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Criação de imaturos de mutuca (Tabanidae: Diptera) utilizando briófitas e areia como substrato

Rearing immature horse flies (Diptera: Tabanidae) by using a substrate of bryophytes and sand

Resumos

É descrito um novo método de criação para imaturos de mutucas e discutem-se as vantagens do uso do substrato para manutenção de espécies que necessitam de longos períodos para o desenvolvimento.

Inseto; desenvolvimento; larva; pupa


A new method for rearing immature horse flies by using a substrate of bryophytes and sand is described and the advantages of such substrate for maintenance of species with long development periods are discussed.

Insect; development; larvae pupa


SCIENTIFIC NOTE

Criação de imaturos de mutuca (Tabanidae: Diptera) utilizando briófitas e areia como substrato

Rearing immature horse flies (Diptera: Tabanidae) by using a substrate of bryophytes and sand

Ruth L.M. Ferreira; José A. Rafael

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, Coordenação de Pesquisas em Entomologia - CPEN C. postal 478, 69011-970 Manaus AM

RESUMO

É descrito um novo método de criação para imaturos de mutucas e discutem-se as vantagens do uso do substrato para manutenção de espécies que necessitam de longos períodos para o desenvolvimento.

Palavras-chave: Inseto, desenvolvimento, larva, pupa

ABSTRACT

A new method for rearing immature horse flies by using a substrate of bryophytes and sand is described and the advantages of such substrate for maintenance of species with long development periods are discussed.

Key words: Insect, development, larvae pupa

Os Diptera Tabanidae, conhecidos no Brasil por mutucas, são insetos que incomodam o homem e outros vertebrados (Ferreira et al. 2002, Ferreira & Rafael 2004). A família contém aproximadamente 4.300 espécies sendo que mais de 1.800 têm registro na região Neotropical. Na região amazônica, existem muitos estudos sobre os adultos (Rafael et al. 1991, Gorayeb 1995, Burger 1999), entretanto, a biologia dos imaturos é praticamente desconhecida. Breves descrições de larvas e pupas foram feitas por Lutz (1914), (1920), Galvão (1935), Fairchild (1940) e Roberts (1966). Entretanto, maior aporte foi fornecido por Goodwin & Murdoch (1974) com ilustrações e chaves de 15 gêneros de larvas e 17 de pupas. Dados biológicos e morfológicos foram reunidos nos trabalhos de Coscarón (1969), Coscarón & Philip (1967), Coscarón & Led (1969), Coscarón & González (1989), Coscarón (1991), Coscarón et al. (1996), Coscarón et al. (1998), Coscarón (1999) e, mais recentemente, Rafael & Ferreira (2004) descreveram uma espécie nova a partir de exúvia pupal. Diferentes sistemas aquáticos são mencionados como criadouros. Entre esses, ambientes lênticos ou lóticos, tais como lagos, pântanos e riachos de águas pouco profundas, em diferentes substratos naturais como macrófitas, raízes, folhiço, bromélias, além de ambiente artificial como citado em Roberts (1970) para larva de Tabanus atratus Fabricius.

Larvas de Tabanidae são predadoras, alimentando-se dos líquidos corpóreos de suas presas, mas podem ser vistas freqüentemente praticando canibalismo na ausência de alimento disponível (observação pessoal), sendo compreensível a necessidade de associação com substratos/habitats que possibilitem suporte alimentar, seja em ambiente aquático, semi-aquático ou terrestre.

Segundo Andreeva (1988), ao longo de sua evolução, os imaturos desenvolveram a capacidade de interação com diferentes condições dos locais de criação, graças a seus eficientes mecanismos de adaptação morfo-ecológica. O fato é que vivem protegidos e raramente podem ser vistos.

Trabalhos prévios descrevem metodologias para a criação, na tentativa de simular o ambiente, viabilizando uma forma de criação em massa de espécies de Tabanidae, possibilitando maior aporte para estudos de distribuição e taxonomia (Hine 1906; Marchand 1917; Lutz 1914, 1920, Philip 1928; Roberts 1966), porém, em todas as situações houve necessidade do acompanhamento diário e adição de substâncias antibióticas com proporções específicas para o tamanho do recipiente de criação. Isto restringe a manutenção de espécimes, por ocasião de longas viagens científicas de campo, onde não há sempre o meio próprio para a alimentação da larva.

O estudo dos estágios imaturos de uma determinada espécie de Tabanidae para obtenção de dados taxonômicos, biológicos, ecológicos ou comportamentais é geralmente realizado em laboratório por longos períodos, durante os quais deve haver substâncias nutritivas e abrigo, além de manutenção de fatores ambientais favoráveis e o meio, livre de microorganismos.

Briófitas ou musgos são vegetais relativamente pequenos (folhosos e achatados) que habitam ambientes geralmente úmidos, em florestas temperadas e tropicais, crescendo em uma variedade de substratos naturais (Griffin 1979) e caracterizam-se, sobretudo, por não terem raízes, caules e folhas estruturadas como outras plantas. Musgos assimilam carbono e liberam oxigênio para a atmosfera, controlam a erosão do solo e são bons indicadores ambientais de poluição da água e do ar, prestando-se para estudos de bio-monitoramento ambiental. Produzem substâncias biologicamente ativas, antimicrobianas, antitumorais e citotóxicas (Lisboa 2004), tendo sido usados na 2ª Guerra Mundial como algodão anti-séptico (http://www.unisanta.br/briofitas/informacoes.htm). Abrigam ampla comunidade biótica, como algas, protozoários cianobactérias, mixomicetos e invertebrados. Alguns desses organismos alimentam-se e reproduzem-se nos musgos.

