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MUDANÇA E INOVAÇÃO ORGANIZACIONAL: ESTUDO DE CASO EM UMA EMPRESA DO CLUSTER DE BIOTECNOLOGIA EM MINAS GERAIS

ORGANIZATIONAL INNOVATION AND CHANGE: A CASE STUDY IN A COMPANY FROM THE BIOTECHNOLOGY CLUSTER IN MINAS GERAIS

RESUMO

Este artigo analisa o processo de mudança organizacional planejada em uma empresa familiar de base tecnológica e os fatores internos e externos mais relacionados ao processo. Procurou-se ainda compreender como o processo de mudança alterou quatro importantes dimensões organizacionais: pessoas, estrutura organizacional, processos gerenciais e as estratégias empresariais. Além de fatores de natureza endógena, fatores exógenos também influenciaram o processo de mudança experimentado pela empresa em análise. A partir do pressuposto de que processos dessa natureza geralmente estão relacionados a crises, a pesquisa aponta para uma atitude mais proativa da empresa analisada, que se antecipou a uma crise mais profunda e empreendeu mudanças que efetivamente contribuíram para alavancar seus negócios.

PALAVRAS-CHAVE
Mudança organizacional; Inovação; Biotecnologia; Empresa familiar; Fatores endógenos e exógenos

ABSTRACT

This article aims to analyze the process of a planned organizational change within a family-owned company from the technological sector. More specifically, it looks at the internal and external issues intervening in this process. Furthermore, this article intends to understand how this organization change process shifted four critical organization dimensions: (1) people; (2) the organization structure; (3) the management processes, and; (4) the company’s strategy. In addition to endogenous factors, exogenous factors seemed to have influenced the process of change occurred within the company. Taking into account that these process are normally triggered by crisis, our research suggests the emergence of a more pro-active attitude of the company, which anticipated a deeper crisis and introduced changes that effectively contributed to propel its business.

KEYWORDS
Organizacional change; Innovation; Biotechnology; Family-owned company; Endogenous and exogenous factors

1 INTRODUÇÃO

As mudanças ocorridas no ambiente, tais como a revolução das tecnologias de informação, a globalização, a alteração das fronteiras entre os países, dentre outras, impactaram de maneira significativa as organizações no Brasil e no mundo. Para as empresas brasileiras, esse novo ambiente passou a ser a realidade concreta e demandou a necessidade de reestruturações no processo de gestão das organizações, visando adequá-las a um novo contexto. Torna-se cada vez mais necessário que as empresas empreendam, em seu ambiente interno, sobretudo na sua arquitetura organizacional, mudanças que levem à flexibilidade e novos formatos internos que contribuam para o incremento da competitividade, elementos de grande relevo na sobrevivência das organizações (CASTELLS, 1999CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999., HAMMER; CHAMPY, 1994HAMMER, Michael; CHAMPY, James. Reengenharia: revolucionando a empresa em função dos clientes, da concorrência e das grandes mudanças da gerência. Rio de Janeiro: Campus, 1994., HAMEL; PRAHALAD, 1997HAMEL, G.; PRAHALAD, C. K. Competindo pelo futuro. Rio de Janeiro: Campus, 1997.).

As pressões originadas desse novo ambiente provocaram a necessidade de revisão de alguns aspectos da organização, tais como o desenho da produção e a necessidade de flexibilizar e inovar os processos. Esse novo contexto obrigou as empresas a implantarem, também, alterações essenciais em seus padrões de gestão, com o objetivo de sustentar suas estratégias de atuação, e assim incrementar seus resultados econômico-financeiros e buscar garantir sua sobrevivência e longevidade no mercado. Esses novos padrões provocaram também mudanças na cultura, na qualificação dos recursos humanos, no desenho e fluxo dos processos e na estrutura organizacional (SALERNO, 1999SALERNO, Mário Sérgio. Projeto de organizações integradas e flexíveis: processos, grupos e gestão democrática via espaço de comunicação - negociação. São Paulo: Atlas, 1999., COUTINHO; FERRAZ, 1995COUTINHO, L.; FERRAZ, J. C. Estudo da competitividade da indústria brasileira. Campinas: Papirus, 1995.; BAUMANN et al., 1996BAUMANN, R. et al. O Brasil e a economia global. Rio de Janeiro: Campus: Sobeet, 1996.). Quando as diretrizes, os processos e os comportamentos se mostram inadequados nesse ambiente competitivo e as estratégias e ações desenvolvidas passam a não trazer resultados significativos para a organização, a mudança se torna fundamental para a sobrevivência e o crescimento da empresa.

Para as empresas brasileiras, a nova realidade do ambiente de negócios demandou instantaneamente o aumento da competitividade e, diante disso, se viram obrigadas a implantar alterações essenciais em sua arquitetura organizacional, por meio do desenvolvimento de diferenciais competitivos capazes de adaptar e sustentar suas estratégias de atuação, com vistas à melhoria do resultado econômico-financeiro, à sobrevivência e longevidade no mercado. Nesses termos, mudanças na qualificação dos recursos humanos, na cultura, na estrutura e processos passam a ser exigidas (COUTINHO; FERRAZ, 1995COUTINHO, L.; FERRAZ, J. C. Estudo da competitividade da indústria brasileira. Campinas: Papirus, 1995.; BAUMANN et al., 1996BAUMANN, R. et al. O Brasil e a economia global. Rio de Janeiro: Campus: Sobeet, 1996.).

Organizações proativas são aquelas que estabelecem critérios de avaliação do contexto externo e interno e, assim, antecedem seus concorrentes e implantam as mudanças necessárias para, em seguida, desenvolverem novas estratégias de competição. A principal força e vantagem competitiva de uma empresa parece residir no desenvolvimento de características tais como flexibilidade e adaptabilidade em relação às pressões externas e internas, o que possibilita o desenvolvimento de tecnologias de gestão mais adequadas às novas exigências ambientais.

Especificamente, em relação ao setor de biotecnologia, em recente pesquisa sobre o Arranjo Produtivo Local (APL) de Minas Gerais, Silva, Castro e Vitorino (2006)SILVA, Sandro Márcio; CASTRO, José Márcio de; VITORINO, Patrícia Sá. A gestão das competências organizacionais nas empresas do APL de Biotecnologia da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Relatório de Pesquisa. Belo Horizonte: PUC-Minas, 2006. relatam que os estudos sobre biotecnologia em Minas Gerais têm adotado muito mais uma perspectiva macroeconômica do que gerencial. Nesses termos, ainda são poucos os estudos sobre mudanças, inovação organizacional e tecnologias de gestão em empresas de biotecnologia em Minas Gerais, por uma série de razões, dentre elas o relativamente novo processo de crescimento e maturação do APL. Sendo um setor intensivo em conhecimento e exposto a uma concorrência intensa, é fundamental compreender o avanço na gestão das organizações e, especialmente, como as empresas têm enfrentado processos de mudança e consolidação de inovações em gestão.

O objetivo desse artigo é apresentar os resultados de uma pesquisa que buscou identificar e analisar os fatores que estimularam uma empresa, localizada no APL de biotecnologia em Minas Gerais, a iniciar um processo de mudança e inovação. Para isso, adotando-se o método do estudo de caso, buscou-se avaliar, por meio de entrevistas, observação, documentos e arquivos, as razões e o processo de mudança, as inovações organizacionais implementadas e os resultados alcançados.

De forma mais específica, pretende-se analisar como e por que ocorreu o processo de mudança e inovação, as interferências internas e externas relativas a esse processo, as ações propostas e as possibilidades decorrentes dessa mudança planejada.

