Efetividade de uma campanha para redução de desperdício em uma unidade de alimentação e nutrição

Effectiveness of a waste reduction campaign in a supply and nutrition unit

Resumo

Introdução

A Food and Agriculture Organization of the United Nations estima que um terço do alimento produzido no mundo é desperdiçado ou se perde ao longo das cadeias produtivas de alimentos, sendo que 46% das perdas ocorrem no processo das vendas e hábitos dos consumidores.

Objetivo

Este trabalho teve por objetivo quantificar e analisar a eficácia de uma campanha de intervenção por conscientização para o combate ao desperdício de alimentos em uma unidade de alimentação e nutrição.

Método

Foi estabelecido o índice per capita de resto-ingestão. A coleta desse dado foi realizada durante 25 dias, sendo 10 dias antes, 5 dias durante e 10 dias depois da campanha de conscientização.

Resultados

Houve redução da média per capita do resto-ingestão de 60,0 ± 14,9 para 39,3 ± 13,4; esse dado concordou com trabalhos existentes na literatura sobre o assunto. Pôde-se também contabilizar uma diminuição do custo financeiro médio em torno de 34,6%.

Conclusão

Constata-se com este estudo que a falta de conscientização dos comensais contribui significativamente para o alto desperdício de alimentos, pois foi notória a redução do desperdício por resto-ingestão após intervenção.

Palavras-chave:
desperdício de alimentos; segurança alimentar e nutricional; campanha de conscientização; unidade de alimentação e nutrição

Abstract

Background

The Food and Agriculture Organization of the United Nations estimates that one-third of the food produced in the world is wasted or lost along the food supply chains; with 46% of the losses in the sales process and by consumer habits.

Objective

This study aimed to quantify and analyze the effectiveness of an intervention for awareness to combat food waste in a supply and nutrition unit.

Method

Per capita index of rest-ingestion was applied. The collection of this data was done for 25 days, being 10 days before, 5 days during and 10 days after the awareness campaign.

Results

There was a reduction of the per capita mean rest-ingestion from 60.0 ± 14.9 to 39.3 ± 13.4; this data agreed with works in the literature on the subject. It was also possible to account for a decrease in the average financial cost of around 34.6%.

Conclusion

It was found in this study that the lack of awareness of diners contributes significantly to the high food waste, because it was notorious the reduction of the indicator of rest-ingestion waste after intervention.

Keywords:
food wastefulness; food and nutrition security; awareness campaign; supply and nutrition unit

INTRODUÇÃO

O desperdício de alimentos ocorre em toda a cadeia de produção alimentar, abrangendo as etapas de produção, embalagem, transporte, armazenamento e comercialização¹. As causas do desperdício estão estreitamente relacionadas aos aspectos culturais, econômicos e tecnológicos em uma dada região, sendo outro aspecto importante o não comprometimento do comensal com a redução do desperdício².

Os dados oficiais que mensuram a quantidade de alimentos desperdiçados são escassos, entretanto, em 2016, a Coordenadoria de Pesquisa e Desenvolvimento em Resíduos da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza (Abrelpe) publicou o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2016³, no qual foi constatado que 78,3 milhões de toneladas de resíduos sólidos são descartados no país; guardadas as devidas proporções, esse número equivale a 214.405 toneladas/dia e per capita diário de 1,040 kg no Brasil. Em 2013, a Abrelpe afirmou que não se pode precisar a composição exata dos resíduos sólidos, pois faltam estudos para esse fim, contudo é assegurado que 51,4% do seu volume é composto de material orgânico⁴.

De acordo com estimativas da Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) em 2013, um terço do alimento produzido no mundo, o equivalente a 1,3 bilhão de toneladas de comida, é desperdiçado ou se perde ao longo das cadeias produtivas de alimentos. Ainda segundo a FAO, 54% dessas perdas ocorrem nas fases de produção, armazenamento e transporte; e 46% são perdidos no processo das vendas e por hábitos dos consumidores⁵.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018, publicou em setembro de 2020 a análise da Segurança Alimentar no Brasil. Foi constatado que, de 68,9 milhões de domicílios do país, 36,7% estavam com algum grau de insegurança alimentar e nutricional (estimado em 84,9 milhões de pessoas)⁶. Além disso, 3,1 milhões dos domicílios (4,6%) apresentavam insegurança alimentar e nutricional grave, atingindo 10,3 milhões de pessoas⁷. O MDS aponta que o combate ao desperdício de alimentos emerge como uma alternativa para o enfrentamento à insegurança alimentar e nutricional⁵.

