais à saúde mental. Nos dois tópicos de discussão, emergiram especificidades e reflexões acerca das atividades, tanto dos técnicos-administrativos quanto dos docentes, e a visão dos três grupos distintos de participantes esteve presente (administração superior, gestão de pessoas e profissionais da área de saúde do trabalhador).

Contudo, é importante destacar que os resultados e a discussão neste trabalho foram limitados a um público específico e as características evidenciadas não dispõem das narrativas circunstanciadas pelos trabalhadores. Trata-se de opiniões de grupos intencionalmente escolhidos, cuja compreensão das questões institucionais e relativas aos processos psicossociais é localizada e não assume caráter generalizador.

Fatores psicossociais protetivos relacionados ao trabalho

O conceito norteador adotado nesta pesquisa sobre os fatores psicossociais protetivos à saúde mental foi o de Zanelli e Kanan77. Zanelli JC, Kanan LA. Fatores de riscos, proteção psicossocial e trabalho: organizações que emancipam ou que matam. Lages: Editora Uniplac; 2018.. A saber, trata dos aspectos encontrados nas organizações de trabalho, neste caso uma instituição social federal, associados à ideia de apoio e de ajuda, com flexibilidade e tolerância nas relações interpessoais77. Zanelli JC, Kanan LA. Fatores de riscos, proteção psicossocial e trabalho: organizações que emancipam ou que matam. Lages: Editora Uniplac; 2018..

Os participantes apresentaram suas percepções sobre os possíveis fatores psicossociais indutores de proteção, mais ou menos objetivos, e identificaram que há na instituição aspectos protetivos à saúde mental, distribuídos em duas dimensões - “condições de trabalho” e “fatores individuais do trabalhador”.

Sobre as percepções dos participantes, refletem o modo como eles interpretam as vivências cotidianas dos trabalhadores, em geral, na organização. Por isso foram escolhidos gestores superiores, de gestão de pessoas e profissionais de saúde que coordenam, supervisionam e acompanham os processos e rotinas de trabalho dos servidores.

Sobre a dimensão “condições de trabalho”, os participantes perceberam como existentes na instituição quatro fatores de proteção à saúde mental dos trabalhadores - técnicos administrativos e docentes. São eles: ambiente e equipamentos de trabalho; controle e autonomia na execução e no ritmo de trabalho; participação na tomada de decisões; e relacionamento interpessoal.

Nos três grupos focais apareceram verbalizações que evidenciaram o ambiente de trabalho e os equipamentos como adequados para os servidores, tanto para os técnicos quanto para os docentes. No que se refere aos equipamentos de trabalho, além de relatos sobre maquinários apropriados e com manutenção adequada, foram trazidos também para a discussão os aspectos positivos dos processos de trabalho adotados na instituição - mapeamento de processos e de competências.

Outro tópico citado pelos três grupos na dimensão de “condições de trabalho” foi autonomia e controle na realização do trabalho. Os participantes destacaram como positivo, para as duas categorias profissionais, tanto os aspectos relacionados à participação na tomada de decisões quanto os de controle e autonomia na execução e no ritmo de trabalho. Ainda, sobre a participação na tomada de decisões, em uma visão macroestrutural, mencionaram a relação campi e reitoria e como essa dinâmica também estimulava a participação nas deliberações institucionais.

Atualmente, a instituição apresenta um modelo de gestão descentralizado e possui estrutura didático-pedagógica e organizacional administrativa independente. Conta com espaços coletivos de discussões e deliberações, tais como conselho superior, colegiado de dirigentes, de desenvolvimento de pessoal e de ensino, pesquisa e extensão1212. Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Plano de desenvolvimento institucional 2020-2024 [Internet]. 2020 [citado em 5 jun 2019]. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1XiW-Iox93MuAimDCT2BcZTfrGfG0nC1T/view
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. Essa estruturação institucional pode contribuir com a compreensão de participação na tomada de decisões.

