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Trabalho em saúde: retrato dos agentes comunitários de saúde da região Nordeste do Brasil

Resumo

O objetivo deste estudo consistiu em caracterizar o perfil e os aspectos relacionados à gestão do trabalho dos agentes comunitários de saúde na Região Nordeste do Brasil. Trata-se de um estudo transversal, que contemplou 535 agentes comunitários distribuídos em 107 unidades básicas de saúde da Região Nordeste do Brasil. Os dados foram extraídos de oito blocos de questões referentes à Percepção dos Agentes Comunitários de Saúde sobre aspectos: sociodemográficos, econômico e político; mecanismos de contratação e remuneração; valorização do trabalhador, condições de trabalho e processos de formação dos agentes. Os resultados apontam que a proporção de agentes comunitários contratados pela administração direta na Região Nordeste é predominante. A forma de inserção dos agentes comunitários nos serviços de saúde se deu por concurso seguido de seleção pública. A administração direta é a principal forma de contratação, no entanto, novas modalidades, como as fundações de direito público e privado, organizações sociais e consórcios intermunicipais, constituem alternativas adotadas pelos gestores, produzindo um conjunto de fragilidades provocadas pela flexibilização das relações de trabalho.

Agentes Comunitários de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Condições de trabalho; Gestão de recursos humanos em saúde

Abstract

The aim of this study was to characterize the profile of community health workers in northeastern Brazil and aspects related to the management of their work. This is a cross-sectional study, which included 535 community agents who were distributed in 107 primary health units in northeastern Brazil. The data were extracted from eight blocks of questions related to the community agents’ perceptions about social-demographic, economic and political factors; their contracts and remuneration; their evaluation as workers; their working conditions and their training. The results indicate that the majority of community agents in the northeast region were hired by direct administration. The main form of hiring community agents was by public exam, followed by public selection. Direct administration is the main form of hiring; however, new modalities, such as the public and private law foundations, social organizations, and inter-municipal consortiums are alternatives that have been adopted by managers which can produce a number of weaknesses due to flexible labor relations.

Community health agents; Primary health care; Working conditions; Management of human resources in health

Introdução

No Brasil, no final do século XX, o processo de consolidação e implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) foi marcado pelo reconhecimento do direito universal à saúde garantido na Constituição Federal de 1988. Dentre as estratégias adotadas nesse processo destaca-se a necessidade de reordenação do modelo de atenção à saúde, tendo a atenção primária como eixo norteador e modelo prioritário para a organização do Sistema de Saúde do país. Nesse sentido, a implantação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e do Programa Saúde da Família (PSF) que passou, a partir de 1997, a ser denominado de Estratégia Saúde da Família, se constituíram em políticas de abrangência nacional, que impulsionaram mudanças importantes no país11. Aquino R, Medina MG, Vilasbôas ALQ, Barreto ML. Programa de Saúde da Família: análise de sua implantação no Brasil. In: Silva LR, organizador. Diagnóstico em pediatria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2009. p. 1031-1040.,22. Aquino R, Medina MG, Nunes CA, Sousa MF. A Estratégia Saúde da Família e o reordenamento do sistema de serviços de saúde. In: Paim J, Almeida-Filho N, organizadores. Saúde Coletiva: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Editora MedBooks; 2013. p. 353-371..

O Programa de Agentes Comunitários de Saúde configurou-se como a primeira estratégia nacional com o intuito de fortalecer as ações de promoção e prevenção à saúde, desenvolvidas tanto no âmbito domiciliar quanto no nível local33. Ávila MMM. O Programa de Agentes Comunitários de Saúde no Ceará: o caso de Uruburetama. Cien Saude Colet 2011; 16(1):349-360.. Sua origem, em 1987, deu-se a partir de experiências exitosas com mulheres agentes de saúde do Estado do Ceará33. Ávila MMM. O Programa de Agentes Comunitários de Saúde no Ceará: o caso de Uruburetama. Cien Saude Colet 2011; 16(1):349-360., no entanto, somente em 1991, foi instituído e implementado pelo Ministério da Saúde com o propósito de intervir sobre as altas taxas de mortalidade infantil e materna verificadas na Região Nordeste e, logo, foi ampliado para os estados da Região Norte, em situação de emergência sanitária devido à epidemia de cólera. Inicialmente, encontravam-se presentes no PACS ações de intervenção que posteriormente foram incorporadas e continuam a ser desenvolvidas pelo Programa Saúde da Família, tais como: a definição de responsabilidade sobre um território e a adscrição de clientela; o enfoque das práticas de saúde na família, e não nos indivíduos; a priorização das ações preventivas diante dos problemas; a integração dos serviços de saúde com a comunidade; o trabalho em equipe multiprofissional e, sobretudo, a presença de um elemento central, peça-chave para o desenvolvimento das ações de saúde: o agente comunitário de saúde (ACS)44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no. 1886/GM, de 18 de dezembro de 1997. Aprova as Normas e Diretrizes do Programa de Agentes Comunitários de Saúde. Diário Oficial da União 1997; 19 dez.,55. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde da Família - uma estratégia para a reorientação do modelo assistencial. Brasília: MS; 1997..

Esse novo ator social surge no cenário da saúde no Brasil como integrante da equipe multiprofissional da Estratégia Saúde da Família, dispondo de suas atribuições definidas pela Portaria nº 1.886/1997, que aprova as normas e diretrizes do PACS/PSF. Contudo, somente com a publicação do decreto nº 3.189/1999, as diretrizes para o exercício da atividade do ACS no Brasil são consolidadas. O reconhecimento como profissão se dá em 2002 com regulamentação através da promulgação da Lei nº. 10.507/2002.

Nesse contexto, o ACS destaca-se como um trabalhador sui generis, uma vez que trata de um trabalhador com identidade comunitária, sendo o principal mediador entre a comunidade e os profissionais da equipe de saúde66. Costa MC, Silva EB, Jahn AC, Resta DG, Colom ICS, Carli R. Processo de trabalho dos agentes comunitários de saúde: possibilidades e limites. Rev. Gaúcha Enferm 2012; 33(3):134-140..