Para além dessa introdução, este artigo está dividido em quatro partes. Na primeira parte, procede-se à revisão de literatura abordando inicialmente a situação do APL de Biotecnologia de Minas Gerais, onde se situa o caso estudado, a relação entre ambiente e mudança organizacional; posteriormente, discutem-se as dimensões do projeto de mudança destacando-se as dimensões da estrutura, pessoas, processos e estratégias. A segunda parte contém os procedimentos metodológicos da pesquisa, enquanto a terceira parte apresenta e analisa os dados encontrados. Finalmente, a última parte do artigo contém as principais conclusões e contribuições do presente trabalho, bem como sugestões para novas pesquisas.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 O APL DE BIOTECNOLOGIA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O pólo mineiro de biotecnologia está localizado prioritariamente na microrregião de Belo Horizonte, com ramificação em Montes Claros e também na região do Triângulo Mineiro. Abriga empresas dos segmentos de diagnósticos, fármacos, fitoterápicos, biomateriais, agronegócios, veterinária e meio ambiente, além de fornecedores, distribuidores comerciais, instituições de ensino superior, de pesquisa, desenvolvimento e treinamento (FUNDAÇÃO BIOMINAS, 2005FUNDAÇÃO BIOMINAS. Clusters. Disponível em: <http://www.biominas.org.br/biotec-nologia/cluster.htm>. Acesso em: 8 abr. 2005.
http://www.biominas.org.br/biotec-nologi...
).

O relativo sucesso do pólo mineiro de biotecnologia tem como base a competência empresarial nesse segmento, gerado pelo estoque de conhecimentos produzidos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e outras instituições universitárias mineiras, pela concentração de competências científicas e de pesquisa e desenvolvimento existente nas áreas de ciências da vida (Biologia, Medicina, Farmácia, Veterinária e Agronomia), assim como nas áreas multidisciplinares (Engenharias, Química e Física). Além disso, as competências financeiras e de investimentos criadas em Minas Gerais pelo FUNDOTEC e pelo PTT/ BIOMINAS/BID/FUMIN agregam-se no desenvolvimento de um ambiente propício ao florescimento da bioindústria em Minas Gerais (FUNDAÇÃO BIOMINAS, 2005FUNDAÇÃO BIOMINAS. Clusters. Disponível em: <http://www.biominas.org.br/biotec-nologia/cluster.htm>. Acesso em: 8 abr. 2005.
http://www.biominas.org.br/biotec-nologi...
).

Trata-se, portanto, de um setor de ponta, inserido em um contexto significativamente dinâmico, baseado em tecnologia de vanguarda e competências estratégicas advindas dos centros de pesquisa e universidades da região. A projeção da capacidade do setor em Minas Gerais indica efetivas possibilidades de crescimento, acompanhando a evolução mundial, embora esteja sujeito a uma forte competição internacional. É nesse contexto que se insere a empresa aqui estudada.

2.2 AMBIENTE E MUDANÇA ORGANIZACIONAL

Atualmente, administrar uma organização corresponde a administrar as mudanças, ou seja,

[...] enfrentar alterações rápidas e complexas; confrontar-se com ambigüidades; compreender a necessidade de novos produtos e serviços; garantir um sentido de direção em meio ao caos e à vulnerabilidade; e manter a calma diante da perda significativa daquilo que se ajudou a construir (MOTTA, 1999MOTTA, Paulo Roberto. Transformação organizacional: a teoria e a prática de inovar. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999., p. xvi).

Em um contexto em que praticamente tudo pode ser alterado, a mudança não consiste apenas na melhoria dos processos, mas também no rompimento das práticas em vigor. As mudanças no ambiente de negócios influenciam diretamente as empresas e a vida das pessoas. São essas mudanças que provocam a melhoria da qualidade dos produtos e serviços oferecidos ao mercado e proporcionam o incremento da produtividade, de maneira eficiente (MOTTA, 1999MOTTA, Paulo Roberto. Transformação organizacional: a teoria e a prática de inovar. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999.).

A mudança corresponde à informação de que determinada tecnologia, habilidade ou prática organizacional se tornou obsoleta. Portanto, nesse caso, o processo de mudança significa a criação de um novo modelo de organização, associada à alteração das premissas estabelecidas para a realidade do ambiente externo e aceitação de que ela é condição essencial para que a organização seja bem-sucedida (MOTTA, 1999MOTTA, Paulo Roberto. Transformação organizacional: a teoria e a prática de inovar. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999.).

A mudança planejada, por sua vez, corresponde a uma reação mais indicada para fazer face às pressões do meio ambiente e aos problemas e dificuldades com que se defrontam freqüentemente as organizações. A opção por introduzir um processo de mudança, por si só, não torna mais eficaz a administração da organização, mas representa um passo importante para a transformação que está por vir. Assim, o processo de mudança planejada deve ser entendido como um mecanismo impulsionador da transição de uma organização, de uma situação atual qualquer, para uma situação futura desejável (WOOD, 2000WOOD, Thomaz Jr. Mudança organizacional: aprofundando temas atuais em administração de empresas. São Paulo: Atlas, 2000.).

O primeiro passo para a implantação de um processo de mudança organizacional, como recomendam Nadler, Gerstein e Sahw (1993)NADLER, D.; GERSTEIN, M.; SAHW, R. Arquitetura organizacional: a chave para a mudança empresarial. Rio de Janeiro: Campus, 1993., consiste em analisar os aspectos que não se adaptam à nova realidade e, a seguir, estabelecer as bases sobre as quais o processo será desenvolvido. Além disso, a empresa também deve buscar a melhor maneira pela qual as atividades, as pessoas, as tecnologias e as informações devem ser estruturadas, a fim de atingir o melhor desempenho e, por conseguinte, os melhores resultados.

A gestão da mudança consiste em administrar a incerteza e interagir os processos internos e externos à organização que, de alguma forma, intervém no seu desempenho (PETTIGREW, 1993PETTIGREW, Andrew; WHIPP, Richard. Managing change for competitive success. Padstow: TJ Press, 1993.). O grau de incerteza desses processos gera fortes demandas nas empresas no sentido de aprender e adaptar-se às novas exigências do mercado, construindo novas competências na tomada de decisão, em situações não bem estabelecidas ou definidas. A mudança depende, assim, de uma série de fatores, tais como a preparação do processo, o incentivo à criatividade e a motivação de seus membros, além de habilidades para identificar os problemas mais relevantes e conduzir o processo.

2.3 MODELOS DE MUDANÇA: AS DIMENSÕES DO PROJETO ORGANIZACIONAL

As primeiras técnicas de mudança organizacional davam ênfase quase somente à estrutura formal da empresa, o que podia significar alterações na hierarquia, bem como a criação, alteração ou extinção de funções. Além disso, era necessário também controlar os impactos produzidos com a implantação da mudança. Posteriormente os processos de mudança passaram a enfatizar as pessoas e suas relações, ou seja, o foco do processo passou a ser o comportamento e o clima organizacional, sustentado pelo argumento de que a melhoria das relações e a redução do nível de conflitos influenciam positivamente no desempenho da organização (WOOD; CALDAS, 1999———; CALDAS, Miguel P. Transformação e realidade organizacional: uma perspectiva brasileira. São Paulo: Atlas, 1999.).

Posteriormente, os impactos do ambiente externo passaram a ser considerados os fatores determinantes de alavancagem das mudanças e, nesse caso, deveriam ser abordadas questões como tecnologia, estratégias e ações, em conjunto com a gestão das pessoas, das estruturas e dos processos organizacionais. Mais recentemente, os programas de qualidade e produtividade passaram a funcionar como alavancas de processos de mudança.

Para Pereira (1994)PEREIRA, M. J. de Bretas. Modelos de mudança nas organizações brasileiras: uma análise crítica. In: BJUR, Wesley; CARAVANTES, Geraldo R. (Org.). Reengenharia ou readmi-nistração: do útil ao fútil nos processos de mudança. Porto Alegre: AGE, 1994., a evolução dos modelos de mudança, além de ser influenciada por fatores do ambiente externo, também sofre influências de aspectos da própria organização, assim como acompanha a própria evolução das teorias da administração.