A percepção dos grupos vai ao encontro da compreensão de Dejours e Ferreira sobre a importância do indivíduo ter espaço para criar e transformar seu trabalho1717. Dejours C. O fator humano. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; 2002.), (1818. Ferreira, MC. Qualidade de vida no trabalho: uma abordagem centrada no olhar dos trabalhadores. Brasília, DF: Paralelo 15; 2011.. A independência e a liberdade para executar as tarefas valorizam a inteligência humana, estimulam a criação e o desenvolvimento intelectual e minimizam a monotonia, geradora de adoecimento1717. Dejours C. O fator humano. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; 2002.), (1818. Ferreira, MC. Qualidade de vida no trabalho: uma abordagem centrada no olhar dos trabalhadores. Brasília, DF: Paralelo 15; 2011..

Outro destaque de proteção à saúde mental, na dimensão “condições de trabalho”, foi o das relações interpessoais no trabalho. Os participantes tiveram uma compreensão mais ampla sobre tal aspecto. Para eles, a prática de solidariedade faz parte do cotidiano organizacional. Compreendem que esse fator se aproxima de características ligadas à cultura organizacional. Esse movimento de cooperação - apoio, ajuda, solidariedade - pode ser compreendido como uma estratégia de mobilização coletiva importante para ressignificar o sofrimento e as contradições no contexto laboral e transformar a organização desse trabalho em fontes de prazer1919. Bueno M, Macedo KB. A clínica psicodinâmica do trabalho: de Dejours às pesquisas brasileiras. Ecos. 2012;2(2):306-18.. A cooperação pode significar, também, o predomínio do desempenho coletivo sobre o individual, constituída a partir da ação do coletivo2020. Mendes AM. Da psicodinâmica à psicopatologia do trabalho. In: Mendes AM, organizadora. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007. p. 29-48.. É por meio de construções de estratégias de cooperação e de ajuda mútua que os trabalhadores buscam superar os limites e os problemas existentes no trabalho2020. Mendes AM. Da psicodinâmica à psicopatologia do trabalho. In: Mendes AM, organizadora. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007. p. 29-48., e no serviço público podem ser diferenciadas devido a estímulos menores de competitividade.

Com relação à segunda dimensão, “fatores individuais do trabalhador”, os participantes perceberam a presença, para as duas categorias profissionais, de fatores protetivos relacionados ao desenvolvimento profissional e ao sentimento de valor social do trabalho. Contudo, destacaram que não percebiam o conteúdo do trabalho/trabalho com significado como um fator de proteção presente na categoria dos técnicos.

As atividades descritas nos cargos dos técnicos-administrativos tendem a estar aquém da elevada escolaridade desses servidores, predominantemente em razão do plano de carreira vigente. É preciso entender as possibilidades que o trabalhador tem de se identificar ou não com seu trabalho, de reconhecê-lo como seu. Se o trabalhador não se identifica e não reconhece o trabalho como seu, se perde em frustração e fracasso de suas esperanças2121. Roik A, Pilatti LA. Psicodinâmica do trabalho: uma perspectiva teórica. XXIX Encontro Nacional de Engenharia de Produção: a Engenharia de Produção e o Desenvolvimento Sustentável: Integrando Tecnologia e Gestão; 6-9 out 2009; Salvador. São José dos Campos: Abepro; 2009.. As limitações para o uso e desenvolvimento das competências e capacidades dos técnicos parecem estar limitando suas atuações, diferente dos docentes que têm variadas demandas e autonomia.

Sobre o sentimento de valor social no trabalho, houve mais destaques aos sentimentos relacionados à missão institucional do que aos expressos especificamente à atividade executada pelos trabalhadores. Esse aspecto protetivo pode contribuir com a atribuição de sentidos do trabalho e fortalecer os trabalhadores na busca de autorrealização. Tais resultados vão ao encontro da literatura que afirma que todo indivíduo deseja se realizar e oferecer contribuição à criação social ou à construção de uma obra comum1919. Bueno M, Macedo KB. A clínica psicodinâmica do trabalho: de Dejours às pesquisas brasileiras. Ecos. 2012;2(2):306-18.. E as instituições sociais se destacam por proporcionarem um sentido de propósito socialmente relevante para seus servidores e usuários2222. Chaui M. A universidade pública sob nova perspectiva. Rev Bras Educ. 2003;(24):5-15..

