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O cuidado de pessoas com transtornos mentais no cotidiano de seus familiares: investigando o papel da internação psiquiátrica

Health care of people suffering of mental illnesses in their relatives' daily lives: investigating the role of long stay admission in psychiatric hospitals

Resumos

As atribuições da família no cuidado de seus membros portadores de transtornos mentais têm passado por profundas transformações nos últimos anos. A presente pesquisa investigou as modificações no cotidiano de familiares de pessoas que passaram por internação psiquiátrica e os significados implicados neste processo. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com cinco familiares, cujo conteúdo foi submetido à análise temática e interpretado em perspectiva sócio-histórica. Dentre outras questões, observa-se que: (1) a concepção de "cura" está relacionada à recuperação da capacidade produtiva, restrita a partir do surgimento dos sintomas; (2) os recursos informais são complementares, principalmente quando os recursos públicos não são suficientes ou satisfatórios; (3) a religiosidade está presente na compreensão metafísica das causas do sofrimento psíquico; (4) a igreja, na figura dos correligionários, consiste em um grupo de suporte para o usuário e para a sua família e (5) a insuficiência de políticas adequadas de atenção à família na rede substitutiva.

saúde mental; família; reabilitação psicossocial; psicologia sócio-histórica


Family responsibilities on the care of their relatives suffering mental illnesses have passed through deep changes on the last years. The present study investigated the modifications of daily lives of relatives of people who lived long stay admission in psychiatric hospitals and the meanings implicated on this process. The content of semi-structured interviews carried along with five relatives was submitted to thematic analysis and interpreted in socio-historical perspective. Amongst other issues, it was possible to notice that: (1) "healing" conception is related to the recovery of productive abilities, restricted as long as the symptoms arise; (2) informal resources are complementary, specially when public resources are not enough or satisfactory; (3) religious issues are present in a metaphysical understanding of mental suffering; (4) the church and its representatives consist on a support group for the person and his/her family; and (5) adequate programs regarding family support in mental health open services are not enough.

mental health; family; psychosocial rehabilitation; social-historical psychology


ARTIGOS

O cuidado de pessoas com transtornos mentais no cotidiano de seus familiares: investigando o papel da internação psiquiátrica

Health care of people suffering of mental illnesses in their relatives' daily lives: investigating the role of long stay admission in psychiatric hospitals

Marcelo Dalla VecchiaI; Sueli Terezinha Ferreira MartinsII

IUniversidade Federal do Mato Grosso do Sul – Paranaíba

IIUniversidade Estadual Paulista – Botucatu

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Azaléa, 370 – apto. 73 – bloco 1 (Edifício Veneza – Jardim Bom Pastor) Botucatu, SP; CEP 18603-550 Tel.: (14) -3813-5447 E-mail: stfm@fmb.unesp.br

RESUMO

As atribuições da família no cuidado de seus membros portadores de transtornos mentais têm passado por profundas transformações nos últimos anos. A presente pesquisa investigou as modificações no cotidiano de familiares de pessoas que passaram por internação psiquiátrica e os significados implicados neste processo. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com cinco familiares, cujo conteúdo foi submetido à análise temática e interpretado em perspectiva sócio-histórica. Dentre outras questões, observa-se que: (1) a concepção de "cura" está relacionada à recuperação da capacidade produtiva, restrita a partir do surgimento dos sintomas; (2) os recursos informais são complementares, principalmente quando os recursos públicos não são suficientes ou satisfatórios; (3) a religiosidade está presente na compreensão metafísica das causas do sofrimento psíquico; (4) a igreja, na figura dos correligionários, consiste em um grupo de suporte para o usuário e para a sua família e (5) a insuficiência de políticas adequadas de atenção à família na rede substitutiva.

Palavras-chave: saúde mental; família; reabilitação psicossocial; psicologia sócio-histórica

ABSTRACT

Family responsibilities on the care of their relatives suffering mental illnesses have passed through deep changes on the last years. The present study investigated the modifications of daily lives of relatives of people who lived long stay admission in psychiatric hospitals and the meanings implicated on this process. The content of semi-structured interviews carried along with five relatives was submitted to thematic analysis and interpreted in socio-historical perspective. Amongst other issues, it was possible to notice that: (1) "healing" conception is related to the recovery of productive abilities, restricted as long as the symptoms arise; (2) informal resources are complementary, specially when public resources are not enough or satisfactory; (3) religious issues are present in a metaphysical understanding of mental suffering; (4) the church and its representatives consist on a support group for the person and his/her family; and (5) adequate programs regarding family support in mental health open services are not enough.

Keywords: mental health; family; psychosocial rehabilitation; social-historical psychology

Nas últimas décadas a questão da saúde mental desta cou-se em vários países. No Brasil, o movimento da Reforma Psiquiátrica ganhou visibilidade a partir da década de 1980, com a divulgação do trabalho de Franco Basaglia e do sucesso da sua experiência na Itália, com uma radical crítica às conseqüências do tratamento asilar do sujeito portador de transtornos mentais (PTM). Autores brasileiros como Amarante (1995), Melman (2001) e Tenório (2002) destacam uma nova perspectiva de atuação dos profissionais da área da saúde mental desenhada a partir desta crítica e sua notável influência nas práticas profissionais, organização dos serviços e abordagem do processo de saúde-doença.

No final da década de 1970, a partir da reabertura democrática, iniciou-se um processo de denúncia da submissão dos usuários de serviços de saúde mental (majoritariamente mantidos em asilos psiquiátricos) a torturas, tratamentos medicamentosos em dosagem excessiva, eletrochoques e contenção física prolongada, a partir do episódio conhecido como a "crise da DINSAM", ocorrido nos quatros hospitais da Divisão Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde, no Rio de Janeiro, no primeiro trimestre de 1978. Foi um movimento que envolveu grande número de "bolsistas", profissionais que atuavam na prestação de assistência nas unidades (Amarante, 1995).

