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Cidade, encarceramento e violência: uma geografia da sobrevivência dos negros para os estudos organizacionais

Ciudad, encarcelamiento y violencia: una geografía de la supervivencia de los negros para los estudios organizacionales

Resumo

O objetivo deste artigo é propor desdobramentos entre a formação socioespacial como manifestação de um racismo estrutural, com o encarceramento em massa e a violência contra a população negra, numa geografia de sobrevivência a qual pode trazer contribuições para a virada espacial nos estudos organizacionais. Partimos de uma consideração de espaço social, cidade e raça que indica que o direito de habitar e viver na cidade de homens e mulheres negros é fortemente afetado pelo racismo estrutural. Dessa forma, não se deve colocar a questão de “como se dá a estrutura da vida cotidiana na cidade” e, sim, indagar “como é possível para os negros viverem na cidade”. A literatura sobre raça e cidade indica a existência de áreas moles, áreas duras e espaços negros. O encarceramento em massa e a violência contra homens e mulheres negros, exposta também nos dados sobre abordagens policiais, remonta ao histórico de escravização, elemento constituinte das cidades na classificação da corporeidade, fator limitante para que a população negra possa se apropriar e participar dos rumos da cidade. Logo, essa perspectiva espacial das relações raciais na cidade denota como hoje se produz o espaço urbano.

Palavras-chave:
Formação socioespacial; Raça; Sistema de Justiça Criminal

Resumen

El objetivo de este artículo es proponer desarrollos entre la formación socioespacial como manifestación del racismo estructural, con el encarcelamiento masivo y la violencia contra la población negra, en una geografía de la supervivencia que puede traer aportes para el giro espacial en los estudios organizacionales. Partimos de una consideración sobre espacio social, ciudad y raza que indica que el derecho de hombres y mujeres negros a habitar y vivir en la ciudad está fuertemente afectado por el racismo estructural, por lo tanto, no se cuestiona “¿cómo se da la estructura de la vida cotidiana en la ciudad?” sino “¿cómo es posible que los negros vivan en la ciudad?”. La literatura sobre raza y ciudad indica la existencia de áreas blandas, áreas duras y espacios negros. El encarcelamiento masivo y la violencia contra hombres y mujeres negros ‒también expuesta en los datos sobre abordajes policiales‒ se remontan a la historia de la esclavitud, elemento constitutivo de las ciudades en la clasificación de la corporeidad, factor limitante para que la población negra pueda apropiarse y participar del destino de la ciudad, por lo que una perspectiva espacial de las relaciones raciales en la ciudad denota cómo se produce hoy el espacio urbano.

Palabras clave:
Formación socioespacial; Raza; Sistema de justicia criminal

Abstract

This article proposes developments between socio-spatial formation as a manifestation of structural racism with mass incarceration and violence against the Black population in a geography of survival, which can bring contributions to the spatial turn in organizational studies. We start from a consideration of social space, city, and race, indicating that Black peoples’ right to inhabit and live in the city is strongly affected by structural racism. Therefore, the question isn’t “how is the structure of everyday life in the city?” but “how is it possible for Black people to live in the city?” The literature on race and city indicates soft areas, hard areas, and Black spaces. Mass incarceration and violence against Black people, also exposed in police approaches, dates back to the history of enslavement, a constituent element of cities, in the classification of corporeality, a limiting factor for the Black population to appropriate and participate in the city. Thus a spatial perspective of the racial relations in the city denotes how the urban space is produced today.

Keywords:
Sociospatial formation; Race; Criminal Justice System

INTRODUÇÃO

Devo lhe dizer que o nosso atraso político, que tornou essa ditadura necessária, se explica perfeitamente pelo nosso sangue negro. Infelizmente. Por isso estamos tentando expurgar esse sangue, construindo uma nação para todos, limpando a raça brasileira [frase atribuída a Oswaldo Aranha, ministro do Estado Novo, em conversa com Ruth Landes, em 1939] (Simas, 2020Simas, L. A. (2020). Vadeia Clementina! In L. A. Simas, L. Rufino, & R. Haddock-Lobo(Eds.), Arruaças: uma filosofia popular brasileira. Rio de Janeiro, RJ: Bazar do Tempo., p. 164).

O mesmo sangue expurgado num projeto higienista de nação é o sangue que escorre nas ruas, é o ar que falta nos pulmões daqueles vitimados pela truculência de quem, teoricamente, deveria ser um protetor: “No dia 19 de novembro de 2020, João Alberto Silveira Freitas, 40, morreu após ser espancado por dois seguranças de uma loja do supermercado Carrefour, em Porto Alegre.” Já “o jovem Gabriel, de 19 anos, desmaiou duas vezes após ser sufocado por policiais militares em Carapicuíba (Grande SP); ele foi abordado após a moto em que estava, que não tinha queixa de roubo ou furto, ter colidido contra a moto de um policial em junho de 2020”. “Em 16 de fevereiro de 2019, Pedro Henrique Gonzaga, 19, foi morto após ser imobilizado pelo segurança Davi Ricardo Moreira Amâncio, 32, um segurança do supermercado Extra, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro” (Folha de S. Paulo, 2020Folha de S. Paulo. (2020, novembro 20). Fotografia: casos de violência contra negros no Brasil e nos EUA. Recuperado de https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1683909191170285-casos-de-violencia-contra-negros-no-brasil-e-nos-eua
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). E o que dizer de Evaldo Rosa dos Santos, 51, morto em 7 de abril de 2019, cujo carro foi atingido por 80 disparos de fuzil, em operação conduzida por militares em Guadalupe?

Limpar a raça brasileira também significa privar de liberdade elementos suspeitos e indesejáveis, leia-se, aprisionar a carne negra, ainda que inocente: Heberson Lima de Oliveira passou dois anos e sete meses preso injustamente, acusado de estupro; foi estuprado na cadeia e contraiu HIV; ainda hoje luta por indenização do Estado, que o manteve preso provisoriamente durante todo esse período (Geledés, 2015Geledés. (2015, junho 01). Após passar 3 anos preso injustamente, ser estuprado e contrair HIV na cadeia, ex-pedreiro ainda luta por indenização. Recuperado dehttps://www.geledes.org.br/apos-passar-3-anos-preso-injustamente-ser-estuprado-e-contrair-hiv-na-cadeia-ex-pedreiro-ainda-luta-por-idenizacao/
https://www.geledes.org.br/apos-passar-3...
). Bárbara Querino de Oliveira passou um ano e oito meses presa, condenada, em agosto de 2019, por roubo de carro. “Negra, Babiy foi reconhecida pelos cabelos por vítimas brancas em dois processos” (Stabile, 2020Stabile, A. (2020, maio 14). Condenada sem provas, Bárbara Querino é absolvida pela segunda vez. El País. Recuperado de https://brasil.elpais.com/brasil/2020-05-14/condenada-sem-provas-barbara-querino-e-absolvida-pela-segunda-vez.html
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, s.p.) e foi absolvida apenas em 13 de maio de 2020.

João Alberto, Gabriel, Pedro Henrique, Evaldo, Heberson e Bárbara são milhares. São os sonhos que se apagam, os laços de convívio que se rompem. Aos que ficam, cujo sangue não escorre nas ruas, o ar não falta ou a carne não está aprisionada, resta um estado menor de vida, a morte em vida da qual fala Mbembe (2018Mbembe, A. (2018). Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São Paulo, SP: N-1 Edições.) e um estado permanente de desumanidade. Não nos deixemos enganar, o sangue e o suor dos negros são o elemento que liga as cidades brasileiras, fundadas no racismo e marcadas pela ideologia de branqueamento e europeização. A fala de Oswaldo Aranha é mais atual do que nunca.

