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Morfologia do canal alimentar de lagartas de Spodoptera frugiperda (J E Smith) (Lepidoptera: Noctuidae) alimentadas com folhas tratadas com nim

Morphology of the alimentary canal of Spodoptera frugiperda (J E Smith) Larvae (Lepidoptera: Noctuidae) fed on neem-treated leaves

Resumos

Pesquisas envolvendo plantas com atividade inseticida evoluíram bastante nas últimas décadas. Entre essas plantas destaca-se o nim, Azadirachta indica, que atua sobre várias espécies de insetos, principalmente Lepidoptera. Sua ação depende da espécie de inseto e concentração aplicada. Uma barreira contra potenciais agentes tóxicos ingeridos com o alimento é o canal alimentar. Assim, a pesquisa teve por objetivo descrever, histologicamente, o canal alimentar de lagartas de Spodoptera frugiperda (J E Smith) alimentadas com folhas tratadas com nim (Neemseto®), nas concentrações 0,5 e 1,0%, e com folhas não tratadas, nos intervalos de 48, 96, 144, 192 e 240h, quantificar as células regenerativas e analisar, histoquimicamente, o produto de secreção do mesêntero. As lagartas foram imobilizadas a baixa temperatura (-4ºC), o canal alimentar foi retirado, fixado em Boüin aquoso, incluído em paraplast e historesina, e os cortes corados por hematoxilina-eosina e ácido periódico de Schiff. Histologicamente, o canal alimentar de S. frugiperda mostrou-se semelhante ao de outros lepidópteros. Alterações morfológicas só foram evidenciadas no mesêntero, sendo a sua intensidade dependente do tempo e da concentração utilizada. Observou-se degeneração do epitélio e redução de células regenerativas e de atividade secretora dessa região, em ambas as concentrações de nim. Essas alterações foram observadas após 96h a 1,0% e 144h a 0,5%. Esses resultados demonstram que o nim (Neemseto®), nas concentrações estudadas, pode ser efetivo para o controle de S. frugiperda por promover alterações morfológicas no mesêntero.

Morfologia; histoquímica; Azadirachta indica; inseticida botânico; lagarta- do-cartucho; mesêntero


Research involving plants with insecticide activity evolved significantly in the last decades. Among these plants, the neem tree, Azadirachta indica, is commonly used against several insects, mainly Lepidoptera. The neem efficiency depends on the target insect and on the concentration used. A barrier against potential toxic agents ingested together with the food is the alimentary canal. Thus, this research aimed to describe the histology of the alimentary canal of Spodoptera frugiperda (J E Smith) larvae fed on leaves treated with neem (Neemseto®) at a concentration of 0.5% and 1.0% and non treated, at different intervals (48, 96, 144, 192 and 240h), by quantifying the regenerative cells and analyzing the secretion of the mesenteron histochemically. Larvae were immobilized at low temperatures (-4ºC), the alimentary canal was removed, fixed in Boüin´s aqueous, embedded in paraplast and historesin, sectioned and stained with hematoxilin-eosin and periodic acid- Schiff. The histology of the alimentary canal of S. frugiperda was similar to other lepidopterans. Neem effects on morphology were seen only in the mesenteron, depending on the time and concentration used, such as: epithelium, reduction on regenerative cells and on the secretory activity in this region, confirmed by the histochemistry in both neem concentrations. These alterations were observed after 96h at 1.0%, and 144h at 0.5%. These results indicte that neem (Neemseto®), at the concentrations studied, may be effective to control S. frugiperda because it promotes meaningful morphological alterations in the mesenteron.

Morphology; histochemistry; Azadirachta indica; botanical insecticide; fall armyworm; midgut


SYSTEMATICS, MORPHOLOGY AND PHYSIOLOGY

Morfologia do canal alimentar de lagartas de Spodoptera frugiperda (J E Smith) (Lepidoptera: Noctuidae) alimentadas com folhas tratadas com nim

Morphology of the alimentary canal of Spodoptera frugiperda (J E Smith) Larvae (Lepidoptera: Noctuidae) fed on neem-treated leaves

Alicely A CorreiaI; Valéria Wanderley-TeixeiraI; Álvaro A C TeixeiraII; José V de OliveiraI; Jorge B TorresI

IPrograma de Pós-Graduação em Entomologia Agrícola, aliceliac@yahoo.com.br

IIDepto. de Morfologia e Fisiologia Animal, valeria@dmfa.ufrpe.br. UFRPE, Av. Dom Manoel de Medeiros s/n, Dois Irmãos, 52171-900, Recife, PE