Com a organização do Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), foram denunciadas corrupções, fraudes, negligência, ausência de recursos e "psiquiatrização do social" no âmbito do subsetor da saúde mental (Amarante, 1995, 1996, 1997). Agregando profissionais, estudantes, técnicos, usuários e seus familiares em torno das lutas políticas desse momento histórico por condições mais dignas de trabalho e atenção aos usuários, a partir da consigna "Por uma Sociedade sem Manicômios", o movimento apontava a necessidade de compreender a "doença" como fenômeno coletivo. Reivindicava-se, assim, a preemência de profundas mudanças conceituais a fim de apreender o homem nas suas situações concretas, sem idealizações ou enquadramentos em modelos estanques, conhecendo as dificuldades, os valores, as crenças, as preferências da população, partindo da necessidade articulada de trabalho humanizador (Silva, 1992). Para isso, não bastava tão somente reestruturar e reorganizar os serviços de atenção em saúde mental de modo a abolir os manicômios.

Impunha-se, assim, o desafio do reconhecimento do caráter social do processo saúde-doença, superando a sua negação na prática. Este processo seria levado a cabo por políticas públicas de saúde mental que considerassem a especificidade do ato de saúde no contexto da atenção ao usuário, buscando a promoção de "novas formas de lidar com o sofrimento psíquico e o adoecimento no cotidiano" (Amarante, 1995, p. 99). Com este propósito, o autor recorda que

A I CNSM [Conferência Nacional de Saúde Mental] marca o fim da trajetória sanitarista e o início de outra: a trajetória da desinstitucionalização ou da desconstrução/invenção. [...] É nessa trajetória que surge o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), em São Paulo, que é feita a intervenção na Casa de Saúde Anchieta, em Santos, com a posterior criação de Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) ou que surge o Projeto de Lei 3.657/89. Nessa trajetória, passa-se a construir um novo projeto de saúde mental para o país. (p. 99)

O referido projeto de Lei consiste em um marco legal, no Brasil, de um processo que não é isolado, relacionado com as severas críticas ao modelo manicomial que vinham sendo realizadas mundialmente. A Declaração de Caracas (OPAS/OMS, 1990), aprovada por aclamação na "Conferência Regional para a Reestruturação da Assistência Psiquiátrica dentro dos Sistemas Locais de Saúde", quando se reuniram organizações, associações, autoridades de saúde, profissionais de saúde mental e do campo dos direitos humanos para discutir as políticas que envolveriam a construção da trajetória de abertura para modelos substitutivos de atenção em saúde mental, apontava, entre outros princípios:

1. Que a reestruturação da assistência psiquiátrica ligada ao Atendimento Primário da Saúde, [...] permite a promoção de modelos alternativos, centrados na comunidade e dentro de suas redes sociais;

2. Que a reestruturação da assistência psiquiátrica na região implica em revisão crítica do papel hegemônico e centralizador do hospital psiquiátrico na prestação de serviços;

3. Que os recursos, cuidados e tratamentos dados devem: (a) salvaguardar, invariavelmente, a dignidade pessoal e os direitos humanos e civis; (b) estar baseados em critérios racionais e tecnicamente adequados e (c) propiciar a permanência do enfermo em seu meio comunitário e

4. Que as legislações dos países devem ajustar-se de modo que: (a) assegurem o respeito aos direitos humanos e civis dos doentes mentais; (b) promovam a organização de serviços comunitários de saúde mental que garantam seu cumprimento e (c) a capacitação dos recursos humanos em Saúde Mental e Psiquiatria deve fazer-se apontando para um modelo, cujo eixo passa pelo serviço de saúde comunitária e propicia a internação psiquiátrica nos hospitais gerais, de acordo com os princípios que regem e fundamentam essa reestruturação.

A influência do projeto de Lei 3.657/89, bem como as pressões exercidas pelos movimentos sociais, particularmente o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial (MNLA), com marcante influência do MTSM, se expressou, por exemplo, na aprovação de leis estaduais que possibilitaram avanços no campo legislativo: "pode-se dizer que a lei de reforma psiquiátrica proposta pelo deputado Paulo Delgado protagonizou a situação curiosa de ser uma lei que produziu seus efeitos antes de ser aprovada." (Tenório, 2002, p. 36).

Mais recentemente, nos marcos da reabilitação psicossocial (Saraceno, 1996; Pitta, 1996; Melman, 2001), tem sido enfatizada a questão ética que envolve as estratégias de cuidado em saúde mental. Saraceno (1996) destaca que a reabilitação psicossocial "engloba a todos nós profissionais e a todos os atores do processo de saúde-doença, ou seja, todos os usuários, todas as famílias dos usuários e finalmente a comunidade inteira" (p. 14). Nesta perspectiva, coloca-se como fundamental o estabelecimento de contratualidades. Dado que "no universo social, as relações de trocas são realizadas a partir de um valor previamente atribuído para cada indivíduo dentro do campo social, como pré-condição para qualquer processo de intercâmbio" (Kinoshita, 1996, p. 55), trata-se de promover suporte psicossocial a fim de que o usuário produza tais contratos. Propõe-se, assim, um acompanhamento pautado no atendimento em rede extra-hospitalar, tendo em vista "um processo de reconstrução, um exercício pleno da cidadania, e, também, de plena contratualidade nos três grandes cenários: habitat, rede social e trabalho com valor social" (Saraceno, 1996, p. 16).

A aprovação pelo Congresso Nacional da Lei 10.216/2001 (Diário Oficial, 2001), depois de doze anos de tramitação do Projeto de Lei 3.657/89, modificou as regras para o tratamento psiquiátrico no país, prevendo que a internação só deve ocorrer nos casos em que outros tratamentos não forem bem-sucedidos e proibindo a internação de pessoas em instituições com características asilares. Ainda assim, a radical abolição da estratégia asilar tem encontrado percalços significativos.

A abertura para modelos substitutivos, nos moldes das experiências citadas anteriormente, passou a configurar a importância de trabalhos que investiguem suas possibilidades concretas. A família, neste sentido, tem um papel fundamental na constituição da subjetividade e em questões concernentes à saúde mental que serão trazidas em relevo neste artigo, ainda que sem a pretensão de esgotar a amplitude dos trabalhos que focam sua história social.

