RESUMO:
Objetivos:
Definir o perfil das vítimas de queimadura atendidas nos serviços de emergência e identificar possíveis associações entre as variáveis investigadas.
Métodos:
Estudo transversal com base nos dados do inquérito “Vigilância de Violências e Acidentes em Unidades Sentinelas de Urgência e Emergência”, de 2017. Procedeu-se à análise descritiva segundo características demográficas e aspectos relativos ao acidente por queimadura, bem como à técnica de análise de correspondência, que permitiu verificar possíveis associações entre as variáveis investigadas.
Resultados:
Os casos de queimadura foram mais frequentes: em adultos com idade entre 20 e 39 anos (40,7%); em homens (57%); no domicílio (67,7%); em decorrência do manuseio de substâncias quentes (52%). Acidentes no domicílio foram mais frequentes nas faixas etárias de 0 a 15 anos (92%) e idosos (84,4%) e em mulheres (81,6%). Acidentes no comércio, serviços e indústria acometeram indivíduos com idades entre 16 e 59 anos (73,6%). O encaminhamento para outros hospitais esteve associado aos casos ocorridos em idosos e a internação aos eventos que acometeram indivíduos na faixa de 0 a 15 anos de idade. Eventos na população em idade produtiva apresentaram associação com o uso de álcool e o local de trabalho. Entre as mulheres, sugere-se associação dos acidentes com o domicílio e substâncias quentes.
Conclusão:
Os resultados apontam para a necessidade de ações orientadas no campo da educação em saúde, bem como da regulamentação e da fiscalização trabalhistas.
Palavras-chave:
Queimaduras; Serviço Hospitalar de Emergência; Sistema Único de Saúde; Vigilância Epidemiológica; Inquéritos Epidemiológicos
ABSTRACT:
Objectives:
To describe the profile of burn victims attended in emergency services and to identify associations between the variables investigated.
Methods:
Cross-sectional study based on data from the 2017 survey “Surveillance of violence and accidents in emergency units”. We used descriptive analysis, according to demographic characteristics and aspects related to the burn injury, as well as the correspondence analysis technique, which allowed to verify possible associations between the variables investigated.
Results:
Burns were more frequent: in adults aged between 20 and 39 years (40.7%); in men (57.0%); in the household (67.7%); due to hot substances (52.0%). Household accidents were more frequent in the age group 0-15 years (92.0%) and elderly (84.4%), and in women (81.6%). Accidents in commerce, services and industry affected individuals aged 16 to 59 years (73.6%). Referral to other hospitals was associated with cases in the elderly and hospitalization with the cases in individuals aged between 0 and 15 years old. Events in the working age population were associated with alcohol use and the workplace. Among women, it is suggested to associate burn accidents with household and hot substances.
Conclusions:
The results point to the need for oriented actions in the field of health education, as well as labor regulation and supervision.
Keywords:
Burns; Hospital Emergency Service; Unified Health System; Epidemiological Monitoring; Health Surveys
INTRODUÇÃO
Os acidentes por queimadura são bastante frequentes no mundo e associam-se a elevadas morbidade e mortalidade11. Smolle C, Cambiaso-Daniel J, Forbes AA, Wurzer P, Hundeshagen G, Branski LK, et al. Recent Trends in Burn Epidemiology Worldwide: A Systematic Review. Burns. 2017; 43(2): 249-57. http://doi.org/10.1016/j.burns.2016.08.013
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, além de serem causas de afastamento do trabalho, sequelas, limitações funcionais e estéticas, comprometimento do bem-estar emocional e perda de qualidade de vida22. Fernandes FMFA, Torquato IMB, Dantas MSA, Pontes Júnior FAC, Ferreira JA, Collet N. Queimaduras em crianças e adolescentes: caracterização clínica e epidemiológica. Rev Gaúcha Enferm 2012; 33(4): 133-41. http://dx.doi.org/10.1590/S1983-14472012000400017
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,33. Leão CEG, Andrade ES, Fabrini DS, Oliveira RA, Machado GLB, Gontijo LC. Epidemiologia das queimaduras no estado de Minas Gerais. Rev Bras Cir Plást 2011; 26(4): 573-7.. Além dos cuidados imediatos, as queimaduras geralmente requerem tratamento em longo prazo, inúmeras consultas ambulatoriais para troca de curativos, múltiplos procedimentos cirúrgicos reconstrutivos, longos períodos de internação, elevado custo socioeconômico para as vítimas e para o sistema de saúde11. Smolle C, Cambiaso-Daniel J, Forbes AA, Wurzer P, Hundeshagen G, Branski LK, et al. Recent Trends in Burn Epidemiology Worldwide: A Systematic Review. Burns. 2017; 43(2): 249-57. http://doi.org/10.1016/j.burns.2016.08.013
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,44. Mock C, Peck M, Peden M, Krug E, Ahuja R, Albertyn H, et al. A WHO plan for burn prevention and care [Internet]. Genebra: World Health Organization; 2008 [acessado em 16 set. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/97852/9789241596299_eng.pdf?sequence=1
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.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 130 mil pessoas morrem de queimaduras por fogo anualmente44. Mock C, Peck M, Peden M, Krug E, Ahuja R, Albertyn H, et al. A WHO plan for burn prevention and care [Internet]. Genebra: World Health Organization; 2008 [acessado em 16 set. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/97852/9789241596299_eng.pdf?sequence=1
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. As queimaduras estão entre as principais causas de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (DALY) em países de baixa e média renda11. Smolle C, Cambiaso-Daniel J, Forbes AA, Wurzer P, Hundeshagen G, Branski LK, et al. Recent Trends in Burn Epidemiology Worldwide: A Systematic Review. Burns. 2017; 43(2): 249-57. http://doi.org/10.1016/j.burns.2016.08.013
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,44. Mock C, Peck M, Peden M, Krug E, Ahuja R, Albertyn H, et al. A WHO plan for burn prevention and care [Internet]. Genebra: World Health Organization; 2008 [acessado em 16 set. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/97852/9789241596299_eng.pdf?sequence=1
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. Em 2004, quase 11 milhões de pessoas em todo o mundo sofreram queimaduras a ponto de necessitarem de assistência médica55. World Health Organization. Burns [Internet]. Genebra: World Health Organization ; 2018 [acessado em 19 set. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/burns
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. O Center for Disease Control and Prevention, nos Estados Unidos da América, relatou que cerca de 486 mil pacientes receberam tratamento médico de emergência em função de queimaduras em 201166. Centers for Disease Control and Prevention. National Hospital Ambulatory Medical Care Survey: 2011. Emergency Department Summary Tables [Internet]. Centers for Disease Control and Prevention; 2011 [acessado em 16 set. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://www.cdc.gov/nchs/data/ahcd/nhamcs_emergency/2011_ed_web_tables.pdf
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.
