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Prevalência da oferta de complemento alimentar para o recém-nascido

Resumo

Objetivos:

identificar a prevalência e os fatores determinantes da oferta do complemento alimentar para o recém-nascido.

Métodos:

estudo transversal, aninhado a um estudo de coorte que avaliou a assistência ao neonato em quatro maternidades públicas de Natal/Brasil. Amostra composta de 415 mães, e recém-nascidos à termo, com peso adequado para idade gestacional e Apgar no 1º e 5º minuto ≥ 7. Para analisar os fatores determinantes, foi utilizado a regressão de Poisson.

Resultados:

dos 415 recém-nascidos, 51,3% receberam complemento (57,6% na primeira hora de vida), dos quais 92% com fórmula infantil. Destes, apenas 50,7% foi prescrito pelo médico. A deficiência de colostro foi o principal motivo de indicação (33,8%). A idade materna ≤ 20 anos (RP=0,64; IC95%=0,47-0,86) e entre 20-30 anos (RP=0,70; IC95%=0,57-0,87, em comparação com mulheres acima de 30 anos, mostrou-se como fator de proteção, enquanto ser primípara (RP=1,37; IC95%=1,11-1,60) e o parto cesárea (RP=1,2; IC95%=1,00-1,45) como fatores de risco.

Conclusão:

as características maternas e assistenciais estão associadas à oferta de complemento alimentar ao recém-nascido nas primeiras horas de vida. A alta prevalência mostra a necessidade de intervenções que minimizem a oferta inadequada de fórmula infantil, e promovam o aleitamento materno exclusivo antes da alta hospitalar.

Palavras-chave
Nutrição do lactente; Fórmulas infantis; Aleitamento materno; Desmame; Suplementação alimentar

Abstract

Objectives:

to identify the prevalence and determining factors of the complements in offering food to newborns.

Methods:

across-sectional study nested to a cohort study that assessed newborn care in four public maternity hospitals in Natal/Brazil. Sample was composed by 415 mothers and full-term newborns, with appropriate weight for gestational age and Apgar scores in 1st and 5th minutes ≥ 7. In order to analyze the determining factors, we used Poisson’s regression.

Results:

from 415 newborns, 51.3% received feeding complements (57.6% in the first hour of life), of which 92% was infant formula. Only 50.7% of those complement in offering food were prescribed by physicians. Colostrum deficiency was the main reason to be indicated (33.8%). Maternal age ≤ 20 years old (PR=0.64; CI95%=0.47-0.86) and between 2030 years old (PR=0.70; CI95%=0.57-0.87)comparing to women older than 30 were shown as protective factors, while being primiparous (PR=1.37; CI95%=1.11-1.60) and had cesarean section (PR=1.2; CI95%=1.00-1.45) as risk factors.

Conclusion:

maternal characteristics are associated with the complement in offering food to the newborn in the first hours of life. The high prevalence shows the need for interventions that minimize the inadequate offer of infant formula and promote exclusive breastfeeding before hospital discharge.

Key words
Infant nutrition; Infant formula; Breastfeeding; Weaning; Complementary feeding

Introdução

O Aleitamento Materno Exclusivo (AME) deve ser ofertado desde o nascimento até os 6 primeiros meses de vida, estando entre as recomendações da Organização Mundial da Saúde para redução da mortalidade infantil.11 WHO (World Health Organization). Guideline: protecting, promoting and supporting breastfeeding in facilities providing maternity and newborn services. Geneva; 2017.

2 Silva OLO, Rea MF, Venâncio SI, Buccini GS. A IniciativaHospital Amigo da Criança: contribuição para o incremento da amamentação e a redução da mortalidade infantil no Brasil. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2018; 18 (3): 491-9.
-33 Victora CG, Bahl R, Barros AJD, França GVA, Horton S,Krasevec J, Murch S, Sankar MJ, Walker N, Rollins NC. Breastfeeding in the 21st century: epidemiology, mechanisms, and lifelong effect. Lancet. 2016; 387 (10017): 47590. Estudos demonstram que as chances de permanecer em aleitamento materno (AM) no primeiro mês e nos meses subsequentes são maiores quando o recém-nascido (RN) é colocado em contato imediato com a genitora, pele a pele, e, mais ainda, quando é possível colocá-lo ao seio materno na primeira hora de vida (“Hora Ouro”).44 UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Iniciativa Hospital Amigo da Criança: revista, atualizada e ampliada para o cuidado integrado: módulo 1: histórico e implementação. UNICEF. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2008.

Nesse contexto, a Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), a qual foi instituída no Brasil desde os anos 1980, preconiza uma prevalência acima de 80% para mamada na primeira hora, e ações de proteção e promoção ao AM, como os “Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno”. Dentre eles ressaltam-se os passos 4 - “Ajudar as mães a iniciar o aleitamento materno na primeira meia hora após o nascimento do bebê” - e 6 - “Não dar ao recém-nascido nenhum outro alimento ou bebida além do leite materno, a não ser que tal procedimento tenha uma indicação médica”.44 UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Iniciativa Hospital Amigo da Criança: revista, atualizada e ampliada para o cuidado integrado: módulo 1: histórico e implementação. UNICEF. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2008. Destacam-se ainda o Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno, instalação de Bancos de Leite Humano (BLH), Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil e a legislação de substitutos do leite materno.55 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atencãoà Saúde.Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Bases para a discussão da política nacional de promoção, protecão e apoio ao aleitamento materno. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017. [acesso 13 ago 2020]. Disponível em: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/biblioteca/basespara-a-discussao-da-politica-nacional-de-promocaoprotecao-e-apoio-ao-aleitamento-materno/
https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz...
,66 Brasil. Lei nº 11.265, de 3 de janeiro de 2006.Regulamentaa comercialização de alimentos para lactentes e crianças deprimeira infância e também a de produtos de puericultura correlatos. Brasília, DF:Diário Oficial da União; 2006. [acesso 13 ago 2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11265.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...

