Acessibilidade / Reportar erro

Anticoagulantes orais diretos na síndrome antifosfolípide

A síndrome antifosfolípide (SAF) é uma trombofilia adquirida caracterizada por tromboses e/ou perdas fetais associadas ou não à presença de plaquetopenia na vigência de anticorpos circulantes contra fosfolípides (anticardiolipina, anticoagulante lúpico e/ou anti-beta2-glicoproteina I). O tratamento crônico corrente dessa doença inclui o uso de agentes anticoagulantes orais antagonistas da vitamina K. Existe boa resposta ao tratamento com anticoagulantes orais que visam prevenir novos eventos trombóticos; entretanto, são descritas taxas de retromboses de 16% ao longo de 10 anos.11 Pengo V, Ruiz-Irastorza G, Denas G, Andreoli L, Khamashta M, Tincani A. High intensity anticoagulation in the prevention of the recurrence of arterial thrombosis in antiphospholipid syndrome: ‘PROS’ and ‘CONS’. Autoimmun Rev. 2012;11:577–80. Nessa revisão, os autores verificaram uma elevada taxa de retrombose em triplo positivos (anticardiolipina, anticoagulante lúpico e anti-beta2-glicoproteina I) (44% em 10 anos). Entretanto, tais medicações são associadas a interações medicamentosas diversas e são muito influenciadas pela vitamina K da dieta.22 Silva FF, Carvalho JF. Intensity of anticoagulation in the treatment of thrombosis in the antiphospholipid syndrome: a meta-analysis. Rev Bras Reumatol. 2015;55:159-66. Existe a necessidade de ajustes e controles de manutenção, baseados no tempo de protrombina (pelo controle do índice internacional de normatização [INR]), feitos de maneira periódica ao longo da vida do paciente, que reduzem a adesão terapêutica dos pacientes. Além disso, o anticoagulante lúpico em alguns casos pode alterar o tempo de protrombina e comprometer a monitoração. Outra desvantagem é a redução das proteínas C e S, anticoagulantes naturais, com possível incremento do risco de trombose na fase aguda da anticoagulação.33 Cohen H, Doré CJ, Clawson S, Hunt BJ, Isenberg D, Khamashta M, et al. Rivaroxaban in antiphospholipid syndrome (RAPS) protocol: a prospective, randomized controlled phase II/III clinical trial of rivaroxaban versus warfarin in patients with thrombotic antiphospholipid syndrome, with or without SLE. Lupus. 2015;24:1087-94.

Nesse sentido, uma nova classe de drogas anticoagulantes orais surgiu (anticoagulantes orais diretos) e com a vantagem de que não necessitam de controle laboratorial e sofrem pouquíssima influência da alimentação e de outros medicamentos. Alguns exemplos de tais medicamentos são dabigatrana, que é um inibidor direto da trombina, e o rivaroxabana, apixabana e edoxabana, que inibem o fator Xa. Tais fármacos são aprovados pela Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, para uso em episódios tromboembólicos venosos e fibrilação atrial em pacientes da população geral. Existem poucos relatos e estudos do uso dessas medicações em pacientes com SAF. A tabela 1 faz um resumo dos estudos com dabigatrana ou rivaroxabana em SAF.

Tabela 1
Resumo das séries de casos e estudos prospectivo e retrospectivos do uso dos novos anticoagulantes orais em SAF

Pode-se observar que na literatura há cerca de 85 casos de pacientes com SAF que fizeram uso dos novos anticoagulantes orais. A maioria são relatos de casos ou séries de casos, dois estudos retrospectivos e um estudo prospectivo. O tempo mediano de acompanhamento variou de 10 a 19 meses e a medicação mais usada foi rivaroxabana. A recorrência variou de 0 a 17%, incluindo vários eventos arteriais, quando se avaliam somente estudos que informaram o número de recorrências sobre o número de pacientes sob risco, acompanhados por algum período. A grande maioria dos pacientes incluídos em todos os estudos apresentava eventos arteriais prévios, ou múltiplas recorrências na vigência de antagonistas da vitamina K, ou pararam o uso de anticoagulante ou eram triplo positivos para anticorpos antifosfolípides.44 Signorelli F, Nogueira F, Domingues V, Mariz HA, Levy RA. Thrombotic events in patients with antiphospholipid syndrome treated with rivaroxaban: a series of eight cases. Clin Rheumatol. 2015;35:801-5.99 Win K, Rodgers GM. New oral anticoagulants may not be effective to prevent venous thromboembolism in patients with antiphospholipid syndrome. Am J Hematol. 2014;89:1017.