Segundo dados do Ministério da Saúde, em março de 2016, a Região Nordeste contava com 102.655 mil ACS presentes tanto em comunidades rurais e periferias urbanas quanto em municípios altamente urbanizados e industrializados, cobrindo uma população de aproximadamente 86,7%. Considera-se que essas evidências revelam a importância deste profissional tanto para o aumento do acesso aos serviços básicos de saúde77. Gomes KO, Cotta RMM, Cherchiglia ML, Mitre SM, Batista RS. A práxis do agente comunitário de saúde no contexto do programa saúde da família: reflexões estratégicas. Saude soc 2009; 18(4):744-755., quanto para a ampliação da cobertura da estratégia saúde da família em grande parte dos municípios das regiões do país33. Ávila MMM. O Programa de Agentes Comunitários de Saúde no Ceará: o caso de Uruburetama. Cien Saude Colet 2011; 16(1):349-360..

De fato, diversos estudos já realizados apontam o ACS como elemento nuclear para o desenvolvimento das ações de saúde88. Filgueiras AS, Silva ALA. Agente Comunitário de Saúde: um novo ator no cenário da saúde do Brasil. Physis 2011; 21(3):899-916.,99. Costa SM, Araújo FF, Rodrigues CAQ, Araújo FM, Nobre LLR, Martins LV. Agente Comunitário de Saúde: elemento nuclear das ações em saúde. Cien Saude Colet 2013; 18(7):2147-2156., problematizando suas atribuições1010. Silva JA, Dalmaso ASW. O agente comunitário de saúde e suas atribuições: os desafios para os processos de formação de recursos humanos em saúde. Interface (Botucatu) 2002; 6(10):75-83.; práticas/processo de trabalho1111. Ferreira VSC, Andrade CS, Franco TB, Merhy EE. Processo de trabalho do agente comunitário de saúde e a reestruturação produtiva. Cad Saude Publica 2009; 25(4):898-906.

12. Galavote HS, Prado TN, Maciel ELN, Lima RCD. Desvendando os processos de trabalho do agente comunitário de saúde nos cenários revelados na Estratégia Saúde da Família no município de Vitória (ES, Brasil). Cien Saude Colet 2011; 16(1):231-240.
-1313. Morosini MVGC. O agente comunitário de saúde: práticas educativas. Trabalho, educação e Saúde 2012; 10(2):347-348.condições de trabalho1414. Silva CA, Rocha IQ, Siqueira MCG, Modesto MSA, Silva FP, Costa AMF. Formação técnica do agente comunitário de saúde: desafios e conquistas da Escola Técnica de Saúde do Tocantins. Trabalho, Educação e Saúde 2009; 7(3):609-621.; formação profissional1515. Marteleto RM, David HMSL. Almanaque do Agente Comunitário de Saúde: uma experiência de produção compartilhada de conhecimentos. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 2):1211-1226.,1616. Gouvêa GR, Silva MAV, Pereira AC, Mialhe FL, Cortellazzi KL, Guerra LM. Avaliação do conhecimento em saúde bucal de agentes comunitários de saúde vinculados à Estratégia Saúde da Família. Cien Saude Colet 2015; 20(4):1185-1197. condições de saúde1717. Kluthcovsky ACGC, Takayanagui AMM, Santos CB, Kluthcovsky FA. Avaliação da qualidade de vida geral de agentes comunitários de saúde: a contribuição relativa das variáveis sociodemográficas e dos domínios da qualidade de vida. Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul 2007; 29(2):176-183., perfil profissional1818. Santos KT, Saliba NA, Moimaz SAS, Arcieri RM, Carvalho ML. Agente comunitário de saúde: perfil adequado a realidade do Programa Saúde da Família. Cien Saude Colet 2011; 16(Supl. 1):1023-1028.,1919. Marzari CK, Junges JR, Selli L. Agentes comunitários de saúde: perfil e formação. Cien Saude Colet 2011; 16(Supl. 1):873-880., gestão do trabalho2020. Queirós AAL, Lima LP. A institucionalização do trabalho do agente comunitário de saúde. Trabalho, Educação e Saúde 2012; 10(2):257-281.,2121. Carneiro CCG, Martins MIC. Novos modelos de gestão do trabalho no setor público de saúde e o trabalho do agente comunitário de saúde. Trabalho, Educação e Saúde 2015; 13(1):45-66..

Apesar de serem considerados profissionais importantes para a mudança do modelo de atenção, esses indivíduos ainda estão submetidos a formas diversas de inserção no trabalho, expressas tanto nas novas modalidades flexíveis de contratação, vínculos, remuneração e inserção quanto nos processos de formação para exercício da profissão de agente comunitário de saúde2222. Koster I. A Gestão do Trabalho e o contexto da flexibilização no Sistema Único de Saúde [dissertação]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2008..

A insuficiência de estudos sobre aspectos relacionados à gestão do trabalho dos ACS no Brasil dificulta a formulação e a implementação de políticas voltadas à valorização destes trabalhadores, assim como o fortalecimento da atenção primária à saúde. Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivo caracterizar o perfil e os aspectos relacionados ao trabalho dos agentes comunitários de saúde na Região Nordeste do Brasil, a partir das evidências produzidas na pesquisa sobre a avaliação do perfil dos agentes comunitários de saúde.

Procedimentos teóricos-metodológicos

Para compreender as características do trabalho dos agentes comunitários de saúde, o presente estudo pauta-se nos conceitos do trabalho, da gestão do trabalho e das condições de trabalho, como elementos essenciais para a reflexão sobre a valorização dos trabalhadores da saúde.