Apesar dos esforços em manter o AME, a oferta de complemento, predominantemente com fórmula infantil, é uma prática frequente e sem razões justificáveis pela IHAC nas primeiras horas de vida do RN de baixo risco.77 Saco MC, Coca KP, Marcacine KO, Abuchaim ESV, AbrãoACFV. Contato pele a pele e mamada precoce: fatores associados e influência no aleitamento materno exclusivo. Texto Contexto Enferm. 2019; 28: e20180260.,88 Pinheiro JMP, Menêzes TB, Brito KMF, Melo ANL, Queiroz DJM, Sureira TM. Prevalência e fatores associados à prescrição/solicitação de suplementação alimentar em recém-nascidos. Rev. Nutr. 2016; 29(3):367-75. Ressalta-se como razões justificáveis as seguintes condições: RN prematuro, de muito baixo peso, que apresentem risco de hipoglicemia, situações que contraindiquem o leite materno, e em condições clínicas adversas da mãe que impeçam a amamentação.44 UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Iniciativa Hospital Amigo da Criança: revista, atualizada e ampliada para o cuidado integrado: módulo 1: histórico e implementação. UNICEF. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2008.

A prevalência da oferta de complemento ainda é alta, alcançando em torno de 75% em alguns países e de 16% a 63,5% em diferentes regiões brasileiras.99 Da Silva JLP, Linhares FMP, Barros, AA, Souza AG, Alves DS, Andrade PON. Fatores associados ao aleitamento materno na primeira Hora de vida em um hospital amigo da criança. Texto Contexto Enferm. 2018; 27 (4): e4190017.

10 Newhook JT, Newhook LH, Midodzi WK, Goodridge JM,Burrage L, Gill N, Halfyard B, Twells L. Determinants of NonmedicallyIndicated In-Hospital Supplementationof Infants Whose Birthing ParentsIntended to Exclusively Breastfeed.J Hum Lacta. 2017; 33 (2): 278-84.

11 Khanal V, Scott JÁ, Lee AH, Karkee R, Binn CW. Thesupplemental use of infant formula in the context of universal breastfeeding practices in Western Nepal. BMC Pediatrics. 2016; 16 (68): 1-7.

12 Biggs KV, Hurrell E, Khaleva E. Munblit D, Boyle RJ.Formula Milk Supplementation on the PostnatalWard: A Cross-Sectional Analytical Study. Nutrients. 2018; 10 (5): 608.

13 Zarshenas M, Zhao Y, Binns CW, Scott JA. Determinantsof in-hospital feeding practices in Shiraz, Iran: Results of a prospective cohort study. Birth. 2018; 46 (1): 137-45.

14 Kelly E, DunnGalvin G, Murphy BP, Hourihane JO’B.Formula supplementation remains a risk for cow’s milk allergy. Pediatr Allergy Immunol. 2019; 30 (8): 810-16.

15 Pierro J, Abulaimoun Bdair, Roth P, Blau J. FactorsAssociated with Supplemental Formula Feeding of Breastfeeding Infants During Postpartum. Breastfeeding Med. 2016; 11 (4): 196-202.

16 Carreiro JA, Francisco AA, Abrão AC, Marcacine KO,Abuchaim ES, Coca KP. Dificuldades relacionadas ao aleitamento materno: análise deum serviço especializado em amamentação. Acta Paul Enferm. 2018; 31 (4): 430-8.
-1717 Bentley JP, Nassar N, Porter M, de Vroome M, Yip E, AmptAJ. Formula supplementation in hospital and subsequent feeding at discharge among women who intended to exclusively breastfeed: An administrative data retrospective cohort study. Birth. 2017; 44 (4): 352-62. Dificuldade de pega e sucção, hipoglicemia do RN, o contato pele a pele após o nascimento, a mamada na primeira hora de vida, o tipo de parto, as características clínicas e socioculturais maternas, a ausência de orientações dos profissionais e o não credenciamento da maternidade à IHAC estão entre os fatores que comumente se associam à oferta precoce do complemento.1010 Newhook JT, Newhook LH, Midodzi WK, Goodridge JM,Burrage L, Gill N, Halfyard B, Twells L. Determinants of NonmedicallyIndicated In-Hospital Supplementationof Infants Whose Birthing ParentsIntended to Exclusively Breastfeed.J Hum Lacta. 2017; 33 (2): 278-84.,1111 Khanal V, Scott JÁ, Lee AH, Karkee R, Binn CW. Thesupplemental use of infant formula in the context of universal breastfeeding practices in Western Nepal. BMC Pediatrics. 2016; 16 (68): 1-7.,1313 Zarshenas M, Zhao Y, Binns CW, Scott JA. Determinantsof in-hospital feeding practices in Shiraz, Iran: Results of a prospective cohort study. Birth. 2018; 46 (1): 137-45.

