Resumos
Análises de necessidades de treinamento (ANTs), apesar de importantes, têm sido realizadas de modo pouco sistemático em ambientes organizacionais. A análise da literatura mostra que a produção intelectual nessa área está restrita a análises nos níveis do indivíduo e das tarefas, com poucas pesquisas enfocando necessidades em níveis mais abrangentes como grupos, equipes ou macroprocessos organizacionais. De modo geral, as abordagens de análise de necessidades ainda estão focadas em cargos ou nas estruturas organizacionais rígidas, estáticas, burocráticas (departamentos, divisões etc.). Essa característica torna a ANT anacrônica e pouco útil, pois não capta novos arranjos organizacionais como arquiteturas matriciais, organização em rede, organizações virtuais ou novas configurações dos trabalhos humanos. Esse caráter dinâmico implica uma mudança no caráter da ANT, para uma abordagem mais prospectiva, voltada à aprendizagem de habilidades complexas e de alta volatilidade. Este ensaio teórico objetiva rever a literatura da área e propor um modelo de diagnóstico de necessidades de treinamento baseado em taxonomia de resultados de aprendizagem e com foco em diversos níveis de análise. O modelo de ANT proposto deriva de um conjunto de resultados de pesquisas empíricas e vai além da análise de tarefas e de pessoas, incluindo também o nível organizacional e de grupo. A aplicação deste modelo permite fornecer as informações necessárias ao desenho de situações de aprendizagem e de treinamento que possam promover o desenvolvimento de complexas competências valorizadas pelo mundo do trabalho, cujo desenvolvimento requer ações educacionais variadas, currículos e programas de aprendizagem contínua e de educação permanente (ao longo de toda a vida). Nesse sentido, o modelo proposto permite que seja feito um elo entre os estudos empíricos sobre o tema e a sua aplicação prática em organizações de trabalho.
Treinamento; Competências; Análise de necessidades de treinamento; Educação corporativa; Proposição de modelo
Analysis of training needs, while important, have been held so little systematic organizational environments. The literature review shows that the intellectual production in this area is restricted to analysis of individual levels and tasks, with little research focusing on needs for more comprehensive levels such as groups, teams or organizational macro. In general, approaches to needs analysis has been focused on positions or organizational structures rigid, static, bureaucratic (departments, divisions etc.). This characteristic makes the ANT anachronistic and unhelpful, because it makes new organizational arrangements such as matrix architectures, networking, virtual organizations or new configurations of human works. This dynamic nature requires a change in the character of ANT to a more forward looking approach, focused on the learning of complex skills and high volatility. This theoretical paper aims to review the literature and propose a diagnostic model of training needs based on taxonomy of learning outcomes and focus on different levels of analysis. The proposed model of ANT derives a set of results from empirical research and goes beyond the analysis of tasks and people, also including the organizational level and group. The application of this model can provide the information necessary to the design of learning situations and training that can promote the development of complex skills valued by the workers, whose development requires actions varied educational, curriculum and programs for continuous learning and continuing education (throughout life). In this sense, the proposed model allows it to be made a link between the empirical studies on the subject and its practical application in work organizations.
Training; Skills; Analysis training needs; Proposition model; Corporate education
El análisis de las necesidades de formación, si bien son importantes, se han realizado tan pocos entornos de organización sistemática. La revisión de la literatura muestra que la producción intelectual en este ámbito se limita al análisis de los niveles individuales y las tareas, con poca investigación se centra en las necesidades de niveles más amplio, como los grupos, equipos o macro de la organización. En general, los métodos de análisis de necesidades se ha centrado en las posiciones o las estructuras organizativas rígidas, estáticas, burocrático (departamentos, divisiones etc.). Esta característica hace que la ANT anacrónica e inútil, porque hace un nuevo régimen de organización como las arquitecturas de la matriz, la creación de redes, las organizaciones virtuales o nuevas configuraciones de las obras humanas. Esta naturaleza dinámica requiere un cambio en el carácter de ANT para un enfoque más hacia el futuro, centrado en el aprendizaje de habilidades complejas y de alta volatilidad. Este estudio teórico tiene como objetivo revisar la literatura y proponer un modelo de diagnóstico de necesidades de formación basado en la taxonomía de los resultados del aprendizaje y se centran en los diferentes niveles de análisis. El modelo propuesto de la ANT se deriva un conjunto de resultados de la investigación empírica y va más allá del análisis de las tareas y las personas, incluyendo también el nivel de organización y de grupo. La aplicación de este modelo puede proporcionar la información necesaria para el diseño de situaciones de aprendizaje y formación que puedan promover el desarrollo de habilidades complejas valorado por los trabajadores, cuyo desarrollo requiere de acciones variadas plan de estudios, y programas para el aprendizaje permanente y la educación permanente (durante toda la vida). En este sentido, el modelo propuesto permite realizar un enlace entre los estudios empíricos sobre el tema y su aplicación práctica en las organizaciones laborales.
Formación; Capacitación; Análisis de necesidades de capacitación; Educación corporativa; Proponiendo un modelo
GESTÃO DE PESSOAS
Avaliação de necessidades de TD&E: proposição de um novo modelo
Needs assessment TD&E: proposal of a new model
Evaluación de las necesidades de TD&E: propuesta de un nuevo modelo
Gardênia Da Silva AbbadI; Luciana MourãoII
IDoutora em Psicologia Social e do Trabalho pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da Universidade de Brasília. Campus Universitário Darcy Ribeiro ICC Sul, Asa Norte, Brasília DF Brasil CEP 70910-900. E-mail: gardenia.abbad@gmail.com
IIDoutora em Psicologia Social e do Trabalho pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Salgado de Oliveira (Universo). Rua Marechal Deodoro, 263, 2º andar, Centro, Niterói RJ Brasil CEP 24030-060. E-mail: mourão.luciana@gmail.com
RESUMO
Análises de necessidades de treinamento (ANTs), apesar de importantes, têm sido realizadas de modo pouco sistemático em ambientes organizacionais. A análise da literatura mostra que a produção intelectual nessa área está restrita a análises nos níveis do indivíduo e das tarefas, com poucas pesquisas enfocando necessidades em níveis mais abrangentes como grupos, equipes ou macroprocessos organizacionais. De modo geral, as abordagens de análise de necessidades ainda estão focadas em cargos ou nas estruturas organizacionais rígidas, estáticas, burocráticas (departamentos, divisões etc.). Essa característica torna a ANT anacrônica e pouco útil, pois não capta novos arranjos organizacionais como arquiteturas matriciais, organização em rede, organizações virtuais ou novas configurações dos trabalhos humanos. Esse caráter dinâmico implica uma mudança no caráter da ANT, para uma abordagem mais prospectiva, voltada à aprendizagem de habilidades complexas e de alta volatilidade. Este ensaio teórico objetiva rever a literatura da área e propor um modelo de diagnóstico de necessidades de treinamento baseado em taxonomia de resultados de aprendizagem e com foco em diversos níveis de análise. O modelo de ANT proposto deriva de um conjunto de resultados de pesquisas empíricas e vai além da análise de tarefas e de pessoas, incluindo também o nível organizacional e de grupo. A aplicação deste modelo permite fornecer as informações necessárias ao desenho de situações de aprendizagem e de treinamento que possam promover o desenvolvimento de complexas competências valorizadas pelo mundo do trabalho, cujo desenvolvimento requer ações educacionais variadas, currículos e programas de aprendizagem contínua e de educação permanente (ao longo de toda a vida). Nesse sentido, o modelo proposto permite que seja feito um elo entre os estudos empíricos sobre o tema e a sua aplicação prática em organizações de trabalho.
Palavras-chave: Treinamento; Competências; Análise de necessidades de treinamento; Educação corporativa; Proposição de modelo.