O trabalho pode ser compreendido como um processo inerente ao homem, portanto, não pode ser reduzido apenas a uma atividade assalariada ou emprego, mas sim a um conjunto de elementos que abarcam tanto as ideologias quanto as necessidades de vida (ex: sociais, culturais, econômicas)2222. Koster I. A Gestão do Trabalho e o contexto da flexibilização no Sistema Único de Saúde [dissertação]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2008.. Desse modo, a capacidade de recriar-se pelo trabalho move o indivíduo a buscar meios ou modos de vida que sejam capazes de responder às suas necessidades, apontando o trabalho como uma das características centrais da sociedade moderna2323. Frigotto G. Trabalho. In: Pereira IB, Lima JCF, organizadores. Dicionário da educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; 2008. p. 399.,2424. Machado MH, Vieira ALS, Oliveira E. Gestão, trabalho e educação em saúde: perspectivas teórico metodólogicas. In: Baptista TWF, organizadora. Politicas, Planejamento e gestão em saúde. Abordagens e métodos de pesquisa. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2015. p. 292-317..

Nesse sentido, é importante destacar a problemática ligada ao mundo do trabalho, e as políticas públicas capazes de responder as necessidades dos trabalhadores. Na área de saúde ressalta-se a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos para o Sistema Único de Saúde (NOB/RH-SUS)2525. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Conselho Nacional de Saúde. Princípios e diretrizes para a gestão do trabalho no SUS (NOB/RH-SUS). Brasília: MS; 2005.que considera a Gestão do Trabalho no SUS como “a gestão e gerência de toda e qualquer relação de trabalho necessária ao funcionamento do Sistema, desde a prestação dos cuidados diretos à saúde dos seus usuários até as atividades-meio necessárias ao seu desenvolvimento”. Deve ordenar as relações de trabalho, favorecendo condições para a produção de atividades com qualidade, e promovendo melhoria e humanização do atendimento ao usuário do SUS, reconhecimento da força de trabalho do SUS para seu melhor dimensionamento, aproveitamento, distribuição e qualificação.

De fato, a responsabilidade do Estado frente à complexidade do trabalho em saúde envolve um conjunto de aspectos. De um lado a formação de trabalhadores para assumir com competência e habilidade as tarefas de cuidado à saúde das populações, dando-lhes segurança para exercer seu trabalho com motivação, além de estimular a capacidade de agir politicamente, no sentido de garantir que os princípios do SUS sejam fortalecidos2626. Rizzotto MLF, Gil CRR, Carvalho M, Fonseca ALN, Santos MF. Força de trabalho e gestão do trabalho em saúde: revelações da Avaliação Externa do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica no Paraná. Saúde Debate 2014; 38(n. esp.):237-251.. Por outro lado, as condições de trabalho, cujos efeitos, articulados a outros fatores, determinam tanto a saúde dos sujeitos que operam os sistemas quanto os meios que eles dispõem para o exercício pleno de suas capacidades2727. Ávila AA, Belisário SA, organizadoras. Condições de trabalho e saúde dos trabalhadores da saúde. Belo Horizonte: Nescon; 2007., em que o corpo do trabalhador torna-se o alvo principal para a ocorrência de doenças associadas ao desgaste físico e mental2828. Dejour C, Abdoucheli E, Jayet C. Psicodinâmica do trabalho, contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas; 2014., impulsionadas pelo modo de produção capitalista, em que a força de trabalho em saúde tem sido cada vez mais submetida à incorporação de tecnologias que tem provocado a segmentação na formação profissional e o surgimento de novas categorias laborais2424. Machado MH, Vieira ALS, Oliveira E. Gestão, trabalho e educação em saúde: perspectivas teórico metodólogicas. In: Baptista TWF, organizadora. Politicas, Planejamento e gestão em saúde. Abordagens e métodos de pesquisa. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2015. p. 292-317..

Nesse contexto, evidenciam-se as novas modalidades de contratação e vínculos na administração pública como a flexibilização, a terceirização e a precarização que se caracterizam na desproteção social, nas formas de contrato por tempo determinado, ocasionando a instabilidade e a vulnerabilidade da condição de emprego aos trabalhadores, emergindo o precariado que é considerado uma nova classe social em formação, que vive uma flexibilidade laboral, desprovida de garantias de mercado de trabalho, vínculo empregatício, segurança no emprego, de reprodução de habilidade, segurança de renda e garantia de representação2929. Nogueira RP, Baraldi S, Rodrigues VA. Limites Críticos das Noções de Precariedade e Desprecarização do Trabalho na Administração Pública. Brasília: UnB; 2004.,3030. Standing G. O precariado: A nova classe perigosa. Belo Horizonte: Editora Autêntica; 2015..

Sobre esse aspecto, Cordeiro3131. Cordeiro H. Descentralização, universalidade e eqüidade nas reformas da saúde. Cien Saude Colet 2001; 6(2):319-328. aponta, como consequências da flexibilização das relações de trabalho no SUS, a insatisfação e a diminuição do compromisso público do servidor de saúde, baixa autoestima, fragmentação do trabalho e descontinuidade na prestação de ações de saúde corroborando o cenário da precarização do trabalho. Esta situação repercute de forma complexa no SUS, considerando que grande parte das situações de contratação de trabalhadores segue em ilicitude ampliando o desafio para a gestão do trabalho2222. Koster I. A Gestão do Trabalho e o contexto da flexibilização no Sistema Único de Saúde [dissertação]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2008..

Estratégia metodológica

O presente estudo analisa parte dos resultados da pesquisa nacional sobre o perfil e as práticas dos agentes comunitários de saúde no processo de consolidação da atenção primária à saúde no Brasil executada pelo Instituto de Saúde Coletiva/Universidade Federal da Bahia com financiamento do Ministério da Saúde.

Trata-se de um estudo transversal, cuja unidade de análise contemplou 535 ACS distribuídos em 107 unidades básicas de saúde da Região Nordeste. O processo de amostragem foi realizado por estágios, sucessivamente com sorteio dos municípios nas regiões, seguido de sorteio das unidades de saúde nos municípios e das equipes.