Estimativas do Ministério da Saúde do Brasil apontam cerca de um milhão de novos casos de vítimas de queimaduras ao ano, sendo 100 mil atendimentos hospitalares e, destes, cerca de 2.500 óbitos em função das lesões77. Brasil. Ministério da Saúde. Queimados [Internet]. 2017 [acessado em 19 set. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://www.saude.gov.br/component/content/article/842-queimados/40990-queimados
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. Todas as faixas etárias são acometidas em diferentes cenários, embora estudos apontem a importância das ocorrências domésticas na infância11. Smolle C, Cambiaso-Daniel J, Forbes AA, Wurzer P, Hundeshagen G, Branski LK, et al. Recent Trends in Burn Epidemiology Worldwide: A Systematic Review. Burns. 2017; 43(2): 249-57. http://doi.org/10.1016/j.burns.2016.08.013
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,22. Fernandes FMFA, Torquato IMB, Dantas MSA, Pontes Júnior FAC, Ferreira JA, Collet N. Queimaduras em crianças e adolescentes: caracterização clínica e epidemiológica. Rev Gaúcha Enferm 2012; 33(4): 133-41. http://dx.doi.org/10.1590/S1983-14472012000400017
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
,88. Barcelos RS, Santos IS, Matijasevich A, Barros AJD, Barros FC, França GVA, et al. Acidentes por quedas, cortes e queimaduras em crianças de 0-4 anos: coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 2004. Cad Saúde Pública 2017; 33(2): e00139115. https://doi.org/10.1590/0102-311X00139115
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e as ocorrências ocupacionais no sexo masculino33. Leão CEG, Andrade ES, Fabrini DS, Oliveira RA, Machado GLB, Gontijo LC. Epidemiologia das queimaduras no estado de Minas Gerais. Rev Bras Cir Plást 2011; 26(4): 573-7..
As queimaduras resultam em lesões dos tecidos orgânicos por traumas térmico, elétrico, químico ou radioativo33. Leão CEG, Andrade ES, Fabrini DS, Oliveira RA, Machado GLB, Gontijo LC. Epidemiologia das queimaduras no estado de Minas Gerais. Rev Bras Cir Plást 2011; 26(4): 573-7.,99. Montes SF, Barbosa MH, Sousa Neto AL. Aspectos clínicos e epidemiológicos de pacientes queimados internados em um Hospital de Ensino. Rev Esc Enferm USP 2011; 45(2): 369-73. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342011000200010
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. Correspondem, contudo, a traumas potencialmente severos, não apenas pelos comprometimentos físicos e elevada mortalidade, senão pelas sequelas e incapacidade resultantes das lesões e pelo impacto emocional. Nesse sentido, pesquisas como o Inquérito de Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência (VIVA Inquérito)1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Viva Inquérito 2017: Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência - Capitais e Municípios / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. 132 p. são fundamentais para que se possa caracterizar a população acometida por queimaduras e os fatores associados a esse evento, podendo-se orientar estratégias de promoção da saúde e prevenção desses eventos.
Assim, o presente estudo tem como objetivos definir o perfil das vítimas de queimaduras atendidas nos serviços de emergência brasileiros e identificar associações entre os casos de queimadura e as variáveis investigadas.
MÉTODOS
FONTE DOS DADOS, POPULAÇÃO E LOCAL DO ESTUDO
Os dados do VIVA Inquérito foram coletados em 90 serviços habilitados para o atendimento de urgência e emergência no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) no ano de 20171010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Viva Inquérito 2017: Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência - Capitais e Municípios / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. 132 p.. Coletaram-se, no referido inquérito, informações sobre as vítimas de causas externas (acidentes e violências) que procuraram atendimento nesses serviços, realizando-se no total 48.532 entrevistas em 23 capitais e no Distrito Federal, no período de setembro a dezembro de 2017. Entre as capitais, Macapá, Florianópolis e Porto Alegre não participaram da pesquisa por questões operacionais locais.