ABSTRACT
Analysis of training needs, while important, have been held so little systematic organizational environments. The literature review shows that the intellectual production in this area is restricted to analysis of individual levels and tasks, with little research focusing on needs for more comprehensive levels such as groups, teams or organizational macro. In general, approaches to needs analysis has been focused on positions or organizational structures rigid, static, bureaucratic (departments, divisions etc.). This characteristic makes the ANT anachronistic and unhelpful, because it makes new organizational arrangements such as matrix architectures, networking, virtual organizations or new configurations of human works. This dynamic nature requires a change in the character of ANT to a more forward looking approach, focused on the learning of complex skills and high volatility. This theoretical paper aims to review the literature and propose a diagnostic model of training needs based on taxonomy of learning outcomes and focus on different levels of analysis. The proposed model of ANT derives a set of results from empirical research and goes beyond the analysis of tasks and people, also including the organizational level and group. The application of this model can provide the information necessary to the design of learning situations and training that can promote the development of complex skills valued by the workers, whose development requires actions varied educational, curriculum and programs for continuous learning and continuing education (throughout life). In this sense, the proposed model allows it to be made a link between the empirical studies on the subject and its practical application in work organizations.
Keywords: Training; Skills; Analysis training needs; Proposition model; Corporate education.
RESUMEN
El análisis de las necesidades de formación, si bien son importantes, se han realizado tan pocos entornos de organización sistemática. La revisión de la literatura muestra que la producción intelectual en este ámbito se limita al análisis de los niveles individuales y las tareas, con poca investigación se centra en las necesidades de niveles más amplio, como los grupos, equipos o macro de la organización. En general, los métodos de análisis de necesidades se ha centrado en las posiciones o las estructuras organizativas rígidas, estáticas, burocrático (departamentos, divisiones etc.). Esta característica hace que la ANT anacrónica e inútil, porque hace un nuevo régimen de organización como las arquitecturas de la matriz, la creación de redes, las organizaciones virtuales o nuevas configuraciones de las obras humanas. Esta naturaleza dinámica requiere un cambio en el carácter de ANT para un enfoque más hacia el futuro, centrado en el aprendizaje de habilidades complejas y de alta volatilidad. Este estudio teórico tiene como objetivo revisar la literatura y proponer un modelo de diagnóstico de necesidades de formación basado en la taxonomía de los resultados del aprendizaje y se centran en los diferentes niveles de análisis. El modelo propuesto de la ANT se deriva un conjunto de resultados de la investigación empírica y va más allá del análisis de las tareas y las personas, incluyendo también el nivel de organización y de grupo. La aplicación de este modelo puede proporcionar la información necesaria para el diseño de situaciones de aprendizaje y formación que puedan promover el desarrollo de habilidades complejas valorado por los trabajadores, cuyo desarrollo requiere de acciones variadas plan de estudios, y programas para el aprendizaje permanente y la educación permanente (durante toda la vida). En este sentido, el modelo propuesto permite realizar un enlace entre los estudios empíricos sobre el tema y su aplicación práctica en las organizaciones laborales.
Palabras clave: Formación; Capacitación; Análisis de necesidades de capacitación; Educación corporativa; Proponiendo un modelo.
1 INTRODUÇÃO
O incremento do conhecimento organizacional tem sido considerado um indicador de Aprendizagem Organizacional e está baseado na aquisição de conhecimentos dos funcionários e na mudança e institucionalização de processos na organização (ANTONELLO; GODOY, 2010). A análise de necessidades de treinamento (ANT) é considerada pelos profissionais e pesquisadores da área um dos componentes mais importantes do sistema de educação corporativa, uma vez que o sucesso das demais atividades (planejamento, execução e avaliação de Treinamento, Desenvolvimento e Educação TD&E) depende fortemente da qualidade das informações geradas pela avaliação de necessidades. Os levantamentos realizados em organizações, entretanto, não têm facilitado o planejamento de situações de aprendizagem, por produzirem diagnósticos imprecisos, não alinhados a estratégias organizacionais e/ou não classificáveis de acordo com taxonomias de objetivos educacionais, tão valiosas nas fases subsequentes de desenho instrucional e avaliação de treinamento. A fragilidade das análises de necessidade de treinamento são apontadas por autores como Salas e Cannon-Bowers (2001), Aguinis e Kraiger (2009) e Campos, Barduchi, Marques, Santos e Becker (2004).
A ANT exerce influência decisiva sobre a efetividade de cursos oferecidos por organizações ao seu público-alvo. Essa avaliação, se bem realizada, define com clareza e precisão os conhecimentos, as habilidades e as atitudes que se deseja desenvolver nos participantes das ações educacionais. Também permite a construção de desenhos instrucionais compatíveis com as expectativas, necessidades e contextos do público-alvo. Por outro lado, avaliações de necessidades pouco eficazes podem levar a organização a oferecer cursos teóricos para pessoas que necessitam desenvolver habilidades práticas ou treinamentos para indivíduos quando deveria oferecer para grupos.
Avaliações de necessidades objetivam, pois, diagnosticar ou prognosticar necessidades de TD&E, de modo que elas, transformadas em objetivos educacionais, facilitem o desenho de situações de aprendizagem para desenvolvê-las. Entretanto, é preciso compreender que as necessidades relativas aos indivíduos, grupos/equipes e organizações não são idênticas, devendo ser descritas sob a forma de competências. Segundo essa visão, necessidades de TD&E podem ser definidas em múltiplos níveis de análise: macro (organização), meso (grupos e equipes) e micro (indivíduos), seguindo a articulação entre os níveis individual, grupal e organizacional da aprendizagem que vem sendo discutida na atualidade (BIDO; GODOY; ARAUJO; LOUBACK, 2010).
Portanto, uma avaliação de necessidades além da descrição de lacunas em Conhecimentos, Habilidades e Atitudes (CHAs), componentes básicos das competências, objetiva a descrição do perfil do público-alvo e de seus contextos para o fim de desenvolvimento das estratégias instrucionais. Essas informações são muito úteis quando o profissional de TD&E tiver que escolher a modalidade de ensino, métodos e estratégias instrucionais, mídias e demais recursos de apoio aos aprendizes. Mas, afinal, como são definidas as necessidades educacionais? Em que o conceito de necessidades está relacionado com objetivos educacionais e planejamento instrucional?
Necessidades de treinamento são descrições de lacunas nas competências humanas voltadas geralmente para o trabalho. Necessidades educacionais não são tópicos, temas, conteúdos, domínios, áreas de conhecimento ou de atuação profissional, como têm sido definidas por profissionais que realizam levantamentos de necessidades, mediante aplicação de "cardápios" contendo listas de nomes de cursos ou de conteúdos. No nível do indivíduo, necessidades de treinamento são descrições de hiatos nas competências ou lacunas nos repertórios de conhecimentos, habilidades e atitudes das pessoas. As análises objetivam diagnosticar e, nas abordagens mais recentes, prognosticar necessidades, de modo que estas, transformadas em objetivos instrucionais, possibilitem o desenho de ações educacionais para saná-las. As necessidades educacionais, se redigidas na forma de descrições de lacunas nos conhecimentos, habilidades e/ou atitudes, referem-se a ações humanas requeridas pela sociedade nas diversas esferas de vida do indivíduo: pessoal (conjugal, familiar) e profissional (trabalho, carreira etc.) e societal (vida sindical, participação em programas sociais etc.).
Tem havido um interesse crescente sobre a aprendizagem humana no trabalho e os seus resultados (BORGES-FERREIRA; ABBAD, 2009; MOURÃO; MARINS, 2010). Porém, é preciso considerar que esse processo se inicia com um diagnóstico adequado das necessidades de treinamento, que é um dos aspectos cruciais do Sistema de Treinamento e que carece de mais pesquisas, mais experiências no âmbito das organizações e também de revisões que permitam avanços no tema.
