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Para além do senso comum: “Contra as eleições: o caso da democracia”

Van Reybrouck, D. . (2016). Against Elections: The Case for Democracy(Traduzido por Liz Waters). London, UK: The Bodley Head. ISBN: 9781847924223.

Palavras-chave:
Democracia; Sorteio; Eleições

David Van Reybrouck1 1 Mais informações sobre o autor: https://www.davidvanreybrouck.be/?q=en/content/biography , autor belga e aclamado dramaturgo, é professor de arqueologia nas universidades de Leuven e Cambridge e autor de diversas obras, como Congo: a história épica de um povo (Van Reybruck, 2014Van Reybruck, D. (2014). Congo: the epic history for a people. London, UK: Ecco.). No livro aqui resenhado, Van Reybrouck (2016)Van Reybrouck, D. (2016). Against Elections: The Case for Democracy. London, UK: The Bodley Head. desenvolve o argumento de que “[...] nossa democracia está sendo destruída ao se limitar a eleições, mesmo que as eleições não tenham sido formalmente inventadas como um instrumento democrático”. Mais tarde, examinaria o caso da reintrodução de um instrumento historicamente muito mais democrático, o sorteio.

Incialmente o autor apresenta dois sintomas ao longo de todo o livro, que são as bases de sua ideia e de seu tema principal. Estes dois sintomas são descritos como crise de legitimidade e crise de eficiência. Esta última incorpora a ação decisiva, enquanto a primeira diz respeito ao apoio. O autor sustenta que todo sistema político deve atingir o equilíbrio entre eficiência e legitimidade, dois de seus critérios fundamentais.

Van Reybrouck argumenta que a síndrome da fadiga democrática é um distúrbio que leva inúmeras culturas ocidentais a serem penalizadas pela gestão do Estado não satisfatória. O escritor, posteriormente, identificou quatro tipos de diagnóstico da síndrome da fadiga democrática. O primeiro, o diagnóstico de populismo (cuja causa está nos políticos); o segundo, de tecnocracia (a causa está na democracia); o terceiro, de democracia direta (causa: democracia representativa); e, por fim, o quarto, um novo diagnóstico, causado pelos demais (causa: democracia eleitoral-representativa).

No capítulo três, o autor articulou três patogêneses por meio das representações do povo realizadas por um procedimento democrático de sorteio (presentes na Antiguidade e no Renascimento). O segundo começou no século XVIII, quando o sorteio desaparece completamente do radar com a introdução do procedimento aristocrático das eleições. Nos séculos XIX e XX, a urna é descrita como o “Santo Graal” da democracia, com o estabelecimento das eleições - um processo falso, uma vez que a democracia eleitoral permaneceu mais como “governo para o povo” do que “governo pelo povo”.

O autor discutiu quatro remédios para esses problemas no quarto capítulo. O primeiro estaria no renascimento do sorteio: democracia deliberativa (final do século XX), seguido pela inovação democrática no futuro: assembleias designadas. Em seguida, um plano para uma democracia baseada no sorteio e, por fim, o oportuno apelo a um sistema birrepresentativo. Esses quatro remédios são diferentes em sua composição. A democracia deliberativa, por exemplo, é uma forma de democracia participativa; já as assembleias designadas são compostas aleatoriamente pelo parlamento. O terceiro modelo de democracia é baseado exclusivamente nos sorteios. O quarto remédio é chamado de apelo a um sistema birrepresentativo; um sistema de representação produzido tanto por meio de eleições como por sorteio.

Para o autor, o sistema birrepresentativo é o melhor remédio para a síndrome da fadiga democrática. Segundo ele, neste sistema, tanto a legitimidade quanto a eficiência aumentam e são equilibradas, a desconfiança mútua entre governantes e governados se expande, o treinamento está presente na democracia, juntamente com a tomada de decisão racional e construtiva. O autor está firmemente convencido de que o modelo birrepresentativo conduzirá a democracia a águas mais calmas.

De todo, o autor acredita firmemente na reintrodução do sorteio, descrito como um método democrático de cunho muito mais histórico. O autor considerou que a crise sistemática da democracia pode ser sanada com uma nova oportunidade ao sorteio, que pode corrigir várias deficiências nos sistemas atuais. Para Van Reybrouck, o sorteio é uma técnica lógica e conscientemente neutra, na qual as oportunidades políticas podem ser alocadas de maneira justa e a discórdia, evitada. O autor apresenta ainda vários pontos fortes em sua implementação, como a redução do risco de corrupção, diminuição da febre eleitoral, a liberdade e a atenção ao bem comum.