O estudo atual analisa dados referentes ao subgrupo das vítimas de acidentes por queimaduras (n = 789). Seguindo a 10a revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), incluíram-se os casos decorrentes de queimaduras por exposição à corrente elétrica, radiação e temperatura; exposição à fumaça, fogo e chamas; e contato com fonte de calor e substâncias quentes1111. Gawryszewski VP, Bernal RTI, Silva NN da, Morais Neto OL de, Silva MMA da, Mascarenhas MDM, et al. Atendimentos decorrentes de queimaduras em serviços públicos de emergência no Brasil, 2009. Cad Saúde Pública 2012; 28(4): 629-40. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2012000400003
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, relativos aos códigos W85 a W99, e X00 a X191010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Viva Inquérito 2017: Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência - Capitais e Municípios / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. 132 p..
PROCESSO DE AMOSTRAGEM, COLETA DOS DADOS E ASPECTOS ÉTICOS DO VIVA INQUÉRITO
Realizou-se amostragem por conglomerado em único estágio de seleção estratificado pelos estabelecimentos de saúde (ES), sendo a Unidade Primária de Amostragem (UPA), ou seja, a variável que define a estrutura do plano amostral, composta por turnos de 12 horas. No que se refere ao sorteio de turnos, considerou-se o período de coleta de 30 dias dividido em dois turnos (diurno e noturno), totalizando 60 turnos - 30 diurnos e 30 noturnos1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Viva Inquérito 2017: Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência - Capitais e Municípios / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. 132 p..
Para coleta dos dados utilizou-se formulário padronizado1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Viva Inquérito 2017: Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência - Capitais e Municípios / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. 132 p., já utilizado nas pesquisas anteriores do VIVA e adaptado para a edição 2017. Todos os usuários vítimas de acidentes e violências atendidos nos serviços de urgência e emergência selecionados foram entrevistados por pesquisadores previamente treinados. Quando as vítimas admitidas nos serviços eram menores de idade ou incapazes de responder, recorreu-se ao acompanhante e aos dados dos prontuários1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Viva Inquérito 2017: Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência - Capitais e Municípios / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. 132 p..
O projeto do Inquérito de Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência (VIVA Inquérito) foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) do Ministério da Saúde, sob Parecer n. 2.234.509,23/8/2017 - CAAE: 67709417.0.0000.0008 em 23 de agosto de 2017. Solicitou-se o consentimento verbal do paciente, ou de um familiar ou responsável, quando o paciente era menor de 12 anos de idade ou se encontrava impossibilitado de responder. Seguiram-se os preceitos éticos conforme recomendação da Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde/MS.
DELINEAMENTO DO ESTUDO E ANÁLISE DOS DADOS
O presente estudo tem delineamento transversal. Procedeu-se, inicialmente, à análise descritiva segundo características demográficas (sexo, idade), comportamentais (consumo de álcool), relativas ao local de ocorrência do acidente, à região do corpo afetada, ao agente causador da lesão ou tipo de queimadura e à gravidade da lesão ou evolução do caso.
Para verificar possíveis associações entre as variáveis investigadas, utilizou-se a técnica de análise de correspondência (AC), uma vez que ela permite trabalhar com grande quantidade de variáveis qualitativas, constituídas de grande número de categorias1212. Mingoti SA. Análise de Dados Através de Métodos Estatísticos Multivariados: Uma Abordagem Aplicada. Belo Horizonte: UFMG; 2005.,1313. Infantosi AFC, Costa JCGD, Almeida RMVR. Análise de Correspondência: bases teóricas na interpretação de dados categóricos em Ciências da Saúde. Cad Saúde Pública 2014; 30(3): 473-86. https://doi.org/10.1590/0102-311X00128513
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. A AC constitui fase exploratória dos dados e faz uso de tabelas de contingência, também denominadas de tabelas cruzadas, para verificar a dependência entre suas linhas e colunas. A AC sintetiza a estrutura de variabilidade dos dados em termos de dimensões, sendo o número destas menor que o de variáveis1313. Infantosi AFC, Costa JCGD, Almeida RMVR. Análise de Correspondência: bases teóricas na interpretação de dados categóricos em Ciências da Saúde. Cad Saúde Pública 2014; 30(3): 473-86. https://doi.org/10.1590/0102-311X00128513
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. A AC é equivalente à análise fatorial, porém os resultados são apresentados de forma gráfica, em que as menores distâncias entre as categorias linha e coluna representam as mais fortes associações, enquanto as maiores distâncias representam dissociações1212. Mingoti SA. Análise de Dados Através de Métodos Estatísticos Multivariados: Uma Abordagem Aplicada. Belo Horizonte: UFMG; 2005.,1313. Infantosi AFC, Costa JCGD, Almeida RMVR. Análise de Correspondência: bases teóricas na interpretação de dados categóricos em Ciências da Saúde. Cad Saúde Pública 2014; 30(3): 473-86. https://doi.org/10.1590/0102-311X00128513
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.
Utilizou-se a técnica de análise de correspondência simples (ACS) para descrever o perfil das vítimas de queimaduras do VIVA Inquérito. Por se tratar de dados provenientes de planos complexos de amostragem (PCA), obtiveram-se as tabelas de contingência expandidas (total de atendimentos) considerando-se os pesos amostrais no cálculo das proporções de cada célula da tabela, e, com base nelas, o gráfico de correspondência.
O estimador do total de atendimentos por acidentes e violências em serviços sentinelas de urgência e emergência no período de 30 dias é dado pela Equação 1:
Em que:
- whij = o peso da amostra no h-ésimo estrato (ES), i-ésima UPA (turno) e j-ésimo número de elementos do h-ésimo estrato da í-ésima UPA;
- yhij = o valor observado da variável (1 se possui e 0 em caso contrário) no h-ésimo estrato, i-ésima UPA e j-ésimo número de elementos do h-ésimo estrato da í-ésima UPA.