O Comitê Técnico da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), que integra o desenvolvimento de estratégias para enfrentar o problema de desperdício de alimentos, além de estabelecer diretrizes gerais, reuniu-se com a FAO em 2016. Foi firmado que as ações iniciais do Caisan serão direcionadas para mensurar os desperdícios e perdas alimentares no Brasil para em seguida, com essa ferramenta, poder lançar políticas interventivas de desperdício alimentar e em paralelo combater a insegurança alimentar e nutricional em nosso país^5,8.

Adicionalmente, o desperdício de alimentos tem parcela importante em impactos ambientais. O desmatamento, uso excessivo de mão de obra para trabalhar a terra, excesso de água para irrigação das plantas e consumo animal, insumos para melhor desenvolvimento animal e vegetal, o aumento dos custos de produção, logística e processamento de alimentos, todos esses processos presentes na cadeia de produção alimentícia utilizam-se na maioria das vezes de recursos energéticos não renováveis^9,10.

O ramo da alimentação coletiva está em constante crescimento no Brasil¹¹. Em 2017 a Associação Brasileira das Empresas de Refeições Coletivas estimou um total de 10,5 milhões de refeições coletivas servidas fora de casa por dia no país¹².

Os altos índices de desperdício de alimentos são entendidos como indicadores de baixa qualidade do serviço e geram custos desnecessários às unidades de alimentação e nutrição (UAN), e desse modo devem ser evitados por meio de criterioso planejamento e análises constantes¹³. Medidas de controle como avaliação diária do resto-ingestão (RI) constitui-se importante ferramenta para promoção de ações em combate ao desperdício¹⁴.

Vaz¹⁵ determinou quantidade referência para o índice de RI na faixa entre 2% e 5%, ou peso entre 15 g e 45 g por comensal. Na mesma publicação a autora afirma que análises baseadas no peso do RI per capita refletem melhor a realidade de desperdício do restaurante em comparação com o RI em porcentagem.

Dentre as ações que visam combater o desperdício de alimentos encontradas na literatura estão as campanhas de intervenção que visam a conscientização dos comensais^16-18. Os clientes, de modo geral, estão alheios aos impactos econômicos e ecológicos relacionados ao desperdício dos alimentos, especialmente os usuários de UAN subsidiadas por verbas públicas.

Ciente de que a conscientização constitui uma eficiente ferramenta de intervenção e considerando o impacto social, econômico e ambiental do desperdício de alimentos nas UAN no Brasil, este trabalho objetivou quantificar o RI e analisar a efetividade de uma campanha de conscientização para redução do desperdício de alimentos durante o almoço em uma UAN na cidade de Aracaju, capital do estado de Sergipe.

MÉTODO

O hospital em questão realiza atendimentos de complexidade, e atende em média 15.000 pacientes mensalmente, abrangendo também usuários dos estados da Bahia, Alagoas e Pernambuco, além de Sergipe. Conta com 490 leitos e o seu quadro de funcionários é composto por cerca de 3.500 pessoas, sendo 45 nutricionistas.

A respectiva UAN hospitalar possui gestão terceirizada e fornece diariamente 4.500 refeições distribuídas em desjejum, colação, almoço, lanche, jantar e ceia. Os clientes são pacientes internos, acompanhantes dos pacientes e funcionários da instituição. Do total das refeições, uma média de 545 almoços são servidos diariamente no refeitório para os acompanhantes dos pacientes e funcionários (pacientes não se deslocam ao refeitório, recebem a alimentação no leito).

Para a presente pesquisa, foram considerados os dados referentes ao almoço servido no refeitório da UAN. O quantitativo médio dos almoços servidos no refeitório foi obtido por meio de contagem dos cartões de acesso dos usuários ao final do horário do almoço.

O planejamento do cardápio conta com quatro cardápios mensais rotativos, de acordo com os termos contratuais. É um cardápio do tipo simples contendo no almoço arroz, feijão, um tipo de salada, uma guarnição, dois pratos proteicos, sobremesa (doce ou fruta) e suco.

A coleta de dados do desperdício de alimentos foi feita somente durante o almoço em 25 dias úteis entre os meses de junho e agosto de 2018. Os períodos das coletas foram divididos sequencialmente em: 10 coletas antes da campanha, 5 dias durante a campanha de intervenção para conscientização contra o desperdício e 10 dias após o término da campanha.

Em todas as etapas do estudo, para se determinar o indicador de desperdício de alimentos, foi adotada a mensuração do RI conforme procedimento descrito por Vaz¹⁵. No guichê de devolução de bandejas e pratos, os auxiliares de serviços gerais devidamente treinados retiravam com auxílio de uma escova os restos alimentares deixados no prato, colocando este resíduo em uma lixeira específica e devidamente identificada. Cascas de frutas, ossos e descartáveis que eventualmente encontravam-se dentre os restos alimentares eram descartados em outras lixeiras também específicas, evitando assim erro na apuração do indicador de RI.

