Acessibilidade / Reportar erro

Baço acessório intrapancreático

RESUMO

Mulher de 79 anos, com achado incidental em ultrassonografia de abdome de lesão sólida em cauda de pâncreas. Em ressonância magnética, foi confirmada lesão de 12mm. Foi aventada a hipótese diagnóstica de tumor neuroendócrino não secretor, sendo realizada pancreatectomia distal laparoscópica. Em estudo anatomopatológico, diagnosticou-se tecido esplênico, configurando baço acessório intrapancreático. Este tipo de manifestação topográfica de baço é rara, mas deve fazer parte dos diagnósticos diferenciais em tumores sólidos do pâncreas.

Baço; Pâncreas; Tumores neuroendócrinos/diagnóstico; Diagnóstico diferencial; Relatos de casos

ABSTRACT

An asymptomatic 79-year-old woman, with incidental finding on abdominal ultrasound of a solid nodule in the tail of the pancreas. Magnetic resonance imaging showed a 12mm solid tumor. The suggested diagnosis was pancreatic neuroendocrine tumor. The pathological examination showed an intrapancreatic splenic tissue. This is a rare ectopic location of spleen tissue and it should be considered in the differential diagnosis of pancreatic solid tumors.

Spleen; Pancreas; Neuroendocrine tumors/diagnosis; Diagnosis, differential; Case reports

INTRODUÇÃO

O baço acessório é uma alteração congênita causada por uma falha no desenvolvimento embriológico do tecido esplênico, com incidência aproximada de 10% na população em geral. Em 16% dos casos, este tecido localiza-se no segmento caudal do pâncreas.(11. Halpert B, Gyorkey F. Lesions observed in accessory spleens of 311 patients. Am J Clin Pathol. 1959;32(2):165-8.)

O baço acessório intrapancreático é uma afecção benigna e raramente causa sintomas. Sua grande importância resulta no fato de ser um diagnóstico diferencial de tumores neuroendócrinos pancreáticos, mas com terapias e prognóstico completamente distintos.(22. Octavio A, Castillo C, Pizzi Pl. Aberrant spleen simulating an adrenal mass. Rev Chil Cir. 2013;65(2):162-5.)

O presente caso descreveu um achado incidental de exame radiológico, que mimetizou tumor pancreático neuroendócrino.

RELATO DE CASO

Mulher de 79 anos, assintomática, em seguimento de hepatite C crônica, ao realizar ultrassonografia de abdome de rotina apresentou achado incidental de nódulo hipoecoico de 10mm de diâmetro em cauda pancreática. Exame físico sem alterações e exames laboratoriais dentro da normalidade, inclusive CA19.9.

A ressonância magnética de abdome confirmou o achado de lesão nodular de 12mm em cauda pancreática, hipointenso em T1, hiperintenso em T2 e com realce após a infusão de contraste (Figura 1).

Figura 1
Ressonância magnética de abdome (T1 e T2)

Baseado nestes achados, suspeitou-se de tumor neuroendócrino pancreático não funcionante. Foi realizada pancreatectomia distal com preservação esplênica (Figura 2). O procedimento cirúrgico foi realizado sem intercorrências por acesso videolaparoscópico, e a secção pancreática foi realizada com grampeador linear 60mm (EndoGIA®) carga amarela. A paciente evoluiu com fístula pancreática no quinto dia pós-operatório, sem necessidade de nova abordagem cirúrgica, recebendo alta hospitalar no 16º dia pós-operatório.

Figura 2
Intraoperatório com pâncreas reparado e isolado dos vasos esplênicos

Aos cortes macroscópicos o espécime cirúrgico revelou área nodular com 12x7x7mm, de aspecto liso e coloração acastanhada, circundada por tecido pancreático. O diagnóstico de baço acessório intrapancreático foi confirmado pelo estudo anatomopatológico (Figura 3).

Figura 3
Peça cirúrgica de pancreatectomia distal com baço ectópico intrapancreático

DISCUSSÃO

O baço acessório é uma anormalidade congênita com incidência de aproximadamente 10% em estudos de necrópsias.(11. Halpert B, Gyorkey F. Lesions observed in accessory spleens of 311 patients. Am J Clin Pathol. 1959;32(2):165-8.) Seu desenvolvimento resulta de uma alteração durante a diferenciação das células mesenquimais na formação do tecido esplênico ao longo do trajeto dos vasos esplênicos.(22. Octavio A, Castillo C, Pizzi Pl. Aberrant spleen simulating an adrenal mass. Rev Chil Cir. 2013;65(2):162-5.) Geralmente baços ectópicos (em torno de 80%) localizam-se próximo ao hilo esplênico, e 16% estão localizados na cauda pancreática.(33. Halpert B, Alden ZA. Accessory spleens in or at the tail of the pancreas. A survey of 2,700 additional necropsies. Arch Pathol. 1964;77:652-4.)