As relações entre a família e o sofrimento psíquico são abordadas por Cooper (1967), ao destacar que "as famílias mediatizam a realidade social para seus filhos" (p. 56). Situando a família no modo de produção capitalista, o autor atribui à sua realidade social um dos fatores determinantes no sofrimento psíquico, discutindo particularmente o caso da esquizofrenia. Albuquerque (1978), por sua vez, aponta que a doença mental tem também uma função de sinalização da desordem da sociedade, variando de acordo com as classes sociais, porém sempre atuando como dispositivo de veiculação de normas, regras e padrões de conduta institucionais, os quais a família também produz e reproduz.

Marx e Engels (1845/1980), ao analisar quais seriam os fatos históricos básicos para se compreender a dinâmica da produção e reprodução social, destacam que um dos aspectos

que intervém diretamente no desenvolvimento histórico é o fato de os homens, que em cada dia renovam a sua própria vida, criarem outros homens, reproduzirem-se; é a relação entre o homem e a mulher, os pais e os filhos, a família. Esta família, que é inicialmente a única relação social, transforma-se numa relação subalterna [...] quando o acréscimo das necessidades engendra novas relações sociais e o crescimento da população dá origem a novas necessidades; deve-se, por conseguinte, abordar e desenvolver este tema da família a partir dos fatos empíricos existentes e não do "conceito de família" [...] A produção da vida, tanto a própria através do trabalho como a alheia através da procriação, surge-nos agora como uma relação dupla: por um lado como uma relação natural e, por outro, como uma relação social – social no sentido de ação conjugada de vários indivíduos, não importa em que condições, de que maneira e com que objetivo. [...] Logo, manifesta-se imediatamente um sistema de laços materiais entre os homens que é condicionado pelas necessidades e o modo de produção e que é tão velho como os próprios homens – sistema de laços que adquire constantemente novas formas e tem assim uma "história". (pp. 34-35, grifo dos autores)

Engels (1884/1980), porém, realiza um esforço pioneiro no sentido de historicizar o desenvolvimento social da família até o modo de produção capitalista numa perspectiva materialista, histórica e dialética, ao situar que "o primeiro antagonismo de classes que aparece na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo feminino pelo masculino" (p. 104), tecendo considerações críticas aos trabalhos inaugurais no estudo da família realizados por Bachofen, Mac Lennan e Morgan. Parte-se, portanto, do pressuposto de que a dinâmica familiar e os modos particulares de sua organização devem ser contextualizados frente a um processo de estruturação singular numa totalidade histórica. Essa perspectiva aponta inflexões teórico-metodológicas fundamentais na tentativa de se abordar o sofrimento psíquico na perspectiva sócio-histórica.

Reis (1984), levando em conta esse trabalho de Engels, e também as postulações de Parsons, Freud, Marcuse e Poster, enfatiza três elementos que ajudam a esclarecer como a família só pode ser compreendida a partir da devida situação objetiva na totalidade das multideterminações histórico-sociais:

1. A família é uma instituição criada pelos homens e não um dado natural/biológico. As formas organizativas familiares estruturadas diferentemente no decorrer da história apontam este fato: enquanto na família aristocrata o patrimônio familiar deveria ser conservado, na família burguesa trata-se de um patrimônio a ser investido. Se na família burguesa se observa um fechamento em si mesma no sentido da educação dos filhos, na família camponesa a aldeia era o centro das ligações afetivas e é neste meio que se dava a educação de habilidades para a "vida adulta".

2. A necessidade material que constitui o eixo no qual gravita a família é a reprodução. Este processo é reforçado pela observação de que a família é o locus da estruturação da vida psíquica de seus elementos. Formas peculiares de organização familiar coexistem com as determinações sócio-econômicas mais amplas, cuja dinâmica é "marcada por fortes componentes emocionais que estruturam de forma profunda a personalidade de seus membros" (p. 104).

3. A função ideológica da família se apresenta ao compreendermos que, além da reprodução biológica, ela também lança mão de meios para a reprodução social da vida de seus membros, o que se dá através da veiculação da noção da família como algo natural e imutável.

A crítica apresentada por Marx e Engels (1845/1980) e Engels (1884/1980) e reafirmada por Reis (1984) às concepções funcionalistas e adaptativas do indivíduo, que compreendem a família como "a principal agência socializadora", considera o aspecto contraditório do processo de socialização que, em perspectiva sócio-histórica, seria mais bem definido como sociabilidade: "a 'socialização' é um processo histórico, caracterizado sempre por sua concretude temporal e espacial, definido pelas circunstâncias próprias de cada situação histórica" (Martins, 2003, p. 212). Portanto, ouvir a família e compreender como os familiares concebem e significam o processo vivenciado pelo portador de transtorno mental (PTM) é importante pela função que ela tem tido na sociabilidade e desenvolvimento desses indivíduos.

Diferente do que ocorria em outros momentos históricos, no processo da Reforma Psiquiátrica, principalmente na década de 1990, a família do PTM adquire papel central, mais como parceira e apoio para a reabilitação, do que como principal responsável pelo processo de sofrimento psíquico. No modelo asilar a responsabilização podia recair sobre a família, sendo então afastada do acompanhamento (Amarante, 1996; Moreno, 2000; Rosa, 2003).

O MNLA suscitou debates e preocupações com a relação da família com o PTM. Rosa (2003, p. 81) aponta cinco principais direções atribuídas à família neste período: (a) como um recurso como outro qualquer; (b) como um lugar de convivência do PTM, desde que os laços relacionais possam ser mantidos ou reconstruídos; (c) como sofredora, pois a convivência com um PTM a influencia e, desse modo, precisa ser "tratada", assistida, recebendo suporte social e assistencial; (d) como um sujeito da ação: sujeito coletivo que se organiza em associações específicas; sujeito avaliador dos serviços; construtor da cidadania do PTM; e (e) como provedora de cuidado, já que, em geral, é a família o principal agente mediador entre o PTM e a sociedade, na medida em que os serviços de saúde tendem a atuar sobre os momentos de crise, não prestando cuidados contínuos e cotidianos.