Um processo formal de mudança pode concentrar-se em aspectos tais como a redução de níveis hierárquicos, a reorganização e o enxugamento das estruturas administrativas com o objetivo de internalizar o novo modelo de organização empresarial, a reestruturação produtiva, com adoção de novas técnicas de produção e de redução de estoques. O objetivo é aumentar a eficiência e a qualidade dos processos e dos produtos e a flexibilização das linhas de produtos, concentrando-se nas áreas de competência da empresa. Assim, é necessário que a organização adote uma perspectiva que defina a diretriz ou a linha-mestra da mudança e sustente o planejamento que irá conduzir o processo de mudança, juntamente à análise da situação atual e das estratégias de gestão da empresa adotadas pela empresa (MOTTA, 1999MOTTA, Paulo Roberto. Transformação organizacional: a teoria e a prática de inovar. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999.). Nas seções seguintes, faremos uma análise mais detalhada de algumas importantes dimensões organizacionais que afetam os processos de mudança.

2.4 AS PRINCIPAIS DIMENSÕES ORGANIZACIONAIS DA MUDANÇA

2.4.1 GESTÃO DE PESSOAS

Na dimensão “pessoas”, em geral, são avaliadas as políticas de gestão e sua eficácia em relação às demandas do ambiente, ou seja, os processos de recrutamento e seleção, treinamento, gestão da carreira e sistemas de recompensa estabelecidos pelas empresas. Terra (2000)TERRA, José Cláudio Cyrineu. Gestão do conhecimento: o grande desafio empresarial. São Paulo: Negócio Editora, 2000. considera que, nesse novo contexto estabelecido pelo ambiente de negócios, a capacidade de liderança, a organização e a gestão da força de trabalho impactam fortemente as estratégias da empresa, pois são vantagens e ativos mais difíceis de serem copiados pela concorrência.

Para Legge (1995)LEGGE, Karen. Human resource management: rethorics and realities. Houndmills, Basingstoke, Hampshire: MacMillan Business, 1995., as organizações também devem adotar novas estratégias de competição que, independentemente de sua orientação, vão demandar investimento no desenvolvimento das pessoas, em suas competências e habilidades e, conseqüentemente, irão implicar a adoção de novas práticas e modelos de gestão de pessoas. De acordo com Ulrich (1998)ULRICH, David. Os campeões de recursos humanos: inovando para obter os melhores resultados. São Paulo: Futura, 1998., os novos padrões de competitividade indicam desafios que podem ser vencidos pelas organizações com o auxílio direto da área de recursos humanos.

Saliente-se que as mudanças no panorama econômico, social e mercadológico implicam a necessidade de alteração do comportamento das pessoas, mais do que apenas dos processos (DAVEL; VERGARA, 2001DAVEL, Eduardo; VERGARA, Sylvia C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2001.).

Mesmo em face da necessidade de alterar o modelo de gestão de pessoas adotado pelas empresas, em função do ambiente e do cenário de mudanças, não raro encontram-se organizações em que prevalece uma visão estreita de que a área de recursos humanos deve cuidar apenas das questões operacionais. Isso quase sempre é traduzido pela área de administração de pessoal, baseada nos processos das atividades de administração da vida do empregado na organização (LEGGE, 1995LEGGE, Karen. Human resource management: rethorics and realities. Houndmills, Basingstoke, Hampshire: MacMillan Business, 1995., DAVEL; VERGARA, 2001DAVEL, Eduardo; VERGARA, Sylvia C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2001.).

Por exemplo, em pesquisa recente, Silva, Castro e Vitorino (2006)SILVA, Sandro Márcio; CASTRO, José Márcio de; VITORINO, Patrícia Sá. A gestão das competências organizacionais nas empresas do APL de Biotecnologia da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Relatório de Pesquisa. Belo Horizonte: PUC-Minas, 2006., examinando o Arranjo Produtivo Local de Biotecnologia em Minas Gerais, concluíram que, embora seja um setor intensivo em conhecimento, poucas ações nas empresas se relacionam com a gestão de competências organizacionais e boa parte das empresas sequer tem uma área estruturada de recursos humanos e em condições para gerenciar tais competências. Além disso, percebe-se pouca articulação entre elas no que tange à cooperação e troca de conhecimentos.

No entendimento de Davel e Vergara (2001)———. QUINN, James B. (Org.) O processo da estratégia. Porto Alegre: Bookman, 2001., o objetivo da administração de recursos humanos é a busca por técnicas e ferramentas adequadas à situação vivida, associando as propostas das diferentes perspectivas organizacionais aos processos de gestão de pessoas. Assim, em processos de mudança organizacional, é essencial que a empresa conte com uma força de trabalho flexível, capaz de se adaptar às novas situações e às novas condições ambientais. Torna-se relevante, portanto, que a empresa estabeleça políticas e práticas de gestão de pessoas capazes de atrair e reter talentos (ROBBINS, 1999ROBBINS, Stephen P. Comportamento organizacional. Rio de Janeiro: LTC, 1999.).

Algumas críticas são freqüentemente dirigidas ao tratamento conferido às pessoas nas organizações que, muitas vezes, são vistas como custos e tratadas como um recurso. Esse tipo de comportamento pode ser considerado uma conseqüência do contexto de negócios em que as organizações estão inseridas, pois a competição acirrada exige o alcance de altos índices de produtividade e eficiência que levem a resultados positivos em curto prazo. Nesse contexto, aspectos relacionados às ciências humanas são, muitas vezes, desconsiderados (DAVEL; VERGARA, 2001DAVEL, Eduardo; VERGARA, Sylvia C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2001.).

Mesmo premidas pelas exigências das mudanças requeridas pelo ambiente e conscientes da necessidade de ajustarem também seus processos de gestão de pessoas, percebe-se grande dificuldade por parte das empresas para que essa alteração seja operacionalizada, principalmente quando são analisados os comportamentos dos profissionais de recursos humanos. Tal oscilação pode ser atribuída à necessidade que esses profissionais têm de trabalhar simultaneamente com o controle sobre os empregados e com o consenso e o comprometimento destes para o alcance dos objetivos organizacionais (LEGGE, 1995LEGGE, Karen. Human resource management: rethorics and realities. Houndmills, Basingstoke, Hampshire: MacMillan Business, 1995.).

Essa dificuldade é intensificada em virtude da dificuldade de se associar objetividade e subjetividade na gestão de pessoas, tendo em vista a relevância do reconhecimento, pelas organizações, de que as pessoas não devem ser consideradas somente como um fator de produção. Embora reconhecendo que os indivíduos têm sua identidade própria, sua história de vida, suas qualidades, habilidades e experiências que influenciam o ambiente interno, não é tarefa fácil alterar a forma de desenvolvimento e o processo de gestão das pessoas, diante das atuais características e da dinâmica do ambiente de negócios em que atuam (DAVEL; VERGARA, 2001DAVEL, Eduardo; VERGARA, Sylvia C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2001.; HANDY, 1991HANDY, Charles. A era da irracionalidade. São Paulo: Edições Cetop, 1991.; LEGGE, 1995LEGGE, Karen. Human resource management: rethorics and realities. Houndmills, Basingstoke, Hampshire: MacMillan Business, 1995.; ULRICH, 1998ULRICH, David. Os campeões de recursos humanos: inovando para obter os melhores resultados. São Paulo: Futura, 1998.).

2.4.2 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL

As inconstâncias verificadas no ambiente atual demandam organizações orientadas para a criação e para a inovação associadas à eficiência, o que provoca a inadequação do modelo burocrático de organização, visto que esse tipo de estrutura se adapta melhor em ambientes mais estáveis. A estrutura organizacional da empresa pós-moderna deve incentivar o trabalho em equipe, um fluxo de informação fluido e eficiente e o desenvolvimento de habilidades, de forma permanente pelas pessoas. Em razão disso, muitas organizações procuram estabelecer uma combinação entre uma estrutura mais flexível com alguns traços burocráticos, dadas as dificuldades de se prescindir de certas características da burocracia, no sentido weberiano (TERRA, 2000TERRA, José Cláudio Cyrineu. Gestão do conhecimento: o grande desafio empresarial. São Paulo: Negócio Editora, 2000.).