Dentre os quatro capítulos do livro, o escritor reconhece, nos três primeiros, o estado atual da democracia baseada nas eleições. Em sua análise no quarto capítulo, o restabelecimento do sorteio é mais democrático do que as eleições. Recomenda, finalmente, um sistema de birrepresentação, que é realizado tanto pelo voto como pelo sorteio, como a melhor solução para a síndrome democrática.

Em suas conclusões, o autor fornece diversos exemplos de apoio aos argumentos. No entanto, o autor funda todo o livro na indicação de dois sintomas (legitimidade e eficiência), o que, consequentemente, fornece suporte para o tema e a ideia principal. Do ponto de vista do autor, legitimidade e eficiência são o cerne de sua análise sobre democracia.

Uma vez conhecidos os argumentos do autor, também concordamos que as eleições por si só não são a melhor opção para a democracia, visto que a implementação do sorteio fornece uma representação mais equitativa para o povo. Além disso, no longo prazo, a aplicação de ambas as técnicas afetaria e fortaleceria positivamente o sistema de eleições e, por conseguinte, a democracia.

Concordamos com o fato de o autor não desaprovar ou eliminar completamente as eleições, mas advogamos um aprimoramento para uma abordagem mais democrática, sustentável, transparente e honesta. No entanto, entendemos ser inadequada a abordagem que considera a legitimidade e a eficiência como as duas únicas características presentes no desenvolvimento da ideia de democracia. Em nossa opinião, o termo “democracia” conforme descrito pelo autor deve compreender e abranger mais de dois sintomas, por ser mais amplo.

Hoje, muitos cidadãos não se interessam por eleições e política. Com o passar dos anos, a participação eleitoral tem se tornado cada vez menor, levando as regras de votação a mudar com o tempo em muitos países. Uma das principais mudanças é a implementação do voto obrigatório nas eleições federais. Embora existam muitos argumentos a favor e contra o voto obrigatório, sua função é aumentar a participação eleitoral. Além disso, normalmente, os partidos políticos propunham incentivos em suas campanhas políticas como forma de ganhar popularidade e favorecimento entre a população, como forma de ganhar popularidade e aumentar indiretamente a participação eleitoral. Diante do exposto e conforme os sintomas apresentados pelo autor, nosso sistema político não está em equilíbrio e se encontra em crise de legitimidade.

Além da legitimidade, a eficiência também é desafiada. Atualmente, são vistas como incertas as ações decisivas dos governos para combater a atual pandemia e seu impacto na economia, nos negócios, nas comunidades e na tragédia humana, como a perda de vidas, saúde e bem-estar das famílias. Por isso, nossa democracia representativa encontra-se em uma situação desalentadora.

Um sistema político, segundo o autor, precisa de legitimidade e eficiência para atingir o equilíbrio. Neste caso, com base nas vantagens apresentadas pelo autor, o alcance deste objetivo, ou melhoria neste quesito, estaria na aplicação do sorteio.

A ideia de sorteio pode assustar em um primeiro momento, uma vez que há alguns séculos já não faz mais parte da democracia. Porém, alguém que esteja aberto a “velhas-novas” ideias deve concordar que a corrupção e os lobbies são parte intrínseca de eleições. Esse fato se deve, em grande medida, ao seu financiamento. Tanto doações declaradas quanto não declaradas (caixa 2, para usar um termo consagrado no Brasil) direcionam notadamente as eleições, mesmo em democracias estabelecidas e “maduras”. Resta-nos pensar em outras possibilidades, e esta parece uma proposta a se considerar.

REFERENCES

  • Van Reybruck, D. (2014). Congo: the epic history for a people London, UK: Ecco.
  • Van Reybrouck, D. (2016). Against Elections: The Case for Democracy London, UK: The Bodley Head.
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    Mais informações sobre o autor: https://www.davidvanreybrouck.be/?q=en/content/biography
  • [Versão traduzida]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2020
  • Aceito
    24 Nov 2020
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