João Alberto, Gabriel, Pedro Henrique, Evaldo, Heberson e Bárbara e milhares de negros são a justificativa para a realização das reflexões aqui apresentadas: o corpo negro é excluído, mantido à parte, tratado como selvagem, ruim, malvado, feio (Fanon, 2008Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. Salvador, BA: EDUFBA.). Juntemos a essas caraterísticas a criminalização do negro, como instrumento de “regeneração” da população brasileira e de aniquilação. Justiça criminal, política de segurança e a capacidade de negros e negras viverem e habitarem as cidades são profundamente impregnadas por essa lógica genocida. O mundo branco é reconhecido como o único honesto e ele rejeita a participação dos sujeitos negros (Fanon, 2008). Ao negro é relegada a representação por meio de estereótipos: “como segmentos atípicos, exóticos, filhos de uma raça inferior, atavicamente criminosos, preguiçosos, ociosos e trapaceiros (Moura, 2019Moura, C. (2019). Sociologia do negro brasileiro (2a ed.). São Paulo, SP: Perspectiva., p. 31). Afinal de contas, ser negro ou negra é crime? E se não é, por que somos punidos cotidianamente?

Consideramos que um olhar racial para as cidades é relevante para o desvelamento de uma série de opressões e desvantagens estruturais, uma vez que pessoas negras são as que mais sofrem violência policial e desigualdades de todos os tipos (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos [DIEESE], 2019Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. (2019). A inserção da população negra no mercado de trabalho. Brasília, DF: Autor. Recuperado de https://www.dieese.org.br/analiseped/negros.html
https://www.dieese.org.br/analiseped/neg...
; Instituto Ethos, 2016Instituto Ethos. (2016). Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas. São Paulo, SP: Autor. Recuperado de https://issuu.com/institutoethos/docs/perfil_social_tacial_genero_500empr
https://issuu.com/institutoethos/docs/pe...
; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2020Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2020). Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil. Recuperado de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf.
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). E as mulheres negras, além de também serem alvo dos altos índices de violência, ocupam a base da estratificação social (Cerqueira & Coelho, 2017Cerqueira, D., & Coelho, D. (2017). Democracia racial e homicídios de jovens negros na cidade partida. Brasília, DF: IPEA.). Fala-se aqui de uma geografia da sobrevivência de negros e negras.

Mitchell e Heynen (2009Mitchell, D., & Heynen, N. (2009). The geography of survival and the right to the city: speculations on surveillance, legal innovation, and the criminalization of intervention. Urban Geography, 30(6), 611-632. Recuperado dehttps://doi.org/10.2747/0272-3638.30.6.611
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), ao tratarem de uma geografia da sobrevivência, consideram que existem espaços e relações espaciais nas cidades em que não se questiona como as pessoas vivem, mas, sim, se elas vivem ou não. Os exemplos trazidos nesta introdução mostram como a própria existência dos negros é afetada, seu direito de ir e vir e a privação de liberdade. Os autores também destacam que, para que a busca de direitos à participação nos rumos da cidade ocorra de fato, é necessário que as pessoas possam viver e habitar a cidade. Argumentamos, no presente texto, que, em uma cidade racializada, o direito de viver e de habitar é profundamente afetado por máculas históricas, como a escravização, a ideologia do branqueamento e, consequentemente, a criminalização dos negros desde os primórdios da República.

Nas diversas ciências, o enfoque do espaço social e das cidades faz parte de um movimento chamado virada espacial (Frehse, 2013Frehse, F. (2013). O espaço na vida social: uma introdução. Estudos Avançados, 27(79), 69-74. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0103-40142013000300006
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; Frehse & O’Donnell, 2019Frehse, F., & O’Donnell, J. (2019). Quando espaços e tempos revelam cidades. Tempo Social, 31(1), 1-9. Recuperado dehttps://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2019.153111
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). Já discussões específicas de raça dentro da virada espacial remontam ao texto de McCann (1999)Mccann, E. J. (1999). Race, protest, and public space: contextualizing Lefebvre in the U. S. City. Antipode, 31(2), 163-184. Recuperado dehttps://doi.org/10.1111/1467-8330.00098
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, que analisa a contextualização do direito à cidade de Lefebvre diante das relações raciais, da violência policial e da resistência da população negra nos Estados Unidos. No Brasil, a discussão sobre raça e cidades tem ocorrido, recentemente, sobretudo nas áreas de geografia e sociologia, e entre tais discussões destacam-se os diálogos de espaço e raça (Ferreira & Ratts, 2016Ferreira, D. C., & Ratts, A. (2016). Geografia da diferença: diferenciações socioespaciais e raciais. Revista GeoAmazônia, 4(7), 97-105.; Nogueira, 2018Nogueira, A. M. R. (2018). A construção conceitual e espacial dos territórios negros no Brasil. Revista de Geografia, 35(Especial), 204-218. Recuperado dehttps://doi.org/10.51359/2238-6211.2018.234423
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; Leandro, 2019Leandro, G. (2019, junho 12). Direito à cidade e questões raciais. Coletiva, 24, 1-10. Recuperado dehttps://www.coletiva.org/dossie-direito-a-cidade-n24-artigo-direito-a-cidade-e-questoes-raciai
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; Panta, 2020Panta, M. (2020). População negra e o direito à cidade: interfaces entre raça e espaço urbano no Brasil. Acervo, 33(1), 79-100.) assim como de gênero, raça e cidade (Raul, 2015Raul, J. M. (2015). Mulheres negras, movimentos sociais e direito à cidade: uma perspectiva para as políticas públicas. Revista Eletrônica de Estudos Urbanos e Regionais, 22(6), 46-53.; Correia, Coelho, & Sales, 2018Correia, A., Coelho, C., & Salles, L. (2018, outubro 11). Cidade interseccional: o direito à cidade nas perspectivas de gênero e raça. Observatório das Metrópoles. Recuperado de http://www.observatoriodasmetropoles.net.br/o-direito-cidade-nas-perspectivas-de-genero-e-raca/
http://www.observatoriodasmetropoles.net...
; Mastrodi & Batista, 2018Mastrodi, J., & Batista, W. M. (2018). O dever de cidades includentes em favor das mulheres negras. Revista de Direito da Cidade, 10(2), 862-886. Recuperado dehttps://doi.org/10.12957/rdc.2018.31664
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).