Na AC, selecionaram-se variáveis de interesse. As variáveis linha, que correspondem aos casos, compreendem as variáveis sociodemográficas sexo (masculino e feminino) e faixa etária (0 a 15, 16 a 19, 20 a 39, 40 a 59, 60 anos e mais). As variáveis coluna, ou variáveis de interesse, correspondem a:
-
características do evento, como tipo de substância ou objeto causador da queimadura (substância química, substância quente, objeto quente, fogo ou chama, choque elétrico);
-
consumo de álcool (sim ou não);
-
gravidade da lesão (encaminhamento para outro serviço, internação, alta);
-
parte do corpo atingida (cabeça, tórax ou dorso, quadril ou abdome, membros superiores, membros inferiores, múltiplos órgãos ou regiões);
-
local da ocorrência (via pública, residência, comércio ou serviço ou indústria);
-
ocorrência durante o trabalho ou no deslocamento para o trabalho.
Os dados foram analisados no software Stata 14.
RESULTADOS
A Tabela 1 descreve a distribuição dos casos de queimadura (n = 789), segundo algumas variáveis. Ocorreu o predomínio dos homens (450 casos; 57% do total) em relação às mulheres (339 casos; 43% do total). A faixa etária mais acometida foi a de adultos de 20 a 39 anos (40,7%), seguida das faixas de 40 a 59 anos (24,5%) e de 0 a 15 anos (23,6%). A distribuição por idade foi semelhante entre homens e mulheres. Identificou-se o uso de bebidas alcoólicas em 8,5% das vítimas do sexo masculino, ao passo que o percentual verificado para as mulheres foi de 2,5% (Tabela 1).
Os membros superiores foram os mais atingidos (30,5%), seguidos dos membros inferiores (21,1%), da face (20,7%) e múltiplos órgãos (13,3%), dados não mostrados. A maior parte dos casos evoluiu para alta em 72% dos casos, e a internação assumiu a segunda posição, embora com grande diferença percentual, correspondendo a 16,3% dos casos (Tabela 1).
Em relação ao local da ocorrência, 67,7% das ocorrências aconteceram no domicílio, afetando mais as mulheres (81,6%) do que os homens (57,7%) (Tabela 1). As Figuras 1A e 1B ilustram a distribuição dos casos por faixa etária, segundo as variáveis local de ocorrência e agente causador. Nas residências, predominaram as ocorrências nas faixas etárias de 0 a 15 anos (92%) e idosos (84,4%) (Figura 1A).
Proporção de atendimentos por queimadura, segundo local de ocorrência e agente causador, estratificados por faixa etária. VIVA Inquérito, 2017
O local de comércio, serviços e indústrias respondeu por 17,9% dos casos, ocupando a segunda posição. Os homens foram mais acometidos por queimaduras no comércio, serviços e indústrias (23,4%) do que as mulheres (10,2%) (Tabela 1). Esses locais tiveram maior ocorrência de queimaduras entre indivíduos em idade produtiva, na seguinte ordem por faixa etária: de 20 a 39 anos (28,7%), de 16 a 19 anos (27%) e entre 40 e 59 anos (17,9%). Entre adolescentes de 16 a 19 anos, a ocorrência em bares e similares correspondeu a 12,7% das notificações, sendo mais expressiva do que em outras faixas etárias (Figura 1A). Entre as ocorrências relacionadas ao trabalho, 30,3% se deram no trajeto para o serviço entre homens e 14,7% entre mulheres (Tabela 1).
Com relação ao agente causador, dados mostrados na Tabela 1 do material suplementar apontam que as substâncias quentes (água e outros) foram os principais agentes causadores de queimaduras (52%), em número mais elevado entre mulheres (65,1%) do que entre homens (42,6%), seguidas de fogo ou chama (16,3%), que, por sua vez, foram os agentes causadores mais elevados entre homens (21,5%), em comparação com mulheres (9,2%). As substâncias quentes foram responsáveis pela maior proporção de queimaduras em todas as faixas etárias, em número mais elevado em indivíduos de 0 a 15 anos (56,7%) e mais baixo para aqueles com 16 a 19 anos (38,5%) (Tabela 1 do material suplementar). Queimaduras por fogo ou chamas ocuparam o segundo lugar em todas as faixas etárias, com proporção mais alta em idosos (26,8%) (Tabela 1 do material suplementar). Encontraram-se os maiores percentuais de queimaduras por substâncias químicas nas faixas etárias que correspondem à idade produtiva, dos 16 aos 59 anos (Figura 1B).
No que se refere à AC, as contribuições e respectivas coordenadas das características demográficas (sexo e idade) e daquelas relacionadas às queimaduras em cada dimensão podem ser verificadas na Tabela 2 do material suplementar. A “dimensão” deve ser entendida como conjunto de categorias de variáveis que se mostraram associadas entre si e a “contribuição” mede a importância da categoria para explicar a associação na composição da dimensão, de modo que, quanto maior sua contribuição, maior sua importância. Na dimensão 1, idade (0-15 anos) é a variável que mais contribuiu na explicação, com 46%, seguida de deslocamento para o trabalho, com 21%, local de ocorrência, com 18% para comércio e 16% para residência. Já na dimensão 2, a variável sexo masculino contribuiu com 38%, sexo feminino 26%, a evolução para internação contribuiu com 25%, seguida dos tipos de queimadura com 33%, entre elas a substância quente, com 10% (Tabela 2 do material suplementar).