RESUMO

Pesquisas envolvendo plantas com atividade inseticida evoluíram bastante nas últimas décadas. Entre essas plantas destaca-se o nim, Azadirachta indica, que atua sobre várias espécies de insetos, principalmente Lepidoptera. Sua ação depende da espécie de inseto e concentração aplicada. Uma barreira contra potenciais agentes tóxicos ingeridos com o alimento é o canal alimentar. Assim, a pesquisa teve por objetivo descrever, histologicamente, o canal alimentar de lagartas de Spodoptera frugiperda (J E Smith) alimentadas com folhas tratadas com nim (Neemseto®), nas concentrações 0,5 e 1,0%, e com folhas não tratadas, nos intervalos de 48, 96, 144, 192 e 240h, quantificar as células regenerativas e analisar, histoquimicamente, o produto de secreção do mesêntero. As lagartas foram imobilizadas a baixa temperatura (-4ºC), o canal alimentar foi retirado, fixado em Boüin aquoso, incluído em paraplast e historesina, e os cortes corados por hematoxilina-eosina e ácido periódico de Schiff. Histologicamente, o canal alimentar de S. frugiperda mostrou-se semelhante ao de outros lepidópteros. Alterações morfológicas só foram evidenciadas no mesêntero, sendo a sua intensidade dependente do tempo e da concentração utilizada. Observou-se degeneração do epitélio e redução de células regenerativas e de atividade secretora dessa região, em ambas as concentrações de nim. Essas alterações foram observadas após 96h a 1,0% e 144h a 0,5%. Esses resultados demonstram que o nim (Neemseto®), nas concentrações estudadas, pode ser efetivo para o controle de S. frugiperda por promover alterações morfológicas no mesêntero.

Palavras-chave: Morfologia, histoquímica, Azadirachta indica, inseticida botânico, lagarta- do-cartucho, mesêntero

ABSTRACT

Research involving plants with insecticide activity evolved significantly in the last decades. Among these plants, the neem tree, Azadirachta indica, is commonly used against several insects, mainly Lepidoptera. The neem efficiency depends on the target insect and on the concentration used. A barrier against potential toxic agents ingested together with the food is the alimentary canal. Thus, this research aimed to describe the histology of the alimentary canal of Spodoptera frugiperda (J E Smith) larvae fed on leaves treated with neem (Neemseto®) at a concentration of 0.5% and 1.0% and non treated, at different intervals (48, 96, 144, 192 and 240h), by quantifying the regenerative cells and analyzing the secretion of the mesenteron histochemically. Larvae were immobilized at low temperatures (-4ºC), the alimentary canal was removed, fixed in Boüin´s aqueous, embedded in paraplast and historesin, sectioned and stained with hematoxilin-eosin and periodic acid- Schiff. The histology of the alimentary canal of S. frugiperda was similar to other lepidopterans. Neem effects on morphology were seen only in the mesenteron, depending on the time and concentration used, such as: epithelium, reduction on regenerative cells and on the secretory activity in this region, confirmed by the histochemistry in both neem concentrations. These alterations were observed after 96h at 1.0%, and 144h at 0.5%. These results indicte that neem (Neemseto®), at the concentrations studied, may be effective to control S. frugiperda because it promotes meaningful morphological alterations in the mesenteron.

Key words: Morphology, histochemistry, Azadirachta indica, botanical insecticide, fall armyworm, midgut

A cultura do milho, Zea mays, no Brasil, tem sido explorada praticamente durante o ano todo, seja na safra de verão, inverno ou outono (safrinha), contribuindo para aumentar a infestação da lagarta-do-cartucho, Spodoptera frugiperda (J E Smith), praga-chave da cultura. Essa praga é cosmopolita, com grande capacidade de infestar várias culturas de importância econômica em diversos países. No Brasil ocorre também em algodoeiro (Gossypium hirsutum), arroz (Oryza sativa), sorgo (Sorghum bicolor) e outras gramíneas (Cruz 1995, Cruz et al 1999).

O uso de inseticidas tem sido o método mais eficiente no controle desse inseto. Entretanto, os produtos são caros e, em alguns casos, pouco eficazes e perigosos se usados de forma intensiva e incorreta. Assim, alguns avanços nos programas de Manejo Integrado de Pragas (MIP) na cultura do milho têm sido realizados, destacando-se a utilização de diversos metabólitos secundários presentes em raízes, folhas e sementes de algumas plantas, as quais são denominadas "plantas inseticidas" (Schmutterer 1990, Roel et al 2000, Roel 2001).