A Região Nordeste teve as nove capitais autorrepresentadas e vinte e sete municípios sorteados. Todos os ACS das equipes de saúde da família sorteadas que estavam presentes nas unidades básicas de saúde foram entrevistados, exceto os que estavam em desvio de função, férias, afastamento por doença, licença maternidade ou ausentes nas unidades. Inicialmente, foi definido que seriam entrevistados seis ACS, selecionados por meio de sorteio simples. Entretanto, como em algumas unidades o número de ACS era inferior ao esperado, a meta foi ampliada para até oito ACS por unidade, de forma a compensar a quantidade de entrevistas referentes àquelas em que o número de ACS era inferior ao previsto. Nos casos em que a quantidade desses profissionais era inferior a oito, realizou-se a entrevista com todos os presentes nas unidades básicas de saúde.

A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário, aplicado através de entrevista face a face, contendo cinco módulos: Modulo I- Percepção dos usuários; Módulo II- Percepção dos ACS; Módulo III- Percepção do gestor/coordenador da atenção básica; Módulo IV-Percepção do instrutor, supervisor do ACS; Módulo V-Percepção dos outros profissionais. Para o presente estudo foram eleitos oito blocos do módulo II, quais sejam: perfil do ACS (dados sociodemográficos, econômico e político); gestão do trabalho (mecanismos de contratação e remuneração, valorização do trabalhador, condições de trabalho e processos de formação) do ACS.

Utilizou-se também a análise documental, uma vez que foram incluídos no estudo portarias, leis, decretos além de 14 editais de processo seletivo para a contratação de ACS em municípios das Regiões do Brasil, com o objetivo de obter informações acerca dos critérios exigidos para seleção e contratação dos agentes.

Para o processamento e analise dos dados, utilizou-se Utilizou-se para o processamento e análise dos dados o programa Stata versão 12.0 e o software Excel 2013. De acordo com as normas emanadas da Resolução nº 466/2012 destinadas à pesquisa envolvendo seres humanos, o presente estudo foi submetido e aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa do ISC-UFBA.

Resultados e discussão

Perfil do ACS

Dos 535 agentes comunitários de saúde entrevistados, distribuídos em 107 unidades básicas de saúde da Região Nordeste do Brasil, 76,5% são do sexo feminino; 85,2% têm filhos, 67,6% possuem o ensino médio completo. Observa-se que a predominância de mulheres na profissão de ACS segue a tendência de outras ocupações da área da saúde, de modo que os resultados deste estudo corroboram com os de outros autores3232. Lino MM, Lanzoni GMM, Albuquerque GL. Perfil Socioeconômico, demográfico e de trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde. Cogitare Enfermagem 2012; 7(1):57-56,3333. Musse JO, Santos SC, Marques RS, Lopes FRL, Monteiro KS. Avaliação de competências de Agentes Comunitários de Saúde para coleta de dados epidemiológicos. Cien Saude Colet 2015; 20(2):525-536.. O nível de escolaridade predominante entre os ACS é superior ao estabelecido na Lei nº 11.350/2006, que prevê a conclusão do ensino fundamental. Esse achado é concordante com outros estudos que abordaram o processo de escolarização do ACS, evidenciando que a maior parte da força de trabalho na APS é composta por trabalhadores com formação em nível fundamental e médio1818. Santos KT, Saliba NA, Moimaz SAS, Arcieri RM, Carvalho ML. Agente comunitário de saúde: perfil adequado a realidade do Programa Saúde da Família. Cien Saude Colet 2011; 16(Supl. 1):1023-1028.,2626. Rizzotto MLF, Gil CRR, Carvalho M, Fonseca ALN, Santos MF. Força de trabalho e gestão do trabalho em saúde: revelações da Avaliação Externa do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica no Paraná. Saúde Debate 2014; 38(n. esp.):237-251.,3232. Lino MM, Lanzoni GMM, Albuquerque GL. Perfil Socioeconômico, demográfico e de trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde. Cogitare Enfermagem 2012; 7(1):57-56,3333. Musse JO, Santos SC, Marques RS, Lopes FRL, Monteiro KS. Avaliação de competências de Agentes Comunitários de Saúde para coleta de dados epidemiológicos. Cien Saude Colet 2015; 20(2):525-536..

A média de idade encontrada foi de 40,8 anos (DP = 8,7) corroborando com outro estudo3434. Ferraz L, Aerts DRGC. O cotidiano de trabalho do agente comunitário de saúde no PSF em Porto Alegre. Cien Saude Colet 2005; 10(2):347-355.. No que se refere a raça/cor, 66,2% dos ACS se autodeclararam de cor parda (Tabela 1). Sobre a situação conjugal, 73,6% são casados (as) e/ou possuem companheiro (a) seguido dos solteiros 18,3%. Essa situação acompanha a média de filhos encontrada no censo demográfico do ano 2010 que é de 1,9 filho.

Tabela 1
Distribuição dos ACS segundo o perfil sociodemográfico, econômico e político, Região Nordeste, Brasil, 2014.

Em relação à religião, 65,4% se autodeclararam católicos. A crença religiosa no catolicismo aparece no depoimento da maioria dos ACS, somando evidências a outro estudo3232. Lino MM, Lanzoni GMM, Albuquerque GL. Perfil Socioeconômico, demográfico e de trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde. Cogitare Enfermagem 2012; 7(1):57-56. Segundo os autores, a questão da religiosidade e saúde traz um contexto histórico-social que permite ao ACS maior interação junto à comunidade em que atua influenciando no desempenho do seu papel valorizando a percepção do indivíduo no processo saúde-doença.

Os dados revelam que 69,7% dos ACS têm uma remuneração de 1 até 1,5 salário mínimo (Tabela 1) e para 31,4% deles a remuneração como ACS corresponde à renda familiar total. Declaram que contam com a renda do cônjuge para compartilhar as despesas da casa 37,0% dos ACS (Tabela 1).

A maioria dos ACS reside em imóvel próprio (78,9%) proporção superior ao Brasil 71,6%. A presença de bens de consumo duráveis no domicilio reflete a possibilidade de aquisição de itens importantes para o cotidiano doméstico e outros que coadunam com as transformações da sociedade, inclusive com o crescimento do uso de motocicleta para deslocamento.

