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Passado nazista e mudança do nome de uma doença: o caso da doença de Wegener

CARTA AOS EDITORES

Passado nazista e mudança do nome de uma doença: o caso da doença de Wegener

Um dos reconhecimentos na vida de um médico é quando a descoberta de uma enfermidade recebe seu nome. Há um grande número de situações desse tipo, prática secular com muitos exemplos conhecidos. Um deles é a doença de Alzheimer, que provoca perda da memória. Outro exemplo é a doença de Crohn, uma forma de inflamação dos intestinos de natureza crônica conhecida pelo nome de um famoso gastroenterologista, Harold Crohn, do Hospital Mount Sinai de Nova York.

Em 2001, na Revista Brasileira de Reumatologia, tive a oportunidade de ser um dos reumatologistas do mundo a divulgar embaraço que o nome atribuído a uma forma de artrite, conhecida como síndrome de Reiter,1 estava causando na literatura médica. Descobriu-se que Hans Reiter foi adepto de Hitler, líder nazista, tendo participado de experimentos em humanos nos campos de concentração. Várias sociedades médicas sugeriram a mudança do nome de "síndrome de Reiter" para "artrite reativa".

Uma forma de inflamação das artérias e veias dos pulmões, dos seios da face e dos rins foi identificada como um tipo específico de inflamação crônica de natureza granulomatosa. Friedrich Wegener, patologista em Berlim, identificou essa enfermidade em 1937.2 A doença ficou conhecida como granulomatose de Wegener, e é considerada uma doença autoimune, na qual os anticorpos atacam o próprio corpo.3

Apesar de suspeitas de sua participação e colaboração na medicina nazista, os aliados o libertaram sem provas evidentes de que tenha tomado parte no hitlerismo. Entretanto, investigações subsequentes e mais recentes, capitaneadas por Eric Matteson (reumatologista de um dos mais prestigiosos centros médicos americanos, a Mayo Clinic), mostraram que Wegener foi um dedicado nazista, tendo inclusive se filiado ao partido meses antes de Hitler ascender ao poder - ao contrário de outros médicos, que tiveram que filiar-se ao nazismo para continuar exercendo a Medicina. Wegener trabalhou como patologista militar em Lodz, na Polônia, onde foi instalado o primeiro "ghetto" do nazismo, com mais de 250 mil judeus. Segundo o Dr. Matteson, Friedrich Wegener foi um nazista convicto - era impossível ele não saber o que estava acontecendo. Wegener faleceu em 1990, aos 83 anos de idade, tendo recebido em vida várias homenagens da British Thoracic Society e da American Thoracic Society, entre outras.4

Existe um movimento nas sociedades médicas a fim de que se substitua o nome vasculite de Wegener para vasculite granulomatosa associada ao ANCA (teste laboratorial de natureza diagnóstica).5 A American Lung Association possuía um prêmio denominado Wegener, para jovens pneumologistas, e o eliminou. Um ano antes de sua morte (1989), Wegener recebeu o título de Master Physician do American College of Chest Physicians, que também foi destituído. Em minha produção científica tenho alguns trabalhos sobre essa enfermidade, mas pretendo, também, que modifiquem o título dos mesmos.5,6 Muitos progressos ocorreram no tratamento dessa doença, mas ela pode ter um curso fatal quando há perda de resposta ao tratamento. Esperamos que pacientes para os quais esses diagnósticos venham a ser feitos não mais apresentem doença de Wegener, mas vasculite ANCA positiva. Aos que tiverem oportunidade de ler este texto, divulguem-no, para que situações dessa natureza não continuem ocorrendo - qual seja, homenagear criminosos de guerra com seu próprio nome em caso de descobertas de vulto na história da Medicina. Em artigo recente, o American College of Rheumatology, a European League Against Rheumatism e a American Society of Nephrology propuseram o nome de poliangeíte granulomatosa.7

Morton Aaron Scheinberg, PhD

  • 1
    Scheinberg MA. O passado nazista do Dr. Reiter e a doença de Reiter. Rev Bras Reumatol 2001;41(6):vi.
  • 2
    Wegener F. Uber Generalisierte, septische Gefaesser - krankungen. Verh Dtsch Ges Pathol 1937;29:202-10.
  • 3
    Geller M, Scheinberg MA. Diagnóstico e tratamento das doenças imunológicas. São Paulo: Elsevier, 2005.
  • 4
    Lefrak SS, Matteson EL. Friedrich Wegener: the past and present. Chest 2007;132(6):2065. [Comment on: Chest 2007;132(3):739-41]
  • 5
    Maciel SB, Scheinberg MA, Kumar V. Specificity of antineutrophil cytoplasmic antibody: comment on the article by Choi et al Arthritis Rheum 1999;42(11):2494-5. [Comment on: Arthritis Rheum 1999;42(2):384-8]
  • 6
    Diniz R, Scheinberg MA. Granulomatose de Wegener. Diagnóstico diferencial e Revisão da Literatura. Rev Bras Reumatol 1979;19(1):27-30.
  • 7
    Falk RJ, Gross WL, Guillevin L, Hoffman GS, Jayne DR, Jennett JC et al; American College of Rheumatology; American Society of Nephrology; European League Against Rheumatism. Granulomatosis with polyangiitis (Wegener's): an alternative name for Wegener's granulomatosis. Arthritis Rheum 2011;63(4):863-4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Mar 2012
  • Data do Fascículo
    Abr 2012
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