Considerando este cenário, foi desenvolvido o ensaio teórico, cuja busca de artigos sobre análise de necessidades de treinamento foi realizada principalmente a partir de revisões de literatura sobre T&D, publicadas no Annual Review of Psychology (LATHAM, 1988; TANNENBAUM; YUKL, 1992; SALAS; CANNON-BOWERS, 2001; AGUINIS; KRAIGER, 2009) e revisões publicadas em revistas científicas brasileiras (FERREIRA, 2009; MENESES; ZERBINI, 2009). A respeito de avaliação multinível, foram consultados principalmente dois textos, o de Ostroff e Ford (1989) e o de Koslowski, Brown e Weissbein (2000). Foram também realizadas buscas nas seguintes bases de dados: Web of Science, Ovid, EBSCO e Proquest e nas revistas Journal of Applied Psychology e Personnel Pshychology, no portal Scielo e no Banco de Teses e Dissertações do IBICT. Os critérios de busca estabelecidos exigiam que os artigos fossem acadêmicos e publicados em revistas com avaliação por pares.
A análise de literatura permitiu identificar que a abordagem mais tradicional de avaliação de necessidades de treinamento, ainda hoje muito citada por pesquisadores da área, é a de McGehee e Thayer (1961), caracterizada pelo diagnóstico de necessidades em três níveis: organizacional (onde e quando treinar), de tarefas (quais conhecimentos, habilidades e atitudes treinar) e pessoal ou individual (quais pessoas treinar). Essa abordagem de avaliação de necessidades defende a posição de que programas de TD&E devem estar alinhados a estratégias organizacionais e que seus níveis de efetividade sofrem interferência de variáveis do ambiente, como o clima e o suporte organizacionais à aprendizagem.
Transcorrido quase meio século desde a apresentação do modelo de McGehee e Thayer (1961), esse modelo ainda não foi testado na íntegra por pesquisadores da Psicologia, pois grande parte das pesquisas aborda necessidades apenas no nível das tarefas e das pessoas, sem analisá-las em níveis mais abrangentes de avaliação (grupos e/ou equipes e organização). Na literatura de administração, observa-se um esforço de alinhamento da análise de necessidades de treinamento aos resultados e objetivos estratégicos da organização. Entretanto, esses esforços ainda não se traduziram em reais mudanças nas práticas de ANT. Observam-se progressos nas pesquisas no que diz respeito à avaliação de variáveis do contexto como fontes geradoras de necessidades e como fatores restritivos ou interferentes na efetividade das ações de TD&E em organizações. Entretanto, esses avanços não parecem ter sido incorporados pelas organizações em suas práticas de ANT. Em um survey realizado com 304 organizações de todo o País que investem em ações de TD&E, encontrou-se apenas um terço (33,9%) das organizações que realiza análise de necessidades de treinamento. E mesmo nesses casos as análises são descritas de forma pouco sistemática como pesquisa feita com entrevista ou questionário, reuniões, reclamação de clientes. Respostas que se refiram a mapeamento das necessidades institucionais, gestão por competência ou contratação de consultorias foram bem menos frequentes (MOURÃO, 2010).
Avaliações informais de necessidades, baseadas em solicitações de treinamento feitas por gerentes, além da oferta de cursos por meio de listas de temas, ainda parecem ser as formas mais utilizadas pelas organizações com o intuito de levantar necessidades de treinamento. Esse tipo de análise de necessidades de treinamento é comumente denominado Levantamento de Necessidades de Treinamento (LNT), denominação que está associada à aplicação de "cardápios de cursos" para diagnóstico de necessidades de capacitação. Sugere-se o uso das expressões análise ou avaliação de necessidades de treinamento para tratar de pesquisas sistemáticas e embasadas em abordagens teóricas e metodológicas consistentes.
A descrição das necessidades, em termos de conhecimentos, habilidades e atitudes ou comportamentos observáveis, tem sido aplicada no Brasil e em outros países. Mas por que essa área de pesquisa e intervenção tem avançado tão pouco nas últimas quatro décadas, desde a proposição de McGehee e Thayer em 1961? Em parte, esse problema se deve à falta de acordo sobre conceitos e variáveis de interesse na análise do contexto e na definição de necessidades nos diferentes níveis de análise. As pesquisas em avaliação de necessidades, encontradas em revisões da literatura de psicologia organizacional e do trabalho, ainda não desenvolveram metodologias capazes de detectar necessidades de grupos, equipes e/ou processos organizacionais. Essa é a razão pela qual este artigo apresenta um modelo de avaliação de necessidades, mesmo existindo outro bem conhecido e ainda em uso.
2 REVISÃO DE LITERATURA
Análise de necessidades de treinamento (ANT) ou Training Needs Analysis (TNA) é definida como um conjunto de atividades de coleta, avaliação e análise de dados que objetiva identificar necessidades de treinamento em organizações. Segundo Taylor e O'Driscoll (1998), há dois tipos de abordagens de ANT na literatura: 1. a abordagem OrganizaçãoTarefasPessoas (OTP) e 2. a abordagem de análise de desempenho. A primeira, mais utilizada nas revisões de literatura da área, foi concebida por McGehee e Thayer (1961) e está baseada na análise em três níveis: Organização, Tarefas e Pessoas (OTP). No primeiro nível, define-se "onde" e "quando" um treinamento é necessário. Na análise de tarefas, define-se o conteúdo do treinamento, portanto "o que" deve ser treinado, e, no nível das pessoas, identifica-se "quem", entre os empregados, necessita de determinado treinamento. A análise de necessidades, no nível organizacional, baseia-se na suposição de que programas de treinamento devem estar ligados a estratégias organizacionais, e sua eficácia depende do clima organizacional nos quais se inserem. A ANT no nível das tarefas ou operações de trabalho visa à identificação dos conhecimentos e habilidades necessários ao desempenho eficaz em algum cargo específico. É geralmente realizada por meio de procedimentos de análise de tarefas ou de cargos que, de forma geral, produzem informações detalhadas e descritivas sobre as tarefas, operações de um trabalho, requisitos, bem como sobre as condições nas quais são executadas. Essas tarefas costumam ser avaliadas em termos de grau de importância, frequência, dificuldade e domínio. Essas informações, quando aplicadas a ocupantes de cargos, são, algumas vezes, transformadas em índices compostos e indicam as necessidades de treinamento, quanto ao tipo de conteúdo e prioridades de objetivos do curso. A análise de necessidades de treinamento no nível das tarefas define, portanto, o conteúdo do treinamento (o que deve ser treinado). Finalmente, a análise de necessidades no nível pessoal compreende uma avaliação do desempenho dos profissionais para identificação de deficiências, desvios ou gaps que podem ser removidos por meio de capacitação. Essa análise é feita para descobrir quem precisa de determinado treinamento.
A segunda abordagem de ANT, inspirada nos trabalhos de Mager e Pipe (1976) e Gilbert (1978), é a Análise de Desempenho, que visa determinar as "causas" de discrepâncias de desempenho individual no trabalho. Uma necessidade de treinamento, de acordo com essa abordagem, existe apenas quando a discrepância de desempenho resultar da falta de conhecimentos ou habilidades do ocupante do cargo. Mesmo nesse caso, há discrepâncias que não podem ser removidas por meio da oferta de treinamentos, pois se constituem em falhas no desempenho humano, causadas por fatores ligados ao ambiente, como falta ou inadequação de feedbacks, de recompensas, de materiais e informações sobre as tarefas etc. A identificação de necessidades compreende, nessa abordagem, a identificação de discrepâncias de desempenho devidas a lacunas nos saberes e habilidades do indivíduo e que não podem ser removidas por outras ações mais simples, como instrução, orientações e feedbacks em serviço. Esse modelo tem recebido várias críticas em função do caráter apenas corretivo, não prospectivo da abordagem. Enfoca apenas necessidades decorrentes de falhas e discrepâncias existentes no desempenho atual do indivíduo. A falta de uma visão prospectiva sobre necessidades dificulta a identificação das competências necessárias ao alcance de objetivos estratégicos e melhores resultados organizacionais. O modelo de análise de discrepâncias de desempenho é aplicável ao estudo de problemas de desempenho individual, porém não especifica quem deve analisar as causas das discrepâncias, tampouco fornece orientações sobre como isso deve ser feito. Trata-se de uma abordagem útil para a análise de necessidades e desempenho individual com foco nas tarefas de um cargo ou conjunto de cargos.