Apesar de sua importância no acompanhamento, tratamento e reabilitação, a família, via de regra, não tem recebido a devida atenção pelas políticas públicas de saúde mental. É importante lembrar que, com o neoliberalismo reorientando as políticas públicas desde a década de 1970, muitas funções anteriormente assumidas pelo Estado são devolvidas à família, ou exige-se que ela as assuma. Com isso, a família sobrecarrega-se com várias tarefas para as quais não se encontra preparada, entre elas, o cuidado do PTM. Além disso, há a sobrecarga econômica (Rosa, 2003).

Nesta pesquisa, de natureza qualitativa e abordando o fenômeno na perspectiva sócio-histórica, foram investigadas as modificações no cotidiano da família implicadas pelo cuidado com o portador de transtornos mentais que passou por internação psiquiátrica por seus familiares e os significados implicados neste processo. Neste sentido, implica também identificar recursos formais e informais que têm sido identificados e procurados pelos familiares construindo, assim, determinada trajetória na rede de atenção em saúde mental.

Método

Em relação à fundamentação teórico-metodológica, nos marcos do materialismo histórico e dialético, considera-se que a perspectiva sócio-histórica de pesquisa em Psicologia significa optar por uma forma de se abordar o ser humano determinado essencialmente: (1) pelas relações sociais de produção e reprodução da vida, (2) por condições históricas e específicas de apropriar-se dos bens culturais e historicamente objetivados, e (3) pela sua ação transformadora no mundo, constituindo-se ao mesmo tempo sujeito e objeto da sua intencionalidade que reflete, necessariamente, interesses e necessidades de classe.

Nesta perspectiva, a linguagem é um recurso central para o presente trabalho, ao passo que a mesma é responsável não só por direcionar a ação intencional dos familiares (a apropriação psíquica, sócio-historicamente realizada, da habilidade fundamentalmente humanizatória de lidar com instrumentos materiais e simbólicos) como por significá-lo enquanto ser humano: "o sentido real de cada palavra é determinado, no fim das contas, por toda a riqueza dos momentos existentes na consciência e relacionados àquilo que está expresso por uma determinada palavra" (Vigotski, 1934/2001, p. 466).

Aguiar (2001) aponta que "cabe ao pesquisador ir em busca dos temas/conteúdos/questões centrais apresentados pelo sujeito, entendidos assim menos pela freqüência e mais por ser aqueles que motivam, geram emoções e envolvimento" (p. 135). A palavra, assim, consistindo no elemento fundamental de mediação entre o homem e o mundo, torna "acessível" ao pesquisador a construção e as transformações histórico-sociais vivenciadas pelos sujeitos históricos no plano das significações apropriadas no particular e através dele.

Nos limites desta exposição, cabe ressaltar que Vigotski (1931/1995) aponta que o emprego de signos externos coloca a palavra no lugar de portadora dos "resíduos" (produtos) do mundo dos fenômenos resultante de processos em movimento. A linguagem ocupa lugar central na natureza social do modo de adaptação do ser humano, modo de produção e reprodução da vida, ao passo que se funda na base material da atividade mediadora, especificamente humana.

Ao discutir a necessidade de se situar a história social dos fenômenos psicológicos, dentre os quais se encontra a linguagem, na relação dialética entre sua manifestação externa (plano fenotípico da sua manifestação) e suas bases dinâmico-causais (plano genotípico), o autor destaca que:

Se o objeto fenotipicamente fosse igual genotipicamente, quer dizer, se as manifestações externas do objeto tal como se pode ver todos os dias realmente expressam as verdadeiras relações das coisas, a ciência estaria completamente dispensável, já que a simples observação, a simples experiência cotidiana, a simples anotação dos fatos substituiria por completo a análise científica. Tudo quanto perceberíamos diretamente seria objeto do nosso conhecimento científico. (Vigotski, 1931/1995, p. 104)

Em relação ao processo empírico da pesquisa em relato, ela foi realizada no município de Bauru, interior do estado de São Paulo, com aproximadamente 320 mil habitantes. Com a autorização da Secretaria Municipal de Saúde para a sua realização, se deu a busca pelos casos relevantes para fins da pesquisa a partir das fichas de atendimento médico dos usuários. Partiu-se do "livro de encaminhamentos" do Pronto Socorro da unidade de saúde pesquisada, que possibilitou localizar os casos estabelecidos como relevantes para fins da pesquisa, categorizados da seguinte maneira: (a) internação em hospital psiquiátrico do município; (b) internação em hospital psiquiátrico do município vizinho, cujos leitos são pactuados; e (c) internação em leitos da própria unidade, o que ocorreu em um caso específico, identificado como relevante para efeitos comparativos. Destaca-se que este critério foi adotado no sentido de garantir que o usuário tivesse passado por pelo menos um procedimento de internação psiquiátrica em regime integral, não permitindo identificar, por exemplo, se o caso se tratava de uma internação recorrente ou ainda de uma primeira internação – até mesmo pela ausência da informação nas fichas de atendimento médico, de uma forma geral.

Além de conter no prontuário referência explícita ao encaminhamento para internação, foi requerido que houvesse a possibilidade de identificar e localizar, preferencialmente: (1) pai, mãe, irmão, irmã, tio ou tia da pessoa atendida; (2) familiar que tenha acompanhado a pessoa com transtorno mental até o Pronto Socorro; (3) familiar que tenha acompanhado a evolução do quadro e dos sintomas que levaram à busca de tratamento psiquiátrico; e (4) familiar que tenha tido uma história de contato mais ou menos prolongado com a pessoa atendida (residir na mesma casa, contato diário, ser o familiar mais próximo, etc.).

Com esse procedimento, foram identificadas vinte pessoas potenciais participantes da pesquisa, atendidas na unidade de saúde no período de novembro de 2000 a outubro de 2001. Destes, em apenas onze casos foi possível levantar dados que permitissem identificar, ao menos, endereço de contato com familiar que cumprisse os critérios estabelecidos. Dentre estes, foi possível agendar um total de cinco entrevistas, uma com cada familiar localizado, realizadas no período de abril a agosto de 2002, conforme mostrado na Tabela 1. Os nomes apresentados na referida tabela são fictícios, não guardando relação com os nomes reais dos entrevistados, para garantia de sigilo e anonimato.