Em geral, o baço acessório intrapancreático é uma lesão assintomática e sem indicação de terapia cirúrgica. No entanto, na maioria dos casos descritos, o diagnóstico foi firmado após ressecção cirúrgica, devido à dificuldade no diagnóstico diferencial pré-operatório com tumores neuroendócrinos pancreáticos.(44. Zhu HX, Lou WH, Kuang TT, Wang DS. Post-splenectomy intrapancreatic accessory spleen mimicking endocrine tumor of the pancreas. Int J Surg Case Rep. 2014;5(12):1151-3.)

Os tumores neuroendócrinos pancreáticos são neoplasias neuroendócrinas raras, com incidência anual estimada de <1/100 mil em estudos populacionais e correspondem a menos de 2% de todos os tumores pancreáticos.(55. Lam KY, Lo CY. Pancreatic endocrine tumour: a 22-year clinico-pathological experience with morphological, immunohistochemical observation and a review of literature. Eur J Surg Oncol. 1997;23(1):36-42. Review.,66. Halfdanarson TR, Rabe KG, Rubin J, Petersen GM. Pancreatic neuroendocrine tumors (PNETs): incidence, prognosis and recent trend toward improved survival. Ann Oncol. 2008;19(10):1727-33.) São classificados em funcionantes e não funcionantes, de acordo com a secreção hormonal e a sintomatologia decorrente, mas, infelizmente, ainda não há um consenso mundial para tal definição. A maioria dos tumores neuroendócrinos pancreáticos é não funcionante, e estes são em sua maioria malignos.(66. Halfdanarson TR, Rabe KG, Rubin J, Petersen GM. Pancreatic neuroendocrine tumors (PNETs): incidence, prognosis and recent trend toward improved survival. Ann Oncol. 2008;19(10):1727-33.) A ressecção cirúrgica primária se mostrou um fator associado ao aumento de sobrevida a longo prazo nestes tumores, principalmente nas lesões acima de 20mm. A terapia conservadora é preferida em casos de tumores menores que 10mm.(77. Chung JC, Choi DW, Jo SH, Heo JS, Choi SH, Kim YI. Malignant nonfunctioning endocrine tumors of the pancreas: predictive factors for survival after surgical treatment. World J Surg. 2007;31(3):579-85.)

A grande importância em se diferenciar baço acessório intrapancreático de tumores neuroendócrinos pancreáticos no pré-operatório reside no fato de que este necessita de intervenção cirúrgica enquanto o primeiro deve preferencialmente ser manejado de forma conservadora. A dificuldade consiste em fazer tal diagnóstico diferencial, visto que, até o presente momento, não existem exames laboratoriais ou radiológicos capazes de confirmar ou excluir o diagnóstico de baço acessório intrapancreático.(44. Zhu HX, Lou WH, Kuang TT, Wang DS. Post-splenectomy intrapancreatic accessory spleen mimicking endocrine tumor of the pancreas. Int J Surg Case Rep. 2014;5(12):1151-3.)

Os exames de imagem podem ser úteis na diferenciação entre as duas lesões. Entretanto, a tomografia computadorizada com contraste e a ressonância magnética convencional são limitadas nesta avaliação, principalmente nas lesões menores que 10mm.(88. Jang KM, Kim SH, Lee SJ, Park MJ, Lee MH, Choi D. Differenciation of an intrapancreatic acessory spleen from a small (<3-cm) solid pancreatic tumor: value of diffusion-wighted MR imaging. Radiology. 2013;266(1):159-67.)

A ressonância magnética em combinação com a fase de difusão ponderada revelou-se um método de alta acurácia no diagnóstico e na diferenciação entre baço ectópico intrapancreático e pequenos tumores pancreáticos sólidos. O baço ectópico intrapancreático normalmente apresenta-se na ressonância magnética de difusão ponderada hiperintenso em T2 e hipointenso em T1, em comparação ao tecido pancreático normal.(88. Jang KM, Kim SH, Lee SJ, Park MJ, Lee MH, Choi D. Differenciation of an intrapancreatic acessory spleen from a small (<3-cm) solid pancreatic tumor: value of diffusion-wighted MR imaging. Radiology. 2013;266(1):159-67.) O ultrassom endoscópico com biópsia aspirativa, além das imagens, fornece o diagnóstico definitivo por meio do anatomopatológico, mas se trata de um exame que depende do investigador e da localização da lesão, além de ser um método invasivo.(99. Bastidas AB, Holloman D, Lankarani A, Nieto JM. Endoscopic ultrasound-guided needle-based probe confocal laser endomicroscopy (nCLE) of intrapancreatic ectopic spleen. ACG Case Rep J. 2016;3(3):196-8.)