No que tange ao vínculo com a comunidade, 84,5% referem morar na área de atuação, cumprindo os critérios definidos por legislação44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no. 1886/GM, de 18 de dezembro de 1997. Aprova as Normas e Diretrizes do Programa de Agentes Comunitários de Saúde. Diário Oficial da União 1997; 19 dez.,1818. Santos KT, Saliba NA, Moimaz SAS, Arcieri RM, Carvalho ML. Agente comunitário de saúde: perfil adequado a realidade do Programa Saúde da Família. Cien Saude Colet 2011; 16(Supl. 1):1023-1028.,3232. Lino MM, Lanzoni GMM, Albuquerque GL. Perfil Socioeconômico, demográfico e de trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde. Cogitare Enfermagem 2012; 7(1):57-56. Jardim e Lancman3535. Jardim TA, Lancman S. Aspectos subjetivos do morar e trabalhar na mesma comunidade: a realidade vivenciada pelo agente comunitário de saúde. Interface (Botucatu) 2009; 13(28):123-135.afirmam que a dupla inserção na comunidade leva o agente comunitário a assumir duplo papel: o de ser simultaneamente agente e sujeito, não existindo um distanciamento entre o trabalhar e o morar na comunidade. Por isso, é considerado o principal elo de integração entre a população e os serviços de saúde, com a responsabilidade de executar ações de promoção, prevenção, acompanhamento, vigilância da saúde assim como ações educativas3636. Menegussi JM, Ogata MN, Rosalini MHP. O agente comunitário de saúde como morador, trabalhador e usuário em São Carlos, São Paulo. Trabalho, educação e saúde 2014; 12(1):87-106..

O deslocamento para o trabalho a pé (63,2%) é tido como uma facilidade devido a não utilização do transporte público ou particular ao local de trabalho3636. Menegussi JM, Ogata MN, Rosalini MHP. O agente comunitário de saúde como morador, trabalhador e usuário em São Carlos, São Paulo. Trabalho, educação e saúde 2014; 12(1):87-106.. Os editais de processo seletivo analisados revelam que alguns municípios ofertam o auxílio transporte a aqueles residentes a mais de mil metros do local de trabalho, que tenham a necessidade de transporte público para o deslocamento até o local de trabalho, ou que residam em municípios limítrofes, situação que pode ampliar a possibilidade do não cumprimento da exigência de morar na comunidade.

No que tange à participação política do ACS em espaços de mobilização social, observa-se expressiva participação em igrejas ou atividades religiosas (66,7%) (Tabela 1). Além dessas atividades, os ACS também fazem referência à associação comunitária (50,2%) e sindicatos (40,2%) como outros espaços de participação (Tabela 1). Os dados do presente estudo demonstram uma elevada participação dos ACS da Região Nordeste em instâncias coletivas, diferindo dos achados encontrados por outros autores na Região Sul do Brasil1414. Silva CA, Rocha IQ, Siqueira MCG, Modesto MSA, Silva FP, Costa AMF. Formação técnica do agente comunitário de saúde: desafios e conquistas da Escola Técnica de Saúde do Tocantins. Trabalho, Educação e Saúde 2009; 7(3):609-621..

Gestão do trabalho dos ACS

Mecanismos de contratação e remuneração

No que se refere ao agente contratante, a proporção dos ACS contratados pela administração direta na Região Nordeste representa 63,7% (Tabela 2). Embora a lei nº 12.994/2014 estabeleça a vedação da contratação temporária ou terceirizada dos ACS, salvo em situações previstas em lei, situações previstas em lei, as contratações por fundações, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, Organizações Sociais e consórcios intermunicipais, ainda são estratégias adotadas pela gestão municipal para contratação de profissionais da saúde, realidade em algumas regiões do país2121. Carneiro CCG, Martins MIC. Novos modelos de gestão do trabalho no setor público de saúde e o trabalho do agente comunitário de saúde. Trabalho, Educação e Saúde 2015; 13(1):45-66.,3737. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Modalidade de contratação de agentes comunitários de saúde: um pacto tripartite. Brasília: MS; 2002..

Tabela 2
Distribuição dos ACS segundo mecanismos de contratação e remuneração, Região Nordeste, Brasil, 2014.

Enquanto categoria profissional, os ACS obtiveram reconhecimento, com acesso aos benefícios trabalhistas, pela sanção da lei n° 10.507/2002. Entretanto, segundo Theisen3838. Theisen NIS. Agentes Comunitários de Saúde (ACS): Condições de Trabalho e Sofrimento Psíquico [dissertação]. Santa Cruz do Sul: Universidade de Santa Cruz do Sul; 2004., este reconhecimento pode não ter sido suficiente para assegurar tais direitos, na medida em que esses profissionais vivem múltiplas formas de contratação e heterogeneidade de vínculos de trabalho. De acordo com o Conass3939. Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Gestão do Trabalho na Saúde. Brasília: Conass; 2007., os mecanismos de contratação se apresentam de forma heterogênea entre as regiões do país e até mesmo em estados de uma mesma região devido às particularidades de cada local e do modelo de gestão adotado pelas três esferas administrativas.

No presente estudo, a forma de inserção dos ACS nos serviços de saúde se deu por concurso público (61,7%), seguido de seleção pública (33,1%) (Tabela 2), diferentemente do encontrado por Junqueira et al.4040. Junqueira TS, Cotta RMM, Gomes RC, Silveira SFR, Siqueira-Batista R, Pinheiro TMM, Sampaio RF. As relações laborais no âmbito da municipalização da gestão em saúde e os dilemas da relação expansão/precarização do trabalho no contexto do SUS. Cad Saude Publica 2010; 26(5):918-928., em que 15,6% dos gestores utilizavam concurso público e 40,0% seleção pública como formas de ingresso. Além disso, 55,6% dos gestores utilizavam as entrevistas como um critério a mais para inserção de ACS nos municípios. Com a publicação da Emenda Constitucional nº 51/2006, a modalidade de admissão dos ACS se dá por meio de processo seletivo público.