14 Kelly E, DunnGalvin G, Murphy BP, Hourihane JO’B.Formula supplementation remains a risk for cow’s milk allergy. Pediatr Allergy Immunol. 2019; 30 (8): 810-16.

15 Pierro J, Abulaimoun Bdair, Roth P, Blau J. FactorsAssociated with Supplemental Formula Feeding of Breastfeeding Infants During Postpartum. Breastfeeding Med. 2016; 11 (4): 196-202.

16 Carreiro JA, Francisco AA, Abrão AC, Marcacine KO,Abuchaim ES, Coca KP. Dificuldades relacionadas ao aleitamento materno: análise deum serviço especializado em amamentação. Acta Paul Enferm. 2018; 31 (4): 430-8.
-1717 Bentley JP, Nassar N, Porter M, de Vroome M, Yip E, AmptAJ. Formula supplementation in hospital and subsequent feeding at discharge among women who intended to exclusively breastfeed: An administrative data retrospective cohort study. Birth. 2017; 44 (4): 352-62.

Outro fator preocupante tem sido a utilização de fórmulas infantis em decorrência da escassez de leite materno pasteurizado nos BLH. Essa prática, por sua vez, tem se relacionado ao aumento do risco de disbiose intestinal, infecções e alergia à proteína do leite de vaca em RN.1414 Kelly E, DunnGalvin G, Murphy BP, Hourihane JO’B.Formula supplementation remains a risk for cow’s milk allergy. Pediatr Allergy Immunol. 2019; 30 (8): 810-16.

15 Pierro J, Abulaimoun Bdair, Roth P, Blau J. FactorsAssociated with Supplemental Formula Feeding of Breastfeeding Infants During Postpartum. Breastfeeding Med. 2016; 11 (4): 196-202.

16 Carreiro JA, Francisco AA, Abrão AC, Marcacine KO,Abuchaim ES, Coca KP. Dificuldades relacionadas ao aleitamento materno: análise deum serviço especializado em amamentação. Acta Paul Enferm. 2018; 31 (4): 430-8.

17 Bentley JP, Nassar N, Porter M, de Vroome M, Yip E, AmptAJ. Formula supplementation in hospital and subsequent feeding at discharge among women who intended to exclusively breastfeed: An administrative data retrospective cohort study. Birth. 2017; 44 (4): 352-62.
-1818 Forbes JD, Azad MB, Vehling L, Tun HM, Konya T,Guttman DS, Field CJ, Lefebvre D, Sears MR, Becker AB, Mandhane PJ, Turvey SE, Moraes TJ, Subbarao P, Scott JA, Kozyrskyj AL; Canadian Healthy Infant Longitudinal Development (CHILD) Study Investigators. Association of Exposure to Formula in the Hospital and Subsequent Infant Feeding Practices With Gut Microbiota and Risk of Overweight in the First Year of Life. JAMA Pediatr. 2018; 172 (7): e181161. Sabe-se ainda que o leite materno é rico em aminoácidos essenciais, fatores de crescimento, imunoglobulinas, probióticos, entre outras substâncias essenciais ao desenvolvimento neonatal.

Considerando que a oferta indiscriminada do complemento está entre as causas que comprometem o aleitamento, substancialmente nas primeiras horas e dias após o nascimento, este estudo objetiva identificar a prevalência da oferta de complemento alimentar para o RN, e os fatores associados a essa prática.

Métodos

Estudo transversal, aninhado a um estudo de coorte que avaliou a assistência ao neonato em quatro maternidades públicas da cidade de Natal, no estado do Rio Grande do Norte (Nordeste do Brasil), no período de fevereiro a agosto de 2019. O referido município representa um percentual de 42% de nascidos vivos do estado, sendo sua maior representação nas maternidades vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).

O cálculo da amostra representativa do estudo principal considerou uma prevalência de 70% na realização das ações assistenciais, um erro amostral de 5% para uma população de 14.025 nascidos vivos no ano de 2018, um Intervalo de Confiança de 95% e taxa de não resposta de 24%, resultando em um tamanho amostral de 415 binômios mãe/filho. Esse total foi estratificado conforme o percentual de nascidos vivos no ano de 2018 nas quatro maternidades públicas selecionadas (Figura 1).

O recrutamento e a coleta de dados foram realizados diariamente (excetuando-se alguns dias de finais de semana), no horário diurno, por 1 a 2 meses em cada maternidade, totalizando um período de 7 meses do início ao fim da coleta, conforme critérios estabelecidos. Inicialmente, foram consultados os prontuários para identificar os RN que atendessem aos seguintes critérios de elegibilidade: recémnascidos vivos à termo (≥ 37 semanas), com peso ao nascer ≥ 2.500g, Apgar no 1º e 5º minuto ≥ 7, e de gravidez única. Em seguida, as puérperas foram convidadas a participar do estudo, e em caso de aceite, aplicado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Não atendiam aos critérios de inclusão as mães que não estavam em boas condições de saúde para responder ao instrumento de pesquisa. A entrevista com a mãe se deu por meio de um questionário testado em um estudo piloto e aplicado por uma equipe de pesquisadores previamente treinados. Para este estudo foram utilizadas algumas variáveis (ações) coletadas na primeira entrevista de acompanhamento, a qual foi realizada após 48 horas do parto. Quando as informações não estavam escritas no prontuário, eram coletadas diretamente da mãe.