3 ANÁLISE DE NECESSIDADES DE TREINAMENTO NAS PESQUISAS ESTRANGEIRAS
As abordagens OTP e de análise de discrepâncias de desempenho são úteis na identificação de necessidades de treinamento. A análise da produção de conhecimentos, na literatura estrangeira, de língua inglesa, permite observar avanços na produção de conhecimentos sobre ANT, nas últimas décadas. O Quadro 1 mostra a evolução da literatura internacional, a qual evidencia que a ANT progrediu pouco nas últimas décadas: apesar das ricas proposições teóricas e metodológicas existentes, os relatos científicos encontrados ainda apresentam práticas de ANT em grande parte assistemáticas e informais, pouco alinhadas a objetivos e estratégias organizacionais e em demandas de melhoria de desempenho de pessoas em cargos e atividades específicas. Sugestões de aplicação de conceitos e medidas de necessidades em diferentes níveis não parecem ter sido amplamente adotadas nas pesquisas da área. A análise de necessidades no fluxo de tarefas e nas interações entre unidades organizacionais foi pouco pesquisada.
Na abordagem multinível sugerida por Ostroff e Ford (1989), os autores recomendaram a definição de necessidades para cada nível e a construção de medidas compatíveis com o nível de análise. Para eles, nem sempre necessidades de um nível podem ser inferidas a partir de dados obtidos em outro. Avaliações individuais, por exemplo, quando agregadas, nem sempre representam as necessidades do grupo, equipe ou ocupação a que pertencem as pessoas. Contudo, apesar de valiosas, as proposições teóricas de Ostroff e Ford (1989) foram pouco incorporadas pelos pesquisadores de ANT, como pôde ser visto na revisão da literatura de Taylor e O'Driscoll (1998). Para os autores, treinamentos possuem dois focos: a) foco em resultados (usado para apoiar o alcance de resultados organizacionais por meio da melhoria da maneira com que as tarefas são realizadas; e b) foco nas tarefas (usado para preparar empregados para desempenhar tarefas ou para cargos que são novos para eles). Para os autores, cada tipo de treinamento requer diferentes tipos de objetivos e estratégias de avaliação. O modelo de Taylor e O'Driscoll (1998) estabelece ligações específicas entre treinamento e resultados com a mediação de Conhecimentos e Habilidades e Comportamento no Cargo e com a interferência de variáveis endógenas que influenciam (contaminam) essas ligações. O modelo de análise de necessidades, além de especificar questões sobre relações causais entre os componentes, sugere métodos para analisar necessidades para os dois tipos de treinamento: voltados para a tarefa e para os resultados organizacional. A Figura 1 mostra um esquema desse modelo integrativo de ANT.
Os autores supõem que, quanto mais fortes forem as ligações 1, 3 e 5, maior será o impacto do treinamento sobre os resultados organizacionais. A força de cada uma dessas ligações pode ser identificada ou inferida por profissionais de treinamento e especialistas, que, além disso, podem estimar a influência de variáveis (representadas pelos links 2, 4 e 6). Um treinamento produzirá efeitos sobre os resultados organizacionais, se estiverem presentes as seguintes três condições, que precisam ser verificadas: a) se o impacto do treinamento no comportamento no cargo é capaz de produzir um impacto positivo sobre resultados organizacionais (link 1); b) se as mudanças provocadas pelo treinamento no repertório de conhecimentos e habilidades do treinando são capazes de melhorar o seu comportamento no cargo (link 3); e c) se o treinamento é e um meio apropriado para transmitir esses conhecimentos e habilidades críticas (link 5).
Em suma, o modelo integrativo de Taylor e Driscoll (1998) amplia e sofistica a análise de necessidades de treinamento, ao integrá-la à avaliação de treinamento e ao propor estratégias para analisar o vínculo entre efeitos diretos do treinamento sobre o comportamento do participante (aprendizagem e comportamento no cargo) e destes sobre resultados organizacionais. Essa abordagem avança também ao incorporar a análise de variáveis exógenas que interferem nas relações entre os diferentes níveis de resultados de treinamento. Além disso, a classificação dos treinamentos quanto ao foco em tarefas ou em resultados organizacionais facilita a escolha de abordagens compatíveis com esses focos. A análise das ligações entre essas variáveis em ANT facilita a identificação de necessidades que podem ser supridas por treinamentos focados em resultados organizacionais. O modelo fornece guias para escolha de estratégias de análise de necessidades, definição de objetivos e desenhos de avaliação para os dois tipos de treinamento: focado em resultados e focado em tarefas. Entretanto, o modelo não propõe análise de necessidades no nível de processos organizacionais, as quais estariam relacionadas diretamente com indicadores de eficiência, definidos como resultados de mudança organizacional, e de efetividade organizacional. Apesar de o modelo teórico de Taylor e O'Driscoll (1998) ser promissor, não se encontrou sua validação empírica.
No ano seguinte ao da publicação desse modelo, a questão da análise de necessidades em processos organizacionais foi tratada por Chiu, Thompson, Mak e Lo (1999) como uma das três abordagens de ANT: 1. Abordagem orientada para os negócios (ANT é vista como um processo racional pelo qual uma organização determina como desenvolver ou adquirir habilidades humanas necessárias ao alcance dos objetivos de negócio); 2. Abordagem orientada para os processos (enfoca as divisões ou os departamentos e costuma ocorrer após a introdução de mudanças em processos de trabalho); e 3. Abordagem orientada para o treinando. As duas primeiras são também classificadas como abordagens baseadas na demanda (caracterizam-se por um processo bottom-up, voltado para o desenvolvimento individual, que foca mais em necessidades dos treinandos e menos nos negócios ou na eficiência dos processos de trabalho). Assim, Chiu, Thompson, Mak e Lo (1999) propuseram um instigante modelo de análise da produção de conhecimentos que enfocou quatro questões básicas: 1. Quais pessoas-chave iniciam os estudos de análise de necessidades de treinamento? 2. Quais são os níveis de interesse desses estudos (organização, processos, grupo ou indivíduo)? 3. Quais métodos são utilizados? 4. Quais são os resultados esperados por essas análises? O modelo de revisão a literatura de ANT proposto pelos autores está esquematizado na Figura 2.
Os autores, buscando artigos publicados em um período de 25 anos, encontraram 130 artigos e analisaram 44. O modelo de análise definiu como atores ou pessoas-chave do ANT os representantes organizacionais (CEOs, diretores, gerentes) e entre os profissionais de treinamento (consultores de treinamento e pesquisadores). Quanto aos níveis de análise de necessidades, os autores escolheram quatro: organização, processos, tarefas e pessoas. Quanto aos métodos de análise de necessidades estudados estavam: para o nível macro (análise organizacional, Strenghts, Weaknesses, Opportunities, Threats SWOT), meso (análise de processos, análise do fluxo de tarefas), tarefas (entrevistas e observações, centros de avaliação, avaliação por pares etc.) e micro (indivíduo se autoavalia por meio, por exemplo, de protocolos verbais). Finalmente, quanto aos propósitos: efetividade organizacional (lucro, crescimento), efetividade de sistemas e processos (efetividade e eficiência), efetividade gerencial e pessoal.
Um dos grandes méritos da revisão de Chiu, Thompson, Mak e Lo (1999) foi ter tratado do nível de processos organizacionais como foco de análise de necessidades de treinamento e de ter mencionado a adoção de métodos para identificar necessidades nesse nível por meio de análises do fluxo de tarefas e de análise de pontos fortes, fracos, oportunidades e ameaças, conhecida como SWOT. Além disso, os autores vincularam a análise de processos em ANT a processos sistemáticos de mudança organizacional (reengenharia, programas de qualidade total).