A Tabela 2 apresenta as medidas estatísticas resultantes da AC (χ2 = 1547,6; p < 0,001), as quais apontam que a hipótese H0, de independência entre as características demográficas (linhas) e as características do evento queimadura (colunas), é rejeitada. Conclui-se que existe associação entre queimaduras e as variáveis investigadas. Duas dimensões explicam mais de 90% da estrutura da variabilidade dos dados (Tabela 2).
A AC apresentada na Figura 2 representa, por meio de círculos, cinco conjuntos de categorias de variáveis que se apresentaram associadas. O conjunto A, à direita, sugere que os atendimentos a pacientes na faixa de 0 a 15 anos estão associados com internação e a lesões no tórax. O conjunto B sugere que, aos idosos de 60 anos e mais, associaram-se casos que foram encaminhados para outros hospitais e serviços, queimaduras por objetos quentes e em múltiplos órgãos. No conjunto C, os adolescentes de 16 a 19 anos do sexo masculino tiveram ocorrências em via pública, por substâncias químicas, afetando a região da cabeça. No conjunto D, os eventos da população em idade produtiva (20 a 39 anos e 40 a 59 anos) tiveram associação com uso de álcool, ocorrência no local de trabalho (comércio, serviço, indústria) e acometimento de membros superiores. O conjunto E sugere que as mulheres tiveram queimaduras na residência por substância quente, resultando em lesões no quadril e membros inferiores.
Gráfico bi-plot das características demográficas e relacionadas às ocorrências das vítimas de queimaduras. VIVA Inquérito, 2017.
DISCUSSÃO
Os achados do estudo apontam que as queimaduras foram mais frequentes entre homens na idade adulta (20 a 59 anos), seguidos dos de 0 a 15 anos, e que a residência foi o local mais frequente de ocorrências, seguido dos locais de comércio, serviços e indústria. Um quarto das ocorrências se deu no trajeto para o trabalho. Os agentes causadores das queimaduras foram as substâncias quentes (água, óleo, outros) em mais da metade das ocorrências, o fogo e as chamas contribuíram com um sétimo dos eventos e os objetos quentes responderam por um décimo dos eventos. Entre as partes do corpo atingidas, predominaram os membros superiores. Cerca de um quarto das queimaduras resultou em internação e transferência para outros serviços de saúde, indicando gravidade nas lesões, que foram mais comuns entre os extremos de idade (0 a 15 anos e idosos). As lesões de tórax foram associadas com a população de 0 a 15 anos. Em pacientes com 16 a 19 anos, as variáveis associadas foram sexo masculino, ocorrências em via pública, predominantemente na cabeça e causadas por substâncias químicas e choques. Na população em idade produtiva (20 a 59 anos), as queimaduras foram no local de trabalho (comércio, serviços e indústria) e deslocamento para o trabalho, além de associarem-se ao uso de álcool. Em idosos, as queimaduras afetaram múltiplos órgãos e foram decorrentes de objetos quentes. Já as queimaduras entre mulheres ocorreram na residência, por substância quente, afetando prioritariamente os membros inferiores e o quadril.
A AC mostra-se bastante útil quando há grande número de categorias, o que torna sua visualização importante na identificação de pontos de “atração” ou “repulsão” entre as categorias das variáveis1313. Infantosi AFC, Costa JCGD, Almeida RMVR. Análise de Correspondência: bases teóricas na interpretação de dados categóricos em Ciências da Saúde. Cad Saúde Pública 2014; 30(3): 473-86. https://doi.org/10.1590/0102-311X00128513
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. O VIVA é importante fonte de dados nacional, que capta as ocorrências de causa externa atendidas em serviços de urgência e emergência, abrangendo um conjunto de eventos que ocorrem no cotidiano, entre eles os acidentes por queimaduras. Isso permite estabelecer relações e compreender de maneira mais ampla as causas, a explicação e a relação entre o desfechos e as múltiplas variáveis.
No tocante à gravidade dos acidentes por queimaduras, neste estudo, em cerca de 20% dos casos os pacientes foram internados. No VIVA 2017, 9,7% do total dos casos de acidentes evoluíram para internação, o que aponta para a maior gravidade dos casos de queimadura aqui estudados1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Viva Inquérito 2017: Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência - Capitais e Municípios / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. 132 p.. Entretanto, outros estudos da literatura apontam casos ainda mais graves, por serem oriundos de análise de unidades hospitalares de internação ou de base de dados de mortalidade33. Leão CEG, Andrade ES, Fabrini DS, Oliveira RA, Machado GLB, Gontijo LC. Epidemiologia das queimaduras no estado de Minas Gerais. Rev Bras Cir Plást 2011; 26(4): 573-7.,515. Soares de Macedo JL, Santos JB. Nosocomial infections in a Brazilian Burn Unit. Burns 2006; 32(4): 477-81. https://doi.org/10.1016/j.burns.2005.11.012
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,1414. Duke J, Wood F, Semmens J, Edgar DW, Spilsbury K, Hendrie D, et al. A study of burn hospitalizations for children younger than 5 years of age: 1983-2008. Pediatrics 2011; 127(4): e971-7. https://doi.org/10.1542/peds.2010-3136
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. O VIVA retrata as ocorrências atendidas na porta de entrada de unidades de urgência e emergência e, portanto, consegue medir casos leves, moderados e graves1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Viva Inquérito 2017: Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência - Capitais e Municípios / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. 132 p..