Figura 1
Diagrama do fluxo da amostra.

NV= nascidos vivos. Dados fornecidos pela Secretaria Estadual de Saúde.


A variável dependente analisada foi a oferta de complemento durante o internamento do RN até o momento da entrevista. O complemento é caracterizado pela oferta ao RN de leite materno pasteurizado ou fórmula infantil na ausência do primeiro, em condições diversas. Também foram avaliados as prescrições, indicações, o tipo, o volume e o horário da oferta.

As variáveis explicativas, caracterizadas como possíveis determinantes para a oferta do complemento em alojamento conjunto, foram as relacionadas às características individuais maternas (idade, escolaridade, renda, paridade, condição clínica de diabetes, tipo de parto, intenção em amamentar), às características e condição clínica do RN (sexo, peso ao nascer, e valores glicêmicos antes da oferta do complemento); às variáveis assistenciais (acompanhante no parto, contato pele a pele e mamada na primeira hora de vida) e às variáveis institucionais (natureza administrativa da maternidade, nível de complexidade, titulação “Amigo da Criança” pela IHAC, e número de profissionais por leito).

A análise estatística dos dados foi realizada mediante o Programa Estatístico SPSS® versão 20.0. A associação e a diferença estatística entre as variáveis independentes e dependente foi feita pelo teste qui-quadrado de Pearson e pelo teste de Tendência Linear para comparar os grupos que receberam ou não o complemento, e o teste T Student para varáveis quantitativas com distribuição normal. O efeito conjunto da associação das variáveis foi avaliado pela Regressão de Poisson. Inicialmente, foram elegíveis as variáveis independentes com p≤0,20 no qui-quadrado de Pearson. No bloco seguinte, a inclusão das variáveis foi pelo método de efeitos principais, retirando individualmente as variáveis com valor de p<0,10. No modelo final consideraram-se as variáveis explicativas com p≤0,05 e intervalo de confiança de 95%, as quais atenderam aos pressupostos estabelecidos para o ajuste (Goodness off fit), significância (Omnibus Test) e dispersão.

A aprovação ética foi concedida pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes, sob o parecer de nº 3.133217, estando em consonância com a Resolução nº 466/2012, a qual contempla diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Se o participante era menor de 18 anos, o consentimento foi obtido dos pais ou responsável.

Resultados

Foram recrutados 415 binômios mãe/filho (Figura 1), havendo perdas de 16,6% ao final do seguimento de 28 dias da coorte que originou este estudo. Não houve recusa de mães para participar da pesquisa. Assim, dos 415 binômios mãe/filho recrutados, 213 (51,3%) dos RN receberam complemento. Na Tabela 1 são apresentadas as características assistenciais, maternas e neonatais. Predominaram mães na faixa etária de 20 a 29 anos (46,5%), que haviam cursado o ensino médio(60%), casadas ou em união estável, com renda familiar menor ou igual a um salário mínimo, e multíparas. Quanto aos RN, 52,5% eram do sexo masculino e 90,4% nasceram com peso entre 2.500 e 4.000 gramas, cuja média foi de 3.324g, com desvio padrão de 478,6g.

As características maternas apresentaram inicialmente uma associação significativa (p≤ 0,05) para a oferta do complemento ao leite materno, mas, após análise múltipla, a oferta de complemento se manteve significativamente associado às variáveis idade, paridade e tipo de parto. Analisando individualmente cada variável explicativa, a idade ≤ a 20 anos apresentou efeito protetor de 36% e a idade entre 20 e 29 anos efeito protetor de 30%. Considerando apenas os fatores preditivos, a prevalência aumentou em 1,37 (IC=1,11-1,60) e 1,20 (IC=1,00-1,45) vezes, respectivamente para primiparidade e parto cesárea (Tabela 1).

A Tabela 2 apresenta a distribuição da utilização do complemento a partir de variáveis que caracterizam as instituições. Observam-se resultados similares nos dois grupos, não havendo diferença estatisticamente significativa (p>0,05) quando avaliados a natureza administrativa, o nível de complexidade, a titulação IHAC e a razão do número de profissionais por leito.

Dos 213 (51,3%) RN que receberam complemento, 57,6% foi na primeira hora de vida, em média 5,6 ± 7,2 horas após o nascimento. Quanto ao tipo de complemento ofertado, 92% foi com fórmula infantil, e um pouco mais da metade possuía prescrição médica. O principal motivo descrito no prontuário ou informado pela mãe foi a ausência ou deficiência de colostro (33,8%), enquanto 23,9% não apresentaram motivos de indicação (Tabela 3).