A técnica de entrevista utilizada foi a de história de vida tópica (Minayo, 1992), focando as experiências, os conhecimentos, os sentimentos, as emoções e as atividades que se relacionam ao processo de sofrimento psíquico do usuário, a partir do relato de seus familiares, conforme uma pauta prévia, que abordou os seguintes temas: (1) surgimento dos primeiros sintomas de sofrimento psíquico, caracterização comportamental e percepção do familiar; (2) formas de lidar com o transtorno mental adotadas pela família, remanejamento, reorganização e envolvimento familiar; (3) decisões a respeito da busca de atendimento e atividades adotadas neste sentido; (4) formas de atendimento adotadas e opiniões a respeito; (5) percepções associadas ao processo saúde-doença do familiar; (6) prognóstico dos profissionais envolvidos e sentimentos relacionados a este prognóstico e (7) existência ou "pressentimentos" de outras situações de sofrimento psíquico na família e percepções relacionadas.

Após a transcrição das entrevistas realizadas, partiu-se para o procedimento da análise temática, uma variante da análise de conteúdo (Minayo, 1992). A partir dos objetivos estabelecidos, realizou-se uma leitura flutuante das entrevistas transcritas tendo por finalidade uma categorização sistemática dos temas (pré-análise). A seguir, foram elaborados quadros temáticos como subsídio para a análise referencial, consistindo em tabelas de dupla entrada, dispondo os temas na primeira coluna (unidades de contexto) e os recortes de fala na segunda (unidades de registro). Foi construído, assim, um quadro temático por entrevistado, agregando o tema outros elementos relevantes para a discussão em cada quadro, tendo em vista os objetivos postos.

Vale ressaltar que, na metodologia proposta para a presente pesquisa, o tema, enquanto unidade dialética do contexto e do registro, tem a função de orientar a delimitação de núcleos de significação (Aguiar, 2001). A análise temática, assim, consiste em um primeiro movimento de abordagem do corpus. Na perspectiva sócio-histórica, impõe-se um passo seguinte, qual seja, apoiar-se na relativa estabilidade das significações como apropriação subjetiva da realidade social para, através da contextualização dos núcleos de significação identificados, possibilitar apreender transformações históricas do papel da família no cuidado de seus membros portadores de transtornos mentais.

No contexto da presente pesquisa, ratificando a adoção dos procedimentos pertinentes à importância do respeito à ética na pesquisa previstos na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (MS, 1996), observou-se: (1) a garantia do esclarecimento sobre a metodologia no início e durante o processo de coleta dos dados; (2) a liberdade do sujeito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento a qualquer momento (por intermédio da formalização do Termo de Consentimento); e (3) a garantia de sigilo dos dados obtidos nas entrevistas.

Resultados e Discussão

Como se pode observar na Tabela 1 não há homogeneidade nos quadros clínicos registrados nos prontuários dos usuários cujos familiares foram entrevistados, o que não possibilita generalizações a propósito dos processos particulares de sofrimento psíquico. No caso de Henrique e Zélia, ainda que sejam respectivamente filho e irmã do usuário, declaram que a principal cuidadora é a mãe que, portanto, o é na quase totalidade dos entrevistados. Há uma considerável predominância de entrevistados que freqüentam igrejas evangélicas, bem como donas-de-casa. Este perfil encontra ressonância com a pesquisa de Rosa (2003), ao identificar nas mulheres as principais cuidadoras e responsáveis públicas pelos PTM.

Desde a leitura flutuante das entrevistas, chama a atenção, a partir da fala dos entrevistados, modificações significativas que se expressam de forma qualitativa em uma etapa seguinte da vida de seus familiares, cuja origem é concomitante à internação que se seguiu a um episódio de "crise psiquiátrica". Se anteriormente o familiar trabalhava na lavoura, agora trabalha para ganhar o suficiente para pagar a bebida (filho de Marina); se anteriormente consertava bicicletas e fazia instalação elétrica, agora fuma, engorda bastante, come em demasia, fica em ócio (irmão de Zélia); se anteriormente era vendedor, agora faz caricaturas, compõe canções (filho de Luisa).

A generalizada ruptura das relações sociais cotidianas do PTM decorrente da internação tem implicações evidentes no decurso de sua vida cotidiana. Ressalta-se que a manutenção das relações sociais estabelecidas, o que teria sido possível garantir através de serviços substitutivos, de base comunitária, não assegura que as mesmas atividades cotidianas seriam desenvolvidas pelo PTM. Porém, essa ruptura é importante para avaliar no plano de um processo de sofrimento psíquico particular as implicações no plano do cuidado.

Em outras palavras, as transformações qualitativas da atividade do usuário são importantes para a análise da qualidade de relações sociais estabelecidas, variável de contexto fundamental nas estratégias de cuidado. O que se observa é que, de uma forma geral, a trajetória dos usuários tem incluído o retorno ao convívio familiar, porém, sem o devido suporte e assistência por parte dos serviços voltados para o cuidado do PTM, nos casos estudados.

Ao se considerar os núcleos de significação que se apresentam no processo da análise temática, é possível observar que o cuidado cotidiano que recai sobre a família com relação ao membro PTM é compreendido como uma sobrecarga. A demanda por assistência não se restringe à remissão do quadro sintomatológico: a estrutura do cuidado no cotidiano, que envolve fatores emocionais, econômicos e relacionais pode ser exemplificada por alguns trechos das falas dos entrevistados:

Porque eu, olha... A gente está tudo cansado, nós estamos cansados, eu estou cansada. Eu não estou quase dormindo de noite, me dá muito pesadelo (Marina)

Muitas vezes já me deu vontade de ir atrás, né? Procurar televisão pra ver se eu tomo providências, falo muitas coisas porque... Eu já não estou agüentando mais. (Luisa)

A gente faz o possível, tudo pra colocar no lugar, mas se a cabeça dele não está ajudando, o que é que eu vou fazer? Eu preciso pedir ajuda para os outros, né não? (Zélia)

O cansaço meu é demais! De cuidar dele assim, né? Eu não podia mais sair para lado nenhum! Eu tinha que cuidar dele assim como se fosse uma mãe cuidando de uma criança; pior, porque uma mãe que tem uma criança, se tem que sair, sai com a criança, né? (Luisa)