Na dimensão estrutura organizacional, deve-se avaliar como as organizações desenvolvem essas novas estruturas, no sentido de se flexibilizarem, permitindo a introdução de novas práticas, ao mesmo tempo que buscam se adaptar aos padrões de competição impostos pelas condições do ambiente externo.

Qualquer atividade humana organizada apresenta duas demandas: a) a divisão do trabalho em tarefas; e b) a coordenação dessas tarefas para obtenção de resultados. Dessa forma, a estrutura de uma organização pode ser definida como o conjunto de formas utilizadas para se operacionalizar a divisão do trabalho em diversas tarefas e manter o funcionamento e a coordenação dessas tarefas. Durante muitos anos, a estrutura se baseava em regras, em uma rígida hierarquia de autoridade e em uma amplitude de controle limitada. Mais recentemente, passou-se a admitir que, ao delinear uma estrutura, a organização deve levar em consideração o planejamento de longo prazo e as alternativas existentes para o enriquecimento do trabalho, dentre outros aspectos (MINTZBERG, 1995MINTZBERG, Henry. Criando organizações eficazes. São Paulo: Atlas, 1995.).

A partir do momento em que a rigidez das estruturas passou a não responder adequadamente a uma nova realidade dos negócios, as empresas iniciaram a busca pela flexibilidade de suas estruturas organizacionais. Essa característica está sustentada nas informações, no processo decisório e na criatividade, que correspondem também às demandas atuais dos negócios. Dessa forma, o alcance da flexibilidade deve principalmente vencer as imposições da rigidez vivida pelas organizações, fruto de teorias organizacionais clássicas que valorizavam a ordem, a uniformidade e a conformidade, bem como o controle administrativo (MOTTA, 1999MOTTA, Paulo Roberto. Transformação organizacional: a teoria e a prática de inovar. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999.).

De forma análoga, Nadler, Gerstein e Sahw (1993)NADLER, D.; GERSTEIN, M.; SAHW, R. Arquitetura organizacional: a chave para a mudança empresarial. Rio de Janeiro: Campus, 1993. ponderam que o modelo de empresa multidivisional, sustentado na rígida hierarquia, fundada em regras complexas e divisão vertical do trabalho, foi uma inovação social de proporções incalculáveis. Entretanto, são vários os indícios de que essa estrutura organizacional não mais se adapta ao contexto atual. A realização bem-sucedida das atividades de uma organização está intimamente relacionada à eficiência de seu projeto organizacional, que embora não possa ser considerado o fator determinante de sucesso da empresa, revela-se uma ferramenta de especial importância.

Embora a estrutura organizacional de uma empresa possa ser definida em função de propostas oriundas das mais diversas perspectivas de gestão organizacional, o objetivo de todas diretrizes será sempre no sentido de estabelecer um projeto capaz de modificar e adaptar a empresa às rápidas mudanças da sociedade contemporânea (MOTTA, 1999MOTTA, Paulo Roberto. Transformação organizacional: a teoria e a prática de inovar. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999.).

Nessa definição, as decisões estratégicas que modelam as atividades da empresa também influenciam sua arquitetura organizacional, pois é necessário identificar as diferentes combinações entre pessoas, processos e estrutura que atendam adequadamente ao projeto organizacional, visto que essas diferentes combinações influenciam o desempenho da empresa (NADLER; GERSTEIN; SAHW, 1993NADLER, D.; GERSTEIN, M.; SAHW, R. Arquitetura organizacional: a chave para a mudança empresarial. Rio de Janeiro: Campus, 1993.).

Antes de finalizar essa discussão, deve-se enfatizar que os gestores organizacionais enfrentam três desafios no desenvolvimento de um projeto organizacional: a) adequar a estratégia, com o objetivo de permitir que a organização reaja às demandas do ambiente; b) promover a adequação estratégica - organização, possibilitando que a arquitetura organizacional atenda às estratégias da empresa; e c) adequar a organização internamente possibilitando que seus componentes permaneçam congruentes (NADLER; GERSTEIN; SAHW, 1993NADLER, D.; GERSTEIN, M.; SAHW, R. Arquitetura organizacional: a chave para a mudança empresarial. Rio de Janeiro: Campus, 1993.).

2.4.3 PROCESSOS ORGANIZACIONAIS

Na dimensão “processos organizacionais”, é necessário avaliar as práticas do trabalho no contexto das outras dimensões organizacionais, como, por exemplo, a estrutura, a estratégia e as pessoas. Deve-se, em primeiro lugar, procurar conhecer como a organização, por meio de sua liderança, implementa e avalia seus processos organizacionais, de forma que esses promovam a integração entre as estratégias, a tecnologia, os conhecimentos e as habilidades necessárias para que a empresa conquiste e mantenha sua participação no mercado.

De maneira geral, os produtos e/ou serviços disponibilizados ao mercado por uma empresa representam o resultado de um processo empresarial. As empresas bem-sucedidas na competição atual são geralmente aquelas que adotam a gestão por processos para gerir suas ações, atividades e recursos. Tal orientação possibilita melhores condições de análise da organização, de seus membros e dos comportamentos dos indivíduos (GONÇALVES, 2000GONÇALVES, José Ernesto Lima. As empresas são grandes coleções de processos. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 6-19, jan./mar. 2000.).

A alteração da dinâmica da concorrência e dos mercados deu início ao movimento de melhoria da qualidade e de processos. Entretanto, essas iniciativas não mais sustentam a evolução de uma organização em face das demandas atuais do mercado. As atividades da empresa devem ser vistas como processos-chave e não mais como funções específicas de departamentos (DAVENPORT, 1994DAVENPORT, Thomas H. Reengenharia de processos. Rio de Janeiro: Campus, 1994.).

Normalmente, os processos correspondem às atividades essenciais das empresas, mas geralmente a estrutura organizacional da empresa provoca alguma fragmentação. Hammer (1994)HAMMER, Michael; CHAMPY, James. Reengenharia: revolucionando a empresa em função dos clientes, da concorrência e das grandes mudanças da gerência. Rio de Janeiro: Campus, 1994. salienta que um problema relevante da revisão e da gestão dos processos consiste em levar as pessoas a pensar mais nos processos em que estão envolvidas do que nas suas áreas específicas de trabalho. Nesse contexto, a proposta de revisão dos processos implica a reformulação do trabalho e não das áreas funcionais.

Para Davenport (1994)DAVENPORT, Thomas H. Reengenharia de processos. Rio de Janeiro: Campus, 1994., adotar a visão de processo das atividades significa propor uma “revolução” dentro da organização. A principal mudança consiste na mudança de ênfase, que passa a ser no processo e não no produto, ou no resultado. A abordagem por processos significa, assim, uma nova condição para proposição e realização de melhorias da forma como o trabalho é executado.

Em sua concepção, a gestão por processos apresenta três pontos fundamentais, que a diferenciam da gestão tradicional: a) utilização de objetivos externos; b) agrupamento de pessoas em torno de um trabalho completo; e c) fluxo adequado da informação (GONÇALVES, 2000GONÇALVES, José Ernesto Lima. As empresas são grandes coleções de processos. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 6-19, jan./mar. 2000.).

A mudança da estrutura da empresa, de funcional para processos, necessariamente significa a redefinição das responsabilidades em função do processo, a tentativa de redução das fontes de erros, esperas e fronteiras, a possibilidade de agrupamento de atividades similares e a busca de redução das duplicidades identificadas. Essa nova abordagem torna inócuas as discussões relativas à centralização ou descentralização administrativa, pois as decisões são tomadas pelo grupo de pessoas que trabalham naquele processo.