O objetivo deste trabalho foi descrever um método para criação de imaturos de mutucas (Tabanidae), mostrando as vantagens da criação utilizando briófitas e areia como substrato.

A caixa usada para a criação de imaturos de Tabanidae consiste em recipientes utilizados para embalagens de alimentos. É de plástico transparente e resistente a impactos, facilitando o transporte. Possui vedação por sobreposição e encaixe entre as duas laterais. O comprimento total externo é de 15,5 cm, com comprimento interno de 14,7 cm, dividido em dois compartimentos, medindo cada um, 3 cm de altura por 6 cm de largura (Fig. 1). A embalagem permite boa visualização dos imaturos e essa associação com o substrato é favorável ao inseto nesse ambiente. A divisão interna proporciona a necessária separação dos substratos, tendo cada um deles importante papel nas diferentes fases de vida dos tabanídeos.


O musgo proporciona abrigo, umidade e temperatura uniforme, além de agir como bactericida natural, tornando-se desnecessária a adição de substâncias antimicrobianas e fungicidas. É resistente, podendo se manter sob certa umidade por longos períodos em ambientes confinados (observação pessoal), exatamente como necessitam os imaturos de algumas espécies de Tabanidae, criados em laboratório, como Tabanus atratus Fabricius e Scaptia lata (Guérin-Méneville) (Pechuman 1981, Coscarón & González 1989) respectivamente, que levam de um a três anos para seu desenvolvimento completo.

A areia úmida complementa o ambiente, como na natureza, servindo tanto na fase larval quanto na fase de pupa que busca ambientes mais secos para garantir a ecdise. Assim, o espaço entre os compartimentos permite a fácil locomoção da larva, possibilitando os movimentos necessários para a troca do exoesqueleto e evacuação. O adulto pode ser visto facilmente sobre um dos substratos, tendo espaço para ser liberado da exúvia pupal. E recebe nesse compartimento o oxigênio necessário e ingere, pela primeira vez, líquidos provenientes do musgo ou da areia úmida.

Cerca de 45 g de areia úmida e um pequeno tapete de briófitas com diâmetro de 5,5 cm, umedecido com água destilada, foram utilizados como substrato.

O musgo pertencente à família Leucobryaceae foi retirado de troncos, em tapetes ou coxins densos, em área de campinarana da Reserva F. Adolpho Ducke, pertencente ao INPA. Entretanto outras famílias de briófitas freqüentes em área de campina/campinarana, que crescem sobre árvores, solo ou rochas já foram utilizadas como substrato.

A partir de imaturos de mutucas coletados sazonalmente (período seco e chuvoso) em diferentes ambientes como macrófitas aquáticas, folhiços submersos em igarapés e fitotelmatas, nos arredores de Manaus, AM, obtiveram-se adultos de Lepiselaga crassipes (Fabricius), Myiotabanus barrettoi Fairchild, Catachlorops spp e Stibasoma spp.

Os imaturos coletados no estágio de pupa e nos diferentes estádios larvais foram disponibilizados individualmente em caixas plásticas (conforme descrição acima) com areia e briófitas e mantidos sob condições naturais de temperatura, umidade e fotoperíodo.

Há aproximadamente três anos, larvas e pupas de Tabanidae têm sido criadas nesse recipiente/substrato e todas as exúvias resultantes das mudas têm sido facilmente localizadas e retiradas.

A alimentação das larvas tem sido garantida a cada dois dias, com uma dieta rica em proteínas, composta de insetos aquáticos principalmente: Culicidae, Tipulidae e Chironomidae, provenientes de criadouros naturais e artificiais distribuídos previamente na área externa, adjacente ao prédio do Departamento de Entomologia/INPA. No laboratório, todo o material coletado destinado à alimentação foi transferido para frascos com água destilada. Assim, para cada embalagem contendo uma larva de Tabanidae junto às briófitas e a areia, 10 indivíduos colhidos aleatoriamente com auxílio de uma pipeta foram colocados sob o musgo e este, colocado delicadamente sobre a larva. Nesse momento, foi adicionada uma pequena quantidade de água, suficiente para manter úmidos o musgo e a areia.

Para garantir o micro habitat oferecido sem riscos de contaminação, foi feita a limpeza dos resíduos resultantes da alimentação, a cada dois dias, utilizando-se uma pipeta. A cada 60 dias, procedeu-se à substituição das briófitas e da areia. Para evitar riscos de proliferação de fungos ou bactérias, as caixas não foram reaproveitadas para criação de novas larvas.

Apesar da alimentação oferecida, as larvas de Tabanidae usaram como alternativa alimentar detritos retidos no musgo ou decorrentes da terra úmida associada a ele, especialmente quando foi suspensa temporariamente a dieta viva, composta por insetos aquáticos.

Agradecimentos

Ao Dr. Charles Zartman (Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais PDBFF/INPA) pela identificação das briófitas.

Received 19/XI/04. Accepted 08/IV/05.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2006
  • Data do Fascículo
    Fev 2006

Histórico

  • Aceito
    08 Abr 2005
  • Recebido
    19 Nov 2004
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