As internações ou encaminhamentos foram mais importantes em populações mais vulneráveis (< de 15 anos e idosos), o que pode indicar, indiretamente, a gravidade das queimaduras nesses grupos etários1515. Soares de Macedo JL, Santos JB. Nosocomial infections in a Brazilian Burn Unit. Burns 2006; 32(4): 477-81. https://doi.org/10.1016/j.burns.2005.11.012
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. Embora o VIVA não permita avaliar a gravidade das lesões, a literatura descreve que a gravidade e o prognóstico de uma queimadura são definidos em função de agente causal, profundidade, extensão da superfície corporal queimada, localização, idade, doenças preexistentes e lesões associadas33. Leão CEG, Andrade ES, Fabrini DS, Oliveira RA, Machado GLB, Gontijo LC. Epidemiologia das queimaduras no estado de Minas Gerais. Rev Bras Cir Plást 2011; 26(4): 573-7.,99. Montes SF, Barbosa MH, Sousa Neto AL. Aspectos clínicos e epidemiológicos de pacientes queimados internados em um Hospital de Ensino. Rev Esc Enferm USP 2011; 45(2): 369-73. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342011000200010
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.
A grande maioria das ocorrências, no presente estudo, se deu em ambiente residencial, afetando crianças, mulheres e idosos. Esse dado é importante para apoiar políticas de prevenção voltadas para as famílias1616. Malta DC, Mascarenhas MDM, Neves ACM das, Silva MA da. Atendimentos por acidentes e violências na infância em serviços de emergências públicas. Cad Saúde Pública 2015; 31(5): 1095-105. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00068814
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. O apontamento de que mais da metade das queimaduras tenha ocorrido na residência das vítimas é consistente com a literatura nacional1717. Vendrusculo TM, Balieiro CRB, Echevarría-Guanilo ME, Farina Junior JA, Rossi LA. Burns in the domestic environment: characteristics and circumstances of accidents. Rev Latinoam Enferm 2010; 18(3): 444-51. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692010000300021
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,1818. Francisco T, Nóbrega S, Valente R, Santos M, Pereira G, Estrada J, et al. Grande queimado numa Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos: experiência de 20 anos. Nascer e Crescer [Internet]. 2013 [acessado em 10 ago. 2019]; 22(3): 151-7. http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0872-07542013000300004
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?scri...
e internacional1919. Serour F, Gorenstein A, Boaz M. Characteristics of thermal burns in children admitted to an Israeli pediatric surgical ward. Isr Med Assoc J 2008; 10(4): 282-6.,2020. D’Souza AL, Nelson NG, McKenzie LB. Pediatric burn injuries treated in US emergency departments between 1990 and 2006. Pediatrics 2009; 124(5): 1424-30. http://dx.doi.org/10.1542/peds.2008-2802
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,2121. Warda LJ, Ballesteros MF. Interventions to prevent residential fire injury. In: Doll LS, Bonzo SE, Sleet DA, Mercy JA editores. Handbook of injury and violence prevention. Nova York: Springer; 2008. p. 97-115. https://doi.org/10.1007/978-0-387-29457-5_6
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,2222. Brudvik C, Hoem EL, Luggenes B, Vindenes H. Burn injuries in children. Tidsskr Nor Laegeforen 2011; 131(1): 20-3. http://dx.doi.org/10.4045/tidsskr.09.0641
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. A residência é um ambiente de alta exposição a riscos, sendo as queimaduras por líquidos (cocção de alimentos, fervura de água), objetos quentes (fogão, panelas, churrasqueiras), equipamentos domésticos (ferros de passar roupa, aquecedores, agentes inflamáveis como álcool, querosene, gás doméstico, fósforos, velas), além da exposição à corrente elétrica (tomadas, instalações elétricas)1717. Vendrusculo TM, Balieiro CRB, Echevarría-Guanilo ME, Farina Junior JA, Rossi LA. Burns in the domestic environment: characteristics and circumstances of accidents. Rev Latinoam Enferm 2010; 18(3): 444-51. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692010000300021
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,2222. Brudvik C, Hoem EL, Luggenes B, Vindenes H. Burn injuries in children. Tidsskr Nor Laegeforen 2011; 131(1): 20-3. http://dx.doi.org/10.4045/tidsskr.09.0641
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as ocorrências mais prováveis nesse contexto. Moradias precárias e pequenas com elevado número de residentes, baixo nível socioeconômico, baixa instrução, equipamentos de cozinha precários e negligência de pais e responsáveis por crianças e idosos facilitam a ocorrência de acidentes por queimaduras no domicílio1818. Francisco T, Nóbrega S, Valente R, Santos M, Pereira G, Estrada J, et al. Grande queimado numa Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos: experiência de 20 anos. Nascer e Crescer [Internet]. 2013 [acessado em 10 ago. 2019]; 22(3): 151-7. http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0872-07542013000300004
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,2121. Warda LJ, Ballesteros MF. Interventions to prevent residential fire injury. In: Doll LS, Bonzo SE, Sleet DA, Mercy JA editores. Handbook of injury and violence prevention. Nova York: Springer; 2008. p. 97-115. https://doi.org/10.1007/978-0-387-29457-5_6
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. A cozinha é o ambiente de maior exposição. A curiosidade das crianças, as brincadeiras e a inadequação dos espaços pode favorecer o derramamento de panelas quentes contendo água e alimentos2121. Warda LJ, Ballesteros MF. Interventions to prevent residential fire injury. In: Doll LS, Bonzo SE, Sleet DA, Mercy JA editores. Handbook of injury and violence prevention. Nova York: Springer; 2008. p. 97-115. https://doi.org/10.1007/978-0-387-29457-5_6
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,2323. Malta DC, Bernal RTI, Teixeira B de SM, Silva MMA da, Freitas MI de F. Fatores associados a violências contra crianças em Serviços Sentinela de Urgência nas capitais brasileiras. Ciênc Saúde Coletiva 2017; 22(9): 2889-98. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.12752017
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. As mulheres tornam-se vulneráveis pela elevada frequência de atividades ligadas ao preparo de alimentos nos domicílios1111. Gawryszewski VP, Bernal RTI, Silva NN da, Morais Neto OL de, Silva MMA da, Mascarenhas MDM, et al. Atendimentos decorrentes de queimaduras em serviços públicos de emergência no Brasil, 2009. Cad Saúde Pública 2012; 28(4): 629-40. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2012000400003
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. Da mesma forma, os idosos, que ficam longos períodos em casa, também são muito vulneráveis a esse tipo de evento nas residências1111. Gawryszewski VP, Bernal RTI, Silva NN da, Morais Neto OL de, Silva MMA da, Mascarenhas MDM, et al. Atendimentos decorrentes de queimaduras em serviços públicos de emergência no Brasil, 2009. Cad Saúde Pública 2012; 28(4): 629-40. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2012000400003
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.