Ao término do período do almoço, o resíduo alimentar retirado das lixeiras era pesado em balança digital da marca G-Tech Glass 8^® com precisão de 0,1 kg e capacidade para 150 kg. A pesagem foi feita com balança devidamente tarada com o desconto do peso do saco plástico utilizado nas lixeiras. O cálculo do RI foi realizado segundo a fórmula: RI = (peso em gramas do resto alimentar total) / (número de refeições servidas).

Após os primeiros 10 dias de coleta de dados do RI, deu-se início à campanha por conscientização contra o desperdício de alimentos que foi realizada durante 5 dias. Foi elaborada e aplicada a ação denominada “Prato Limpo” por meio de sorteio de brindes para quem apresentasse o prato sem resíduos alimentares comestíveis no guichê de devolução; o controle foi feito por meio de distribuição de senhas para os participantes. Os sorteios ocorreram diariamente, os brindes foram expostos nos refeitórios.

Como estratégia de conscientização foram afixados cartazes por todo o refeitório contendo informações sobre o impacto do desperdício de alimentos no Brasil e no mundo e foi divulgado nesses materiais o panorama da insegurança alimentar e nutricional no país; além disso, foram afixados adesivos ilustrativos nas mesas com orientações formais sobre medidas para redução do desperdício.

Foi determinado também o custo do desperdício alimentar na referida unidade. Para tanto, foi levantado o custo da refeição do almoço por meio de consulta às planilhas de controle reunidas no estoque da UAN, as quais informavam os gêneros alimentícios e a quantidade requisitada e liberada pelo almoxarifado para a cozinha geral momentos antes da preparação almoço. Os itens liberados pelo estoque foram valorados de acordo com o último preço dos produtos extraídos da última nota fiscal de produto entregue à unidade.

Os dados de peso diário de RI, bem como o número de refeições diárias servidas aos funcionários e acompanhantes, foram tabulados em planilha eletrônica com o auxílio do software Excel da Microsoft® Office 2016. Quanto aos aspectos éticos, a realização do trabalho foi autorizada pela nutricionista responsável técnica pela produção da UAN em questão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados referentes aos resultados da campanha de intervenção por conscientização do desperdício na refeição do almoço foram convertidos em gramas para melhor manipulação e apuração estatística dos dados. Na Figura 1 estão apresentados os pesos de RI per capita versus ordem de coleta respectiva do dado nos períodos antes, durante e depois da campanha de intervenção.

Figura 1
Dados de resto-ingestão de uma campanha para intervenção ao desperdício alimentar. As quantidades per capita do desperdício estão distribuídas em 25 coletas diárias obtidas entre junho e agosto de 2018: as primeiras 10 coletas ocorreram antes da intervenção, da 11ª à 15ª coletas foram durante, e as 10 últimas coletas depois. Aracaju/SE, 2018

De acordo com a Figura 1, verifica-se que os dados de resto per capita sofreram grandes variações com quantidade mínima de 21,4 g (na 17ª coleta); e máxima de 84,5 g (na 12ª coleta). Essas quantidades são consideradas outliers e podem estar relacionadas à alta e baixa aceitação respectivamente do cardápio nos dias em questão. Outro fator que pode ser relacionado é a possível inadequação durante o porcionamento das refeições, uma vez que o sistema de distribuição nesta UAN é 100% em formato cafeteria¹⁹.

Considerando a maior quantidade de resto alimentar per capita de 84,5 g e relacionando-a com a baixa aceitação, observou-se que nesse dia o cardápio apresentava preparação à base de peixe. Alves e Ueno²⁰, identificando e quantificando os resíduos sólidos orgânicos gerados na produção e distribuição de refeições em uma UAN de Taubaté/SP, encontraram baixa aceitabilidade para alimentos que continham esse ingrediente.

Altas quantidades diárias de RI podem ser evitadas por adequado treinamento do(a)s copeiro(a)s, visto que o mal porcionamento dos alimentos pode culminar em aumento do desperdício alimentar¹⁹. Porém, para melhor avaliação dessa hipótese seria necessária a associação à pesquisa de satisfação relacionada aos cardápios mensais rotativos. Não obstante, a literatura mostra que insatisfação com as preparações ou cardápio e falhas no porcionamento são algumas das variáveis relacionadas ao desperdício de alimentos²¹.