Um excelente exemplo de aplicação de ANT em situação de mudança organizacional foi relatado por Reed e Vakola (2006). A pesquisa foi realizada em uma organização irlandesa da área de saúde com mais de 10 mil empregados. A organização do tipo burocrática estava sofrendo mudanças nos seguintes aspectos: participação; cultura de aprendizagem; encorajamento da responsabilidade individual, recursos humanos estratégicos e aumento da colaboração e cooperação na organização. A pesquisa adotou uma abordagem de pesquisa-ação. O método incluiu a criação de uma estrutura paralela à mudança como mecanismo para facilitar a inovação por meio da compreensão sobre como a mudança se processa em ambientes burocráticos, identificando-se restrições e problemas que inibem a inovação. Essa estrutura paralela foi criada para facilitar a mudança, ao interferir no processo, enquanto ele estivesse ocorrendo. Dois serviços (atendimento comunitário, com 240 membros, e saúde mental, com 380 membros) participaram do estudo. Todos opinaram sobre mudanças necessárias na organização. A ANT foi considerada um dos projetos que requereriam mudanças na opinião dos participantes dos dois tipos de serviços. Foi criado um grupo condutor (steering group) com 12 integrantes que representavam o microcosmo da organização como um todo em sua transversalidade. Havia dois representantes de cada serviço selecionados pelas respectivas divisões. O processo de análise de necessidades, realizado por meio de pesquisa-ação, compreendeu as fases de diagnóstico, planejamento, ação e avaliação. Essas etapas foram negociadas com o grupo condutor. Os encontros (13 meses) foram registrados por meio de notas diárias sobre a atmosfera das discussões e reflexões. Tudo foi analisado, apresentado e discutido com o grupo para avaliações. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os gerentes da organização acerca da visão deles sobre os benefícios, expectativas, nível de participação e papel que eles desejavam para si no processo e na mudança organizacional. Do total de 18 gerentes sêniores e do topo (CEOs, gerentes regionais, diretores e gerentes gerais), foram entrevistados 13 gerentes. O alinhamento da análise de necessidades de treinamento ao processo de mudança nos serviços representou, no estudo de Reed e Vakola (2006), algo muito importante para elevar o ANT a um patamar de processo estratégico e proativo.
Na amostra de artigos analisada, observam-se dois enfoques de ANT. Em um deles, encontram-se pesquisas focadas nos níveis de tarefas, ocupações e indivíduos, como as realizadas por Fan e Cheng (2006) e Markaki, Antonakis, Hicks e Lionis (2007), e, no outro, predominam as abordagens multinível, como as propostas por Ostroff e Ford (1989) e Taylor e Driscoll (1998), as descritas por Chiu et al. (1999) e a pesquisa realizada por Reed e Vakola (2006), que incluem necessidades organizacionais ou relativas a processos e grupos de trabalho. A produção de conhecimentos aqui analisada é marcada por revisões de literatura e estudos de casos. Entre as abordagens de ANT uma das mais citadas é a OTP (MCGEHEE; THAYER,1961) com variações e aprofundamentos. Segundo Salas e Cannon-Bowers (2001) e Aguinis e Kraiger (2009), há poucas pesquisas para identificar antecedentes de necessidades organizacionais ou o efeito dos diferentes modelos de ANT sobre a efetividade das ações de treinamento.
4 ANÁLISE DE NECESSIDADES DE TREINAMENTO NO BRASIL
O Brasil ainda carece de muitas mudanças no que diz respeito às oportunidades que oferece para os trabalhadores na área de treinamento (MOURÃO, 2009). No que diz respeito ao sistema de treinamento, segundo revisão de Meneses e Zerbini (2009), os três níveis de avaliação de necessidades não estavam sendo igualmente enfocados pelos autores. De maneira similar ao que vem ocorrendo na literatura internacional, no Brasil também há produção maior de tecnologias no nível de análise de tarefas e muito pouco progresso no nível da organização. A metodologia de diagnóstico de necessidades de treinamento, proposta por Borges-Andrade e Lima (1983), que é a mais utilizada, define papel ocupacional como o conjunto de atribuições e expectativas da organização sobre o desempenho de atividades específicas. O levantamento inicial das competências (conhecimentos, habilidades e atitudes) requeridas pelo papel ocupacional é realizado por meio de uma sessão de brainstroming com um pequeno grupo de ocupantes do cargo. O conjunto de competências levantadas nessa fase é transformado em itens que, associados a escalas de avaliação, são aplicados nos ocupantes de um determinado cargo. As escalas avaliam a importância e o domínio das competências e possibilitam a construção de um índice composto que prioriza as necessidades. Uma necessidade de treinamento prioritária, segundo essa visão, seria aquela com baixo domínio e alta importância. Essa metodologia é detalhadamente descrita por Abbad, Meneses e Zerbini (2010).
Três trabalhos brasileiros utilizaram variações dessa abordagem em suas análises de necessidades de treinamento: Magalhães e Borges-Andrade (2001), Castro e Borges-Andrade (2004) e Brandão, Guimarães e Borges-Andrade (2002). No primeiro, Magalhães e Borges-Andrade (2001) aplicaram questionários, construídos de acordo com o método de análise de papel ocupacional, numa amostra de 898 bancários e seus supervisores imediatos. As necessidades de treinamento, nesse caso, foram identificadas por meio de auto e heteroavaliações, as quais puderam ser confrontadas. Os resultados mostraram que a adoção de duas fontes de avaliação foi positiva, pois as avaliações de supervisores e gerentes (público-alvo da pesquisa) diferem entre si, apesar de estarem correlacionadas positivamente. Os supervisores tendem a apontar maiores necessidades de treinamento do que seus subordinados, o público-alvo do treinamento. O segundo artigo relata uma experiência de diagnóstico de necessidades de treinamento realizada por Castro e Borges-Andrade (2004) com base em competências esperadas no papel ocupacional e em demandas globais, presentes na organização, e demandas específicas ou localizadas. A amostra foi constituída por 302 Assistentes Administrativos da Universidade de Brasília. Como procedimentos de coleta de dados, foram também utilizadas a pesquisa documental e bibliográfica e a aplicação in loco do instrumento de mensuração. Os resultados alcançados mostraram que, embora com limitações, o método mostrou-se adequado, fornecendo subsídios para tomada de decisão e ações na área de Treinamento. O terceiro trabalho relata um diagnóstico de competências gerenciais, consideradas relevantes para uma instituição bancária (BRANDÃO; GUIMARÃES; BORGES-ANDRADE, 2002). O questionário avalia 18 competências profissionais.
Variações do método de análise do papel ocupacional de Borges-Andrade e Lima (1983) têm sido aplicadas com sucesso em inúmeras pesquisas em diversos ambientes organizacionais, veiculadas em congressos da área de psicologia e administração. O método é útil na identificação de conhecimentos, habilidades e atitudes necessários ao desempenho eficaz de tarefas em cargos ou ocupações específicas. Entre as variações, estão a aplicação da técnica de incidentes críticos, entrevistas individuais com gerentes e supervisores imediatos.
Uma tendência mais recente tem sido a adoção do conceito de competências em análise de necessidades de treinamento. Agut e Grau (2002) propuseram uma metodologia para levantamento de necessidades de competências em gestão, análoga à analise de necessidades de treinamento. Nesse caso, competência é definida como os conhecimentos, as habilidades e as atitudes requeridas pelo trabalho, sendo elas técnicas e genéricas. Nesse estudo, as competências genéricas foram definidas como motivação, traços de personalidade etc., enquanto as técnicas são aquelas específicas relacionadas ao cargo. O método, quanto à coleta de dados, é similar ao adotado na análise de papel ocupacional: aplicação de questionários com itens que descrevem as competências, associados a escalas de importância e domínio. A definição dessas competências ocorreu por meio de grupos focais com gerentes, análises documentais e pesquisa bibliográfica. Essas abordagens trabalham com foco nas tarefas, entretanto há outras mais voltadas para estratégias organizacionais.