As queimaduras em indivíduos em idade produtiva (20 a 59 anos) foram mais frequentes em locais de trabalho, como comércio, serviços, indústria e construção e no deslocamento para o trabalho. Embora a substância quente também tenha frequência elevada nessa faixa etária, observaram-se outros agentes como fogo e chamas, substâncias químicas, choques e objetos quentes, o que também se verificou em outra edição do VIVA1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Viva Inquérito 2017: Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência - Capitais e Municípios / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. 132 p.. Tais agentes guardam relação com as atividades ocupacionais e os riscos inerentes ao trabalho2424. Malta DC, Stopa SR, Silva MMA da, Szwarcwald CL, Franco M da S, Santos FV, et al. Acidentes de trabalho autorreferidos pela população adulta brasileira, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Ciênc Saúde Coletiva 2017; 22(1): 169-178. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017221.17862015
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. Estudos sobre queimaduras no ambiente de trabalho são escassos na literatura nacional, o que mostra ser esta também uma lacuna de conhecimento. Nesse sentido, o VIVA ajuda a trazer novas evidências e apontar os riscos desses ambientes, ressaltando a necessidade de avançar em políticas de proteção, regulação e fiscalização pública1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Viva Inquérito 2017: Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência - Capitais e Municípios / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. 132 p..
Nesse mesmo assunto, cumpre destacar que as queimaduras por choque elétrico foram mais frequentes no sexo masculino, adultos e jovens e, sugere-se, associadas a espaços extradomiciliares (via pública). Resultados semelhantes foram descritos em outros estudos em unidades de queimados, sugerindo uma relação com os riscos do ambiente de trabalho e de determinadas ocupações33. Leão CEG, Andrade ES, Fabrini DS, Oliveira RA, Machado GLB, Gontijo LC. Epidemiologia das queimaduras no estado de Minas Gerais. Rev Bras Cir Plást 2011; 26(4): 573-7.,2424. Malta DC, Stopa SR, Silva MMA da, Szwarcwald CL, Franco M da S, Santos FV, et al. Acidentes de trabalho autorreferidos pela população adulta brasileira, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Ciênc Saúde Coletiva 2017; 22(1): 169-178. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017221.17862015
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,2525. Bessa DF, Ribeiro ALS, Barros MCM, Mendonça MC, Bessa IF, Alves MA, et al. Perfil epidemiológico dos pacientes queimados no hospital regional de urgência emergência de Campina Grande - Paraíba, Brasil. Rev Bras Ciênc Saúde[Internet]. 2006 [acessado em 10 ago. 2019]; 10(1): 73-80. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/rbcs/article/view/3432
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. O VIVA aponta não apenas o local de trabalho, mas também o deslocamento para o local de trabalho como fator associado às queimaduras, o que dialoga com resultados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013, que revelou que 30% dos acidentes de trabalho aconteceram nesse trajeto2424. Malta DC, Stopa SR, Silva MMA da, Szwarcwald CL, Franco M da S, Santos FV, et al. Acidentes de trabalho autorreferidos pela população adulta brasileira, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Ciênc Saúde Coletiva 2017; 22(1): 169-178. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017221.17862015
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Outro ponto ainda pouco estudado se refere à associação entre queimaduras, consumo de álcool e sexo masculino, que este estudo evidencia. O consumo de bebidas alcoólicas torna as pessoas vulneráveis e mais expostas a riscos, acidentes e violências2626. Mascarenhas MDM, Malta DC, Silva MMA da, Carvalho CG, Monteiro RA, Morais Neto OL de. Consumo de álcool entre vítimas de acidentes e violências atendidas em serviços de emergência no Brasil, 2006 e 2007. Ciênc Saúde Coletiva 2009; 14(5): 1789-96. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232009000500020
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. Essa associação reforça a importância de inquéritos como o VIVA e a inclusão da variável consumo de álcool no seu questionário.