O nim, Azadirachta indica (Meliaceae), destaca-se entre as plantas inseticidas, tendo como composto bioativo a azadiractina, a qual provoca efeito anti-alimentar, redução no crescimento, inibição da ecdise, anormalidades morfológicas, mortalidade e repelência em inúmeros insetos, principalmente Lepidoptera. Sua ação, contudo, depende da espécie de inseto e da concentração aplicada (Roel 2001, Martinez & van Emden 2001, Costa et al 2004).

O efeito de nim como regulador de crescimento está supostamente associado a sua interferência no sistema neuroendócrino dos insetos, afetando diferentes funções fisiológicas controladas por ações neurohormonais, como o processo de muda, a síntese de proteínas, reprodução, diapausa e comportamento [Mordue (Luntz) & Nisbet 2000, Martinez 2002, Neves et al 2003]. Porém são escassos os relatos a respeito da interferência do nim sobre a histofisiologia do canal alimentar em insetos.

O canal alimentar estomodeoproctodeo representa uma área de contato entre insetos e o meio ambiente. É o foco de grande parte das pesquisas para se controlar o ataque de pragas (Chapman 1998, Levy et al 2004a), principalmente a região do mesêntero, onde as células epiteliais estão envolvidas nos processos de absorção e secreção de enzimas (células colunares), homeostase iônica (células caliciformes), função endócrina (células endócrinas) e na renovação do epitélio (células regenerativas) (Chiang et al 1986). Um mecanismo de defesa nessa região é a membrana peritrófica, que tem papel fundamental na biologia do intestino médio, por estar posicionada entre o conteúdo alimentar e o revestimento epitelial, desempenhando a função de proteger esse epitélio de danos mecânicos, exercendo ainda função de barreira contra toxinas e substâncias químicas prejudiciais ao inseto (Lehane 1997).

Alterações no canal alimentar, principalmente na região do mesêntero, podem afetar o crescimento e desenvolvimento de insetos, bem como todos os eventos fisiológicos, pois esses processos dependem da alimentação adequada, de sua absorção e transformação no canal alimentar [Mordue (Luntz) & Blackwell 1993, Mordue (Luntz) & Nisbet 2000]. Apesar de serem abundantes os estudos sobre os efeitos biológicos do nim em Lepidoptera, não existem trabalhos que abordem alterações morfológicas da ação desse composto sobre a morfologia do canal alimentar de S. frugiperda. Assim, esse trabalho teve por objetivos descrever, histologicamente, o canal alimentar de lagartas de S. frugiperda alimentadas com folhas tratadas com nim (Neemseto®) nas concentrações 0,5 e 1,0%, e com folhsa não-tradatas, verificar a interferência do nim na renovação do epitélio por meio da quantificação das células regenerativas, e analisar, histoquimicamente, o produto de secreção do mesêntero.

Material e Métodos

Obtenção das plantas. Plantas de milho híbrido duplo AG 1051 foram cultivadas em casa-de-vegetação. Para tanto, cinco grãos de milho foram plantados por vasos de 5 L com solo + húmus de minhoca na proporção 2:1 + 12,13g de N-P-K (formulação 4% nitrogênio - 14% fósforo - 8% potássio). Após germinação foi realizado o desbaste de três plantas, ficando apenas as duas plantas mais desenvolvidas e com maior número de folhas por vaso, as quais foram utilizadas na alimentação dos insetos.

Obtenção dos insetos. Lagartas de S. frugiperda foram mantidas à temperatura de 25,2 ± 1,4°C, umidade relativa de 67 ± 0,7% e fotofase de 12h. As lagartas foram alimentadas com folhas de milho híbrido duplo AG 1051, cultivado em casa-de-vegetação, conforme método descrito anteriormente.

Instalação dos bioensaios. Lagartas de S. frugiperda de 3º instar (oito dias de desenvolvimento) foram alimentadas durante 48h com pedaços de folhas de milho (6 x 4,5 cm), com 20 a 40 dias de idade, tratados com nim (formulação comercial Neemseto®) nas concentrações de 0,5% (5ml/l) e 1,0% (10ml/l) e água destilada (testemunha), através da técnica de imersão (5 s), e secos a temperatura ambiente (30 min). As lagartas foram individualizadas em placas de Petri forradas com papel de filtro umedecido, e após o período inicial de alimentação (48h), as folhas foram substituídas diariamente por folhas não-tratadas, até que as lagartas atingissem a fase de pupa.