De acordo com Lima e Borges-Andrade (2006), o trabalho de Lima, Castro e Machado (2004) aproxima a análise de necessidades de treinamento das estratégias da organização. Isto foi feito no contexto de redefinição da estratégia corporativa em uma área central de uma empresa de pesquisa. Após definição da competência essencial da área foi construído um modelo diferenciando as duas grandes operações componentes desse processo. Cada competência foi avaliada por meio de uma Técnica Delphi, em termos de importância e domínio atual e futuro. A combinação das duas avaliações indicou necessidades de treinamento e desenvolvimento. Todo o processo baseou-se no confronto das avaliações com descrições de contexto organizacional, de acordo com três cenários futuros que continham visões de como fatores relevantes impactariam a organização e a atividade.
Há mais estudos nacionais sugerindo o alinhamento da análise de necessidades a estratégias organizacionais. Em um deles, referido por Lima e Borges Andrade (2006), os autores desenvolveram uma metodologia de análise de necessidades de treinamento para identificação e priorização de necessidades estratégicas para a organização. O pressuposto da abordagem é de que a definição de necessidades de capacitação, a partir da identificação das demandas tecnológicas, permita alinhar as decisões sobre treinamento com os objetivos estratégicos da organização. A partir das demandas tecnológicas da organização, são definidas áreas de conhecimento, que são avaliadas em termos de suas contribuições para o alcance dos resultados associados à solução das demandas e à capacidade técnica institucional em cada área de conhecimento identificada.
Finalmente, há o estudo de Guimarães, Borges-Andrade, Machado e Vargas (2001), no qual foi aplicada uma metodologia de diagnóstico de competências para organizações de pesquisa e de desenvolvimento, por meio da aplicação da técnica Delphi. Foram definidas macrocompetências essenciais e competências específicas (no nível organizacional). Assim, foi possível analisar competências no abrangente nível de macroprocessos organizacionais, o que pode impactar na ANT, uma vez que esse tipo de análise precisa considerar não apenas o nível dos indivíduos e dos grupos/equipes, mas também o nível das organizações, sendo necessário o alinhamento entre as competências dos diversos níveis de análise (BRANDÃO; GUIMARÃES, 2001).
A análise desses estudos permite concluir que, nas pesquisas nacionais, houve consideráveis avanços teóricos e metodológicos na ANT. Entre os teóricos, estão a adoção e a operacionalização do conceito de competências para identificar necessidades nos níveis mais abrangentes, ligados a processos organizacionais estratégicos e em processos de mudança. Entre os avanços metodológicos estão a diversificação de técnicas de coleta de dados com a utilização de grupos focais, a técnica de Delphi e incidentes críticos, especialmente desenhados paras as ANTs. Além desses avanços, há a incorporação de conceitos e métodos de análise de demandas organizacionais e de cenários, oriundas do planejamento estratégico. Nos níveis de tarefas e pessoas, foram observados avanços no método de análise do papel ocupacional com a adoção de novos métodos de identificação de competências (conhecimentos, habilidades e atitudes), entre eles: a técnica dos incidentes críticos, entrevistas individuais e grupos focais, análises documentais e bibliográficas, além da aplicação de conceitos de competências essenciais em níveis organizacional e individual e a inclusão de heterovaliações de necessidades de treinamento.
5 O MODELO DE ANT PROPOSTO
A revisão de literatura apresentada mostra que é preciso aprimorar a ANT em seus aspectos teórico-metodológicos com a finalidade de torná-la mais eficaz e adaptada às novas configurações e organizações do trabalho. O modelo de análise de necessidades de treinamento apresentado a seguir propõe a investigação de necessidades em múltiplos níveis, bem como a definição e a construção de medidas compatíveis com os respectivos níveis de análise, aplicação de metodologias qualitativas e quantitativas de coleta e análise de dados e adoção de múltiplas fontes de informação sobre as necessidades.
Como primeira etapa, o modelo sugere a definição dos objetivos da ANT e a avaliação de necessidades no nível da organização. Após a definição dos objetivos e nível de análise, é preciso seguir alguns passos básicos de uma pesquisa avaliativa: a) definir os construtos de interesse de acordo com um modelo; b) listar indicadores de avaliação e escolher fontes de informação; c) escolher fontes e instrumentos de medida; d) construir e validar instrumentos de medida; e) escolher avaliadores; f) escolher procedimentos de coleta e análise de dados; g) coletar dados e analisar os resultados e avaliar necessidades; h) relatar, divulgar e validar os resultados e i) propor programas de TD&E compatíveis com as necessidades.
O modelo propõe uma análise prospectiva de necessidades e a hierarquização das necessidades, visando à elaboração de currículos e trilhas de aprendizagem contínua. O foco principal no modelo enfatiza a identificação de necessidades relacionadas ao alcance de resultados e objetivos estratégicos da organização. Além disso, a abordagem proposta procura o alinhamento das necessidades de treinamento à criação de estruturas curriculares de aprendizagem contínua de competências genéricas, replicáveis ou instrumentais e técnicas, ligadas a áreas temáticas específicas. Trata-se, portanto, de uma abordagem de pesquisa voltada à identificação de necessidades de treinamento em múltiplos níveis com a definição de conceitos, medidas e métodos compatíveis com os respectivos níveis de análise, bem como a avaliação dessas necessidades quanto ao grau de complexidade, abrangência e diversidade dos perfis do público-alvo.
A análise do contexto externo é decisiva na identificação das competências organizacionais necessárias ao enfrentamento de desafios e ameaças do ambiente externo das organizações. O comportamento dos stakeholders (agentes de governança, clientes, fornecedores, parceiros e concorrentes, entre outros) deve ser investigado, pois pode afetar diretamente a organização em vários níveis, sendo, muitas vezes, fontes causadoras de necessidades de treinamento.
No nível da organização, o foco está nas competências transversais ou genéricas (necessárias a todos) e nas replicáveis (necessárias a diversos processos organizacionais, unidades e cargos). Essas competências podem ser técnicas e instrumentais, pertencentes a qualquer um dos três domínios de aprendizagem. Os instrumentos de medida a serem construídos com o apoio das taxonomias de resultados de aprendizagem, como as de Bloom et al. (1972), Bloom, Krathwohl e Masia (1974) e Gagné (1985) devem ser aplicados nas pessoas, grupos ou equipes que necessitam desenvolver as referidas competências, muitas vezes independentemente dos cargos que ocupam ou unidades de lotação.
Quanto aos avaliadores, a abordagem de fontes múltiplas é a mais válida e confiável, por possibilitar a comparação dos pontos de vista. A aplicação de questionários eletrônicos de análise de necessidades de treinamento nesse nível é indicada principalmente nos casos de organizações de grande porte com unidades e pessoas lotadas em diferentes regiões do País.
A adoção de métodos qualitativos e quantitativos de coleta e análise de dados é a proposta por esse modelo e parece ser aceita pelos pesquisadores de ANT. A identificação de necessidades futuras de treinamento e das competências transversais relevantes, quando realizada unicamente por meio de entrevistas individuais, não é eficiente na análise de necessidades organizacionais de treinamento. Os construtos de interesse da ANT podem apresentar-se de forma diferenciada nos níveis de análise, pois tratam de competências distintas. Assim, alguns aspectos podem emergir somente em um nível (por exemplo, no nível do indivíduo) ou ser típico de um ou dois níveis (por exemplo, ser típico do nível de grupos/equipes ou, simultaneamente, típico do nível de grupos/equipes e do nível da organização). Em uma orquestra, por exemplo, necessidades individuais de aprendizagem referem-se a habilidades específicas dos músicos, relacionadas aos instrumentos musicais tocados por eles, enquanto as necessidades da orquestra como um todo se referem à sintonia, harmonia e a outras habilidades grupais, as quais não são aprendidas pelos indivíduos separadamente. As necessidades de treinamento no nível individual, de acordo com esse exemplo, são distintas e requerem análises distintas. Segundo Abbad, Freitas e Pilati (2006), uma avaliação de necessidades feita unicamente no nível do indivíduo, cargo ou unidade organizacional pode mascarar o problema, em vez de solucioná-lo.