Na ciência administrativa, especificamente nos estudos organizacionais, a virada espacial tem se consolidado, ainda que a discussão sobre raça e cidades, até o momento de construção deste texto, não tenha sido feita. Os estudos têm focado a cidade-organização (Mac-Allister, 2004Mac-Allister, M. (2004). A cidade no campo dos estudos organizacionais. Organizações & Sociedade, 11(Especial), 171-81. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1984-9110012
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; Saraiva & Carrieri, 2012Saraiva, L. A. S., & Carrieri, A. P. (2012). Organização-cidade: proposta de avanço conceitual a partir da análise de um caso. Revista de Administração Pública, 46(2), 547-76. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0034-76122012000200010
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), espaço social como categoria relevante para os estudos organizacionais (Lacerda, 2015Lacerda, D. S. (2015). Overcoming dichotomies through space: the contribution of dialectical materialism to organization studies. Organizações & Sociedade, 22(73), 223-36. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1984-9230732
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), e as possibilidades de debate entre estudos organizacionais e cidades (Saraiva, 2019Saraiva, L. A. S. (2019). Os estudos organizacionais e as cidades. In L. A. S. Saraiva, & A. G. Enoque (Orgs.), Cidades e estudos organizacionais: um debate necessário (pp. 21-74). Ituiutaba, MG: Barlavento.). Consideramos que as discussões sobre uma cidade racializada, que aliam a dimensão de raça aos estudos das cidades nos estudos organizacionais, podem trazer aprofundamento no entendimento das próprias cidades brasileiras marcadas pelo racismo estrutural, segregação, violência e encarceramento.

Diante desse contexto, o objetivo deste artigo é propor desdobramentos entre a formação socioespacial como manifestação de um racismo estrutural com o encarceramento em massa e a violência contra a população negra numa geografia de sobrevivência.

Além desta introdução, o artigo é composto por uma discussão sobre cidade e raça atravessada por conceitos centrais para se pensar a urbanização brasileira e a situação da população negra nas cidades, com base na qual evidenciamos uma geografia da sobrevivência. Em seguida, trazemos uma série de dados e estatísticas sobre violência e encarceramento que são lidos segundo os conceitos trabalhados anteriormente. Por último, nas considerações finais, no esforço criativo entre a realidade sufocante e a utopia igualitária, traçamos algumas alternativas já encontradas em nossa realidade prática.

CIDADE E RAÇA: UMA GEOGRAFIA DE SOBREVIVÊNCIA DOS NEGROS

As discussões de espaço social são parte de um movimento amplo nas ciências sociais, uma tendência atual de virada espacial: “[...] uma tendência internacional recente das ciências sociais sobre a cidade: o enfoque investigativo sobre a dimensão espacial das práticas sociais que frequentemente tem adentrado os estudos urbanos internacionais sob o rótulo de spatial turn” (Frehse & O’Donnell, 2019Frehse, F., & O’Donnell, J. (2019). Quando espaços e tempos revelam cidades. Tempo Social, 31(1), 1-9. Recuperado dehttps://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2019.153111
https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.20...
, p. 2). Para Frehse (2013Geledés. (2015, junho 01). Após passar 3 anos preso injustamente, ser estuprado e contrair HIV na cadeia, ex-pedreiro ainda luta por indenização. Recuperado dehttps://www.geledes.org.br/apos-passar-3-anos-preso-injustamente-ser-estuprado-e-contrair-hiv-na-cadeia-ex-pedreiro-ainda-luta-por-idenizacao/
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, p. 69), o “interesse cognitivo pela dimensão espacial das relações e práticas sociais, com base no pressuposto de que o espaço nem se restringe a substrato físico da pesquisa empírica, nem é mera abstração metafórica da reflexão teórica”. Alinhados a esse movimento, discutimos a geografia da sobrevivência na realidade brasileira e seus subsídios com base em um pensamento afrodiaspórico.

A geografia da sobrevivência, de acordo com Mitchell e Heynen (2009Mitchell, D., & Heynen, N. (2009). The geography of survival and the right to the city: speculations on surveillance, legal innovation, and the criminalization of intervention. Urban Geography, 30(6), 611-632. Recuperado dehttps://doi.org/10.2747/0272-3638.30.6.611
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), descreve espaços e relações espaciais que estruturam não apenas como as pessoas vivem, mas se elas podem de fato viver ou não. Os autores tratam da questão de como é possível - ou praticamente impossível - que algumas pessoas habitem e vivam na cidade capitalista e racista. Então, a questão central passa a ser não “qual a estrutura da vida cotidiana na cidade?” e, sim, “como é possível para as pessoas viverem na cidade? O que é necessário?” (Mitchell & Heynen, 2009Mitchell, D., & Heynen, N. (2009). The geography of survival and the right to the city: speculations on surveillance, legal innovation, and the criminalization of intervention. Urban Geography, 30(6), 611-632. Recuperado dehttps://doi.org/10.2747/0272-3638.30.6.611
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, p. 614, tradução nossa).

Ao pensarmos acerca de uma geografia da sobrevivência dos negros para os estudos organizacionais, é preciso considerar tempo e espaço. Como nos elucida Sodré (2019Sodré, M. (2019). O terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Mauad X., p. 29): “A verdade da geografia, ciência da descrição dos espaços, é dada pela História.” Para ele, “a história de uma cidade é a maneira como os habitantes ordenaram as relações com a terra, o céu, a água e os outros homens. A história dá-se em um território, que é o espaço exclusivo e ordenado das trocas que a comunidade realiza na direção de uma identidade grupal” (Sodré, 2019Sodré, M. (2019). O terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Mauad X., p. 24).

Mitchell e Heynen (2009Mitchell, D., & Heynen, N. (2009). The geography of survival and the right to the city: speculations on surveillance, legal innovation, and the criminalization of intervention. Urban Geography, 30(6), 611-632. Recuperado dehttps://doi.org/10.2747/0272-3638.30.6.611
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) evidenciam que, para que as pessoas tenham direito à cidade, dois aspectos fundamentais devem ser atendidos: o direito de habitar e viver na cidade. Entendemos que, no caso das cidades brasileiras, duas formas são centrais ao se pensar o direito dos negros de habitar e viver na cidade: por meio da violência e do encarceramento em massa, os quais operam como continuidade da ideologia de branqueamento e extermínio da população negra.

Consideramos que, na história da produção das cidades brasileiras, como também se dá nos demais países em que a mácula da escravização dos negros se manifestou, ocorre o apagamento do negro, que é visto como elemento social indesejado e destoante da ideologia de branqueamento que ainda permeia o imaginário, as representações e as práticas. Daí o desprezo pela vida dos negros, a violência exacerbada, evidente em mortes violentas, autos de resistência e números alarmantes de violência obstétrica, assim como no encarceramento em massa, que afeta primariamente a população negra e pobre. Fundamentado nas relações coloniais, Munanga (2020Munanga, L. (2020). Negritude: usos e sentidos (4a ed., 2a reimp.). Belo Horizonte, MG: Autêntica., p. 32) retrata a retirada das qualidades humanas dos negros: “Sendo deficiente, o negro deve ser protegido. Legitima-se o uso da polícia e de uma justiça severa diante de um retardado, com maus instintos e ladrão.” Podemos considerar que a segurança pública, entendida como “guerra às drogas”, de fato, se materializa num genocídio de negros pobres como uma representação dominante no meio institucional revestida de autoridade.

Em relação ao surgimento das cidades brasileiras, uma questão relevante é a subserviência e admiração da classe dominante pelos padrões ditos científicos das metrópoles dominadoras (Moura, 2019Moura, C. (2019). Sociologia do negro brasileiro (2a ed.). São Paulo, SP: Perspectiva.). Para Sodré (2019Sodré, M. (2019). O terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Mauad X., p. 19), “[...] as cidades são capitalisticamente planejadas - desde o traçado das ruas à valorização de bairros e construção de prédios majestosos até as localizações dos lugares de serviço público -, com vistas à fascinação a ao esmagamento das diferenças” (Sodré, 2019, p. 19), modelo advindo das cidades europeias. Essa subserviência advém do triunfo da doutrina da humanidade absoluta, em uma ordenação espacial centrada na Europa, em que se cria um “humano universal”, baseado no burguês europeu e, com ele, seu oposto, o “inumano universal” - selvagem, bárbaro e negro (Sodré, 2019Sodré, M. (2019). O terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Mauad X.).