Discussão

Neste estudo foi encontrada alta prevalência de oferta de complemento, o que corrobora os achados de estudos realizados na Irlanda, Canadá, Estados Unidos e, inclusive no Brasil.22 Silva OLO, Rea MF, Venâncio SI, Buccini GS. A IniciativaHospital Amigo da Criança: contribuição para o incremento da amamentação e a redução da mortalidade infantil no Brasil. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2018; 18 (3): 491-9.,1414 Kelly E, DunnGalvin G, Murphy BP, Hourihane JO’B.Formula supplementation remains a risk for cow’s milk allergy. Pediatr Allergy Immunol. 2019; 30 (8): 810-16.,1515 Pierro J, Abulaimoun Bdair, Roth P, Blau J. FactorsAssociated with Supplemental Formula Feeding of Breastfeeding Infants During Postpartum. Breastfeeding Med. 2016; 11 (4): 196-202.,1919 Cordero L, Stenger MR, Landon MB, Nankervis CA. Inhospital formula supplementation and breastfeeding initiation in infants born to women with pregestational diabetes mellitus. J Neonatal Perinatal Med. 2019; 12 (3): 285-93. Embora a OMS preconize o contato pele a pele imediato ao nascer, a mamada na primeira hora de vida e “Não dar ao recém-nascido nenhum outro alimento ou bebida além do leite materno, a não ser que tal procedimento tenha uma indicação médica”, a maioria dos RN recebeu o complemento nas primeiras horas após o nascimento. Constatou-se, inclusive, que o complemento foi ofertado mesmo sem indicação justificável pela IHAC e, em sua maioria, na ausência de prescrição médica.

As ações instituídas pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância e OMS, por meio da IHAC, têm contribuído para o sucesso do aleitamento materno e para a redução da oferta de complemento.44 UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Iniciativa Hospital Amigo da Criança: revista, atualizada e ampliada para o cuidado integrado: módulo 1: histórico e implementação. UNICEF. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2008.,2020 Lamouniera JA, Chaves RG, Rego MAS, Bouzadac MCF.Iniciativa Hospital Amigo da Criança:25 Anos de Experiência no Brasil. Rev Paul Pediatr. 2019; 37 (4): 48693. Tal achado difere dos resultados do presente estudo, o qual constatou falhas assistenciais que comprometem a oferta de uma alimentação adequada ao RN. Dentre as instituições participantes, apenas uma delas não possuía o título “Hospital Amigo da Criança”. Contudo, deter esse título não favoreceu o alcance de resultados diferenciados. Mesmo com os avanços e conquistas obtidos pelas instituições credenciadas no Brasil, observa-se dificuldades práticas e operacionais para fazer cumprir os “Dez Passos”, em especial o passo 6.2020 Lamouniera JA, Chaves RG, Rego MAS, Bouzadac MCF.Iniciativa Hospital Amigo da Criança:25 Anos de Experiência no Brasil. Rev Paul Pediatr. 2019; 37 (4): 48693.

A natureza administrativa, o grau de complexidade e a razão do número de profissionais por leito também não influenciou na oferta do complemento. Esses achados diferem dos obtidos por estudo no Reino Unido, cuja escassez de profissionais, percepção da importância do apoio e formação profissional se associaram à oferta do complemento com fórmulas infantis.1212 Biggs KV, Hurrell E, Khaleva E. Munblit D, Boyle RJ.Formula Milk Supplementation on the PostnatalWard: A Cross-Sectional Analytical Study. Nutrients. 2018; 10 (5): 608.

A idade materna inferior a 29 anos se comportou como fator protetor à oferta de complemento para o RN, divergindo do estudo australiano desenvolvido por Bentley et al.,1717 Bentley JP, Nassar N, Porter M, de Vroome M, Yip E, AmptAJ. Formula supplementation in hospital and subsequent feeding at discharge among women who intended to exclusively breastfeed: An administrative data retrospective cohort study. Birth. 2017; 44 (4): 352-62. que identificou os RN de mães mais jovens como mais propensos a receberem fórmulas infantis. Tal proteção pode ser justificada por uma provável causalidade reversa, de modo que, possivelmente, as mulheres mais vulneráveis receberam os cuidados prioritários da equipe assistencial, sendo essa uma conduta recomendada pela OMS.

Por outro lado, a prevalência dessa oferta aumentou em 1,37 vezes para RN de mulheres primíparas, estando condizente com a literatura.1010 Newhook JT, Newhook LH, Midodzi WK, Goodridge JM,Burrage L, Gill N, Halfyard B, Twells L. Determinants of NonmedicallyIndicated In-Hospital Supplementationof Infants Whose Birthing ParentsIntended to Exclusively Breastfeed.J Hum Lacta. 2017; 33 (2): 278-84.,1717 Bentley JP, Nassar N, Porter M, de Vroome M, Yip E, AmptAJ. Formula supplementation in hospital and subsequent feeding at discharge among women who intended to exclusively breastfeed: An administrative data retrospective cohort study. Birth. 2017; 44 (4): 352-62. Tal vulnerabilidade pode ser justificada pela ausência de amamentação prévia,1616 Carreiro JA, Francisco AA, Abrão AC, Marcacine KO,Abuchaim ES, Coca KP. Dificuldades relacionadas ao aleitamento materno: análise deum serviço especializado em amamentação. Acta Paul Enferm. 2018; 31 (4): 430-8.,2121 Garrison MP, Maisano P. Systematic Review of FactorsInfluencing Non-Medically Indicated Formula Supplementation of Newborns in the Hospital Setting. Nurs Womens Health. 2019; 23 (4): 340-50. percepção inadequada do leite, dores, dificuldade de pega22 e parto cesárea. Esse último se associou ao aumento de 20% na prevalência do complemento, corroborando os achados da literatura.1717 Bentley JP, Nassar N, Porter M, de Vroome M, Yip E, AmptAJ. Formula supplementation in hospital and subsequent feeding at discharge among women who intended to exclusively breastfeed: An administrative data retrospective cohort study. Birth. 2017; 44 (4): 352-62. Sabendo que 46% das crianças desse estudo nasceram de parto cesáreo - estando, inclusive, superior ao preconizado pela OMS (10%) para reduzir a mortalidade materna e neonatal - tal associação é preocupante. O Brasil tem implementado políticas públicas que, para além de contribuírem com a redução de intervenções desnecessárias ao binômio mãe-filho, também visam melhorar os indicadores de aleitamento materno a partir da sua promoção. Dentre elas, destacam-se a Rede Cegonha, a qualificação ApiceON e a IHAC.11 WHO (World Health Organization). Guideline: protecting, promoting and supporting breastfeeding in facilities providing maternity and newborn services. Geneva; 2017.,2323 Leal MC; Parto e nascimento no Brasil: um cenário emprocesso de mudança. Cad Saúde Pública. 2018; 34 (5): e00063818.