A adoção da estrutura por processos e o entendimento do seu funcionamento, a distinção das categorias e dos tipos, bem como a identificação das características das tarefas são atividades fundamentais para se estabelecer a forma adequada de gerenciamento com vistas a se buscar melhorias no desempenho organizacional. Nesse sentido, é relevante que as práticas e técnicas de gestão organizacional estejam adequadas a essa nova estrutura (GONÇALVES, 2000GONÇALVES, José Ernesto Lima. As empresas são grandes coleções de processos. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 6-19, jan./mar. 2000.).

2.4.4 ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS

Na dimensão “estratégias empresariais”, avaliam-se o processo de escolha e a identificação das estratégias, por parte da alta gerência, assim como a tradução destas em metas que devem ser obtidas no nível tático e operacional da organização. De acordo com Terra (2000)TERRA, José Cláudio Cyrineu. Gestão do conhecimento: o grande desafio empresarial. São Paulo: Negócio Editora, 2000., definir e informar as estratégias da organização para seus participantes não é só uma questão relativa ao processo de tomada de decisões, mas, principalmente, a possibilidade de associação entre o desempenho operacional e os resultados almejados pela empresa. Isso significa um investimento contínuo que abrange o desenvolvimento pessoal e profissional dos empregados e a possibilidade de introdução de novas idéias e tecnologias.

A estratégia pode ser conceituada de diferentes maneiras. De modo geral, as pessoas entendem estratégia como um plano que antecede as ações que deve ser empreendido para que sejam alcançados os propósitos definidos pela organização. Nesse caso, as estratégias são definidas prévia e deliberadamente e de forma consciente, e em consonância com as ações estabelecidas (MINTZBERG, 2001———. QUINN, James B. (Org.) O processo da estratégia. Porto Alegre: Bookman, 2001.).

Para Quinn (1980)QUINN, J. B. Strategies for change: logical incrementalism. Homewood, I11. Richard D. Irwin, 1980., a estratégia pode ser vista como um plano ou um padrão que abrange o conjunto de metas, ações e políticas da organização de maneira coerente. Dessa forma, quando bem formulada, a estratégia pode ser utilizada para ordenar e alocar os recursos em função de um objetivo único, reconhecendo as limitações e enfatizando os pontos fortes da empresa, bem como a dinâmica do ambiente externo e o movimento da concorrência. A essência da estratégia é possibilitar a definição de diretrizes para que a organização defina seu foco, ao mesmo tempo que mantém sua flexibilidade, viabilizando o alcance das metas estabelecidas, em consonância com as variáveis externas.

De modo semelhante, para Andrews (2001)———. QUINN, James B. (Org.) O processo da estratégia. Porto Alegre: Bookman, 2001., estratégia empresarial é um padrão para as decisões de uma organização que estabelece seus objetivos, propósitos e metas e a partir do qual são elaborados os planos para o alcance das metas. Assim, a estratégia empresarial definirá o rumo dos negócios da empresa.

No entendimento de Glueck (2001)———. QUINN, James B. (Org.) O processo da estratégia. Porto Alegre: Bookman, 2001., as estratégias devem ser formuladas e ajustadas levando-se em consideração o monitoramento e a avaliação do ambiente externo. É, portanto, por meio da avaliação estratégica que a empresa deve analisar cuidadosamente suas possibilidades de atuação em função dos fatos e dados e das diversas variáveis intervenientes.

Uma visão mais antagônica é a de que uma organização deve desaprender parte de seu passado para poder desenhar novas estratégias e ampliar suas possibilidades de ser mais competitiva no futuro, dada a necessidade de desenvolver capacidades de previsão dos mercados. Nesse caso, as estratégias devem se fixar em definir metas que ultrapassem os limites e estimulem os empregados a superarem desafios. Dessa forma, seu foco é a alavancagem dos recursos e não simplesmente a alocação destes. As novas estratégias devem favorecer a competição pela liderança das competências essenciais (HAMELE; PRAHALAD, 1997HAMEL, G.; PRAHALAD, C. K. Competindo pelo futuro. Rio de Janeiro: Campus, 1997.).

Hamel e Prahalad (1997)HAMEL, G.; PRAHALAD, C. K. Competindo pelo futuro. Rio de Janeiro: Campus, 1997. argumentam ainda que toda empresa precisa de uma arquitetura estratégica e, para tanto, ela precisa saber quais são as novas funcionalidades que serão oferecidas aos clientes, quais são as competências essenciais requeridas para sua atuação competitiva e como será a prestação de seus serviços. Trata-se de identificar as principais capacidades a serem desenvolvidas e o tipo de estrutura que a empresa deve adotar, com o objetivo de orientar a noção de direção a ser empreendida. Portanto, a arquitetura estratégica deve ser amplamente definida e difundida entre os membros da organização, para possibilitar que sejam compreendidas e valorizadas.

3 METODOLOGIA DA PESQUISA

Esta pesquisa foi realizada com base em um estudo de caso em uma empresa de saúde humana que integra o cluster de biotecnologia da região metropolitana de Belo Horizonte.

Godoy (2005)GODOY, Arilda Schmidt. Refletindo sobre critérios de qualidade da pesquisa qualitativa. Revista Eletrônica de Gestão Organizacional, São Paulo, v. 3, n. 2, p. 86-94, maio/ago. 2005. aponta vários aspectos a serem observados para garantir bons resultados em pesquisa qualitativa. Um deles é exatamente a preocupação em expor a metodologia empregada e o delineamento da pesquisa, permitindo a avaliação dos critérios utilizados pelo pesquisador; um outro aspecto importante é no cuidado com a coleta, organização e armazenamento dos dados com a finalidade de prover maior confiabilidade nos dados e do próprio pesquisador.

A escolha do estudo de caso para a realização de uma pesquisa deve ocorrer, segundo Yin (2001)YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e método. Porto Alegre: Bookman, 2001., em três situações. A primeira quando as questões da pesquisa são do tipo como e por quê. Essas questões estão relacionadas a operações e atividades que vão sendo desenroladas em uma linha de tempo, em vez de serem percebidas como repetições ou incidências. Assim, a definição das questões de pesquisa constitui o ponto central, uma vez que a busca de respostas está diretamente relacionada à investigação. A segunda, quando o pesquisador tem acesso a eventos comportamentais, podendo estes ser considerados fontes de evidência para o estudo; a terceira razão para escolha do estudo de caso está relacionada à contemporaneidade dos eventos estudados, que, nesse caso, são simultâneos à realização da pesquisa.

Além dessas situações, Yin (2001) YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e método. Porto Alegre: Bookman, 2001. também propõe outras cinco aplicações para o estudo de caso como, por exemplo, para descrever uma intervenção e o ambiente ao qual pertence uma organização ou, então, para a exploração de uma situação na qual a intervenção em questão não apresenta um conjunto simples e claro de resultados.

De modo análogo, para Eisenhardt (1989)EISENHARDT, Kathleen M. Building theories from case study research. Standford University. Academy of Management Review, Standford, v. 14, n. 4, 1989., o estudo de caso deve ser entendido como uma estratégia de pesquisa que objetiva compreender o funcionamento de determinado fenômeno inserido em um dado contexto, por meio da análise de um ou mais casos.

Com o objetivo de caracterizar e analisar as razões da mudança e o processo de inovação organizacional, bem como os resultados alcançados a partir desse processo, a opção pela realização de um estudo de caso, como estratégia de pesquisa, parece mais adequada dado que a escolha da unidade empírica recaiu sobre: a) uma organização que passou por um processo singular de mudança e inovação; b) o fato de ser uma importante organização do APL de biotecnologia de Minas Gerais; c) de ser uma organização intensiva em conhecimento; d) de ter experimentado diversas pressões ambientais; e, por último, mas não menos importante, e) pelo fato de tais eventos não poderem ser estudados fora do seu contexto. Some-se a isso a necessidade de recorrer a diversas técnicas de coleta de dados para descrever e analisar tal processo, complexidade essa mais afeita ao estudo de caso.