Sodré (2019Sodré, M. (2019). O terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Mauad X.) elucida que, no Brasil, ocorreu uma europeização - absorção de aparências de cultura europeia -, num tipo de “engana o olho”, uma técnica artística que, por meio mimético de três dimensões, oferece ao olhar uma ilusão, fazendo crer ser real o objeto representado na pintura, como exemplo, para as elites brasileiras, “era preciso vestir o Rio de Europa para atrair capitais estrangeiros. Era necessária a sedução pela fachada” (Sodré, 2019Sodré, M. (2019). O terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Mauad X., p. 45). Almeida (2020Almeida, S. L. (2020). Racismo estrutural. São Paulo, SP: Jandaíra., p. 55) aponta que “os diferentes processos de formação nacional dos Estados contemporâneos não foram produzidos apenas pelo acaso, mas por projetos políticos”.

A instauração do Brasil República permitiu que o Brasil se afastasse, em parte, do estereótipo colonial. Muitas cidades surgiram à imagem e semelhança daquelas urbes europeias que eram símbolo máximo de progresso, mas, no que tange às classificações raciais, nada mudou desde o período colonial. Os negros, quando sujeitos escravizados, eram tratados exclusivamente como unidades de trabalho e, quando livres, continuaram presos às classificações raciais responsáveis por definir hierarquias sociais (Almeida, 2020Almeida, S. L. (2020). Racismo estrutural. São Paulo, SP: Jandaíra.).

Cabe destacar que, no fim do século XIX, o Brasil era a única monarquia da América Latina e que, após a abolição da escravidão, em 1888, sem nenhuma restituição aos negros que foram escravizados, a Proclamação da República aconteceu no ano seguinte (Costa & Arguelhes, 2008Costa, A. C. S., & Arguelhes, D. O. (2008). A higienização social através do planejamento urbano de Belo Horizonte nos primeiros anos do século XX. Universitas Humanas, 5(1), 109-137. Recuperado de https://doi.org/10.5102/univhum.v5i1.878
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). Os autores afirmam, ainda, que o intuito da República era construir uma nação moderna, branca e europeizada sobre o defunto de uma monarquia atrasada e escravista. Os ex-escravizados eram parte desse passado atrasado e monárquico, “um empecilho ideológico à higiene e à modernização. Discursos de diferentes procedências sociais colocavam-no [o negro] lado a lado com miasmas e insalubridade” (Sodré, 2019Sodré, M. (2019). O terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Mauad X., p. 41).

Gomes (2019Gomes, N. L. (2019). O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes.) lembra ainda que, diante da valorização da mão de obra imigrante, mesmo com o fim da escravização, muitos libertos se submeteram a uma situação análoga à escravização, ao não ser possível sobreviver sem trabalho e por não terem sido considerados em nenhuma política de inclusão de negros na sociedade. Ademais, o trabalho livre e assalariado foi garantido aos imigrantes europeus à medida que o discurso progressista, de que os europeus “civilizados” trariam a sua cultura e ajudariam a desenvolver a nação, ganhou força, já que os negros estavam condenados à bestialidade da escravidão (Costa & Arguelhes, 2008Costa, A. C. S., & Arguelhes, D. O. (2008). A higienização social através do planejamento urbano de Belo Horizonte nos primeiros anos do século XX. Universitas Humanas, 5(1), 109-137. Recuperado de https://doi.org/10.5102/univhum.v5i1.878
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). Se no período escravocrata a comunidade negra foi marcada pela estigmatização e o devir negro era sinônimo de subumanidade e barbárie, na República, a marca é de marginalidade (Rolnik, 1989Rolnik, R. (1989). Territórios negros nas cidades brasileiras: etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de Janeiro. Recuperado de https://raquelrolnik.files.wordpress.com/2013/04/territc3b3rios-negros.pdf
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).

Dessa forma, a rejeição aos negros leva a uma massa de pessoas sem função no novo modelo urbano-industrial que se iniciava nas primeiras décadas do século XX no Brasil e em praticamente toda a América Latina. Essa situação de segregação se reflete na constituição das cidades, uma vez que o cidadão ideal se afastava da condição do negro. Ao pensarmos em uma geografia de sobrevivência, percebe-se que o negro, por não ter tomado parte da posse de terras nem ter sido ressarcido, visto como selvagem sujo e irracional, é hoje ainda colocado como elemento indesejado e perigoso para a ordem social e por isso é duramente repreendido, acusado e julgado.

Buscamos aqui apresentar a história da produção do espaço das cidades, de modo a, nas palavras de Sodré (2019Sodré, M. (2019). O terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Mauad X.), trazer a verdade necessária para o estudo do espaço citadino, que considera o racismo elemento central da produção das cidades brasileiras.

Desse modo, cumpre destacar a importância da dimensão racial para o entendimento da atual configuração das cidades e da sociedade brasileira. O racismo não pode ser considerado unicamente individual, como uma manifestação de sujeitos específicos, nem institucional, como o resultado do funcionamento das instituições, mas um racismo estrutural, “uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo ‘normal’ com que se constituem relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional” (Almeida, 2020Almeida, S. L. (2020). Racismo estrutural. São Paulo, SP: Jandaíra., p. 50).

Cabe destacar que a produção histórica do espaço é elitizada e segregada - com o fim da escravização, o negro foi removido de áreas centrais das cidades para que estas fossem ocupadas por cidadãos adequados à proposta de nação: brancos (Rolnik, 1989Rolnik, R. (1989). Territórios negros nas cidades brasileiras: etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de Janeiro. Recuperado de https://raquelrolnik.files.wordpress.com/2013/04/territc3b3rios-negros.pdf
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). Como deixaram de morar nas casas dos senhores, os negros passaram a viver em casas populares, os cortiços, que, além de serem estigmatizados como ambientes promíscuos, também eram alvo de destruição em nome dos discursos de modernização e higienização, o que, na verdade, revela a política de branqueamento social e de genocídio da população negra (Teixeira, 2021Teixeira, J. (2021). Trabalho doméstico. São Paulo, SP: Jandaíra.). Tem-se aqui o racismo como elemento estruturante da hierarquização dos corpos e dos locais que as pessoas ocupam, com ordenação espacial das relações raciais na cidade, que se mostra em sua forma mais perversa pelo aniquilamento do corpo negro, em condições precárias de viver e habitar a cidade (Ferreira & Ratts, 2016Ferreira, D. C., & Ratts, A. (2016). Geografia da diferença: diferenciações socioespaciais e raciais. Revista GeoAmazônia, 4(7), 97-105.).

