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EDITORIAL

A teoria da Dádiva integra e reforça o movimento intelectual de contestação ao raciocínio monológico que reduz toda a vida social a uma motivação utilitária e econômica, desprezando a complexidade dos demais fatores sociais, culturais, morais, estéticos e ambientais que interferem na mudança social. Os estudos sobre a dádiva foram pioneiramente sistematizados pelo pensador francês Marcel Mauss no seu célebre Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas (Mauss, 2003).

Marcel Mauss contribuiu de modo fundamental para novas formas de pensar as relações econômicas e a organização da economia para além das simples motivações maximizadoras da utilidade e da regulação dos mercados. Sua ideia de uma "economia plural" caracterizada pela presença simultânea de formas institucionais contraditórias, combinadas em diferentes graus, fornece um marco teórico a partir do qual se pode pensar uma sociedade global democrática, não ocidentocêntrica, fundada em uma economia diversificada. Mas o aporte de sua obra não se limita a isso - serve também de parâmetro para a crítica descolonial e proporciona instrumentos para a análise sociológica de diversos campos do trabalho e da economia social na contemporaneidade.

Em sua 36ª edição, Sociologias apresenta o dossiê "Sociologia da Dávida" organizada pelos professores Antonio David Cattani e Paulo Henrique Martins, com textos que evidenciam a atualidade e pertinência da teoria maussiana para os estudos sociológicos contemporâneos. Reunindo autores nacionais e internacionais reconhecidos por sua produção no âmbito dos estudos anti-utilitaristas e descoloniais, o dossiê pretende fomentar a reflexão sobre a importância da dádiva como ferramenta teórica de análise no campo da sociologia e revelar alternativas ao paradigma global dominante. O resgate da obra maussiana amplia a crítica anti-utilitarista e a contestação ao projeto de ocidentalização do mundo e de mercantilização da vida. Alain Caillé, autor presente neste dossiê, é um dos fundadores do MAUSS (Movimento Anti-Utilitarista nas Ciências Sociais), originado em Paris, em 1981. Os demais autores estão vinculados de maneira prática e teórica à construção de novas formas de conhecimento e de alternativas produtivas com vistas à justiça e o bem comum.

A seção de artigos desse número traz contribuições variadas, incluindo reflexões teóricas envolvendo as obras de Mead, Habermas, Honneth e Durkheim, além de um estudo empírico sobre mobilização social via internet. Maria Eugênia Bunchaft discute a apropriação da psicologia social de George Herbert Mead para a formação da identidade nas teorias desenvolvidas por Jürgen Habermas e por Axel Honneth, estabelecendo um diálogo entre eses dois últimos autores. À luz da teoria da solidariedade social de Émile Durkheim e de sua releitura por Jürgen Habermas, Gonzalo Assusa examina a relação entre Trabalho e Cultura, em termos de Moral, propondo a necessidade de se criarem categorias que possibilitem compreender a relação entre trabalho e moralidade simultaneamente em termos de solidariedade e de disputa. Claudio Penteado, Marcelo Santos e Rafael Araújo discutem o papel e as potencialidades das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) como propulsoras de novos processos democráticos e de mobilização social, examinando as formas de participação via internet utilizadas pela Rede Nossa São Paulo.

Na seção Interfaces, Alexander Vaz explora as possibilidades de conciliação entre justiça e legitimidade nas sociedades democráticas contemporâneas, a partir de três grandes marcos teóricos da ciência política - liberalismo, democracia deliberativa e representação política - apontando para a necessidade da presença de um elemento político capaz de estabelecer a conexão entre os elementos de justiça e de legitimidade. A seção Resenhas deste número apresenta duas obras. A primeira, apresentada por Fernando Araújo, ainda não publicada em língua portuguesa, é La Mobilité Ambigue - Espace, temps et pouvoir aux sommets de la société contemporaine, da socióloga italiana Laura Gherardi. A segunda resenha nos é trazida por Fernando Molina que apresenta o livro de Richard Sennett, Together, The Rituals, Pleasures and Politics of Cooperation, cuja tradução para o português foi recentemente publicada (2013).

Convidamos, portanto, nossos leitores a refletir sobre a importância de alternativas cognitivas, morais, estéticas, políticas e econômicas ao paradigma mercantil e utilitarista dominante na sociedade global contemporânea.

Antonio David Cattani e Maíra Baumgarten

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2014
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