A aplicação de grupos focais e da técnica Delphi são estratégias metodológicas indicadas para a identificação de necessidades futuras (emergentes) de treinamento. A composição dos grupos para construção de instrumentos e coleta de dados deve ser compatível com o construto e nível de análise. No nível organizacional, para análise inicial da demanda é preciso formar grupos que representem o pensamento estratégico da organização e as atividades principais de seus macroprocessos mais relevantes. A identificação de necessidades transversais de treinamento, entretanto, pode exigir a aplicação de questionários em indivíduos lotados em diferentes unidades organizacionais.
A análise de necessidades no nível meso requer a aplicação de metodologias de análise de fluxo de atividades ou de mapeamento de processos para identificação de necessidades inerentes comuns a todo o processo, referentes a competências de articulação, sintonia, compartilhamento, alinhamento entre outras, e outras mais específicas, relativas a partes ou a algumas atividades componentes do macroprocessos. Além disso, a análise do ambiente de tarefas, específico e diretamente relacionado às atividades, requer a definição dos construtos de interesse e das variáveis relevantes (ameaças, oportunidades e desafios), as quais podem diferir das observadas no nível da organização.
No nível de macroprocessos, a adoção de múltiplas fontes documentais e humanas é a alternativa metodológica mais indicada, pois aumenta a validade e a confiabilidade das análises e avaliações. A técnica Delphi e o grupo focal são estratégias adequadas à avaliação do contexto e dos gaps em competências relevantes para o macroprocesso. Neste nível de análise, há competências replicáveis que abrangem várias ou todas as atividades componentes do macroprocesso analisado. A escolha do instrumento de medida e do avaliador depende de vários fatores, entre os quais a natureza e o nível de complexidade da competência pesquisada, o tamanho da amostra, a dispersão geográfica do público-alvo e a disponibilidade de recursos para a coleta de dados. Quando os gaps ocorrerem em termos de compartilhamento de valores e atitudes, por exemplo, a coleta de dados mais adequada é em grupo. A aplicação de questionários em grupo ou de técnicas como grupo focal tem potencial para facilitar a emergência de necessidades localizáveis apenas em situações de grupo e evitar os fenômenos bem conhecidos de desejabilidade social, desde que o pesquisador tome cuidado com a condução da coleta de dados, garantindo um clima amistoso e propício à análise de necessidades comuns de treinamento.
O próximo nível de análise trata da ANT no nível de grupos (cargos, ocupações, grupos, equipes). Esta análise é mais específica do que as anteriores. O público-alvo é bem delimitado e mais facilmente identificável. Esse nível de análise é aplicável quando mudanças organizacionais resultam em efeitos específicos sobre algumas categorias profissionais, cargos, grupos ou equipes de trabalho. Um exemplo desse tipo de necessidade foi visto por todos os brasileiros durante a crise da aviação comercial e do tráfego aéreo. Os controladores de tráfego aéreo que, no período de crise da aviação comercial no País e aumento vertiginoso do tráfego de passageiros, sem a adequada expansão e treinamento de seus quadros, mostraram que não possuíam habilidades essenciais de comunicação em língua inglesa, as quais são exigidas nas constantes interações que precisam manter com tripulantes de aviões internacionais. A falta de investimentos em treinamento estava colocando em risco milhares de passageiros, o que mostra a importância da análise de necessidades de treinamento também no nível de cargos e ocupações específicas.
Há exemplos de avaliação de necessidades de treinamento em ocupações como as de enfermeiros, realizadas no Reino Unido (GOULD; KELLY; WHITE; CHIDGEY, 2004) e na Indonésia (HENNESSY; HICKS; HILAN; KAWONAL, 2006), de corretores de seguro realizada em Taiwan (FAN; CHENG, 2006) e psicólogos, investigadas no Brasil (ABBAD; MOURÃO, 2010) para detecção de necessidades de qualificação e requalificação após a formação profissional em nível de graduação. Análises de necessidades de treinamento no nível de grupos ocupacionais e de profissões regulamentadas devem incluir análise de legislações e normas e técnicas da área, técnicas de captação com especialistas e pesquisadores de necessidades futuras, capazes de analisar os desafios, as oportunidades, ameaças e competências emergentes e críticas.
O nível de análise dos grupos específicos requer o exame de documentos que indiquem mudanças no campo de atuação dos grupos envolvidos, além de análises prospectivas de necessidades de qualificação e requalificação no contexto de atuação da organização e das profissões ou cargos envolvidos. O envolvimento de ocupantes de cargos ou integrantes de grupos específicos é imprescindível para que a ANT tenha validade de conteúdo e de construto. A clientela desse tipo de ANT pode indicar a aplicação de questionários individuais de avaliação dos gaps em competências técnicas específicas e (ou) a aplicação de técnicas em grupo para definição dos construtos, medidas e demais procedimentos de pesquisa. Análise do papel ocupacional é uma alternativa aplicável a esse nível de análise. Nesse caso, é possível realizar a coleta de dados para mensuração dos gaps de competências por meio da aplicação de questionário em cada indivíduo ou em grupos. Nessas situações, são recomendáveis as seguintes estratégias de coleta de dados: o grupo focal e a aplicação coletiva de questionário estruturado ou semiestruturado. A ideia é que as questões sejam respondidas não por indivíduos separadamente, mas pelo grupo, após discussão e busca do consenso. Um exemplo desse tipo de situação diz respeito a necessidades de melhoria das interações e do clima interno de grupos e equipes de trabalho, em que a ANT é parte do processo de desenvolvimento de equipes de trabalho.
No nível do indivíduo, as necessidades de TD&E são mais voltadas ao atendimento de objetivos pessoais e profissionais de aprendizagem, educação e desenvolvimento. Trata-se de uma ANT alinhada a propostas organizacionais de gestão e de orientação de carreira, saúde e qualidade de vida. Nesse caso, o foco principal não está na organização e no alcance de melhores resultados organizacionais, mas em aspirações dos integrantes da organização. A análise de necessidades está voltada para a busca de soluções estruturadas de aprendizagem contínua e de caminhos ou trilhas de desenvolvimento pessoal e profissional. Os construtos de interesse são voltados para aspectos a diversas facetas e esferas de vida do participante e não necessariamente para aspectos profissionais de interesse da organização. A autoavaliação, nesse caso, é uma das mais importantes ferramentas de ANT.
Em termos de necessidades focadas no indivíduo, estão as relativas a competências profissionais exigidas de todo o profissional moderno como aprender a aprender, aprender a conhecer, aprender a conviver, aprender a ser. Lacunas nessas competências podem reduzir as chances de ascensão profissional, manutenção do emprego ou inserção no mundo do trabalho. Os programas de educação ao longo da vida e de aprendizagem contínua são indicados para sanar essas necessidades. Cursos a distância e híbridos são úteis no desenvolvimento de diversas estratégias cognitivas como as de autoavaliação, administração do tempo, autoestudo, automonitoramento, participação em comunidades virtuais e teletrabalho.
Necessidades individuais de TD&E são definidas como hiatos (gaps) de competências, descritos em termos de conhecimentos, habilidades e atitudes. Além disso, é preciso avaliar a magnitude do hiato, bem como quais são as consequências de ignorá-los. Para mensuração de necessidades individuais de treinamento, é preciso informações sobre o perfil do público-alvo, as quais auxiliarão os profissionais a desenhar e a planejar os eventos de instrução. Entre as características pessoais relevantes para o contexto de TD&E, estão as demográficas, profissionais, motivacionais e cognitivas da clientela. Informações sobre quantidade, dispersão geográfica dos participantes, sexo, faixa etária e outras variáveis fisionômicas são fáceis de acessar em grande parte das organizações que possuem bancos eletrônicos de dados.
