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Avaliação de uma metodologia de aprendizagem ativa em óptica geométrica através da investigação das reações dos alunos

Evaluation of an active learning methodology applied to geometric optics by analyzing students reactions

Resumos

Neste trabalho propomos e investigamos uma proposta didática para o ensino de espelhos esféricos baseada na associação entre uma metodologia de aprendizagem ativa com a estratégia de analogias ponte e conceitos âncora. A atividade era constituída por dois experimentos sucessivos sobre as características de imagens virtuais conjugadas por um espelho esférico côncavo e a dependência de seu tamanho relativo com a posição do observador (ângulo visual). O público-alvo era composto por quatro turmas distintas de ensino médio de uma escola da rede federal. Todo o procedimento foi acompanhado de um material escrito na forma de questionário. Para analisar qualitativamente os diferentes tipos de resposta e também a evolução dos estudantes foi utilizada a taxonomia de reações de Chinn e Brewer. Os resultados obtidos revelam as seguintes conclusões: (i) Ratifica a crítica presente na literatura que o emprego isolado do conflito cognitivo não conduz a mudanças significativas nos conceitos prévios da grande maioria dos alunos. (ii) A estratégia de associar uma metodologia de aprendizagem ativa que provoque o conflito cognitivo com as analogias ponte foi bem sucedida em viabilizar uma mudança da teoria da maioria dos alunos (iii) A necessidade de pesquisas quantitativas complementares para avaliar ganhos de aprendizagem.

Palavras-chave:
Aprendizagem ativa; conflito cognitivo; analogias; espelhos esféricos


In this paper we propose and investigate a teaching proposal about convergent mirror based on the association between an active learning methodology and method of bridge analogies and anchorings concepts. The activity consisted of two successive experiments on the characteristics of virtual images formed by the concave spherical mirror and dependence on their relative size with the observer position (visual angle) were. Four high school distinct classes of the federal system of education formed the target audience. The whole procedure was accompanied by a written material as worksheets. To evaluate qualitatively their different types of reaction and also the evolution facing the anomalous data from the first experiment, we used the reactions taxonomy created by Chinn and Brewer was used. The results show the following conclusions: (i) it ratifies the present criticism in the literature that the isolated use of cognitive conflict does not lead to significant changes in the previous conceptions of most pupils; (ii) The strategy of associating an discrepant experiment causing cognitive conflict with another bridge experiment, of predictable result that rescue anchoring correlated ideas by analogy, has been successful in achieving a theory change in the most of students; (iii) The need for further quantitative research to evaluate learning gains.

Keywords:
active learning; cognitive conflict; bridging analogies; convergent mirror


1. Introdução

Originalmente, a metodologia POE (Predict – Observe – Explain) foi criada por White e Gunstone com a finalidade de ser uma ferramenta de avaliação formativa [1[1] R. White and R. Gunstone, Probing Understanding (Falmer, London, 1992).]. Embora, houvesse a possibilidade do seu emprego como um método de ensino, a sua função primordial seria avaliar a aprendizagem dos alunos ao longo do curso, sem atribuição de notas. Contudo, atualmente, tem sido amplamente empregada como uma metodologia de aprendizagem ativa em ciências [2[2] J. Hayson and M. Bowen, Predict, Observe, Explain: Activities Enhancing Scientific Understanding (NSTA Press, Arlington, 2010).,3[3] C.W. Liew, Effectiveness of Predict-Observe-Explain Technique (LAP Lambert Academic Publishing, Saarbrücken, 2009).]. Além disso, existem pesquisas que corroboram a eficiência dessa metodologia também com simulações computacionais [4[4] C.C. Chase, J.T. Shemwell and D.L. Schwartz, in: Proceedings of International Conference of Learning Science, edited by Kimberly Gomez, Leilah Lyons and Joshua Radisnky (ICLS, Chicago, 2010), v. 1a, p. 153.

[5] N.H. Hussain, A. Rosmah, H.N. Haron, K.R. Salim and H. Hussain, in: Proceedings of the IETEC’13 Conference edited by Arun Patil, Marlia Puteh and Chenicheri Sid Nair (International Engineering and Techonology Education Conference publisher, Ho Chi Minh City, 2013), p. 321.
-6[6] P.K. Tao and R. Gunstone, Journal of Research in Science Teaching 37, 859 (1999).] e vídeos [7[7] M. Kearney, Research in Science Education 34, 589 (2004).].