Sansone (1996Sansone, L. (1996). Nem somente preto ou negro: o sistema de classificação racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, 18, 165-187. Recuperado dehttps://doi.org/10.9771/aa.v0i18.20904
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), ao considerar as implicações da cor nas relações de poder e nas relações sociais, traça três conceitos importantes: áreas “moles”, áreas “duras” e espaços negros:

As áreas “duras” das relações de cor são: 1) o trabalho e em particular a busca de trabalho; 2) o mercado matrimonial e da paquera; 3) os contatos com a polícia. [...] As áreas “moles” das relações sociais são todos aqueles espaços nos quais ser negro não dificulta e pode às vezes até dar prestígio. Há o domínio do lazer em geral [...]. Esses espaços podem ser considerados espaços negros implícitos, lugares nos quais ser negro não é um obstáculo. Em seguida, vêm os espaços negros mais definidos e explícitos, os lugares nos quais ser negro é uma vantagem: o bloco afro, a batucada, o terreiro de candomblé e a capoeira (Sansone, 1996Sansone, L. (1996). Nem somente preto ou negro: o sistema de classificação racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, 18, 165-187. Recuperado dehttps://doi.org/10.9771/aa.v0i18.20904
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, p. 183).

Para o autor, nos espaços negros implícitos, evita-se falar de raça e racismo, busca-se ser cordial e se dar bem com todos; nos espaços negros explícitos, valoriza-se a negritude: “É o negro quem manda e são os não negros que devem negociar sua participação” (Sansone, 1996Sansone, L. (1996). Nem somente preto ou negro: o sistema de classificação racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, 18, 165-187. Recuperado dehttps://doi.org/10.9771/aa.v0i18.20904
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, p. 183). Para o presente texto, nos interessam especialmente as áreas duras, nos contatos com a polícia e a Justiça, que representam perigo iminente para o negro nas cidades brasileiras, assim como os espaços negros explícitos, nos quais ocorre a valorização da negritude e se pode discutir o racismo. Santos (2012Santos, R. E. (2012). Sobre espacialidades das relações raciais: raça, racialidade e racismo no espaço urbano. In Santos, R. E. (Org.). Questões urbanas e racismo (pp. 36-67). Brasília, DF: ABNP., p. 56) considera que essa formação acaba por estabelecer espaços negros e espaços brancos e que áreas moles e áreas duras produzem “fronteiras invisíveis no espaço social das relações raciais, que se impõem através de constrangimentos a indivíduos e grupos indesejados em lugares e contextos determinados”.

A escravização que produziu dispersão, fragmentação, quebra de laços associativos, morte física e morte simbólica para aqueles que foram escravizados é também, ao mesmo tempo, uma experiência de reconstrução constante de práticas de coesão, invenção de identidades, dinamização de sociabilidades e vida (Simas & Rufino, 2018Simas, L. A. & Rufino, L. (2018). Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro, RJ: Mórula.). Tal reconstrução se dá nos espaços negros explícitos (Sansone, 1996Sansone, L. (1996). Nem somente preto ou negro: o sistema de classificação racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, 18, 165-187. Recuperado dehttps://doi.org/10.9771/aa.v0i18.20904
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). Os quilombos, expressão máxima da resistência negra à escravização, existiram durante boa parte do período escravocrata, seu ápice ocorreu na constituição da República de Palmares (Moura, 2019Moura, C. (2019). Sociologia do negro brasileiro (2a ed.). São Paulo, SP: Perspectiva.). Outro elemento de destaque, como processo simbólico de uma classe subalternizada, é a organização litúrgico-existencial, cujo processo não prezava por exclusões ou violência e, sim, pela construção do terreiro como cosmologia de uma África em exílio (Sodré, 2019Sodré, M. (2019). O terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Mauad X.).

Morales (1991Morales, A. (1991). Blocos negros em Salvador: reelaboração cultural e símbolos de baianidade. Caderno CRH, 4, 72-92. Recuperado dehttps://doi.org/10.9771/ccrh.v4i0.18844
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) lembra que as pessoas negras, desde o período da escravização, usam suas manifestações culturais e étnicas na negociação por espaços sociais diante dos setores dominantes. Desse modo, se, por um lado, a produção das cidades é marcada por segregação, por outro, as formas de (re)existência do povo negro ressoam no espaço-tempo até os dias de hoje, em outras lutas por direitos, identidades e respeito à cultura. Esses espaços visam, em primeira instância, à valorização da negritude e à afirmação do direito de existir e viver dos negros, logo, são relevantes ao se pensar em como se dá a vida dos negros no espaço urbano, assim como seus limites de atuação.

ESTATÍSTICAS E DISCUSSÕES: O BRASIL QUE ODEIA NEGROS E NEGRAS

Ser negro no Brasil indica relação intrínseca com a cor da pele, uma vez que ela é usada como articuladora de diferenças entre os sujeitos, isto é, “para os brasileiros, a cor da pele representa uma marca que identifica quem é e quem não é negro no Brasil” (Rosa, 2014Rosa, A. R. (2014). Relações raciais e estudos organizacionais no Brasil. Revista de Administração Contemporânea, 18(3), 240-260. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1982-7849rac20141085
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, p. 252). Percebe-se, portanto, que, no Brasil, a categoria “raça” tem a cor da pele como elemento principal, e é nessa categoria que se estruturam práticas discriminatórias e racistas em relação ao povo negro.

Com o advento do Brasil República, surgiu também um ideal republicano que buscou se afastar ao máximo das características da antiga Monarquia, mas não teve igual empenho quando o assunto foi inserir os negros livres nessas novas cidades e, consequentemente, nessa nova sociedade que surgia, uma vez que reproduziu o racismo e manteve a segregação. Observa-se aqui uma organização econômica e política que exclui sistematicamente as pessoas negras. A essa situação Almeida (2020Almeida, S. L. (2020). Racismo estrutural. São Paulo, SP: Jandaíra.) dá o nome de racismo estrutural. Como princípio constitutivo da sociedade e das cidades, o racismo estrutural traça uma “linha divisória entre aqueles que têm o direito de viver e os que não o têm” (Bernardino-Costa, Maldonado-Torres, & Grosfoguel, 2020Bernardino-Costa, J., Maldonado-Torres, N., & Grosfoguel, R. (2020). Introdução: decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. In J. Bernardino-Costa, N. Maldonado-Torres, & R. Grosfoguel(Orgs.), Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico(pp. 9-26). Belo Horizonte, MG: Autêntica., p. 11), o que pode ser visto como genocídio da juventude negra perpetrado pelas forças de segurança do Estado.

Ramos, P. P. Silva, I. Silva, e Francisco (2022Ramos, S., Silva, P. P., Silva, I., & Francisco, D. (2022). Negro trauma: racismo e abordagem policial no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: CESeC.) utilizam-se de um indicador chamado idade, gênero, cor, classe e território (IGCCT) para definir o grupo de pessoas que é muito abordado pela polícia - jovens homens, negros, pobres e periféricos - e são enfáticos: “A polícia seleciona quem aborda por critério racial.” “O desvio racial não é desvio de fato. O desvio é a regra” (Ramos et al., 2022Ramos, S., Silva, P. P., Silva, I., & Francisco, D. (2022). Negro trauma: racismo e abordagem policial no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: CESeC., p. 27). O elemento suspeito das abordagens policiais é caracterizado com base na aparência e estética de jovens pretos e favelados, os quais são desumanizados e considerados “matáveis” (Ramos et al., 2022Ramos, S., Silva, P. P., Silva, I., & Francisco, D. (2022). Negro trauma: racismo e abordagem policial no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: CESeC.).

Não devemos pensar também em desvio da função da polícia/ forças de segurança: “Antes da institucionalização da polícia no Brasil, no século XIX, havia policiamento - e desde sempre a raça informava essa prática, indicando que a instituição polícia descende de uma necessidade de controlar a ameaça fundamental à sociedade brasileira: o negro” (Ramos et alRamos, S., Silva, P. P., Silva, I., & Francisco, D. (2022). Negro trauma: racismo e abordagem policial no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: CESeC.., p. 32), desse modo, a polícia cumpre sua razão de ser ao abordar, violentar, prender e exterminar aqueles que são considerados elementos suspeitos.