Com relação aos tipos de vínculo, 65,4% dos ACS são servidores estatutários na Região Nordeste, seguido pelo vínculo regido pela CLT (Tabela 2). No entanto, o estudo realizado por Junqueira et al.4040. Junqueira TS, Cotta RMM, Gomes RC, Silveira SFR, Siqueira-Batista R, Pinheiro TMM, Sampaio RF. As relações laborais no âmbito da municipalização da gestão em saúde e os dilemas da relação expansão/precarização do trabalho no contexto do SUS. Cad Saude Publica 2010; 26(5):918-928. revela um alto percentual de contratos temporários (75,6%).

Alguns autores que discutem sobre a fragilidade e a informalidade dos vínculos ofertados pelos municípios, antes e após a promulgação da Emenda Constitucional n° 51/2006 e da Lei n° 11.350/2006, cujo propósito era reverter a situação de ilegalidade dos vínculos e admissão dos ACS nos serviços públicos4141. Nascimento CMB. Precarização do trabalho do Agente Comunitário de Saúde: um estudo em municípios da região metropolitana do Recife [dissertação]. Recife: Fundação Oswaldo Cruz; 2005.,4242. Cotta RMM, Schott M, Azeredo CM, Franceschini SCC, Priore SE, Dias G. Organização do trabalho e perfil dos profissionais do Programa Saúde da Família: um desafio na reestruturação da atenção básica em saúde. Epidemiol. Serv. Saúde 2006; 15(3):7-18.. Essa fragilidade está inserida no contexto de precarização das relações de trabalho, que favoreceu a proliferação de contratos de trabalho desregulados, vínculos precários com o Estado assim como formas diferenciadas de remuneração4343. Magalhães AGA. Precarização do trabalho: reflexos e impactos na política de saúde brasileira. In: Anais da VIII jornada internacional de políticas públicas, 2015, Maranhão, p.12.

44. Pierantoni CR. As reformas do Estado, da saúde e recursos humanos: limites e possibilidades. Cien Saude Colet 2001; 6(2):341-360.
-4545. Seidl H, Vieira SP, Fausto MCR, Lima RCD, Gagno J. Gestão do trabalho na Atenção Básica em Saúde: uma análise a partir da perspectiva das equipes participantes do PMAQ-AB. Saúde debate 2014; 38(n. spe):94-108..

Ao observar os vínculos trabalhistas por estados da Região Nordeste, aqueles que apresentaram maiores percentuais de ACS estatutários foram o Rio Grande Norte (96,0%) e Pernambuco (90,0%) (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição dos ACS segundo plano de carreira e vínculo por unidades federativas da Região Nordeste do Brasil, 2014.

No que se refere aos requisitos exigidos para a contratação do ACS, residir na área da comunidade (96,3%), ter disponibilidade integral (88,6%) e haver concluído o ensino fundamental (68,2%) apontam o cumprimento da regulamentação do exercício das atividades dos agentes. Cabe destacar que 56,5% dos ACS da Região Nordeste não referiram o curso de formação inicial como requisito mínimo para contratação. De acordo com a lei nº 10.507/2002 e a portaria nº 243/2015 o curso de qualificação básica para a formação do ACS, além de ser um requisito para o exercício da profissão, é também uma modalidade de ensino para habilitação profissional inicial ao desempenho de atividades cotidianas de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas.

A maior parte dos ACS entrevistados (79,3%) refere não ter experiência anterior em serviço de saúde, fato que pode estar associado aos critérios de escolaridade requeridos pela política de APS, que eram apenas as habilidades para leitura e escrita, não exigindo outras qualificações profissionais.

No que tange às modalidades de contratação, os achados do presente estudo revelam heterogeneidade tanto no tipo de inserção (concurso público, seleção pública, contrato por tempo determinado) quanto na diversidade em relação à remuneração, contratação, vínculo e carga horária.

Chama atenção, em alguns editais analisados, a informação de que o ACS atua em serviços de atenção básica com atendimento 24 horas denominadas “Upinhas”, contradizendo o que está previsto tanto na Política Nacional de Atenção Básica, quanto no arcabouço normativo sobre o ACS, em que este profissional deve compor apenas as equipes da estratégia saúde da família e programa de agentes comunitários de saúde.

Valorização do trabalhador ACS

Sobre a valorização do trabalhador, apenas 17,4% dos ACS da Região Nordeste referem possuir plano de carreira com progressão por titulação e formação profissional (Tabela 4). No entanto, os Estados de Alagoas (63,9%) e Pernambuco (31,9%) apresentam os melhores resultados (Tabela 3). Observa-se que a maioria dos participantes desta pesquisa (63,2%) informa que seu município possui plano de carreira para a profissão, todavia não sabe dizer quais são os critérios para a progressão (Tabela 4).

Tabela 4
Distribuição dos ACS segundo a política de valorização do trabalhador, Região Nordeste, Brasil, 2014.

Apesar do esforço de alguns gestores municipais e estaduais para implementar políticas que visem a valorização do ACS, ainda assim, alguns estados apresentam ausência de planos de carreira, sendo eles: Bahia (79,3%), Paraíba (72,7%) e Maranhão (71,3%) (Tabela 3), fato este que implica diretamente na ascensão profissional dos ACS na atenção primária4545. Seidl H, Vieira SP, Fausto MCR, Lima RCD, Gagno J. Gestão do trabalho na Atenção Básica em Saúde: uma análise a partir da perspectiva das equipes participantes do PMAQ-AB. Saúde debate 2014; 38(n. spe):94-108.. De acordo com as diretrizes da NOB/RH-SUS, os Planos de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) são considerados um instrumento de ordenação do trabalho que deve ser incorporado a cada nível de gestão do SUS4646. Pierantoni C, Varella T, França T. Recursos humanos e gestão do trabalho em saúde: da teoria para a prática. In: Falcão A, Santos Neto PM, Costa PS, Belisário AS, organizadores. Observatório de recursos humanos em saúde no Brasil: estudos e análises. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. p. 51-70..