É nesse contexto de sobrecarga, e em meio a uma narrativa que ressalta a impotência com as recaídas do filho alcoolista, que a mãe praticamente solicita a intervenção do entrevistador no sentido de obter internação: "Aí eu queria que... O que seria melhor é que eles me ajudassem a arrumar um lugar pra internar ele uns tempos..." (Marina)

Tsu (1993), ao investigar a dinâmica da família no processo da internação psiquiátrica, observa como, ao contrário da aparência, não se trata da omissão do cuidado por parte da família, mas sim, que o esforço para se obter internação é uma forma de pressionar para a responsabilidade pública com a desassistência, um risco imanente das políticas de desospitalização em um contexto neoliberal:

eu voltei lá para pegar a internação para ele outra vez, mas meteram a boca em nós, porque nós não tínhamos paciência, mas... Como ter paciência? Voltava que nem um bicho! Não tinha condição de... Nem de entender, nem de conversar com ele! [...] Ele não dormia a noite inteirinha! (Zélia)

As internações em regime integral, no interior da trajetória acima apontada, ocupam lugar de transformações notáveis no plano da atividade dos usuários. Em um dos casos, o usuário diz ter dez anos a menos, período que coincide com aquele em que ficou internado após o primeiro surto (irmão de Zélia). Além do afastamento dos amigos que se segue ao surto, os dez anos de internação subseqüentes são referidos como altamente modificadores do modo de agir do familiar: ele aprende a fumar, toma os doze comprimidos diários prescritos que o deixam embotado, engorda bastante e come em demasia, um período que do ponto de vista da entrevistada ele "esqueceu":

dez anos da vida dele, parece que ele não lembra! Porque você vê, ele está com 38, estes dez anos ele não lembra! Se eu vou fazer uma ficha com ele, de qualquer coisa e se ele estiver perto de mim eu tenho que falar baixinho: "ele tem 38 anos!" (Zélia)

Em outro, a internação é uma responsabilidade da própria usuária, que pede para ser internada e "dar um tempo" (mãe de Henrique):

Aí ela está falando: "eu estou passando muito nervoso, acho que vai começar a dar tudo de novo este problema em mim, eu estou sentindo isso aí". E agora é assim: ela começa a perceber que ela vai começar a ter o problema, às vezes ela procura uma internação e ela mesma se interna. (Henrique)

Este último caso, de maneira particular, representa um grande risco de práticas desospitalizantes que não se assentem na reorganização da rede de atendimento em saúde mental no seu conjunto. A primeira aparência do fenômeno poderia remeter falsamente à discussão no plano da autonomia do usuário. O contrário ocorre, ao passo que o recurso à internação é utilizado pela própria usuária como estratégia para afastar-se das situações de conflito familiar, restringindo condições de sociabilidade pautadas na qualidade precedente de relações cotidianas. A internação, neste processo, se reveste de um caráter compulsório: o episódico e o crônico se confundem, subjugados ao mesmo processo de inserção no circuito psiquiátrico hospitalocêntrico, em condição de heteronomia por parte do usuário.

Pode-se considerar que tais falas evidenciam a urgência de intervenção no grupo familiar para que o procedimento de desospitalização aponte para a resolutividade, ao passo que tais estratégias não devem delegar de maneira praticamente exclusiva à família o cuidado, sem que, minimamente, a mesma possa contar com subsídios (econômicos, culturais, pedagógicos, instrumentais) para lidar no cotidiano com o familiar PTM. Não se omitindo, evidentemente, todas as questões que se referem com a própria gestão do cuidado em uma rede substitutiva, de base comunitária.

Ocorre que outro aspecto que é diretamente ligado à necessidade de se atuar juntamente ao grupo familiar, para além do que os familiares compreendem como seu papel no cuidado, refere-se a um segundo núcleo de significação que expressa o processo de sofrimento psíquico como um evento contagioso, inevitável e imprevisível, em outras palavras, natural.

O medo de também ser "contagiado" ("às vezes, quem passa mais nervoso é a gente que está de fora vendo aquela briga das duas" - Henrique) recorda uma análise realizada por Rosa (2003) que aponta, em sua pesquisa, que "não foi raro encontrar cuidadores que já foram portadores de transtorno mental ou que desenvolveram o transtorno mental após assumir a condição de cuidadores" (p. 284). O agravamento de problemas de saúde ou a postergação de cuidados com a própria saúde, por parte dos cuidadores, também permeia os relatos:

Então eu estava tão cansada, mas assim, com um esgotamento, sabe? Que eu fui até no posto de saúde fazer uns exames pra saber se eu estava com alguma outra doença e o médico falou que não achou nada em mim... No meu sangue. Nem colesterol, nem diabetes, nem nada... Porque eu estava ruim mesmo, mas era tudo de cansaço... (Marina)

Eu mesma, olha... Eu estou fazendo tratamento, eu estou com uma consulta pra eu poder operar as vistas e eu estou até com medo de ele chegar aqui em casa. O meu marido fica nervoso e ele [o filho PTM] aborrece demais. (Luisa)

Reside, também, um relativo conformismo com a situação que expressa a naturalização do transtorno mental na forma da normalização dos sintomas (Miles, 1982), ou seja, há uma tentativa de justificar as mudanças vivenciadas a partir da ruptura representada pelo momento da deflagração dos sintomas do transtorno mental como algo prosaico: "mas é o meio de vida delas, já acostumou assim nesta briga delas" (Henrique), "ele não está curado não, viu, moço? Mas uma coisa eu digo pra você: até que agora está dando pra ir, viu?" (Zélia)

Além disso, o estranhamento com os sintomas ("ele ficava transformado como se fosse um bicho, até a fisionomia" - Zélia) e a condição de impotência e imprevisibilidade ("eu já estava ficando tão nervosa, já não estava mais ficando com paciência com ele! O cansaço meu é demais, de cuidar dele assim, né?" - Marina) expressam como o transtorno mental é compreendido na sua manifestação como um evento agudo e de caráter cíclico, sendo estranho ao cotidiano da família e demandando reorganização ("E eu tinha que faltar do serviço, só que não podia deixá-la deste jeito, né? O meu moleque também teve problemas na escola, por causa das faltas" – Ivo)