Coleta e processamento do canal alimentar. As lagartas submetidas aos tratamentos com nim a 0,5 e 1,0% foram avaliadas nos intervalos de 48, 96, 144, 192 e 240h, e a testemunha nos intervalos de 48, 96 e 144h, em virtude de as lagartas terem atingido a fase de pupa após esse período. As lagartas foram imobilizadas à temperatura de -4ºC, dissecadas sob estereomicroscópio para retirada do estomodeo, mesêntero e proctodeo e fixadas em Boüin aquoso por 6h a 4ºC. Após a desidratação em banhos de concentrações crescentes de etanol e diafanização em xilol, o material foi incluído em paraplast e historesina. Secções de 7 µm de espessura foram coradas com hematoxilina-eosina (HE) e ácido periódico de Schiff (PAS.) (Michalany 1990). A análise histológica foi realizada utilizando-se microscópio de luz OLYMPUS BX-49 e as imagens capturadas em fotomicroscópio OLYMPUS BX-51.

Quantificação das células regenerativas. Com o objetivo de verificar a interferência do nim na renovação do epitélio do mesêntero, foi realizada a quantificação das células regenerativas baseando-se em Pinheiro et al (2003). Foram utilizadas cinco secções de cortes obtidas da região mediana do mesêntero de cinco lagartas. Cada lagarta correspondeu a uma repetição, sendo utilizadas cinco repetições/intervalo de tempo/tratamento. A captura de imagem foi efetuada por meio de câmera de vídeo Sony®, acoplada ao microscópio Olympus® Bx50. A morfometria foi realizada através do aplicativo de pontos, associado ao programa ImageLab 2000 para Windows 3x. Em cada repetição (lâmina com a secção do corte) foram contadas as células regenerativas em dez campos aleatórios. O número médio de células regenerativas obtido nas amostras (repetições) de lagartas de S. frugiperda foi submetido à análise de variância em esquema fatorial 3x5 considerando os três tratamentos (testemunha, nim a 0,5 e 1,0%) e cinco intervalos de avaliação após tratamento (48, 96, 144, 192 e 240h) como fatores principais. No caso de resposta significativa na quantidade de células regenerativas em função dos intervalos de avaliação após tratamento, os resultados foram submetidos à análise de regressão para a sua interpretação e selecionadas as equações com base na sua significância (F e P) e maior coeficiente de determinação (R2). Todas as análises foram conduzidas utilizando o Programa Estatístico SAS (SAS Institute 1999-2001).

Resultados

Histologicamente, o estomodeo de lagartas de S. frugiperda apresentou-se revestido por tecido epitelial simples envolvido por uma espessa íntima. Esse tecido apóia-se sobre duas camadas de tecido muscular estriado, sendo a camada mais interna disposta longitudinalmente e a mais externa, circularmente (Fig 1A). As células do tecido epitelial caracterizaram-se por apresentar morfologia achatada, núcleo bastante volumoso e citoplasma escasso (Fig 1B). O proctodeo também é revestido por tecido epitelial do tipo simples, envolvido por uma espessa íntima, porém com células de morfologia colunar, núcleo elíptico e basal (Fig 1C). Nessa região observaram-se duas camadas de tecido muscular estriado, sendo que a mais interna está disposta circularmente, enquanto que a mais externa se dispõe longitudinalmente (Fig 1D).


Externamente, o mesêntero é revestido por duas camadas de músculos, sendo a mais interna, apoiando o epitélio, circular e delgada, e a mais externa longitudinal, formando feixes espaçados. O epitélio é do tipo colunar simples, onde foram evidenciados três tipos de células: as regenerativas, situadas na base da camada epitelial, com citoplasma basófilo e núcleo esférico e central (Fig 2A); as células caliciformes, com a membrana plasmática do lúmen apresentando invaginações formando a câmara globosa, citoplasma acidófilo claro e núcleo basal (Fig 2B), e as células colunares altas, apresentando borda em escova, núcleo oval e citoplasma acidófilo (Fig 2C). Separando essas células do conteúdo alimentar evidenciou-se a membrana peritrófica (Fig 2B). Foi possível observar também, intensa atividade de secreção de natureza mucosa no lúmen do mesêntero, comprovada pela reação PAS positiva (Fig 2D). Células endócrinas não foram evidenciadas.