A respeito do desenvolvimento profissional, os participantes explanaram a existência de movimento institucional de incentivo à qualificação formal. Também relataram a importância da aprendizagem e o desenvolvimento de competências no dia a dia de trabalho, da possibilidade de troca de experiências entre os colegas, que proporciona sentimento de segurança, de não estar desamparado com as dificuldades e desafios encontrados. Essa prática, adotada pelos trabalhadores, pode ser uma estratégia de enfrentamento para administrar situações estressoras. As intervenções coletivas podem ser úteis e funcionar como apoio social. São estratégias que podem caracterizar ações protetivas à saúde mental frente aos efeitos negativos e patológicos do ambiente laboral2323. Silveira KA, Enumo SRF, Pozzatto RN, Paula KMP. Indicadores de estresse e coping no contexto da educação inclusiva. Educ Pesqui. 2014;40(1):127-42..

A discussão diária sobre o cotidiano real do trabalho, diferentemente daquele trabalho prescrito, é importante. É um movimento que mobiliza o sujeito e estimula o investimento subjetivo na atividade do trabalho. Ao interpelar a inteligência prática do sujeito e solicitar sua criatividade, a gestão do trabalho oferta uma margem de autonomia ao indivíduo e à possibilidade de autorrealização e construção da sua identidade1919. Bueno M, Macedo KB. A clínica psicodinâmica do trabalho: de Dejours às pesquisas brasileiras. Ecos. 2012;2(2):306-18..

Finalizando este tópico, da análise dos fatores protetivos à saúde mental, conclui-se que ambas as dimensões “condições de trabalho” e “fatores individuais do trabalhador” são qualificadas e evidenciadas na instituição pesquisada como importantes no desenvolvimento de ambientes saudáveis de trabalho e na minimização de aspectos negativos no dia a dia laboral.

Riscos psicossociais relacionados ao trabalho

Os riscos psicossociais para a saúde mental relacionados ao trabalho foram compreendidos, nesta pesquisa, como aqueles que decorrem de deficiências da gestão do trabalho e de um contexto social de trabalho precário2424. European Agency for Safety & Health at Work (EU-OSHA). Psychosocial risks and stress at work [Internet]. 2018 [citado em 20 mar 2019]. Disponível em: https://osha.europa.eu/en/themes/psychosocial-risks-and-stress
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) e que imputam possibilidade de danos para a saúde física e mental do trabalhador.

Neste tópico, também foram apresentados aos participantes alguns fatores que poderiam ser compreendidos como indutores de riscos psicossociais, que foram classificados a partir de três dimensões: “condições de trabalho”, “fatores individuais do trabalhador” e “condições externas ao trabalho”.

Na dimensão “condições de trabalho”, os participantes perceberam sete fatores classificados como riscos psicossociais. Destes, três estão identificados como presentes no trabalho das duas categorias profissionais (docentes e técnicos administrativos): intensificação e sobrecarga de trabalho; e cultura organizacional de fraca liderança. Três foram evidenciados somente nas atividades dos técnicos: horário de trabalho; ambiguidades de papéis/funções e imprecisão na definição de responsabilidades; e subutilização de competências; e um foi exclusivo do trabalho docente: amplitude de competências.

Sobre a cultura organizacional de fraca liderança, os participantes da pesquisa consideraram-na como um fator institucional importante de risco psicossocial para ambas as categorias profissionais. No decorrer dos grupos foi relatado que não há interesse dos servidores em assumir uma posição hierárquica e, diante disso, as áreas realizam “rodízios” para a ocupação de cargos de gestão. Eles interpretaram essa rotatividade como uma possível causadora de dificuldade de chefias desenvolverem competências específicas e assumirem realmente um papel de gestor.