Existem dois estudos prospectivos randomizados, um italiano (TRAPS) e um inglês (RAPS)33 Cohen H, Doré CJ, Clawson S, Hunt BJ, Isenberg D, Khamashta M, et al. Rivaroxaban in antiphospholipid syndrome (RAPS) protocol: a prospective, randomized controlled phase II/III clinical trial of rivaroxaban versus warfarin in patients with thrombotic antiphospholipid syndrome, with or without SLE. Lupus. 2015;24:1087-94. que estão na fase de acompanhamento de pacientes com SAF nos quais há um braço que fornece varfarina e outro rivaroxabana.

Na atualidade, com base nos estudos que temos disponíveis até o momento e na opinião de experts, deve-se contraindicar o uso desses novos anticoagulantes orais em pacientes com tripla positividade dos anticorpos antifosfolípides, em pacientes com passado de eventos arteriais e em eventos recorrentes. A opinião dos especialistas da área é que os antagonistas de vitamina K devem continuar a ser a base da anticoagulação em pacientes com SAF; os anticoagulantes orais diretos podem ser considerados no tratamento da SAF (primeiro evento venoso) se houver resistência, alergia ou efeito colateral associados à varfarina, mas não são indicados em caso de má adesão ou em caso de recorrência trombótica observada apesar de níveis terapêuticos de anticoagulação.1010 Erkan D, Aguiar CL, Andrade D, Cohen H, Cuadrado MJ, Danowski A, et al. 14th international congress on antiphospholipid antibodies: task force report on antiphospholipid syndrome treatment trends. Autoimmun Rev. 2014;13:685-96.

  • Financiamento
    Carvalho JF recebeu bolsas da Federico Foundation e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, 300665/2009-1); Levy RA recebeu bolsa da Federico Foundation; Levy RA e DC Andrade são membros do APS Action.

REFERENCES

  • 1
    Pengo V, Ruiz-Irastorza G, Denas G, Andreoli L, Khamashta M, Tincani A. High intensity anticoagulation in the prevention of the recurrence of arterial thrombosis in antiphospholipid syndrome: ‘PROS’ and ‘CONS’. Autoimmun Rev. 2012;11:577–80.
  • 2
    Silva FF, Carvalho JF. Intensity of anticoagulation in the treatment of thrombosis in the antiphospholipid syndrome: a meta-analysis. Rev Bras Reumatol. 2015;55:159-66.
  • 3
    Cohen H, Doré CJ, Clawson S, Hunt BJ, Isenberg D, Khamashta M, et al. Rivaroxaban in antiphospholipid syndrome (RAPS) protocol: a prospective, randomized controlled phase II/III clinical trial of rivaroxaban versus warfarin in patients with thrombotic antiphospholipid syndrome, with or without SLE. Lupus. 2015;24:1087-94.
  • 4
    Signorelli F, Nogueira F, Domingues V, Mariz HA, Levy RA. Thrombotic events in patients with antiphospholipid syndrome treated with rivaroxaban: a series of eight cases. Clin Rheumatol. 2015;35:801-5.
  • 5
    Noel N, Dutasta F, Costedoat-Chalumeau N, Bienvenu B, Mariette X, Geffray L, et al. Safety and efficacy of oral direct inhibitors of thrombin and factor Xa in antiphospholipid syndrome. Autoimmun Rev. 2015;14:680-5.
  • 6
    Sciascia S, Breen K, Hunt BJ. Rivaroxaban use in patients with antiphospholipid syndrome and previous venous thromboembolism. Blood Coagul Fibrinol. 2015;26:476-7.
  • 7
    Son M, Wypasek E, Celinska-Lowenhoff M, Undas A. The use of rivaroxaban in patients with antiphospholipid syndrome: a series of 12 cases. Thromb Res. 2015;135:1035-6.
  • 8
    Schaefer JK, McBane RD, Black DF, Williams LN, Moder KG, Wysokinski WE. Failure of dabigatran and rivaroxaban to prevent thromboembolism in antiphospholipid syndrome: a case series of three patients. Thromb Haemost. 2014;112:947-50.
  • 9
    Win K, Rodgers GM. New oral anticoagulants may not be effective to prevent venous thromboembolism in patients with antiphospholipid syndrome. Am J Hematol. 2014;89:1017.
  • 10
    Erkan D, Aguiar CL, Andrade D, Cohen H, Cuadrado MJ, Danowski A, et al. 14th international congress on antiphospholipid antibodies: task force report on antiphospholipid syndrome treatment trends. Autoimmun Rev. 2014;13:685-96.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016
Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbre@terra.com.br