A 68Ga-DOTA-TOC PET/CT é um método de alta especificidade para o diagnóstico de tumores neuroendócrinos pancreáticos, pois nela existe uma expressão importante de receptores de somatostatina nos linfócitos. Assim, sempre há um acúmulo fisiológico de 68Ga-DOTA-TOC no tecido esplênico.(1010. Fülber I, Wurster C, Librizzi D, Röbler M, Gallmeier E, Bartsch DK. Intrapancreatic acessory spleen: a diferencial diagnosis to neuroendocrine tumors of the pancreas on Ga-68- DOTATOC PET/TC. JOP J Pancreas. 2016;17(4):427-30.)

A cintilografia com hemácias marcadas com tecnécio 99 é um dos métodos de maior especificidade para o diagnóstico de baço ectópico intrapancreático, pois, ao injetar as hemácias marcadas com o radiofármaco, mais de 90% do material é captado pelo tecido esplênico, o que contribui de maneira importante para a detecção de tecido esplênico intrapancreático e o diferencia dos tumores pancreáticos neuroendócrinos e, principalmente, evita um procedimento cirúrgico desnecessário ao paciente.(1111. Kim SH, Lee JM, Han JK, Lee JY, Kim KW, Cho KC, et al. Intrapancreatic accessory spleen: findings on MR imaging, CT, US and scintigraphy, and the pathologic analysis. Korean J Radiol. 2008;9(2):162-74. Review.)

CONCLUSÃO

O baço ectópico intrapancreático é uma afecção rara que, em pacientes assintomáticos, não tem indicação de intervenção cirúrgica. Este diagnóstico diferencial deve ser considerado no pré-operatório de lesões sólidas pancreáticas sugestivas de neoplasias neuroendócrinas, a fim de evitar ressecções pancreáticas desnecessárias.

REFERENCES

  • 1
    Halpert B, Gyorkey F. Lesions observed in accessory spleens of 311 patients. Am J Clin Pathol. 1959;32(2):165-8.
  • 2
    Octavio A, Castillo C, Pizzi Pl. Aberrant spleen simulating an adrenal mass. Rev Chil Cir. 2013;65(2):162-5.
  • 3
    Halpert B, Alden ZA. Accessory spleens in or at the tail of the pancreas. A survey of 2,700 additional necropsies. Arch Pathol. 1964;77:652-4.
  • 4
    Zhu HX, Lou WH, Kuang TT, Wang DS. Post-splenectomy intrapancreatic accessory spleen mimicking endocrine tumor of the pancreas. Int J Surg Case Rep. 2014;5(12):1151-3.
  • 5
    Lam KY, Lo CY. Pancreatic endocrine tumour: a 22-year clinico-pathological experience with morphological, immunohistochemical observation and a review of literature. Eur J Surg Oncol. 1997;23(1):36-42. Review.
  • 6
    Halfdanarson TR, Rabe KG, Rubin J, Petersen GM. Pancreatic neuroendocrine tumors (PNETs): incidence, prognosis and recent trend toward improved survival. Ann Oncol. 2008;19(10):1727-33.
  • 7
    Chung JC, Choi DW, Jo SH, Heo JS, Choi SH, Kim YI. Malignant nonfunctioning endocrine tumors of the pancreas: predictive factors for survival after surgical treatment. World J Surg. 2007;31(3):579-85.
  • 8
    Jang KM, Kim SH, Lee SJ, Park MJ, Lee MH, Choi D. Differenciation of an intrapancreatic acessory spleen from a small (<3-cm) solid pancreatic tumor: value of diffusion-wighted MR imaging. Radiology. 2013;266(1):159-67.
  • 9
    Bastidas AB, Holloman D, Lankarani A, Nieto JM. Endoscopic ultrasound-guided needle-based probe confocal laser endomicroscopy (nCLE) of intrapancreatic ectopic spleen. ACG Case Rep J. 2016;3(3):196-8.
  • 10
    Fülber I, Wurster C, Librizzi D, Röbler M, Gallmeier E, Bartsch DK. Intrapancreatic acessory spleen: a diferencial diagnosis to neuroendocrine tumors of the pancreas on Ga-68- DOTATOC PET/TC. JOP J Pancreas. 2016;17(4):427-30.
  • 11
    Kim SH, Lee JM, Han JK, Lee JY, Kim KW, Cho KC, et al. Intrapancreatic accessory spleen: findings on MR imaging, CT, US and scintigraphy, and the pathologic analysis. Korean J Radiol. 2008;9(2):162-74. Review.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2017
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    1 Dez 2016
  • Aceito
    10 Fev 2017
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@einstein.br