A carga de trabalho também foi levantada pelos participantes como fator de risco psicossocial. Mencionaram situações de sobrecarga e a relação do trabalhador com a intensificação do trabalho. Também expuseram circunstâncias relacionadas à subcarga e como o tempo livre, nessas ocasiões, é preenchido com outras atividades, que não são o objeto do trabalho. Tanto a carga quanto a intensidade do trabalho precisam ser congruentes com aquilo que deve ser desempenhado2525. Carneiro CMS, Silva GC, Ramos LFC. Relações sustentáveis de trabalho: diálogos entre o direito e a psicodinâmica do trabalho. São Paulo: LTr; 2018..

Sobre a sobrecarga, ela pode ser considerada como patológica quando há alienação do desejo do sujeito, que toma como suas as metas organizacionais sucessivamente elevadas. Já a subcarga, quando não há a devida descarga de energia psíquica necessária para a execução da tarefa, também poderá causar sofrimento patogênico e início de um processo de adoecimento1717. Dejours C. O fator humano. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; 2002..

Sobre os fatores de riscos percebidos como existentes nas atividades dos técnicos, os participantes da pesquisa elencaram o horário de trabalho; as ambigüidades de papéis e funções e imprecisão na definição de responsabilidades; e a subutilização de competências.

Sobre o horário de trabalho, em todos os grupos houve a preocupação de contextualizar esse fator com o atual momento que a organização estava passando - perda de horário flexibilizado para os técnicos. Além da mudança do horário de trabalho para tais profissionais, os participantes também expressaram preocupações com relação às consequências da perda da flexibilização - tratamento diferenciado entre as categorias e entre as atividades laborais, quebra da isonomia, sentimento de menos valia.

Os participantes destacaram também que, para alguns técnicos, ainda há um distanciamento entre as atividades desenvolvidas e a qualificação nos estudos. Identificaram que, apesar do incentivo à qualificação profissional ser um fator positivo na carreira desses servidores, se as competências desenvolvidas com os estudos não forem bem aproveitadas no ambiente de trabalho, elas se tornarão subutilizadas.

No que se refere ao fator papel na organização e responsabilidades, os grupos afirmaram a dificuldade da instituição em definir claramente os requisitos inerentes às ocupações e atribuições dos técnicos. Não há documentos formalizados institucionalmente que descrevam as atribuições de cada cargo. Em uma organização de trabalho, é necessário que seja estabelecida com seus trabalhadores a divisão do trabalho e das tarefas, o conteúdo dessas tarefas e a responsabilidade de cada cargo. A organização do trabalho é o resultado de uma negociação entre o conteúdo das tarefas e as relações humanas de trabalho. Dessa forma, a relação com o trabalho não é somente técnica, cognitiva ou física, mas é, sobretudo, uma relação intersubjetiva e uma relação social25, especialmente em instituições sociais, como é o caso desta pesquisa.

No que se refere à amplitude de competências, risco psicossocial percebido pelos participantes para o trabalho dos docentes, foi debatida a necessidade que tais profissionais têm em atender diferentes públicos. Eles precisam lecionar em cursos de curta duração, em turmas de educação de jovens, de ensino médio, ensino superior e especializações. Há uma necessidade grande de maleabilidade no dia a dia dos professores, que devem se adaptar a realidades distintas - diferentes linguagens, diferentes formas de ensinar e de aprender e de preparar o material pedagógico. Além de trabalharem com ensino, pesquisa, extensão e administração.

Chaui explana a influência da lógica do mercado na educação. As instituições sociais de ensino passaram a produzir conhecimentos, de forma intensiva e competitiva, destinados ao aumento de informações para o capital financeiro. Com isso, as ações comprometidas com a vida da sociedade articulada aos poderes e direitos democráticos foram enfraquecidas2222. Chaui M. A universidade pública sob nova perspectiva. Rev Bras Educ. 2003;(24):5-15.. Tal movimentação, de instituição social de ensino a organização prestadora de serviços2222. Chaui M. A universidade pública sob nova perspectiva. Rev Bras Educ. 2003;(24):5-15., pode contribuir com vulnerabilidades na dinâmica de trabalho desses docentes e ser um importante fator de risco psicossocial.