Reitera-se, novamente, a questão da assistência ao grupo familiar, levando em conta não necessariamente sua instituição objetiva, mas certamente, pelo menos de forma mais imediata, focado naqueles que são os cuidadores diretos do usuário. Isso implica na necessidade de superação da perspectiva higienista da saúde mental, um dos pilares conceituais da reforma psiquiátrica, na medida em que se incorpora a noção universalizante de que todos envolvidos no cuidado (e não somente os técnicos) são também agentes de saúde (Campos, 1994). Processos de educação em saúde voltados para o esclarecimento do caráter social do sofrimento psíquico, da necessidade do diálogo para superação de dificuldades relacionais na família e da resolutividade do quadro agudo de transtorno mental sempre que o apoio familiar e da comunidade estão presentes seriam passos importantes para a superação das dificuldades apontadas, além do cuidado clínico propriamente.

Existe uma coincidência bastante geral nas falas dos familiares entrevistados no que se refere a um terceiro núcleo de significação identificado que se expressa na compreensão de que a cura depende fundamentalmente do próprio familiar que vivencia o sofrimento psíquico. As falas apontam que os entrevistados compreendem a cura como dependente da vontade do próprio familiar ou da submissão à vontade de Deus ("porque você não está fazendo a vontade do pai [referindo-se ao filho alcoolista], porque quando o homem faz a vontade de Deus, Deus abre a mão pra ele" – Marina); como uma "enfermidade" que não tem remissão, porque é de nascença ("dizem que é desde criancinha mesmo" – Henrique) ou é fruto de uma condição orgânica incapacitante ("é a cabeça, porque é sintoma da lesão, lesão da veia que entope" – Luisa); ou como o término de uma situação de sofrimento psíquico que se expressaria pelo restabelecimento das atividades anteriores à deflagração do surto ("digamos que, em função do que ela era, hoje ela está setenta por cento" – Ivo).

Verifica-se, assim, que se atribui centralmente ao usuário a responsabilidade para a superação da condição de adoecimento, reiterando o papel ideológico da família, como apontado em Reis (1984), como lugar de mediação do ideário individualista da capacidade de vender a força de trabalho como forma de se significar a saúde. Ou, em adição, da histórica necessidade de expansão dos serviços de assistência à saúde para a recuperação da capacidade produtiva da força de trabalho, possibilitando assim reproduzir a organização social e econômica do capitalismo.

Ainda em relação ao processo de sofrimento psíquico e à cura, identifica-se um quarto núcleo de significação presente em absolutamente todas as entrevistas que se refere à importância atribuída à religião, seja na crença no transcendente, seja no apoio dos correligionários, como recurso para a melhora. Para alguns, é a crença em Deus que pode fazer voltar à condição de saúde que estava colocada antes do episódio agudo de transtorno mental ("eu vou de noite, eu converso com ele, 'olha, L., vai pra igreja, que Deus tem um plano na sua vida, Deus pode melhorar você, você pode largar este vício'" – Marina). Para outros, a religião promove, por intermédio da igreja, um grupo de suporte no tratamento do familiar pela continência na esperança de cura ("aí nós chamamos os irmãos, fizemos uma oração, minimizou um pouco o problema dela" - Ivo).

Reitera-se a hipótese de Valla (1999) que, ao investigar o papel da religião no apoio social, sugere que "cabe uma investigação sobre o apoio social que as igrejas proporcionam e como isso se relaciona com a manutenção e/ou recuperação da saúde, seja pela prevenção, seja pela cura" (p. 12).

Apenas em um caso pesquisado, o entrevistado relata que concebe a cura como "questão de tempo", caso que usamos para fins comparativos, que tem sido acompanhado sistematicamente com intervenção psicoterápica na própria unidade, não tendo sido levado à internação em regime integral. Não por coincidência, pôde-se observar que a este caso particular não cabe a discussão sobre uma ruptura notável no plano da atividade cotidiana do usuário dos serviços de saúde mental. A contigüidade do cuidado no cotidiano é destacada nas investigações e teorizações no campo da reforma psiquiátrica (Amarante, 1995), da saúde da família (Lancetti, 2000), bem como da reabilitação psicossocial (Pitta, 1996), sendo comum a estas propostas.

Observa-se, assim, que os recursos informais (igrejas, agremiações religiosas, seitas) estabelecem uma relação de complementaridade a partir da insuficiência do serviço público em saúde mental de resolver as necessidades de saúde dos usuários de forma integral, exigindo o suporte de redes sociais secundárias que cumprem, ainda que fortuitamente, um papel que é estabelecido, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), à rede de atenção em saúde mental. O esclarecimento, a informação e a desmistificação do processo de sofrimento psíquico exigem um papel de mediação que deve ser realizado pelos serviços através de ações e serviços de saúde mental.

A desinstitucionalização, tendo um centro de referência para o atendimento de crises e acompanhamento, o cuidado com a família, a manutenção do vínculo com as redes sociais, a racionalização no uso de psicofármacos são princípios que norteiam, entre outras estratégias que se propõem a intervir no campo da Reforma Psiquiátrica, a reabilitação psicossocial (Saraceno, 1996). Da mesma forma, partindo-se de uma compreensão histórico-social e multideterminada do fenômeno do sofrimento psíquico, considera-se importante manter o usuário na rede social que conforma o conjunto das suas relações, às quais a família também se inscreve, de modo que a responsabilidade pública pelo cuidado não se resuma à crise aguda. A responsabilidade da equipe de um centro de referência com o PTM não pode ser secundarizada, quando se considera a necessidade de instrumentalização e formação para os cuidadores/familiares, para além da assistência clínica.