Em pesquisa realizada na cidade do Rio de Janeiro, Ramos et al. (2022) trazem dados alarmantes. Em uma amostra significativa da população da cidade já abordada por policiais, as autoras indicam que 75% das pessoas são do sexo masculino e 63% são negras. Os chamados “freios de camburão” ou “superabordados”, isto é, pessoas que já foram paradas mais de 10 vezes, têm o seguinte perfil: “94% são homens, 66% são negros, 50% têm até 40 anos, 35% moram em favelas, enquanto 33% moram em bairros de periferia e 58% ganham de zero até três salários mínimos” (Ramos et al., 2022, p. 13). Tal perfil corrobora o indicador IGCCT.

Como nos alertou O Rappa (1994O Rappa. (1994). Todo camburão tem um pouco de navio negreiro. Rio de Janiero, RJ: Warner Music Brasil.), “todo camburão tem um pouco de navio negreiro”, enquanto agentes de um sistema racista e genocida remonta ao colonialismo, as forças de segurança representam uma área dura para a população negra (Sansone, 1996Sansone, L. (1996). Nem somente preto ou negro: o sistema de classificação racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, 18, 165-187. Recuperado dehttps://doi.org/10.9771/aa.v0i18.20904
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) e produzem uma dimensão traumática na repetição de abordagens ao longo do tempo. Nas humilhações e nos abusos, identificamos aquilo que Kilomba (2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro, RJ: Cobogó., p. 80) chama de racismo cotidiano:

O termo “cotidiano” refere-se ao fato de que essas experiências não são pontuais. O racismo cotidiano não é um “ataque único” ou um “evento discreto”, mas, sim, uma “constelação de experiências de vida”, uma “exposição constante ao perigo”, um “padrão contínuo de abuso” que se repete incessantemente ao longo da biografia de alguém.

Outro ponto de destaque é a violência contra a população negra. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2020Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2020). Atlas da violência 2020. Rio de Janeiro, RJ: Autor. Recuperado dehttps://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020
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), uma das principais expressões das desigualdades raciais existentes no Brasil é a forte concentração dos índices de violência letal contra a população negra. São os jovens negros as principais vítimas de homicídio no Brasil (Fórum Brasileiro de Segurança Pública [FBSP], 2020Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (2020). Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo, SP: Autor. Recuperado de https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
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; IPEA, 2020Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2020). Atlas da violência 2020. Rio de Janeiro, RJ: Autor. Recuperado dehttps://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020
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; IBGE, 2020) e são eles também as principais vítimas fatais decorrentes de intervenções policiais (FBSP, 2020Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (2020). Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo, SP: Autor. Recuperado de https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
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).

Em 2018, os negros (soma de pretos e pardos, segundo classificação do IBGE) representaram 75,7% das vítimas de homicídio, com taxa de homicídios por 100 mil habitantes de 37,8%; para os não negros (soma de brancos, amarelos e indígenas) a taxa foi de 13,9% em 100 mil habitantes. Ou seja, comparativamente, significa que, para cada indivíduo não negro morto, em 2018, 2,7% negros foram mortos. Enquanto os homens negros figuram entre os que mais são mortos no país, paralelamente, houve uma diminuição da taxa de homicídios entre os não negros de 13,2%. Entre os negros, foi de 12,2% (IPEA, 2020Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2020). Atlas da violência 2020. Rio de Janeiro, RJ: Autor. Recuperado dehttps://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020
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). Entretanto, a análise histórica evidencia que a morte de homens, em especial de homens jovens negros (entre 15 e 29 anos), é algo recorrente, e as taxas apresentam forte crescimento ao longo dos anos. Na última década, entre 2008 e 2018, os índices de homicídio apresentaram aumento de 11,5% entre os negros, enquanto, entre os não negros, houve uma diminuição de 12,9% (IPEA, 2020Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2020). Atlas da violência 2020. Rio de Janeiro, RJ: Autor. Recuperado dehttps://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020
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). Existe um crescimento relativo da morte de jovens negros, tanto para homens quanto para mulheres, em relação aos não negros, que chega a ser 74% superior para homens negros e 64,4% para as mulheres negras.

O IBGE (2020) apresenta dados de 2017 que ratificam o argumento de a população negra ser, sistematicamente, alvo de violência letal. Já que, em todos os grupos etários, a taxa de homicídios da população preta ou parda superou a da população branca. No entanto, é preciso destacar a violência letal a que os jovens pretos ou pardos de 15 a 29 anos são submetidos: nesse grupo, a taxa chegou a 98,5%, em 2017, contra 34% entre os jovens brancos. Considerando os jovens pretos ou pardos do sexo masculino, a taxa, inclusive, chegou a atingir 185%. Além disso, 79% das mortes da população negra são decorrentes de intervenções policiais, enquanto apenas 21% das mortes da população branca são referentes ao mesmo tipo de violência (FBSP, 2020Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (2020). Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo, SP: Autor. Recuperado de https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
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), demonstrando que existe um grupo de risco das mortes violentas no Brasil. Ao se fazer o recorte de gênero, as mulheres negras representavam, no ano de 2018, 68% do total das mulheres assassinadas no Brasil, com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de 5,2%, quase o dobro quando comparada com a taxa das mulheres não negras (2,8 por 100 mil habitantes) (IPEA, 2020Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2020). Atlas da violência 2020. Rio de Janeiro, RJ: Autor. Recuperado dehttps://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020
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). Assim como os homens negros, ao se fazer uma análise histórica, observa-se que, entre a década de 2007 e 2017, a taxa de homicídio entre as mulheres negras cresceu 29,9%, enquanto a taxa de homicídio entre as mulheres não negras cresceu 4,5% no mesmo período de tempo. Ademais, as mulheres negras foram mais vítimas de feminicídio - 61% das vítimas de feminicídio, entre 2017 e 2018, eram negras (FBSP, 2020Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (2020). Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo, SP: Autor. Recuperado de https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
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).

No que tange à diminuição dos índices de homicídio entre mulheres negras e não negras, tem-se maior redução, entre 2017 e 2018, concentrada fortemente entre as mulheres não negras, o que acentua ainda mais a desigualdade racial. Se entre 2017 e 2018 houve uma queda de 12,3% nos homicídios de mulheres não negras, entre as mulheres negras, essa redução foi de apenas 7,2%. Analisando-se o período entre 2008 e 2018, essa diferença fica ainda mais evidente: enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras caiu 11,7%, a taxa entre as mulheres negras aumentou 12,4% (IPEA, 2020Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2020). Atlas da violência 2020. Rio de Janeiro, RJ: Autor. Recuperado dehttps://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020
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).

As disparidades em relação à violência experimentada por negros em comparação com os não negros podem ser mais bem compreendidas do ponto de vista do conceito de necropolítica de Mbembe (2018Mbembe, A. (2018). Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São Paulo, SP: N-1 Edições.), que trata das formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte, em que as armas de fogo são utilizadas como meio de provocar a destruição de pessoas, criando um “mundo de morte” (Mbembe, 2018Mbembe, A. (2018). Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São Paulo, SP: N-1 Edições., p. 71). Assim, os Estados modernos passam a adotar forças, como as políticas de segurança pública, que acabam por reforçar estereótipos, preconceitos, segregação e discriminação em relação a grupos específicos, como no caso das pessoas negras.