Como mencionado, a unidade de análise desta pesquisa é uma empresa familiar, de capital fechado, que se dedica ao desenvolvimento, produção e comercialização de produtos para diagnóstico in vitro. A empresa está localizada no que hoje é denominado cluster de biotecnologia de Minas Gerais e conta com uma equipe de 105 empregados, sendo que 25% desse quadro está alocado em pesquisa e desenvolvimento de conhecimentos aplicáveis na atividade-fim da empresa. Fundada em 1971, desenvolve e comercializa produtos de diagnóstico de saúde humana e animal e atua no nicho de kits para diagnóstico de uso in vitro (reagentes) em bioquímica clínica e imunoquímica.

A empresa em estudo atualmente é apontada como uma das primeiras do ranking nacional em seu setor de atuação. Estima-se que a empresa atinja 8 mil clientes de um universo de 12 a 14 mil laboratórios em todo o Brasil. O atendimento a esses clientes é realizado por meio de uma rede de 36 distribuidores. Além disso, a empresa exporta para todos os países da América Latina e América do Norte, com exceção do México.

Em 1998, a empresa iniciou um processo de mudança organizacional, que tinha como objetivo a introdução de ações que possibilitassem, dentre outras coisas, a racionalização dos processos, a transparência do processo decisório e a redefinição da estrutura organizacional. Buscou-se, ainda, evidenciar os resultados econômicos obtidos pela empresa após a introdução das mudanças e eventuais relações do desempenho com o processo de mudança.

Yin (2001)YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e método. Porto Alegre: Bookman, 2001. destaca ainda como as principais fontes de evidência de um estudo de casos: as entrevistas, os arquivos, os documentos, a observação e os artefatos físicos. Nesse estudo, os principais instrumentos utilizados na coleta de dados, consoante com a proposta de estudo de caso, foram os documentos e arquivos, as entrevistas semi-estruturadas e a observação.

Entre os arquivos e documentos incluíram-se relatórios de diagnóstico organizacional elaborado por consultoria externa, projetos desenvolvidos pela empresa, relatórios de consultoria, manuais de políticas internas, pesquisas de mercado e de clima organizacional e matérias publicadas na mídia e outros documentos a respeito de eventos passados.

As entrevistas semi-estruturadas basearam-se nos seguintes eixos: a) como e por que a empresa implementou o processo de mudança organizacional planejada; b) como as mudanças foram realizadas; e c) quais foram os resultados alcançados. A partir desses eixos foi desenvolvido o roteiro de entrevista. Foram realizadas 11 entrevistas, separadas em dois grupos distintos de dirigentes e funcionários, a saber: a) o primeiro grupo de cinco pessoas contava com mais de sete anos de empresa, tendo vivenciado todo o processo de mudança implementado, sendo que alguns ainda atuam nas mesmas áreas, enquanto outros foram remanejados; b) o segundo grupo, também, de cinco pessoas estava na empresa há, no máximo, três anos, tendo iniciado suas atividades com o processo de mudança em curso. Uma outra entrevista foi realizada com a consultora externa que trabalhou desde o início no processo de mudança na empresa. Por último, como técnica de coleta de dados também foi utilizada a observação participante, dado que um dos pesquisadores vivencia as atividades da organização.

As múltiplas fontes de evidências são fundamentais na análise de dados de um estudo de caso, principalmente, pela necessidade de triangulação de dados. Esta permite alcançar “[...] a máxima amplitude na descrição, explicação e compreensão do objeto da pesquisa” (TRIVINÕS, 1997, p. 138). Nessa mesma linha, Jick (1979)JICK, Todd D. Mixing qualitative and quantitative methods: triangulation in action. Administrative Science Quartely. Cornell University, v. 24, 1979. aponta que a triangulação aumenta a confiabilidade dos dados e potencializa o que os antropólogos chamam de “trabalho holístico”. Assim, em vários momentos foi possível o exercício da triangulação de dados, mormente, ao se comparar os dados provenientes de funcionários mais antigos que passaram por todo o processo de mudança e outros que chegaram na empresa no decorrer do processo. Além disso, outras triangulações foram feitas a partir do olhar externo da consultoria (entrevistas e relatórios) comparados com a visão dos próprios funcionários da organização.

Na análise de conteúdo dos dados, como em qualquer pesquisa qualitativa, procurou-se evidenciar as ocorrências convergentes provendo maior confiabilidade das informações cruzando-se dados das diversas fontes utilizadas, procurando-se destacar aqueles aspectos encontrados a partir da triangulação.

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1 O CENÁRIO DO PROCESSO DE MUDANÇA NA ORGANIZAÇÃO

A Ágape1 1 Com vistas à preservação da identidade da empresa pesquisada, doravante a mesma será denominada “Ágape”. , desde o início de suas atividades, se caracterizou como uma empresa inovadora, preocupada em atender às necessidades do mercado, privilegiando, sempre, a qualidade do produto. A empresa é reconhecida tanto por seus clientes quanto pelos seus concorrentes, pelo fato de manter presente em todos os seus processos, desde a aquisição até a prestação de serviços, um rígido controle da qualidade de insumos. Esse atributo, reconhecido pelo mercado, é igualmente partilhado pelo conjunto dos colaboradores2 2 Pesquisa de clima organizacional, realizada em 2002, aponta a qualidade do produto em primeira colocação entre as 18 dimensões avaliadas, segundo o relatório estatístico e o relatório da consultoria independente que conduziu a pesquisa. .

No cenário que se formou a partir da ocorrência de fenômenos, como a globalização e a abertura comercial, surgiram sérias dificuldades para as operações da Ágape. Apesar de serem detectadas oportunidades em função de algumas mudanças no ambiente de negócios, havia também diversas ameaças e interferências negativas provocadas por esse mesmo cenário. A empresa encontrava-se despreparada para detectar quais mudanças a impactavam, como isso ocorria e quais mudanças deveriam ser propostas no sentido de viabilizar sua permanência no mercado.

Assim, no contexto dos fatores internos e externos que influenciavam a empresa, pode-se inferir que o processo de mudança originou-se da associação entre esses fatores que demandavam a introdução de mudanças urgentes e planejadas, capazes de alterar a dinâmica dos processos de cognição e de ação até então existentes na Ágape, como uma estratégia de sobrevivência.

Embora tenha sido uma empresa inovadora em um passado recente, a Ágape vinha apresentando sinais de uma crescente e perigosa acomodação em todos os seus processos. Alguns dados indicavam que a redução do seu market share sinalizava claramente para a necessidade de introduzir mudanças, inclusive estruturais. Podia-se observar que algumas questões de relevo não recebiam a importância devida dentro da empresa, tais como novas necessidades e demandas do mercado e maior agilidade nesse atendimento. Aparentemente, a empresa se fechou e se acomodou tanto em seu sucesso, que criou barreiras para a inovação de sua linha de produtos, seja por meio do desenvolvimento interno, seja por meio de outras formas de aumento de sua linha de produtos.

Além disso, a acomodação impedia a direção da empresa de vislumbrar os movimentos que ocorriam no mercado, não só em relação ao comportamento dos clientes e suas necessidades, desejos e demandas, mas especialmente em relação ao comportamento dos concorrentes, suas estratégias e ações de marketing, lançamento de produtos e perfil de clientes.

Embora com posição confortável no ranking do mercado na década de 1990, havia na empresa a percepção de alguns membros da direção e, principalmente, por parte do presidente, de que mais cedo ou mais tarde essa situação pode-ria se reverter, uma vez que determinadas condições internas não mais se mostravam adequadas (conhecimento técnico, perfil profissional, capital intelectual, dentre outros) para a inovação dos processos e o desenvolvimento de estratégias mais adequadas para dar sustentação à posição que a empresa havia conquistado junto ao mercado (market share) e ao crescimento desejado. Ou seja, a direção comungava da visão de que a linha de crescimento da empresa continuaria ascendente, desde que fossem implantadas novas e diferentes políticas de atuação e diretrizes mais ousadas, que possibilitassem não apenas a manutenção da situação já conquistada, mas, principalmente, sua sustentação no futuro.