Observa-se que 45% dos ACS costumam ser avaliados mensalmente pela equipe ou gestão municipal e apenas 24,9% recebem incentivo, gratificação ou prêmio financeiro por desempenho. No Decreto nº 7.133/2010, que regulamenta os critérios e os procedimentos para a realização das avaliações e pagamento das gratificações de desempenho, observa-se que a as mesmas são pautadas no exercício das metas, na produtividade, no trabalho em equipe e nos conhecimentos e técnicas para desenvolver as atividades de acordo com o cargo em exercício.

Sobre o respeito e a valorização do ACS pelos outros profissionais da equipe, observa-se que 60,2% sentem-se respeitados e 66,0% têm o seu trabalho reconhecido e valorizado (Tabela 4). Para Ferreira et al.1111. Ferreira VSC, Andrade CS, Franco TB, Merhy EE. Processo de trabalho do agente comunitário de saúde e a reestruturação produtiva. Cad Saude Publica 2009; 25(4):898-906., a relação horizontal de poder do ACS em relação aos profissionais da equipe no momento das visitas domiciliares, possibilita a composição de afetos, ampliando o compartilhamento da gestão do cuidado pela equipe.

Condições de trabalho

No presente estudo, os ACS referiram estar 80,0% satisfeitos com seu local de trabalho. Essa satisfação pode estar relacionada ao reconhecimento e valorização pela equipe de saúde e pela comunidade66. Costa MC, Silva EB, Jahn AC, Resta DG, Colom ICS, Carli R. Processo de trabalho dos agentes comunitários de saúde: possibilidades e limites. Rev. Gaúcha Enferm 2012; 33(3):134-140.. Brand et al.4747. Brand CI, Antunes RM, Fontana RT. Satisfações e insatisfações no trabalho do agente comunitário de saúde. Cogitare Enferm 2010; 15(1):40-47. identificaram que os ACS sentem-se extremamente satisfeitos e valorizados quando recebem atenção ou são ouvidos pela comunidade, sendo, nesse caso, quando conseguem provocar alguma mudança positiva, refletindo diretamente na qualidade do cuidado prestado.

Observa-se que tanto a média de famílias acompanhadas 139,1(DP = 58,8) quanto a de pessoas 509,6 (DP = 213,2) estão dentro dos valores recomendados pelo Ministério da Saúde, em que o número de ACS deve ser suficiente para cobrir 100% da população cadastrada, com um número máximo de 750 pessoas por agente4848. Brasil. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União 2011; 22 out.. Esses dados condizem com o estudo de Simões4949. Simões AR. O agente comunitário de saúde na equipe de saúde da família: fatores de sobrecarga de trabalho e estresse. Rev Saúde Públ. 2009; 2(1):6-21 em que o número de famílias acompanhadas pelos ACS no município estudado é de 151 a 200 famílias, porém, contradiz outros em que a sobrecarga de trabalho está diretamente relacionada ao elevado número de famílias sob sua responsabilidade77. Gomes KO, Cotta RMM, Cherchiglia ML, Mitre SM, Batista RS. A práxis do agente comunitário de saúde no contexto do programa saúde da família: reflexões estratégicas. Saude soc 2009; 18(4):744-755.,3434. Ferraz L, Aerts DRGC. O cotidiano de trabalho do agente comunitário de saúde no PSF em Porto Alegre. Cien Saude Colet 2005; 10(2):347-355..

O Ministério da Saúde institui como equipamentos básicos para o trabalho do ACS: o fardamento, o crachá de identificação, as fichas do sistema de informação da atenção básica, a balança, o cronômetro, o termômetro, a fita métrica e o material educativo3737. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Modalidade de contratação de agentes comunitários de saúde: um pacto tripartite. Brasília: MS; 2002.. Nesse sentido, observa-se que a ficha de cadastramento (94,2%), os materiais de medir e pesar (64,1%) e o mapa do território (62,2%) são os principais equipamentos disponibilizados para o trabalho do ACS no Nordeste. Outros materiais indispensáveis tais como a máscara de proteção e o filtro solar não são ofertados1515. Marteleto RM, David HMSL. Almanaque do Agente Comunitário de Saúde: uma experiência de produção compartilhada de conhecimentos. Interface (Botucatu) 2014; 18(Supl. 2):1211-1226.. Estudo realizado por Lima et al.5050. Lima AG, Silva AMM, Soares CEC, Souza RAX, Souza MCR. Fotoexposição solar e fotoproteção de agentes de saúde em município de Minas Gerais. Rev. Eletr. Enf. 2010; 12(3):478-482. identificou que a maioria dos entrevistados ficam expostos ao sol por mais de cinco horas por dia em horários críticos entre as dez e quinze horas, representando um risco elevado para a saúde.

A inexistência de legislação que obrigue as instituições a fornecerem o filtro solar para os trabalhadores contribuem para o aumento do risco de câncer devido à contínua exposição ao ultravioleta5050. Lima AG, Silva AMM, Soares CEC, Souza RAX, Souza MCR. Fotoexposição solar e fotoproteção de agentes de saúde em município de Minas Gerais. Rev. Eletr. Enf. 2010; 12(3):478-482..

Em relação à escolha profissional, o principal motivo apontado pelos entrevistados foi a oportunidade de emprego 30,3%, concordando com outro estudo5151. Barcellos CSN, Pandolfi M, Miotto MHMB. Perfil do Agente Comunitário de Saúde (ACS) de Vitória - ES. Rev Odontologia 2006; 8(1):21-28..

Cabe destacar que 23,9% dos ACS relataram desenvolver outra atividade remunerada fora do horário de trabalho que pode influenciar de alguma forma na execução das suas atividades seja pelo acumulo de carga horária ou desgaste físico.

Processos de formação

A temática da formação tem sido discutida por diversos autores que apontam perspectivas, questionamentos e críticas sobre a origem e o desenvolvimento do processo de escolarização dos ACS. No presente estudo, observa-se que 89,0% dos entrevistados referem ter recebido o curso de formação inicial, contradizendo o de Santos et al.1818. Santos KT, Saliba NA, Moimaz SAS, Arcieri RM, Carvalho ML. Agente comunitário de saúde: perfil adequado a realidade do Programa Saúde da Família. Cien Saude Colet 2011; 16(Supl. 1):1023-1028. em que o ACS não participou de capacitação introdutória.