Tratando especificamente da violência perpetrada pelas forças policiais, Naidin (2020Naidin, S. (2020, outubro). Letalidade policial: problema ou projeto? (Boletim Segurança e Cidadania, 27). Rio de Janeiro, RJ: Centro de Estudos de Segurança e Cidadania., p. 3) indica que “o Brasil é um recordista mundial em letalidade policial, mas também que a ação das suas polícias é marcada, em todos os indicadores, pelo uso nitidamente abusivo, violento e ilegítimo da força”. Isso se faz presente nos chamados “autos de resistência”, em que a morte de um civil ocorre em circunstâncias de confronto armado, em um ato de defesa e reação da força policial. Esses “autos de resistência” não se dão em qualquer território ou com quaisquer pessoas; há a combinação de corporeidade e territorialidade (negras): pessoas negras, pobres e de periferia, numa solução violenta para a questão da violência que torna os elementos suspeitos “matáveis” (Naidin, 2020Naidin, S. (2020, outubro). Letalidade policial: problema ou projeto? (Boletim Segurança e Cidadania, 27). Rio de Janeiro, RJ: Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.).

De modo semelhante ao que ocorre em relação aos enquadros, as ações violentas da polícia necessitam de uma análise histórica, em que a dimensão da raça é central: a truculência das forças policiais não remete ao período da ditadura, e sim da própria fundação do Brasil:

Não foi o regime militar que inventou a tortura e as execuções extrajudiciais, nem tampouco a noção de guerra contra inimigos internos. Essas práticas, alimentadas pelo racismo e pelo autoritarismo, já estariam presentes na criação das instituições policiais no Brasil e, mesmo antes, nas ações de capatazes e capitães do mato dedicados a caçar, supliciar e matar escravos fugitivos ou rebelados (Naidin, 2020Naidin, S. (2020, outubro). Letalidade policial: problema ou projeto? (Boletim Segurança e Cidadania, 27). Rio de Janeiro, RJ: Centro de Estudos de Segurança e Cidadania., p. 8).

Na premissa da “ordem acima da lei”, profundamente marcada na sociedade brasileira, os “cidadãos de bem” são os detentores de direitos civis, de cidadania e, especificamente, de direito à vida. Por outro lado, marginais, bandidos, “gansos” e “marmitas” não são considerados sujeitos de direitos. Naidin (2020Naidin, S. (2020, outubro). Letalidade policial: problema ou projeto? (Boletim Segurança e Cidadania, 27). Rio de Janeiro, RJ: Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.) relaciona esses últimos ao conceito de homo sacer, sobre o qual refletiu Giorgio Agamben (2010, como citado em Naidin, 2020Naidin, S. (2020, outubro). Letalidade policial: problema ou projeto? (Boletim Segurança e Cidadania, 27). Rio de Janeiro, RJ: Centro de Estudos de Segurança e Cidadania., p. 15): “Figura do direito romano arcaico para designar indivíduos considerados indignos de vida e que, por isso, poderiam ser assassinados sem que essa ação constituísse crime.” A estigmatização daqueles sob o perfil de elemento suspeito leva à razoabilidade do extermínio e à relativização do direito à vida daqueles vistos como bandidos. Cerqueira e Coelho (2017Cerqueira, D., & Coelho, D. (2017). Democracia racial e homicídios de jovens negros na cidade partida. Brasília, DF: IPEA.) reforçam esse entendimento ao considerar que a cor da pele exerce influência nos elevados números de homicídios da população negra, já que o corpo negro é associado a estereótipos de periculosidade e criminalidade.

Precisamos também pensar sobre o sistema penitenciário, outro elemento do sistema criminal que afeta pesadamente a população negra. De acordo com Borges (2020Borges, J. (2020). Encarceramento em massa. São Paulo, SP: Jandaíra., p. 19), “temos a terceira maior população prisional do mundo, ficando atrás de Estados Unidos e China [...]. São 726.712 pessoas presas no país. O que significa cerca de 352,6 presos para cada grupo de 100 mil habitantes”. Pimentel e Barros (2020Pimentel, A., & Barros, B. W. (2020). As prisões no Brasil: espaços cada vez mais destinados à população negra do país. In Fórum Brasileiro de Segurança Pública(Org.), Anuário Brasileiro de Segurança Pública (pp. 306-307). São Paulo, SP: FBSP. Recuperado de https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
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) afirmam ainda que, historicamente, a população prisional do país segue um perfil muito semelhante ao das vítimas de homicídios. Em geral, são homens jovens, negros e com baixa escolaridade. Borges (2020)Borges, J. (2020). Encarceramento em massa. São Paulo, SP: Jandaíra. ressalta que 64% da população prisional é negra, enquanto, em termos gerais, negros representam 53% da população brasileira. Em 2019, os negros representaram 66,7% da população carcerária, enquanto a população não negra - brancos, amarelos e indígenas, segundo a classificação adotada pelo IBGE -, representou 33,3%. Isso significa que, para cada não negro preso no Brasil em 2019, dois negros foram presos (Pimentel & Barros, 2020Pimentel, A., & Barros, B. W. (2020). As prisões no Brasil: espaços cada vez mais destinados à população negra do país. In Fórum Brasileiro de Segurança Pública(Org.), Anuário Brasileiro de Segurança Pública (pp. 306-307). São Paulo, SP: FBSP. Recuperado de https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
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).

Pimentel e Barros (2020Pimentel, A., & Barros, B. W. (2020). As prisões no Brasil: espaços cada vez mais destinados à população negra do país. In Fórum Brasileiro de Segurança Pública(Org.), Anuário Brasileiro de Segurança Pública (pp. 306-307). São Paulo, SP: FBSP. Recuperado de https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
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) apontam ainda que os dados de 2005 reforçam como as pessoas negras vêm representando a maioria no sistema prisional brasileiro há muitos anos. Nesse período, os negros somavam 58,4% do total de presos, enquanto os brancos eram 39,8%. A taxa de variação entre 2015 e 2019 mostra o crescimento de 377,7% na população carcerária identificada pela raça/cor negra, valor bem superior à variação para os presos brancos, que foi de 239,5%. Tais dados evidenciam que, ano após ano, apesar de a população brasileira ser extremamente heterogênea, com base na perspectiva racial, no sistema prisional, o perfil populacional tem ficado cada vez mais homogêneo, isto é, negro.

Ao fazer o recorte de gênero, tem-se 37.380 mulheres em situação prisional. Entre 2006 e 2014, a população prisional feminina aumentou 567,4%, enquanto a masculina aumentou 220%. Do total de mulheres presas, 67% são negras (Borges, 2020Borges, J. (2020). Encarceramento em massa. São Paulo, SP: Jandaíra.). Nas medidas socioeducativas, a situação se repete: nas casas, entre as internas, 68% são negras (Borges, 2020Borges, J. (2020). Encarceramento em massa. São Paulo, SP: Jandaíra.). Para a autora, o Sistema de Justiça Criminal é profundamente conectado com o racismo, uma vez que pune e penaliza, majoritariamente, a população negra:

Além da privação da liberdade, ser encarcerado significa a negação de uma série de direitos e uma situação de aprofundamento de vulnerabilidades. Tanto o cárcere quanto o pós-encarceramento significam a morte social desses indivíduos negros e negras que, dificilmente, por conta do estigma social, terão restituído o seu status, já maculado pela opressão racial em todos os campos da vida, de cidadania ou possibilidade de alcançá-la. Essa é uma das instituições mais fundamentais no processo de genocídio contra a população negra em curso no país (Borges, 2020Borges, J. (2020). Encarceramento em massa. São Paulo, SP: Jandaíra., p. 22).