A principal dificuldade identificada parecia ser uma valorização excessiva da qualidade dos produtos, em detrimento do desenvolvimento de uma cultura mais orientada para o mercado, a esta altura, imprescindível diante da alteração da realidade do ambiente de negócios.

O cenário que se configurava internamente, àquela época, era bastante restritivo, pois a empresa não oferecia ao mercado nenhuma novidade tecnológica de grande porte desde 1988; sua linha de produtos era a mesma e não se podia observar sequer a introdução de melhorias técnicas nos produtos já existentes.

A falta de inovação não afetava apenas os quesitos relacionados à tecnologia de produtos, prestação de serviços ou atendimento ao mercado. Ela impactava, também, a gestão das pessoas, visto que os processos internos relacionados à gestão de recursos humanos reproduziam apenas as tarefas formais, em que eram resguardados os direitos e deveres das partes, empresa e empregado.

Além disso, a ausência de políticas de gestão organizacional podia ainda ser considerada como um fator relevante para a falta de inovação e gerador da necessidade de mudança organizacional. Dentre os problemas identificados, podemos citar, por exemplo, a não utilização de um processo sistematizado para o recrutamento e a seleção de pessoas, principalmente aquelas que deveriam ocupar cargos estratégicos; o baixo nível de conhecimento dos empregados sobre as possibilidades de promoção e aumentos salariais e mesmo a inexistência de critérios claros; a falta de um sistema de gestão de responsabilidades, em face de resultados negativos.

Em síntese, pode-se dizer que os fatores externos e internos que levaram a Ágape a empreender o seu processo de mudança foram basicamente os seguintes:

  • a) Externos:

    • demanda do mercado por inovações em produtos e processos;

    • aumento da concorrência;

    • incremento do processo de automação dos laboratórios.

  • b) Internos:

    • necessidade de acelerar o processo de inovação de produtos e processos;

    • busca por padrões mais elevados de gerenciamento;

    • necessidade de implementar ferramentas de gestão de pessoas;

    • necessidade de aumentar o capital intelectual;

    • preparação da empresa para um processo de crescimento sustentado.

4.2 O PROCESSO DE MUDANÇA E AS PRINCIPAIS RECOMENDAÇÕES

Após análise dos fatores internos e externos que ativaram o processo de mudança, passa-se agora à análise de como o processo foi conduzido. Conscientizada a empresa de que havia a necessidade de se iniciar um processo de mudança planejada, fez-se uma avaliação no mercado para a contratação de uma consultoria externa que conduziria o processo de mudança organizacional.

O processo de mudança obedeceu às seguintes etapas:

  1. elaboração da análise diagnóstica;

  2. análise e discussão dos resultados do diagnóstico; e

  3. implementação das ações.

O diagnóstico realizado, cujas constatações foram mencionadas anteriormente, apontou algumas recomendações para que o processo de mudança pudesse efetivamente começar, quais sejam: a) alterar a estrutura vigente, buscando-se uma estrutura mais enxuta e ágil, bem como a implantação do manual de organização da empresa; b) proporcionar maior autonomia aos gerentes da empresa; c) implantar a gestão por processos; d) enfatizar a gestão de pessoas; e e) conduzir um processo de planejamento, com participação e comprometimento das pessoas no processo decisório. A partir daí, a Ágape concentrou fortemente seus esforços no sentido de implementar as mudanças necessárias.

No plano da gestão de recursos humanos, essas estratégias e ações se concentravam em seis eixos essenciais, que foram os seguintes: a) elevar, rapidamente, o capital intelectual dos funcionários da empresa; b) ampliar as oportunidades de carreira; c) intervir na cultura organizacional; d) renovar o quadro gerencial e os ocupantes de cargos estratégicos; e) estimular o aumento da escolaridade; e f) implementar, na estrutura organizacional da empresa, uma área efetiva para a função de gestão das pessoas.

Isso é tão mais significativo na consideração de recente pesquisa no APL de biotecnologia de Minas Gerais, cujos dados evidenciaram, contraditoriamente, o limitado papel da área de recursos humanos das empresas. Dentre outros aspectos, observou-se que a área de recursos humanos não tem sido decisiva, por exemplo, para a gestão e consolidação de competências organizacionais, em um setor que prima por ser intensivo em conhecimento, ou seja, a função e o papel da área de gestão de pessoas parece ser ainda algo distante entre as empresas do APL (SILVA; CASTRO; VITORINO, 2006SILVA, Sandro Márcio; CASTRO, José Márcio de; VITORINO, Patrícia Sá. A gestão das competências organizacionais nas empresas do APL de Biotecnologia da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Relatório de Pesquisa. Belo Horizonte: PUC-Minas, 2006.).

No plano da inovação, foram empreendidos esforços na preparação da empresa para as mudanças em seu processo produtivo, tais como identificação de fornecedores de analisadores automáticos, ampliação do mix dos produtos existentes, aprimoramento dos sistemas de informações e treinamento do pessoal em tecnologias da informação. No plano comercial, as mudanças mais importantes visavam preparar a empresa para um processo de exportação, reduzir a distância para o mercado interno e melhorar o sistema de distribuição dos produtos.

No plano dos processos, foram implementadas práticas que visavam à redução de custos, um planejamento mais adequado das atividades de rotina e a melhoria do sistema de logística interna. Finalmente, no plano da gestão, o foco da estratégia foi no sentido de ampliar as competências gerenciais, buscar parcerias estratégicas, aprimorar o sistema societário e buscar maior visibilidade da imagem da empresa no mercado.

O processo de mudança estruturava-se em torno do plano de ação proposto pelo grupo responsável, validado pela alta direção e priorizado com base na análise de futuro da Ágape, que envolvia gerentes, supervisores e colaboradores estratégicos, durante as entrevistas realizadas pela consultoria e com o diagnóstico por ela elaborado.

A discussão e a conseqüente elaboração desse plano de ação permitiram o compartilhamento do conhecimento dos problemas e das dificuldades por várias pessoas da empresa, ocorrendo, assim, o nivelamento ao estágio inicial e o pretendido, gerando a segurança de que todos conheceriam os problemas, as dificuldades, suas causas e conseqüências.

O conjunto dessas ações formou o Plano Diretor de Mudança, que era, na verdade, um plano estratégico estabelecido de forma participativa e direcionado para se buscar o crescimento sustentável da Ágape. Tendo em vista a metodologia adotada para a implantação do processo de mudança, os projetos componentes do Plano Diretor foram todos desenvolvidos por grupos de trabalho, envolvendo pessoas de diferentes áreas, tornando possível, dessa forma, a participação e a atuação dos envolvidos na concepção e implantação de mudanças. Tal conduta viabilizou, desse modo, uma visão mais global e o entendimento do impacto das mudanças em todas as áreas. Assim, foram definidas rotas que desencadearam um processo contínuo de mudança.

O processo de mudança organizacional da Ágape pode ser dividido em dois períodos. O primeiro teve início em 1998, e o segundo, iniciado em 2002, segue até hoje. Resta claro que o segundo período é uma conseqüência do primeiro, visto que as ações e projetos desenvolvidos para aquele seriam totalmente ineficazes caso não tivessem sido implementadas as alterações do primeiro estágio.

A primeira etapa é percebida na Ágape como uma “arrumação da casa”, necessária para o início de transformação da cultura em vigor, de processos, para a cultura de mercado. Essa principal transformação pode ser vista como o pilar de sustentação para a introdução de uma nova visão de mercado, gerando, assim, o fortalecimento de áreas core da empresa, em conjunto com o desenvolvimento de novas estratégias organizacionais e de ações de marketing mais bem fundamentadas e o estreitamento das relações com distribuidores, dentre outras.

Pelo que se depreende das entrevistas, as ações implementadas, tanto no primeiro como no segundo período do processo de mudança organizacional, foram consideradas determinantes para a retomada do processo de renovação da organização. Incluem-se aí a inovação em sua linha de produtos e serviços, o aumento do portfolio de produtos, a adoção de uma gestão estratégica para todas as áreas da empresa, que contribuíram para o crescimento da organização.