As partes do corpo mais atingidas foram os membros superiores, membros inferiores, seguidos da face, o que também se encontrou em outros estudos22. Fernandes FMFA, Torquato IMB, Dantas MSA, Pontes Júnior FAC, Ferreira JA, Collet N. Queimaduras em crianças e adolescentes: caracterização clínica e epidemiológica. Rev Gaúcha Enferm 2012; 33(4): 133-41. http://dx.doi.org/10.1590/S1983-14472012000400017
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, embora alguns trabalhos tenham demonstrado que a cabeça seja o local mais comprometido1414. Duke J, Wood F, Semmens J, Edgar DW, Spilsbury K, Hendrie D, et al. A study of burn hospitalizations for children younger than 5 years of age: 1983-2008. Pediatrics 2011; 127(4): e971-7. https://doi.org/10.1542/peds.2010-3136
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,2525. Bessa DF, Ribeiro ALS, Barros MCM, Mendonça MC, Bessa IF, Alves MA, et al. Perfil epidemiológico dos pacientes queimados no hospital regional de urgência emergência de Campina Grande - Paraíba, Brasil. Rev Bras Ciênc Saúde[Internet]. 2006 [acessado em 10 ago. 2019]; 10(1): 73-80. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/rbcs/article/view/3432
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Considera-se que a prevenção é a estratégia mais eficaz para controle dos agravos. No tocante às crianças e aos idosos, medidas educativas por parte dos pais e responsáveis devem lançar luz sobre a necessidade de supervisão direta, a segurança dos ambientes, especialmente da cozinha, e a adoção de práticas cotidianas simples que garantam menor exposição a riscos para acidentes por queimaduras. O engajamento da comunidade local na disseminação de práticas educativas e preventivas pode fortalecer o movimento, com impactos positivos na redução da ocorrência de tais eventos. Também é relevante fomentar avanços na legislação trabalhista - ao menos assegurar que não haja retrocessos -, na fiscalização dos ambientes de trabalho e na conscientização dos profissionais no que se refere à adesão aos equipamentos de proteção individual e à adoção de outras medidas de segurança no trabalho.
Identificam-se como limitação do estudo questões que guardam relação com aspectos metodológicos do VIVA Inquérito, fonte dos dados aqui utilizados. Primeiramente, em função de a população amostrada se referir a indivíduos atendidos em serviços de saúde selecionados intencionalmente no âmbito das capitais (nem todas participaram), Distrito Federal e alguns municípios, não é possível generalizar os resultados aqui encontrados para o Brasil. Tampouco se podem calcular medidas de ocorrência de base populacional. Em segundo lugar, há que se considerar potencial viés de informação inerente à forma de coleta dos dados, que se deu com base nas informações fornecidas pelos pacientes ou por seus acompanhantes.
O presente estudo identificou, com base nos dados analisados, que os casos de queimadura apresentam diferenças relacionadas ao sexo e à faixa etária dos indivíduos afetados. Em um extremo evidencia-se a importância das queimaduras ocupacionais, referentes à exposição dos homens em idade produtiva em locais de comércio, serviços e indústria e no trajeto para o trabalho. No outro, as ocorrências nas residências afetam mais as crianças, mulheres e idosos e, nesses casos, as substâncias quentes figuraram majoritariamente como agentes causadores. Com base nos achados deste trabalho, considera-se oportuno avançar em estudos sobre essa temática, especialmente no tocante às queimaduras relacionadas à atividade ocupacional e ao consumo de álcool. Observa-se, ainda, a necessidade de implementação de ações orientadas no campo da educação em saúde, bem como da regulamentação e da fiscalização trabalhistas.
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2Fernandes FMFA, Torquato IMB, Dantas MSA, Pontes Júnior FAC, Ferreira JA, Collet N. Queimaduras em crianças e adolescentes: caracterização clínica e epidemiológica. Rev Gaúcha Enferm 2012; 33(4): 133-41. http://dx.doi.org/10.1590/S1983-14472012000400017
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5World Health Organization. Burns [Internet]. Genebra: World Health Organization ; 2018 [acessado em 19 set. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/burns
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7Brasil. Ministério da Saúde. Queimados [Internet]. 2017 [acessado em 19 set. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://www.saude.gov.br/component/content/article/842-queimados/40990-queimados
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8Barcelos RS, Santos IS, Matijasevich A, Barros AJD, Barros FC, França GVA, et al. Acidentes por quedas, cortes e queimaduras em crianças de 0-4 anos: coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 2004. Cad Saúde Pública 2017; 33(2): e00139115. https://doi.org/10.1590/0102-311X00139115
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9Montes SF, Barbosa MH, Sousa Neto AL. Aspectos clínicos e epidemiológicos de pacientes queimados internados em um Hospital de Ensino. Rev Esc Enferm USP 2011; 45(2): 369-73. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342011000200010
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10Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Viva Inquérito 2017: Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência - Capitais e Municípios / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. 132 p.
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11Gawryszewski VP, Bernal RTI, Silva NN da, Morais Neto OL de, Silva MMA da, Mascarenhas MDM, et al. Atendimentos decorrentes de queimaduras em serviços públicos de emergência no Brasil, 2009. Cad Saúde Pública 2012; 28(4): 629-40. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2012000400003
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12Mingoti SA. Análise de Dados Através de Métodos Estatísticos Multivariados: Uma Abordagem Aplicada. Belo Horizonte: UFMG; 2005.
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13Infantosi AFC, Costa JCGD, Almeida RMVR. Análise de Correspondência: bases teóricas na interpretação de dados categóricos em Ciências da Saúde. Cad Saúde Pública 2014; 30(3): 473-86. https://doi.org/10.1590/0102-311X00128513
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Fonte de financiamento: Fundo Nacional de Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Ministério da Saúde. TED 66/2018
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Jul 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
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Recebido
05 Nov 2019 -
Revisado
09 Jan 2020 -
Aceito
17 Jan 2020