As lagartas de S. frugiperda tratadas com nim não apresentaram alterações morfológicas nas regiões do estomodeo e proctodeo. No entanto, na região do mesêntero, evidenciaram-se alterações morfológicas que variaram de intensidade de acordo com o tempo de exposição e a concentração (0,5 e 1,0%). Após 48h e 96h de tratamento, foram visualizadas modificações teciduais nas lagartas tratadas com nim, pois a lâmina epitelial apresentou células delgadas e alongadas, não sendo possível distinguir os tipos celulares, além de se reduzir significativamente a atividade secretora nas duas concentrações estudadas em comparação com a testemunha (Figs 3A e B). A redução observada no tratamento com nim a 1,0% parece ter afetado o processo de digestão devido à presença de alimento intacto no lúmen da região mediana do mesêntero (Fig 3C), o que não ocorreu no tratamento com nim a 0,5% (Fig 3D).


No tratamento com o nim a 0,5%, no intervalo de 144h, a camada epitelial apresentou áreas com projeções para o lúmen (Fig 4A), além do afastamento desse tecido da camada muscular (Fig 4B). No entanto, nas lagartas tratadas com nim a 1,0%, essas alterações foram evidenciadas já a partir de 96h, sendo verificado ainda o desprendimento de algumas células junto com o produto de secreção (Figs 4C e D). Em ambas concentrações não foi observada a borda em escova.


Os tratamentos com nim (0,5 e 1,0%) diminuíram o número de células regenerativas da região mediana do mesêntero em relação à testemunha (F2, 52 = 29,22; P < 0,0001), sendo o mesmo observado ao longo dos tempos de avaliação (F4, 52 = 6,17; P = 0,0004). Entretanto, não foi observada interação entre tratamentos e tempo de avaliação (F6, 52 = 0,71; P = 0,6417). A contagem ao longo do tempo demonstrou que no tratamento testemunha, o número de células se manteve constante (P > 0,05), embora apresentasse queda na quantidade de células no intervalo de 144h. Por outro lado, em ambos os tratamentos com nim, o número de células regenerativas se reduziu significativamente em todos os intervalos de tempo após tratamento (Fig 5).


Discussão

A camada epitelial do canal alimentar de lagartas de S. frugiperda seguiu o padrão descrito na literatura, que relata que todas as regiões são revestidas por uma única camada de células, com morfologia achatada na região do estomodeo e cúbica no proctodeo. A disposição da musculatura por todo o canal também seguiu padrão uniforme (Chapman 1998). Segundo Cavalcante & Cruz-Landim (1999) e Pinheiro et al (2003), no epitélio do mesêntero dos insetos há predominância de quatro tipos de células: colunares, caliciformes, regenerativas e células endócrinas. Essas células predominaram ao longo do epitélio do mesêntero das lagartas de S. frugiperda, as quais são consideradas responsáveis pela absorção do alimento digerido, mostrando aspectos morfológicos similares a outros lepidópteros (Cavalcante & Cruz-Landim 1999, Levy et al 2004a). Conforme estudos de Harper & Hopkins (1997) e Harper & Granados (1999), essas células epiteliais, também são responsáveis pela secreção de uma malha de microfibrilas de quitina embebidas em uma matriz de proteínas e glicoproteínas denominada de membrana peritrófica, que exerce várias funções, tais como: proteção do epitélio contra danos mecânicos e químicos provocados pelo alimento, barreira física contra microrganismos e compartimentalização da digestão (Martins et al 2006).

As células caliciformes observadas em S. frugiperda são similares às de outros lepidópteros, apresentando cavidade típica, denominada de câmara globosa. Localizadas por todo epitélio do mesêntero, intercaladas por células colunares, essas células têm como função principal realizar o transporte de potássio da hemolinfa para o lúmen, mantendo a homeostase iônica e cooperando com as células colunares na absorção de metabólitos (Cavalcante & Cruz-Landim 1999, Klowden, 2002). Através da análise histoquímica pelo P.A.S. foi possível constatar sua intensa atividade secretora de natureza mucosa, pois o corante reage com os grupamentos aldeídos dos polissacariedeos neutros, principal constituinte do muco (Junqueira & Carneiro 2008, Ross & Pawlina 2008).

As células regenerativas são indiferenciadas e responsáveis pela renovação do epitélio do intestino médio, substituindo as células que se desgastam e se perdem durante o processo de digestão, além de possibilitar o crescimento do canal alimentar a cada ecdise. São encontradas na base do intestino médio, isoladamente ou em grupos formando ninhos, não havendo diferenças em sua abundância ao longo do mesêntero (Pinheiro et al 2003, Wanderley-Teixeira et al 2006, Martins et al 2006).