O reconhecimento da profissão e a incorporação do agente comunitário nas equipes multiprofissionais foram elementos que impulsionaram o Ministério da Saúde a delinear os processos de formação e o perfil de atuação desse profissional. Nesse sentido, foi instituído, em 2004, o referencial curricular do curso técnico para ACS, com a finalidade de subsidiar as instituições formadoras na elaboração de seus programas de profissionalização.

Esse documento estrutura o curso técnico com uma carga horária mínima de 1.200 horas, atendendo a Resolução nº 4/1999 do Conselho de Educação, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico5252. Bornstein VJ, David HMSL. Contribuições da formação técnica do agente comunitário de saúde para o desenvolvimento do trabalho da equipe Saúde da Família. Trab. educ. saúde 2014; 12(1):107-128., definindo sua estrutura curricular em três etapas: a) formação inicial e perfil social do técnico agente comunitário de saúde e seu papel no âmbito da equipe multiprofissional; b) desenvolvimento de competências no âmbito da promoção da saúde e prevenção de doenças, dirigidas a indivíduos, grupos específicos e doenças prevalentes; c) desenvolvimento de competências no âmbito da promoção, prevenção e monitoramento das situações de risco ambiental e sanitário. Alguns autores apontam a dificuldade de garantir a formação técnica completa do curso em suas três etapas no âmbito nacional, pois, a partir do momento que esses trabalhadores passassem a técnicos, poderiam reivindicar aumento dos salários5252. Bornstein VJ, David HMSL. Contribuições da formação técnica do agente comunitário de saúde para o desenvolvimento do trabalho da equipe Saúde da Família. Trab. educ. saúde 2014; 12(1):107-128..

Em busca de qualificação profissional, observa-se que 34,2% dos entrevistados afirmam possuir outro tipo de formação em saúde, com destaque para os cursos de auxiliar e técnico em enfermagem. Vale destacar que um pequeno percentual de agentes comunitários possui curso de nível superior em saúde. Estes resultados tem convergência com o estudo realizado por Marzari et al.1919. Marzari CK, Junges JR, Selli L. Agentes comunitários de saúde: perfil e formação. Cien Saude Colet 2011; 16(Supl. 1):873-880. em que o ACS é apontado como um trabalhador que busca alternativas de escolarização e formação profissional.

O ingresso na profissão de ACS possibilita o acesso a novos conhecimentos, através das capacitações oferecidas para o trabalho. Assim, observa-se no presente estudo elevados percentuais de participação nos cursos após a inserção dos agentes comunitários nas equipes de saúde da família. Sobre as temáticas abordadas, observa-se que as mais referidas são: programas específicos (91,7%), promoção da saúde (92,5%), saúde bucal (79,2%) e organização do território (68,3%).

Os achados revelam o investimento das secretarias de saúde em cursos de atualização voltados para suprir as necessidades de formação dos ACS na realização do trabalho cotidiano com a comunidade. No entanto, essa qualificação não pode acontecer de forma isolada e descontextualizada1919. Marzari CK, Junges JR, Selli L. Agentes comunitários de saúde: perfil e formação. Cien Saude Colet 2011; 16(Supl. 1):873-880.. Nesse aspecto, alguns autores chamam a atenção para a elaboração e a execução dos processos formativos que se fundamentam em referenciais biomédicos, contradizendo a proposta de reorientação do modelo de atenção, em que as ações de saúde dirigidas às populações devem estar fundamentadas na promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, de maneira integral que impacte nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades4848. Brasil. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União 2011; 22 out.,5252. Bornstein VJ, David HMSL. Contribuições da formação técnica do agente comunitário de saúde para o desenvolvimento do trabalho da equipe Saúde da Família. Trab. educ. saúde 2014; 12(1):107-128..

Considerações finais

Os resultados permitiram discutir os aspectos relacionados à gestão do trabalho dos agentes comunitários de saúde da região Nordeste do Brasil. A inserção dos agentes se dá por meio de concurso e seleção públicos, produzindo situações de maior estabilidade para os trabalhadores e a garantia dos direitos trabalhistas. É importante ressaltar os investimentos feitos na desprecarização dos vínculos nos estados do Nordeste, onde a maioria dos agentes comunitários de saúde está em situação regulamentada. Os achados revelaram a existência de planos de carreira para esses profissionais, no entanto, chama atenção que muitos ACS, desconhecem os critérios e as características dos planos aos quais estão vinculados.

A busca por qualificações tanto de nível técnico como superior vem desencadeando mudanças no perfil de formação dos agentes, além de ser considerada uma estratégia de valorização e reconhecimento desses profissionais tanto pela equipe quanto pela comunidade. As temáticas dos cursos formativos ainda reforçam o paradigma biomédico apontando uma insuficiência nos processos formativos que sejam embasados no debate sobre as políticas de saúde do SUS e nas práticas de promoção da saúde.

Para finalizar, ressalta-se a importância dos movimentos políticos, com o exemplo da mobilização dos ACS frente à recente publicação da portaria nº 958/2016 do Ministério da Saúde, que indicava a possibilidade de mudança na composição das equipes de atenção básica. A ação imediata da categoria levou à anulação da referida portaria impedindo retrocessos em relação à gestão do trabalho dos ACS e, consequentemente, o enfraquecimento da atenção primária a saúde no Brasil.

Agradecimentos

Aos agentes comunitários de saúde pela acolhida em seu espaço de trabalho com simplicidade e disponibilidade em contribuir com a pesquisa. A equipe do projeto “Perfil do ACS no Brasil” pela competência e dedicação durante a realização da pesquisa. Aos gestores dos municípios que concordaram em participar do estudo. A SGTES/MS por financiar este estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2016
  • Revisado
    11 Mar 2017
  • Aceito
    13 Mar 2017
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