Sobre a dimensão “fatores individuais do trabalhador”, os grupos elencaram a presença de dois fatores de riscos psicossociais na instituição. Um presente em ambas as categorias profissionais, o da insegurança na carreira profissional, e outro pertencente à realidade dos técnicos, o da estagnação na carreira profissional.

Com relação ao desenvolvimento profissional, os participantes da pesquisa ressaltaram que os servidores (independente de categoria), devido ao atual cenário econômico e político, se preocupam com a insegurança na carreira. Ressaltaram que eles têm receios quanto a alterações nas legislações referentes ao serviço público federal, quanto a retrocessos nos planos de carreira, possibilidade de não efetivação de estágio probatório e perda da estabilidade. Também referiram preocupação com relação ao não incentivo à educação profissional.

Ainda, para eles, os técnicos têm mais um fator preocupante com relação à carreira: a estagnação. Explanaram que alguns, ainda que tenham uma titulação maior que a exigida pelo cargo e com experiências em atividades mais complexas e/ou de gestão, por serem concursados, não podem ascender a outros cargos. Permanecem, muitas vezes, com atividades monótonas e repetitivas, devido à natureza do trabalho ser mais técnico-burocrático. Essa evidência vai ao encontro da preocupação dos participantes da pesquisa sobre a possível percepção de um trabalho com baixo significado para tal categoria profissional.

Por último, foi elencada uma terceira dimensão aos riscos psicossociais - “condições externas ao trabalho”. Para os participantes da pesquisa, a conciliação trabalho-família é fator de risco presente na rotina de trabalho, para ambas as categorias profissionais. Consideraram que os servidores sentem dificuldades em conciliar o trabalho com as necessidades da vida pessoal. Devido à instituição estar distribuída em todo o estado e ter uma estrutura multicampi, muitos trabalham em cidades diferentes de suas residências, ficando distantes da família e dos amigos durante a semana.

Também foi afirmada a dificuldade de conciliar trabalho e vida pessoal, não só para quem está distante da família, mas para os trabalhadores que sentem uma sobrecarga no trabalho e para os gestores da instituição, com destaque para a mulher, gestora e mãe, que necessita administrar a vida privada.

Essa dimensão pode ser percebida pelos trabalhadores com implicações distintas e paradoxais. Quando não há o reconhecimento da importância social do elo trabalho-vida social, há uma fonte significativa e consensual de mal-estar no trabalho. Se houver um desequilíbrio, o trabalhador pode compensar a subjetividade roubada de uma esfera a outra1717. Dejours C. O fator humano. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; 2002.. Os que amam exclusivamente o trabalho são candidatos ao esgotamento físico e psicológico. Entretanto, os que privilegiam a vida privada fragilizam os laços institucionais e colocam em risco os objetivos e metas organizacionais1818. Ferreira, MC. Qualidade de vida no trabalho: uma abordagem centrada no olhar dos trabalhadores. Brasília, DF: Paralelo 15; 2011..

Tal realidade vai ao encontro de pesquisas2626. Bruschini MCA. Trabalho e gênero no Brasil nos últimos dez anos. Cad Pesqui. 2007;37(132):537-72.) que abordam a concorrência entre o trabalho da mulher fora de casa e o trabalho dela na família, e de estudos que analisam a continuidade de modelos familiares tradicionais e a sobrecarga das mulheres2727. Loureiro CMP, Costa ISA, Freitas JASB. Trajetórias profissionais de mulheres executivas: qual o preço do sucesso? Revista de Ciências da Administração. 2012;14(33):130-44.. Elas continuam com as responsabilidades pelas atividades domésticas, pelo cuidado com os filhos e outros familiares. Há um sentimento de culpa tanto em abrir mão da carreira em função da família, quanto em se desvincular da família para se dedicar a atividades ocupacionais2727. Loureiro CMP, Costa ISA, Freitas JASB. Trajetórias profissionais de mulheres executivas: qual o preço do sucesso? Revista de Ciências da Administração. 2012;14(33):130-44..