Com a finalidade de realizar o diagnóstico ou o prognóstico da necessidade, é preciso também incluir na avaliação de necessidades elementos contidos em análises do contexto organizacional. Necessidades detectadas nos demais níveis de análise também são mensuráveis no nível dos indivíduos. Competências transversais, replicáveis e específicas podem ser incluídas em instrumentos de mensuração de necessidades individuais de treinamento. Além disso, é preciso avaliar restrições situacionais, falta de suporte organizacional, clima desfavorável à aprendizagem e à transferência de treinamento, relacionados à ocorrência de discrepâncias de desempenho, tal como definidas por Mager e Pipe (1976) e Gilbert (1978). Esse tipo de análise é possível por meio da aplicação de medidas de percepção de suporte ou clima à aprendizagem e à transferência de treinamento, publicados em revistas nacionais e estrangeiras de psicologia e administração. Fatores externos também afetam diretamente o desempenho individual e podem gerar desafios, ameaças e oportunidades de aprendizagem. Como exemplo desse tipo de situação, pode-se evocar uma necessidade de treinamento que, para ser sanada, exige do ocupante a realização de um curso de longa duração, muita dedicação e várias horas semanais de estudo, além do expediente normal de trabalho. Este tipo de ação "invadirá" outras esferas de vida dos indivíduos, como a conjugal e a familiar. Nesses casos, a família, uma instituição social externa, exercerá influência direta sobre a participação dos indivíduos no evento de TD&E. Suas decisões, motivação e participação na ANT e no treinamento dependerão, provavelmente, do apoio familiar que receberá. Por isso, é importante conhecermos o perfil do público-alvo em ANTs.
Finalmente, há que se considerar que a ANT não pode ser mapeada sem considerar que as competências compreendem conhecimentos, habilidades e atitudes, ou seja, não só as necessidades de capacitação precisam ser pensadas em níveis (individual, de grupo, organizacional e da sociedade), mas também é preciso levar em conta os processos de desenvolvimento de habilidades físicas/psicomotoras, cognitivas e afetivas, as quais estão inseridas em um contexto social amplo no qual devem ser consideradas dimensões econômicas, legais, tecnológicas, políticas, ambientais, educacionais e de saúde e segurança. Para análise de exemplos e definições dessas habilidades, recomenda-se a leitura de taxonomias de Bloom et al. (1972, 1974), Gagné e Medsker (1996) e Anderson et al. (2001). Assim, tomando como base o modelo apresentado por Birdi (2006) para avaliação de treinamento, foi desenvolvido este outro modelo específico para a análise de necessidades de TD&E, que é a síntese do modelo conceitual aqui proposto, conforme mostra a Figura 3.
O modelo apresentado traz uma abordagem de ANT voltada à identificação de necessidades de treinamento em múltiplos níveis com a definição de conceitos, medidas e métodos compatíveis com os respectivos níveis de análise, bem como a avaliação dessas necessidades quanto ao grau de complexidade, abrangência e diversidade dos perfis do público-alvo.
Como primeira etapa, o modelo sugere a definição dos objetivos da ANT e a avaliação de necessidades no nível da organização. No nível da organização, necessidades de treinamento podem ser mensuradas por meio de desvios em indicadores resultados organizacionais ou como resultados de mudanças ocorridas no contexto (externo ou interno), as quais passam a exigir o desenvolvimento de novas competências organizacionais. Necessidades organizacionais de aprendizagem podem ser diagnosticadas ou prospectadas. Na primeira abordagem, o foco está na superação de desvios atuais e, na segunda, no desempenho futuro e em demandas de aquisição de competências de interesse estratégico. Após a detecção dessas necessidades, é possível identificar em quais macroprocessos, unidades, cargos estão lotadas as pessoas (quem deve ser treinado) que precisarão desenvolver tais competências. Neste ponto, devem-se analisar a abrangência (quantidade de unidades, processos, macroprocessos, cargos, perfis), a dispersão geográfica e as características do público-alvo (demográficas, funcionais, motivacionais, hábitos de estudo, entre outras). Além da localização das necessidades, a ANT deve facilitar a classificação das necessidades de treinamento em termos de complexidade, grau de internalização ou de automatização.
No nível da organização, o foco dessa abordagem está nas competências transversais ou genéricas (necessárias a todos) e nas replicáveis (necessárias a diversos processos organizacionais, unidades e cargos). Essas competências podem ser técnicas e instrumentais, pertencentes a qualquer um dos três domínios de aprendizagem. Os instrumentos de medida, uma vez construídos a partir de uma ANT no nível da organização, podem ser posteriormente aplicados em pessoas, grupos ou equipes que necessitam desenvolver as referidas competências, muitas vezes independentemente dos cargos que ocupam ou unidades de lotação. O Quadro 2 mostra exemplos de constructos, indicadores, fontes documentais e humanas de informações, instrumentos e procedimentos de coletas de dados para o nível organizacional.
6 CONCLUSÃO
As grandes mudanças em curso no mundo do trabalho exigem transformações nas práticas de gestão de pessoas, em especial na educação corporativa e na gestão da aprendizagem em organizações (MARINS; MOURÃO, 2010). Análises de necessidades de treinamento, nesse contexto, precisam incorporar, além de diagnósticos de discrepâncias atuais de desempenho, o prognóstico de necessidades futuras de aprendizagem. Isso possibilitará o planejamento de ações de educação contínua e a preparação de currículos organizados em torno de competências organizacionais relevantes, de acordo com a complexidade, abrangência e diversidade dos públicos-alvo das ações de TD&E (quantidade, perfil, dispersão geográfica, natureza das atividades, processos, unidades organizacionais).
O treinamento convencional de habilidades e conhecimentos básicos está sendo gradativamente substituído por trilhas ou currículos de desenvolvimento pessoal e profissional de longa duração, como discutido por Freitas e Brandão (2006). Este parece ser o novo e grande desafio da área de treinamento, que necessita aprimorar-se para incluir em suas atividades, programas educacionais, mais abrangentes que os antigos cursos de curta duração ou treinamentos em serviço, calcados na transmissão de conteúdos para preparar pessoas para trabalhos pouco complexos.
Além disso, o adulto, alvo das ações de TD&E, é uma clientela problemática em função da falta de tempo para estudar. O estudante adulto detém múltiplos papéis sociais e profissionais, inúmeras responsabilidades e diversas tarefas simultâneas que dificultam a sua participação em cursos tradicionais que exigem presença física. A educação corporativa, para sanar esse problema e viabilizar a aprendizagem contínua, tem oferecido frequentemente cursos a distância com mídias que possibilitam o estudo a qualquer hora e em qualquer lugar, de acordo com a agenda do participante. Essa nova realidade, com a oferta mais intensa de cursos a distância, exige dos profissionais de TD&E um cuidado ainda maior com a ANT. A análise do perfil da clientela, seus hábitos e contextos de estudo são muito importantes para o desenho de soluções educacionais eficazes e compatíveis com o cotidiano dos aprendizes.
O modelo de ANT aqui proposto vai além da análise de tarefas e de pessoas, incluindo também o nível organizacional e de grupo. Da forma como desenhado, seguindo-se as nove etapas estabelecidas, ele permitirá fornecer as informações necessárias ao desenho de situações de aprendizagem e de treinamento que possam promover o desenvolvimento de complexas competências, valorizadas pelo mundo do trabalho. Considerando que esse modelo resulta de uma leitura crítica de pesquisas da literatura nacional e estrangeira, sua utilização pelos profissionais da área de gestão de pessoas significa a aplicação prática de um conjunto de resultados de pesquisas empíricas, que, por sua vez, também deverá resultar em novos relatos de pesquisa, em um ciclo virtuoso no qual resultados científicos e aplicações práticas se retroalimentam.
Não há dúvida de que é preciso que o modelo teórico apresentado seja testado empiricamente para confirmar os níveis e as relações propostas. Estudos empíricos e o uso do modelo por profissionais que atuam na área podem contribuir para esclarecer a operacionalização do mesmo e confirmar os resultados advindos da utilização de um modelo de ANT mais amplo do que os atualmente utilizados.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Jan 2013 -
Data do Fascículo
Dez 2012