O principal motivo de indicação do complemento nesse estudo foi a ausência de colostro. Entretanto, esse não se enquadra entre as justificativas médicas aceitáveis. Por outro lado, apenas 42,3% apresentaram condições clínicas justificáveis pela IHAC (deficiência de pega e sucção e RN grande para idade gestacional-GIG, entre outros motivos relacionados à condição clínica do RN e da mãe).44 UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Iniciativa Hospital Amigo da Criança: revista, atualizada e ampliada para o cuidado integrado: módulo 1: histórico e implementação. UNICEF. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2008. Tal achado foi superior ao encontrado no estudo Biggs et al.,1212 Biggs KV, Hurrell E, Khaleva E. Munblit D, Boyle RJ.Formula Milk Supplementation on the PostnatalWard: A Cross-Sectional Analytical Study. Nutrients. 2018; 10 (5): 608. no Reino Unido, que constatou uma prevalência de 10%; e de Pinheiro et al.,88 Pinheiro JMP, Menêzes TB, Brito KMF, Melo ANL, Queiroz DJM, Sureira TM. Prevalência e fatores associados à prescrição/solicitação de suplementação alimentar em recém-nascidos. Rev. Nutr. 2016; 29(3):367-75. desenvolvido em outra maternidade do estado do Rio Grande do Norte/Brasil, com apenas 6,2% de prevalência por motivos justificáveis pela IHAC.

Tabela 1
Características maternas, do recém-nascido e assistenciais associadas à oferta de complemento alimentar. Natal/Brasil, 2019.

Destaca-se também a ausência de registro acerca das razões para tal prescrição em prontuário e a ausência da própria prescrição médica em quase metade da amostra. Essa é uma prática comum e já relatada na literatura.88 Pinheiro JMP, Menêzes TB, Brito KMF, Melo ANL, Queiroz DJM, Sureira TM. Prevalência e fatores associados à prescrição/solicitação de suplementação alimentar em recém-nascidos. Rev. Nutr. 2016; 29(3):367-75.,1010 Newhook JT, Newhook LH, Midodzi WK, Goodridge JM,Burrage L, Gill N, Halfyard B, Twells L. Determinants of NonmedicallyIndicated In-Hospital Supplementationof Infants Whose Birthing ParentsIntended to Exclusively Breastfeed.J Hum Lacta. 2017; 33 (2): 278-84. Seja por orientação verbal do médico, por pressão da família ou por decisão própria, é possível que a equipe de enfermagem faça a solicitação do complemento ao setor de lactário, assim como encontrado no estudo de Pinheiro et al.88 Pinheiro JMP, Menêzes TB, Brito KMF, Melo ANL, Queiroz DJM, Sureira TM. Prevalência e fatores associados à prescrição/solicitação de suplementação alimentar em recém-nascidos. Rev. Nutr. 2016; 29(3):367-75. Essa é uma situação que pode decorrer da sobrecarga de trabalho, pelo número reduzido de profissionais por leito, pela ausência de capacitação da equipe e pelo nível de complexidade da assistência. Contudo, tais fatores não foram determinantes neste estudo.

Embora os critérios de indicação sejam rigorosamente definidos, a fim de manter o RN em AME, a ocorrência de episódios de hipoglicemia é uma preocupação constante da equipe assistencial. O desejo materno em ofertar o complemento nessas ocasiões tem potencializado as chances de a equipe aplicar tal conduta.2424 Kair LR, Flaherman VJ. Donor Milk or Formula: AQualitative Studdy of Postpartum Mothers of Healthy Newborn. J Hum Lact. 2017; 33 (4): 710-16. Para que a mãe consiga vivenciar esse processo sem que o RN faça uso de complemento, é essencial o apoio da equipe multiprofissional idealmente capacitada, que deve estar engajada e seguir as orientações dos “Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno” tanto na sala de parto quanto no alojamento conjunto. A mamada na primeira hora de vida, bem como orientações sobre as técnicas de amamentação e as características e benefícios do aleitamento permitem o empoderamento materno e são fundamentais para tranquilizar a mãe. Dessa forma, é possível alcançar o equilíbrio emocional, a lactogênese ser favorecida, a sucção do bebê ser bem sucedida e a mamada tornar-se mutualmente benéfica para a criança e a nutriz, fortalecendo o vínculo mãe-filho.