Considerações finais

Este estudo teve o propósito de caracterizar, sob a perspectiva de gestores e profissionais de saúde do trabalhador, os processos psicossociais relacionados ao trabalho, em uma instituição federal de educação profissional, científica e tecnológica.

Quanto aos fatores psicossociais protetivos à saúde mental, apareceram como resultados aspectos positivos relacionados às condições de trabalho e aos fatores individuais do trabalhador. Sobre as condições de trabalho, foram elencados, para as duas categorias profissionais (técnico administrativo e docente), ambiente e equipamentos de trabalho; autonomia do trabalhador em executar suas atividades; possibilidade de os trabalhadores participarem das tomadas de decisões; relacionamento interpessoal; e cultura de apoio/ajuda.

No que se refere aos fatores individuais do trabalhador, foram destacados, para ambas as categorias, o sentimento de valor social do trabalho e possibilidades de desenvolvimento profissional. Também foi detectado como um dos fatores protetivos à saúde mental, para os docentes, o trabalho com significado.

Sobre os riscos psicossociais, foram enfatizados alguns aspectos, separados em três dimensões: condições de trabalho, fatores individuais do trabalhador e condições externas ao trabalho. Os riscos relacionados às condições de trabalho para ambas as categorias foram: intensificação e sobrecarga de trabalho; e cultura organizacional de fraca liderança. Especificamente para os técnicos apareceram: alteração do horário de trabalho; subutilização de competências; e imprecisão na definição de responsabilidades de funções. Para os docentes: amplitude de competências necessárias para o desempenho das atividades.

Sobre os fatores individuais do trabalhador, os riscos destacados para as duas categorias profissionais foram relacionados à insegurança na carreira profissional. Para os técnicos, foi ressaltada também a estagnação na carreira. Por último, a conciliação trabalho-família, pertencente à dimensão de condições externas ao trabalho, foi detectada como um fator de vulnerabilidade para os técnicos e docentes. A fragmentação das esferas da vida social, presentes no capitalismo, também está presente nas instituições de ensino2222. Chaui M. A universidade pública sob nova perspectiva. Rev Bras Educ. 2003;(24):5-15.. A partir desses resultados, torna-se possível ofertar à instituição alguns parâmetros para estruturação de programa de gestão de riscos psicossociais. A recomendação de implementação desses programas é apresentada por vários organismos internacionais e nacionais11. Organização Internacional do Trabalho (OIT). A prevenção de doenças profissionais [Internet]. 2013 [citado em 10 mar 2019]. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-lisbon/documents/publication/wcms_714586.pdf
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http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...
. No caso da organização estudada, de acordo com o contexto institucional, foram recomendadas ações personalizadas, separadas em eixos de atuação (grupos focais para resolução de problemas; formações continuadas; estudo sobre redimensionamento de atividades; fortalecimento e ampliação das ações em saúde do trabalhador).

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  • As autoras informam que o trabalho foi apresentado nos eventos científicos: Seminário catarinense de prevenção ao assédio moral no trabalho e Congresso sobre riscos psicossociais e saúde nas organizações de trabalho; ambos em Florianópolis, respectivamente, em 2019 e 2022.
  • 3
    Este trabalho foi baseado na dissertação de mestrado de Milena Garcia da Silva, intitulada “Fatores psicossociais protetivos e de risco no trabalho e saúde mental de servidores públicos de um instituto federal de educação profissional, científica e tecnológica”, apresentada em 2019 ao Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2020
  • Revisado
    30 Jan 2021
  • Aceito
    01 Mar 2021
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