Existe, dessa forma, uma forte desigualdade racial no sistema prisional, que pode ser percebida, concretamente, pela maior severidade de tratamento e sanções punitivas direcionadas para os negros. Aliado a isso, as chances diferenciais a que negros estão submetidos socialmente e as condições de pobreza que enfrentam no cotidiano fazem com que se tornem os alvos preferenciais das políticas de encarceramento do país (Pimentel & Barros, 2020Pimentel, A., & Barros, B. W. (2020). As prisões no Brasil: espaços cada vez mais destinados à população negra do país. In Fórum Brasileiro de Segurança Pública(Org.), Anuário Brasileiro de Segurança Pública (pp. 306-307). São Paulo, SP: FBSP. Recuperado de https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
https://forumseguranca.org.br/wp-content...
). Para fins de exemplo, cita-se a guerra às drogas, narrativa central de um sistema racializado de controle social: “O tráfico lidera as tipificações para o encarceramento. Da população criminal masculina, 26% está presa por tráfico, enquanto, entre as mulheres, 62% delas estão encarceradas por essa tipificação. Dessas pessoas, 54% cumprem penas de até oito anos [...]” (Borges, 2020Borges, J. (2020). Encarceramento em massa. São Paulo, SP: Jandaíra., p. 24). Borges (2020Munanga, L. (2020). Negritude: usos e sentidos (4a ed., 2a reimp.). Belo Horizonte, MG: Autêntica.) relata que a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. (2006). Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Brasília, DF. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
, a Lei de Drogas, é um dos fundamentos de legitimação do encarceramento em massa: “De 1990 a 2005, o crescimento da população prisional era de cerca de 270 mil em 15 anos. De 2006 até 2016 [...], o aumento foi de 300 mil pessoas” (Borges, 2020Munanga, L. (2020). Negritude: usos e sentidos (4a ed., 2a reimp.). Belo Horizonte, MG: Autêntica., p. 24). Há de se considerar também o tempo de funcionamento das unidades prisionais: do total de 1.424 unidades no Brasil, 40% existem há menos de dez anos.

Como ponto comum a todas as violações de direitos e práticas de extermínio e de encarceramento apresentadas anteriormente, Naidin (2020Naidin, S. (2020, outubro). Letalidade policial: problema ou projeto? (Boletim Segurança e Cidadania, 27). Rio de Janeiro, RJ: Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.) indica que a atuação normal da força policial - ou seja, arbitrária e violenta - conta com a participação ativa das instituições do Sistema de Justiça Criminal, do policial militar ao juiz. Dessa forma, o racismo estrutural e o controle e extermínio do corpo negro são os elementos para compreender a “contradição entre os órgãos de controle que não controlam, as instituições de investigação que não investigam, os documentos de perícia que nada atestam, os encarregados de punição/responsabilização dos policiais que os absolvem a priori de seus crimes” (Naidin, 2020Naidin, S. (2020, outubro). Letalidade policial: problema ou projeto? (Boletim Segurança e Cidadania, 27). Rio de Janeiro, RJ: Centro de Estudos de Segurança e Cidadania., p. 24), assim como a abordagem, revista, punição e privação de liberdade dos corpos negros. Esses são elementos presentes no cotidiano de negros e negras nas cidades: uma vida sob medo constante, do enquadro ou baculejo ao fuzilamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: COMO COMBATER COM VIDA QUEM NOS DESEJA A MORTE?

Buscamos evidenciar uma geografia da sobrevivência dos negros nas cidades brasileiras, que julgamos ser relevante para os estados organizacionais que se debruçam sobre as cidades. A geografia da sobrevivência, exemplificada na violência e no encarceramento em massa, traz à tona as opressões sofridas pela população negra, que se materializam nas cidades, as quais, historicamente, são fundadas sob uma lógica racista e segregacionista.

Ainda que em outras ciências, como a geografia e a sociologia, já ocorram discussões que incluam a vida urbana, raça, classe e gênero, os estudos organizacionais ainda discutem as cidades sem levar em conta a historicidade dos espaços, fundadas em uma estrutura racista, conforme apresentado neste texto, na europeização dos grandes centros, na criminalização e na rejeição do negro como cidadão, numa ideologia de branqueamento e regeneração do povo brasileiro que, para ocorrer de fato, necessita exterminar negros e negras.

Desse modo, as principais contribuições do presente artigo relacionam-se com o desvelamento de uma realidade opressora, historicamente e espacialmente construída nas cidades brasileiras. Os estudos organizacionais, especificamente aqueles que versam sobre as cidades, podem se valer das reflexões aqui realizadas para tratar uma questão que julgamos relevante: as condições impostas a negros e negras nas cidades brasileiras quando tratamos de segurança pública e justiça criminal. A espacialidade e a corporeidade (negra) caminham juntas na constituição das cidades, e o racismo cotidiano enfrentado pela população negra evidencia a importância de uma geografia de sobrevivência para os negros.

Oswaldo Aranha considerava que o sangue negro era o motivo de atraso da nação brasileira, e expurgar esse sangue faz parte de um projeto refletido na nação e nas cidades. Tomar a espacialidade da questão racial nos estudos organizacionais propicia aprofundar o próprio entendimento das cidades e do espaço urbano como objetos de estudo desse campo do conhecimento, histórica e socialmente.

Ainda que as áreas duras da justiça criminal e da segurança pública apareçam como questão central para a sobrevivência de negros e negras nas cidades, numa área de difícil permeabilidade social do Estado, uma profusão de espaços negros irrompe em meio à repressão, buscando fazer florescer outras perspectivas e visões, nas quais seja possível reconstituir a sociedade com base na valorização das vidas negras. Nesse sentido, educação, cultura, conhecimento e informação são essenciais. Desse modo, destacamos como relevante uma agenda de pesquisa que aborde: (a) o estudo de diferentes iniciativas e tecnologias sociais utilizadas para a promoção da justiça e da igualdade social, por meio das quais busca-se expor e modificar as engrenagens do Sistema de Justiça Criminal, por meio da criação cidadã de dados; e (b) investigações acerca de aquilombamentos, ou seja, construções sociais negras, de natureza coletiva, que buscam valorizar a presença negra nas cidades e as manifestações culturais, artísticas e litúrgico-existenciais.

Numa perspectiva de ancestralidade, em respeito aos que já se foram e aos que ainda estão por vir, nós, que permanecemos, somos mais que a morte em vida e a morte simbólica impostas: celebrar a vida é também ressignificar a morte. João Alberto, Gabriel, Pedro Henrique, Evaldo, Heberson e Bárbara, aparentemente os elementos suspeitos, sujeitos “matáveis” e descartáveis, segundo a lógica do Sistema de Justiça Criminal, não são uma simplificação constitutiva do “outro”, a figura do inimigo ou dano colateral de uma política de extermínio. São nós numa rede de laços, histórias, convívio e sociabilidades - presenças e ausências nas cidades brasileiras.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2022
  • Aceito
    14 Set 2022
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