Considerações Finais

Ao observarmos as condições objetivas de inserção dos entrevistados no modo de produção capitalista como vendedores da força de trabalho, pode-se situar um determinante fundamental das significações que atribuem ao sofrimento psíquico uma conotação de incapacidade, de improdutividade, de vergonha do familiar em relação à condição do parente. Recuperar a capacidade produtiva implica, assim, em recuperar a condição de venda do trabalho o que, em si, passa ao largo de uma estratégia de promoção de saúde mental, dado que a própria circunstância de produção de trabalho social é insalubre no modo de produção capitalista. Além disso, a ruptura entre duas qualidades de atividade que se inscreve no cotidiano do usuário a partir da internação em regime integral os recolocam nas relações com as forças de produção, nas quais agora se inserem objetivamente como indivíduos dependentes das estratégias de seguridade social e, não somente, restritos e/ou incapazes de vender sua força de trabalho:

Na integração entre saúde e assistência social, o desempenho do Estado capitalista caracteriza-se por duas funções: a de constituir o capital social e a de administrar o gasto social. A mencionada integração implica o aumento dos gastos sociais, segundo a necessidade de atender um crescente exército de reserva, produto da expansão do modo de produção capitalista (Garcia, 1984, p. 14).

Nas entrevistas realizadas fica patente a urgência de uma intervenção que integre a historicidade social da produção do cuidado na família, no sentido de que os familiares se apropriem de estratégias para lidar com o PTM, por exemplo, via grupos de intervenção na própria unidade. As falas em que estão colocados preconceitos clássicos em relação ao sofrimento psíquico indicam que, provavelmente, o próprio conjunto dos trabalhadores em saúde mental (técnicos, profissionais, funcionários) não tem atuado no sentido desse esclarecimento, abrindo uma demanda para intervenções que levem em conta essa necessidade, em termos das políticas de formação de pessoal atuante no SUS.

As condições que os trabalhadores da saúde pública, no seu conjunto, têm enfrentado (espaço físico inadequado, sobrecarga de demanda, salários defasados, falta de funcionários), bem como a supremacia de uma concepção majoritariamente biomédica na priorização da organização dos serviços, são determinantes essenciais do alcance ao qual sua intervenção se limita. Os entrevistados, ao se referirem ao papel dos serviços e dos profissionais da área de saúde mental, apontam uma trajetória bastante delineada: residência, ambulatório (consulta/remédio), internação. O uso de outros equipamentos e estratégias é praticamente irrelevante no relato dos entrevistados e secundário em relação a esta trajetória mais geral, com exceção da usuária que continua com acompanhamento sistemático de psicoterapia na unidade de saúde (esposa de Ivo).

As modificações implantadas na rede de atenção em saúde mental do município, para que a rede se enquadrasse nas determinações da Portaria 336/2002 do Ministério da Saúde (2002), com a redenominação do atendimento em nível secundário, aconteceram depois da realização desta pesquisa e, portanto, não foram objeto de análise da presente pesquisa.

Por outro lado, em relação às internações psiquiátricas, há uma portaria (Ministério da Saúde, 1994) que estabelece procedimentos de responsabilidade da unidade hospitalar que, pelo que se pôde observar, não têm sido considerados, consistindo em orientação sobre o diagnóstico, o tratamento, sua continuidade e a alta hospitalar à família, bem como a preparação do usuário para a alta, incluindo procedimento de contra-referência para unidade compatível com suas necessidades, de modo a prevenir reinternações.

No sentido das reformas implementadas na atenção em nível primário, o Programa Saúde da Família (PSF) encontrava-se em processo de implantação em bairros periféricos do município, até mesmo em regiões adjacentes àquela onde está instalada a unidade que atendeu os casos que investigamos neste trabalho. Imediatamente, pode-se cogitar que agentes comunitários devidamente instrumentalizados em relação à questão da saúde mental na comunidade – não se excluindo, evidentemente, a importância da formação da equipe como um todo – teriam um importante papel em cumprir com a falta de suporte instrumental que as famílias de bairros periféricos têm sofrido no trato com o PTM no contexto das políticas públicas de saúde. No momento, não é estabelecida para essas equipes a figura do profissional de saúde mental, ainda que possa ser incluído a critério do gestor ou das necessidades da comunidade.

Experiências como um programa de saúde mental inserido no Projeto Qualis/PSF, no município de São Paulo, a partir da concepção de que "qualquer processo terapêutico consiste na ressignificação do sintoma e que, para isso, era preciso criar um dispositivo articulado à rede tecida pela organização de saúde" (Lancetti, 2000, p. 19), estruturaram equipes volantes de saúde mental, que contam com psiquiatra, psicólogo e assistente social, atendendo as equipes locais do PSF, sugerindo a efetividade deste arranjo.

Só mais recentemente a política nacional em saúde mental instituiu o Programa de Volta para Casa, que prevê um auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de internações (Diário Oficial, 2003; Ministério da Saúde, 2003). É provável que, no presente momento, relatos de experiência e avaliações do impacto do programa estejam sendo desenhadas. No caso da presente pesquisa, seria relevante conduzir estudo consecutivo que permitisse essa avaliação junto às famílias entrevistadas.

Como apontam Saraceno, Asioli e Tognoni (1994), é de se destacar a importância da intervenção junto à família, necessidade que se apresentou nos casos estudados, um dos determinantes para o tratamento de PTM no sentido da resolutividade. Do contrário, enquanto a estratégia terapêutica se reduz à medicalização do sintoma, a contenção do episódio agudo reforça a significação do sofrimento psíquico como fatalidade.

Profissionais de saúde mental, ou generalistas formados na área devem atuar no sentido da atenção à família, o que implica em assinalar a importância de estratégias como visitas domiciliares. A adscrição ao território como estratégia da Atenção Primária em Saúde (como se observa no PSF) é relevante nesse sentido; porém, não é determinante para que a prática profissional integre uma intervenção voltada à família. Sobretudo, é necessário garantir, por direito constitucional, integralidade, eqüidade e universalidade, como estabelece o SUS.

Recebido em 04.fev.05

Revisado em 08.ago.06

Aceito em 21.ago.06

Marcelo Dalla Vecchia, mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Botucatu, é professor assistente da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, campus de Paranaíba. E-mail: mdvecchia@yahoo.com.br

Sueli Terezinha Ferreira Martins, doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é professora assistente doutora do departamento de Neurologia e Psiquiatria e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva na Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", campus de Botucatu.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Aceito
      21 Ago 2006
    • Revisado
      08 Ago 2006
    • Recebido
      04 Fev 2005
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