Provavelmente estudos levando em consideração a associação entre índice de satisfação do cardápio e treinamento do(a)s copeiro(a)s alinhados a indicadores de RI podem auxiliar melhor entendimento das causas ligadas ao desperdício. A avaliação desses fatores em conjunto forneceria importantes ferramentas para o desenvolvimento de cardápio, preparações culinárias e porcionamento adequados com vista a uma maior aceitação dos usuários e consequente inferior quantidade de RI.

Os RI mensurados em 25 coletas de amostras, 10 coletas antes, 5 coletas durante e 10 coletas depois da intervenção, são apresentados na Figura 1. As médias amostrais assim como desvios padrões dos RI estão na Figura 2.

Figura 2
Médias das quantidades per capita de resto-ingestão nas etapas antes, durante e depois da intervenção do desperdício alimentar no período compreendido entre junho e agosto de 2018. Aracaju/SE, 2018

De acordo com a Figura 2, os desperdícios médios por RI per capita antes e durante a intervenção foram respectivamente 60,0 g ± 14,9 g e 58,5 ± 15,5 g. Essas quantidades são semelhantes e estão acima de 45 g, que é o máximo aceitável de desperdício alimentar em UAN, segundo Vaz¹⁵. Entretanto, depois da aplicação da campanha de conscientização o RI per capita médio foi de 39,3 g ± 13,4 g.

Os resultados apresentados na Figura 2 indicam que a campanha de intervenção por conscientização despertou nos comensais a motivação para aderir à causa do não desperdício alimentar. Sugere-se que um maior período de intervenção poderia gerar quantidades ainda menores para o desperdício alimentar.

Britto e Oliveira²² realizaram uma intervenção acerca do desperdício alimentar a partir de campanhas de conscientização somadas à mudança do porcionamento e a alterações estruturais na distribuição em uma UAN hospitalar que servia 6 mil almoços diários aos comensais em São José do Rio Preto/SP. Após seis meses de intervenção houve diminuição notável de resto alimentar per capita de 57,0 g para 25,0 g.

Levantamento financeiro nos preços dos produtos, dados estes oriundos dos registros da empresa, forneceu os custos depois em relação ao período antes da intervenção do desperdício alimentar; a partir desses dados, pudemos contabilizar uma economia financeira média em torno de 34,6%.

Os resultados provenientes da campanha de intervenção frente ao desperdício indicam que ações de conscientização constituem uma eficiente ferramenta no combate ao desperdício nas UANs.

Além disso, mostrou-se que esforços adicionais são necessários para corrigir desperdícios alimentares nas UANs. Nesse sentido, sugere-se a adição de outros métodos de intervenção em conjunto, dentre os quais podemos citar: aplicação de dados provenientes de pesquisa de satisfação diária em planejamento de cardápios e preparações; treinamento do(a)s copeiro(a)s para o adequado porcionamento das preparações; assim como ampliação das ações de intervenção para âmbitos logísticos da UAN incluindo aspectos estruturais da distribuição abrangendo utensílios como pratos, conchas, dentre outros^20,22.

CONCLUSÃO

A partir de ações interventivas de conscientização contra o desperdício alimentar em uma UAN hospitalar houve importante redução do RI. Juntamente com a redução do desperdício alimentar, houve também significativa diminuição nos custos para a empresa de aproximadamente 34,6%. Percebe-se que a falta de conscientização dos comensais pode levar ao elevado desperdício de alimentos, pois foi notória a diminuição do RI após a campanha de conscientização.

A intervenção mostrou-se eficaz, pois houve adoção de comportamento consciente nos comensais contra o desperdício alimentar. Acreditamos que este estudo é uma interessante fonte de informação para ações, programas e políticas que visem reduzir o desperdício alimentar nas UANs.

Agradecimentos:

Os autores são grandemente agradecidos à Universidade Federal de Sergipe e à Nutril Refeições pela permissão da realização deste trabalho e à professora do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Sergipe doutora Izabela Maria Montezano de Carvalho por todo apoio técnico necessário para o fechamento deste trabalho.

• Como citar: Miranda MB, Santos JM, Bezerra GB, Oliveira JM. Efetividade de uma campanha para redução de desperdício em uma unidade de alimentação e nutrição. Cad Saúde Colet, 2022; Ahead of Print. https://doi.org/10.1590/1414-462X202230030285
• Trabalho realizado em Unidade de Alimentação e Nutrição - Aracaju (SE), Brasil.
• Fonte de financiamento: nenhuma.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  11 Nov 2022
• Data do Fascículo
  Jul-Sep 2022

Histórico

• Recebido
  07 Jul 2019
• Aceito
  25 Nov 2020