Na avaliação do processo de mudança, algum tempo depois, era perceptível que, rapidamente, os empregados mais antigos começaram a enxergar as mudanças pela maneira como a empresa conduzia suas relações internas. Os mais novos, muitas vezes, se surpreendiam com a condução, pela empresa, dos processos de gestão de pessoas. Da pesquisa realizada, pode-se inferir que as mudanças introduzidas trouxeram melhorias para o processo decisorio, visto que a autonomia das pessoas tornou-se maior. Percebe-se também que os empregados passaram a se comprometer mais efetivamente com as suas atividades e os resultados alcançados.

As principais modificações decorrentes do processo de mudança dizem respeito a:

QUADRO 1
SÍNTESE DOS PRINCIPAIS RESULTADOS DO PROCESSO DE MUDANÇA

Pode-se verificar, por meio dos dados da pesquisa, que a empresa ainda apresenta algumas dificuldades de comunicação, apesar de a estrutura organizacional proposta na mudança privilegiar mecanismos de comunicação vertical, horizontal e diagonal. Essas dificuldades de comunicação podem ser justificadas pela má utilização dos mecanismos propostos não só pela estrutura, mas também pelo processo de mudança como um todo.

Um aspecto positivo identificado pela pesquisa diz respeito à estrutura organizacional e refere-se ao aumento da integração entre as áreas. A ampliação dos conhecimentos das pessoas acerca dos processos de trabalho e do fluxo das atividades gerou inúmeros benefícios para a organização, dentre os quais o mais importante parece ter sido a agilização do processo decisório.

Atualmente, as pessoas percebem a equipe da Ágape mais coesa e mais preocupada com o planejamento de suas atividades. A pesquisa de campo evidenciou ainda uma mudança importante na percepção das pessoas sobre as estratégias empresariais, visto que elas passaram a participar de sua elaboração. A Ágape começou a fundamentar suas ações em diretrizes organizacionais previamente definidas, bem como em informações que funcionassem como um pilar de sustentação. Em virtude da pesquisa realizada, pode-se inferir que a empresa passou a atuar de forma mais agressiva no mercado e aumentou os investimentos em sua imagem e em sua marca. Percebe-se que a empresa adotou valores mais associados à competição e ao dinamismo do mercado, no sentido de buscar atender às demandas e necessidades deste, sem desconsiderar o rigor metodológico e a confiabilidade científica que é um valor central da empresa.

5 CONCLUSÕES

A pesquisa realizada na Ágape mostrou que um dos resultados mais significativos do processo de mudança implementado se relaciona com a forma de condução do processo de mudança. Percebe-se claramente e, essa é também uma das falas mais reincidentes das entrevistas, que as pessoas se mostraram mais conscientes, seja em relação aos processos sob sua responsabilidade, seja em relação às decisões adotadas. Esse comportamento muito provavelmente decorre da maior participação dos empregados no processo de planejamento, na definição das estratégias, objetivos e metas que fundamentam o processo decisório. Como afirma Lodi (1986)LODI, João Bosco. A empresa familiar. São Paulo: Pioneira, 1986., o processo de mudança deve possibilitar o surgimento de uma nova empresa, mais madura, mas também comprometida com os valores que construiu ao longo do tempo, e não, simplesmente, a criação de uma organização totalmente diferente daquela que ela pretendia ser.

O que se percebeu, no caso da Ágape, foi uma maior profissionalização de seu quadro gerencial e dos cargos estratégicos, e, embora com características familiares, a empresa caminhou no sentido de separar, ao menos em alguns cargos, a propriedade e a gestão.

As alterações introduzidas nas quatro dimensões organizacionais (estratégia, estrutura, pessoas e processos) demonstram que as mudanças viabilizaram ações importantes nos pontos-chave estabelecidos pela alta administração desde o início do processo. As inovações organizacionais ocorreram priorizando o core business da empresa, que se apresenta mais preparada para realizar as alterações necessárias à geração de vantagens ou diferenciais competitivos.

Outras alterações decorrentes do processo de mudança no desempenho da empresa dizem respeito à cultura organizacional. As mudanças observadas, mesmo que lentas, encaminharam a empresa para um foco mais voltado para o mercado. As mudanças na cultura parecem sustentadas especialmente pelas alterações introduzidas na filosofia e nos processos de gestão das pessoas, que produziram efeitos sobre as condições de trabalho, de carreira e as possibilidades de desenvolvimento dos empregados da empresa.

Oliveira (1999)———; CALDAS, Miguel P. Transformação e realidade organizacional: uma perspectiva brasileira. São Paulo: Atlas, 1999. menciona alguns ganhos decorrentes de processos de mudança organizacional planejada por uma empresa familiar, quais sejam: o incremento das receitas, a diferenciação de produtos, maior agilidade e precisão na relação com os clientes, redução de custos e melhoria das relações com fornecedores. Essas melhorias foram observadas na Ágape, embora não se possa indiscriminadamente associá-las unicamente ao processo de inovação empreendido na empresa, dado que outras variáveis também exercem influências sobre tais processos.

É possível concluir, a partir do caso estudado, que a decisão de reestruturação organizacional parece ter sido adequada. Os resultados obtidos até o momento indicam que as estratégias implementadas estão conduzindo a empresa para um maior patamar de competitividade no mercado, ao permitir maior ênfase em um processo permanente de investimento em tecnologias que lhe garanta inovação e na adoção de estruturas mais flexíveis e também maior ênfase na gestão de pessoas. A mudança, assim, parece ser percebida como um processo, mais do que como um estágio temporário.

Os dados da pesquisa indicam que a empresa obteve ganhos importantes com a implantação do processo de mudança organizacional planejada. Não seria correto afirmar, contudo, que todas as ações empreendidas foram bem-sucedidas. Todavia, na maior parte das vezes, as alterações experimentadas trouxeram muitos benefícios para a empresa, principalmente no que se refere às dimensões gestão de pessoas e estratégias empresariais. Da pesquisa, também se apurou a ausência de perdas para a empresa, decorrência considerada natural durante a implantação de um processo de mudança. Pelo contrário, há indicativos de que, se essas perdas ocorreram, elas são intrínsecas ao processo. Pode-se atribuir esse resultado à forma como o processo foi implementado, buscando a participação de todas as pessoas necessárias, estabelecendo um planejamento das ações, avaliando os riscos e as conseqüências que delas poderiam decorrer.

Uma outra conseqüência da metodologia escolhida para a mudança, sem recorrer a um modelo rígido, é que as correções necessárias e a introdução de novas ações foram acontecendo no decorrer do processo e, ao final, verificaram-se etapas que também podem ser vistas como saltos de inovação e mudança.

Como conseqüência das duas primeiras etapas da mudança já implantadas, foram desenvolvidos novos projetos relacionados à capacitação da liderança e gestão de pessoas, com o objetivo de gerar o conhecimento necessário para o crescimento sustentável da organização.

Finalizando, atualmente, como decorrência do processo de mudança, a organização investe no desenvolvimento de um modelo de liderança que contempla os valores centrais da empresa, o desenvolvimento do sistema de gestão e avaliação por competências, a implantação de uma estrutura organizacional mais alinhada às estratégias empresariais. Ressalte-se, também, o investimento no desenvolvimento de ações de comunicação integrada, cujo objetivo é a implantação de ferramentas de comunicação interna, com o mercado e institucional, como forma de maximizar a exposição da marca e o relacionamento com o cliente e com o público interno.

  • 1
    Com vistas à preservação da identidade da empresa pesquisada, doravante a mesma será denominada “Ágape”.
  • 2
    Pesquisa de clima organizacional, realizada em 2002, aponta a qualidade do produto em primeira colocação entre as 18 dimensões avaliadas, segundo o relatório estatístico e o relatório da consultoria independente que conduziu a pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2006

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2005
  • Aceito
    07 Jun 2006
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