A não visualização das células endócrinas no intestino médio de S. frugiperda corrobora os dados de literatura, os quais apontam a dificuldade de identificação dessas células em microscopia de luz, utilizando-se de técnicas de rotina, sendo necessárias análises ultra-estruturais e imunohistoquímicas (Cassier & Frain-Maurel 1977, Montuenga et al 1989, Jimenez & Gilliam 1990).

As lagartas de S. frugiperda tratadas com nim não apresentaram alterações morfológicas nas regiões do estomodeo e proctodeo, visto que essas regiões são revestidas internamente por uma espessa íntima, que atua como barreira à entrada de organismos ou substâncias estranhas (Chapman, 1998, Levy et al 2004b). Como o mesêntero é o principal local de digestão e absorção de alimentos, constitui a região mais vulnerável à ação de elementos estranhos. Entretanto, antes da interação com as células epiteliais, os agentes invasores encontram como barreiras a membrana peritrófica e as enzimas digestivas (Barbehenn & Martin 1995, Matos et al 1999, Mohan et al 2006). Contudo, mesmo evidenciando a presença da membrana peritrófica íntegra em todos os intervalos de tratamento, essa estrutura não foi suficiente para impedir a ação do nim sobre o epitélio e evitar os danos ocasionados.

Estudos realizados com Schistocerca gregaria (Forskal) e Locusta migratoria (Fab.), tratados com 5, 10 e 15 µg/g de azadiractina por peso do corpo, e em larvas de Spodoptera littoralis (Boisduval) e Agrotis ipsilon (Hufn.), tratadas com 100 ppm do extrato de Melia azedarach (Meliaceae), mostraram redução na ingestão de alimentos, e na atividade das enzimas do mesêntero, perda de células regenerativas, efeito direto na musculatura e necrose celular [Nasiruddin & Mordue (Luntz) 1993, Schmidt et al 1997].

Segundo Mordue (Luntz) & Nisbet (2000), a azadiractina é absorvida pelas células causando inibição da divisão celular e da síntese proteica. Tais efeitos são refletidos pela flacidez e paralisia dos músculos, necrose das células do mesêntero, perda dos ninhos (células regenerativas) e, consequentemente, ausência de renovação do epitélio, além da ausência ou redução da produção de enzimas no mesêntero, que se evidenciam nas alterações observadas neste estudo.

A diminuição da quantidade de células regenerativas na testemunha no intervalo 144h pode estar relacionada ao fato de as lagartas estarem próximas à fase de pupa, pois no último estágio larval as células do mesêntero começam a ser substituídas. Essa substituição depende da morte das células digestivas larvais e da proliferação e diferenciação das células regenerativas para constituir um novo epitélio no adulto (Grecorc & Bowen 1997).

O retardo no início da fase de pupa promovido pela alimentação das lagartas com folhas tratadas com nim a 1%, resultou, provavelmente, da interferência da azadiractina no sistema neurossecretor do cérebro, afetando a síntese do hormônio protoracicotrópico (PTTH) e/ou dos neuropeptídeos alatostatinas/alatotropinas, que controlam, respectivamente, a função das glândulas protorácicas e dos corpora allata. Na ausência da estimulação do PTTH, as glândulas protorácicas não produziriam o hormônio da muda que, por sua vez, tem a função de controlar a formação da nova cutícula e ecdise, enquanto que a produção elevada de hormônio juvenil pelos corpora allata, dada pela inibição das alatostatinas ou indução das alatotropinas, induziria a manutenção dos indivíduos no estágio larval [Mordue (Luntz) & Nisbet. 2000].

Em conclusão, a utilização do nim nas concentrações 0,5 e 1,0% ocasionou efeito tóxico local, produzindo histólise no mesêntero de lagartas de S. frugiperda, levando, provavelmente, ao funcionamento anormal desse tecido, alterando a secreção de enzimas, a absorção dos nutrientes e a renovação celular.

Agradecimentos

À CAPES pela concessão de bolsa ao primeiro autor, possibilitando a realização deste trabalho.

Received 13/III/08. Accepted 22/I/09.

Edited by Fernando Barbosa Noll - UNESP

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2009
  • Data do Fascículo
    Fev 2009

Histórico

  • Aceito
    22 Jan 2009
  • Recebido
    13 Mar 2008
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