Tabela 2
Análise bivariada das características institucionais e da oferta de complemento alimentar ao recém-nascido. Natal/Brasil, 2019.
Tabela 3
Motivos de indicação e características do complemento alimentar ofertado para o RN. Natal/Brasil, 2019. (n=213).

A ausência de colostro ou hipogalactia, reportada na literatura como principal motivo do desmame precoce, consistem na redução da secreção láctea. É ocasionada por alterações hormonais da ocitocina e prolactina - uma condição frequentemente associada a fatores biológicos, psicossociais e comportamentais, como: o primeiro parto, o procedimento cirúrgico, a dor, o desconforto, a ansiedade, o estresse e a prematuridade.2525 Dimitraki M, Tsikouras P, Manav B, Gioka T, Koutlaki N,Zervoudis S, Galazios G. Evaluation of the effect of natural and emotional stress of labor on lactation and breastfeeding. Arch Gynecol Obstet. 2016; 293 (2): 317-28.,2626 İsik Y, Dag ZO, Tulmac OB, Pek E. Early postpartum lactation effects of cesarean and vaginal birth. Ginekol Pol. 2016; 87 (6): 426-30. Tais situações podem retardar a liberação hormonal e a primeira apojadura (que, geralmente, ocorre em até 72 horas após o parto) e, consequentemente, favorecer o desejo materno pelo complemento.88 Pinheiro JMP, Menêzes TB, Brito KMF, Melo ANL, Queiroz DJM, Sureira TM. Prevalência e fatores associados à prescrição/solicitação de suplementação alimentar em recém-nascidos. Rev. Nutr. 2016; 29(3):367-75. Já a lactogênese tardia também pode ser decorrente da pega inadequada, da falta de sucção, e inclusive, da oferta de fórmula infantil nas primeiras horas de vida.2727 Gasparin VA, Strada JKR, Moraes BA, Betti T, Gonçalves AC, Santo LCDE. Pairs seen by lactation consultants and cessation of exclusive breastfeeding in the first month. Rev Esc Enferm USP. 2019; 53: e03422.,2828 Rocha BO. Hipogalactia inicial, fatores de risco para odesmame precoce e promoção do aleitamento materno em primíparas atendidas em um hospital amigo da criança no brasil. [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2018. Contudo, é necessária uma avaliação criteriosa quanto ao considerar o tipo de parto e a paridade, pois, em um estudo realizado por Isik et al.,2626 İsik Y, Dag ZO, Tulmac OB, Pek E. Early postpartum lactation effects of cesarean and vaginal birth. Ginekol Pol. 2016; 87 (6): 426-30. não houve correlação estatisticamente significativa entre a produção de prolactina e esses fatores.

Ainda que a ausência de colostro não seja justificável para a oferta de complemento, estudos mostram que, se tal condição se prolongar, o risco de hipoglicemia é eminente, especialmente em RN prematuros e GIG.1414 Kelly E, DunnGalvin G, Murphy BP, Hourihane JO’B.Formula supplementation remains a risk for cow’s milk allergy. Pediatr Allergy Immunol. 2019; 30 (8): 810-16.,1717 Bentley JP, Nassar N, Porter M, de Vroome M, Yip E, AmptAJ. Formula supplementation in hospital and subsequent feeding at discharge among women who intended to exclusively breastfeed: An administrative data retrospective cohort study. Birth. 2017; 44 (4): 352-62. Por mais que essa seja uma das razões justificáveis, ainda não há consenso na literatura acerca da oferta de fórmulas na redução de casos de hipoglicemia no RN, tampouco a definição de valores glicêmicos que a caracterize e, por conseguinte, respalde a indicação do complemento, ficando essa definição à critério da avaliação clínica, conforme a individualidade de cada criança.2929 Rozance PJ, Wolfsdorf JI. Hypoglycemia in the Newborn.Pediatr Clin North Am. 2019; 66 (2): 333-42. Neste estudo, apenas um terço dos RN que receberam o complemento apresentaram registro glicêmico. Outra limitação dos valores glicêmicos neste estudo foi devido a coleta ter sido feita em apenas 3 maternidades, e por essa razão, optou-se por não a incluir no modelo final de regressão.

Em condições saudáveis, as parturientes apresentam condições biológicas suficientemente propícias para a produção de leite nas primeiras horas após o parto. Todavia, a percepção materna e da equipe sobre “leite insuficiente” ainda é frequente. Isso conduz à não espera e/ou ao estímulo adequado à descida do colostro - incluindo a ausência do contato pele a pele e a mamada na primeira hora de vida do RN. Neste estudo, a oferta do complemento foi realizada, em média, 5,6 horas após o nascimento, cujo tempo foi inferior ao relatado na literatura (8,7 horas), a qual aponta como fatores prejudiciais ao AME, um maior período de atividade profissional e o cansaço materno no período diurno.88 Pinheiro JMP, Menêzes TB, Brito KMF, Melo ANL, Queiroz DJM, Sureira TM. Prevalência e fatores associados à prescrição/solicitação de suplementação alimentar em recém-nascidos. Rev. Nutr. 2016; 29(3):367-75.,1919 Cordero L, Stenger MR, Landon MB, Nankervis CA. Inhospital formula supplementation and breastfeeding initiation in infants born to women with pregestational diabetes mellitus. J Neonatal Perinatal Med. 2019; 12 (3): 285-93.,2121 Garrison MP, Maisano P. Systematic Review of FactorsInfluencing Non-Medically Indicated Formula Supplementation of Newborns in the Hospital Setting. Nurs Womens Health. 2019; 23 (4): 340-50.

Outro ponto muito discutido é o tipo de complemento ofertado. Apesar da unanimidade em se ofertar LM, as maternidades que têm banco de leite - duas das instituições participantes dessa pesquisa - não possuem estoque suficiente para os RN à termo, priorizando, para esses, a oferta de fórmulas infantis de partida.

Políticas de combate à propaganda e descontos de fórmulas infantis para os hospitais, bem como o assédio das empresas aos profissionais médicos e nutricionistas para tal prescrição e aquisição, podem ser meios de manipulações para favorecer as prescrições indevidas e a diminuição da oferta de complemento nesses ambientes. No Brasil, essa política foi instituída por meio da Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras (NBCAL - Lei 11.265 de 2006),5 mas o seu efeito na utilização de fórmulas em substituição ao leite materno em hospitais ainda é desconhecido. Nesse sentido, estratégias como a campanha de doação de leite materno é fundamental para aumentar os estoques nos BLH e, assim, favorecer a promoção do aleitamento. A exemplo, tem-se um hospital em Hong Kong, no qual foi possível reduzir em 57% a oferta de complemento com fórmula, aumentar em 23,6% o AME durante a hospitalização e aumentar o tempo de amamentação de 8 para 12 semanas após a adoção de políticas que não aceitam o recebimento gratuito de fórmulas infantis.3030 Tarrant M, Lok KY, Fong DY, Lee IL, Sham A, Lam C, Wu KM, Bai DL, Wong KL, Wong EM, Chan NP, Dodgson JE. Effect of a hospital policy of not accepting free infant formula on in-hospital formula supplementation rates and breastfeeding duration. Public Health Nutr. 2015; 18 (14): 2689-99.

Dentre as limitações do presente estudo, ressaltase que o estudo original não foi desenhado para avaliar exclusivamente a oferta de complemento, o que justifica a ausência ou incompletude de algumas variáveis coletadas. A exemplo da não totalidade amostral das variáveis explicativas para a oferta do complemento - como o horário da oferta e o registro da glicemia capilar -, de uma análise mais aprofundada sobre os motivos da oferta de complemento em “Hospitais Amigo da Criança”, das dificuldades para manter os “Dez Passos” e da avaliação do processo de credenciamento.

Embora o estudo tenha sido realizado em apenas uma cidade, os resultados desta pesquisa são condizentes com a literatura. Ao mesmo tempo, tais achados são fortalecidos pela realização prévia de um estudo piloto para melhor aplicabilidade do instrumento de pesquisa e pela coleta de informações ter sido realizada quando os RN estavam expostos à utilização do complemento. Dessa forma, minimizaram-se vieses de memória e permitiu-se a confirmação e validação das informações registradas em prontuário.

Os resultados permitiram confirmar que as características maternas e assistenciais são determinantes para a oferta do complemento ao RN, bem como a indispensabilidade de proteção às mães de maior vulnerabilidade. Diante dos achados, o presente estudo favorece o acréscimo de conhecimento acerca dos fatores preditores à oferta do complemento, reforçando a necessidade de explicações dos motivos de prescrição, bem como da não prescrição (em especial, nas maternidades credenciadas à IHAC), de investigar se a utilização do complemento contribui para o desmame precoce nessas crianças, e do desejo materno em amamentar exclusivamente ao seio.

Considerando a inaceitabilidade da oferta de complemento sem justificativas aceitáveis em “Hospital Amigo da Criança”, os achados desta pesquisa fortalecem o papel e a sensibilização da equipe, bem como o planejamento e implementação de ações educativas necessárias para o empoderamento das mães acerca do benefício mútuo do leite materno para o binômio. Tal compreensão é primordial para o desenvolvimento de intervenções que minimizem a oferta inadequada do complemento e promovam o AME. Nesse sentido, a Política Nacional de Atenção à Saúde da Criança - PNAISC, através da Rede Cegonha e da IHAC devem ser firmes em seus princípios: capacitando a equipe, melhorando a assistência no parto, nascimento e pósparto, apoiando o credenciamento à IHAC e desencorajando a compra de fórmulas infantis para uso sem indicação médica.

Agradecimentos

Agradecemos às maternidades que aprovaram e colaboraram com a realização do estudo, às mães que gentilmente concordaram em participar.

  • Financiamento
    Este estudo foi financiado a parte pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES) - Código Financeiro 001. Os financiadores não tiveram nenhum papel na concepção do estudo, coleta e análise de dados, decisão de publicação ou preparação do manuscrito.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2020
  • Revisado
    27 Maio 2021
  • Aceito
    15 Jul 2021
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