Caso a metodologia POE seja utilizada como avaliação formativa é aconselhável que seja aplicada individualmente. Porém, o seu emprego como método de aprendizagem ativa torna-se mais eficiente se os alunos trabalharem em grupos pequenos, o que favorece a interação e troca de ideias entre os pares [1[1] R. White and R. Gunstone, Probing Understanding (Falmer, London, 1992).].

A metodologia POE demanda necessariamente a demonstração de um experimento qualitativo ou vídeo ou simulação pelo professor em sala de aula. Na primeira etapa, a da previsão, pede-se ao estudante que faça suas previsões acerca de um determinado evento e as justifique de acordo com seus conhecimentos prévios. Então, numa segunda etapa, a da observação, o estudante irá realizar e/ou observar o evento, sendo instigado a comparar as suas previsões anteriores à realização do mesmo com o resultado observado por ele. Por último, na terceira etapa, a da explicação, o estudante deverá tentar explicar as diferenças entre o previsto e o observado, caso existam. Assim, espera-se que ao se aplicar a metodologia POE, surjam discrepâncias entre as previsões do estudante e o resultado observado daquele evento.

Sabe-se que o conflito cognitivo tem um grande potencial para despertar a curiosidade e o interesse dos aprendizes, fornecendo as condições para flexibilizar as concepções prévias. Entretanto, a despeito da proposição plausível de que conflitos cognitivos podem acarretar mudanças conceituais, existe uma vasta literatura discutindo as limitações dessa estratégia. Embora existam inequívocas evidências experimentais de ganhos de aprendizagem com esse tipo de metodologia, o consenso dos pesquisadores é que a maioria dos indivíduos apresentados a situações conflitantes ainda mantém resguardadas as suas concepções prévias, que são extremamente resilientes [8[8] C.A. Chinn and W.F. Brewer, Review of Educational Research 63, 1 (1993).

[9] R. Duit, in: Proceedings of the Third European Symposium on the Conceptual Change, edited by S. Lehti and K. Merenluoto (EARLI, Turku, 2002), p. 5.

[10] M. Hewson and P. Hewson, Journal of Research in Science Teaching 20, 731 (1983).

[11] R. Trumper, Research in Science Education and Technology Education 15, 5 (1997).
-12[12] A. Villani, Science Education 76, 223 (1992).].

Um caminho alternativo para promover o desenvolvimento das ideias prévias dos aprendizes paulatinamente até alcançar o modelo científico vigente, sem provocar conflitos cognitivos, são as analogias ponte propostas por Clement e Brown [13[13] D.E. Brown and J.J. Clement, Instructional Science 18, 237 (1989).,14[14] J.J. Clement, Journal of Research in Science Teaching 30, 1241 (1993).]. Segundo essa metodologia, os indivíduos carregam consigo algumas intuições ou conceitos âncora (anchoring intuitions), isto é, ideias prévias que, mesmo incipientes, são consistentes com as premissas cientificas. Contudo, na maior parte das ocasiões, os aprendizes utilizam concepções prévias equivocadas (misconceptions) para explicar os fenômenos. Nesses casos, caberia ao instrutor apresentar as analogias ponte (bridging analogies) que resgatassem os conceitos âncora corretos que estivessem correlacionados ao tema alvo em questão (target) de forma que o próprio aprendiz pudesse estabelecer novas associações e questionar as suas concepções prévias.

Em um artigo mais recente, Clement [15[15] J.J. Clement in: International Handbook of Research on Conceptual Change, edited by Y. S. Vosniadou (Routledge, Abingdon, 2008), p. 417.] defende a combinação de estratégias de conflito cognitivo com as analogias, pois o uso de múltiplas estratégias de ensino de forma sistemática e coerente levaria a uma gradativa compreensão do modelo científico aceito. As analogias têm o potencial de otimizar o chamado efeito dual do conflito cognitivo. Se por um lado o conflito cognitivo provoca um desequilíbrio nas concepções prévias, por outro também pode despertar um conjunto de vínculos que servem para guiar o aprendiz a uma modificação de seus modelos. Em outro artigo, ele também propõe um planejamento prático geral para identificar e selecionar conceitos âncora e analogias ponte. As cinco características de um bom conceito âncora e sua respectiva analogia ponte são: validade (grau de concordância das concepções prévias com as concepções científicas), convicção (medida da confiança dos estudantes nas suas concepções prévias), imaginabilidade (capacidade de ser concreta e bem visualizável), transferibilidade (probabilidade de relacionar as ideias âncoras com a situação alvo) e potencial explanatório (capacidade de embasar modelos) [16[16] A.L. Stephens and J.J. Clement, in: Proceedings of the NARST Annual Meeting edited by Penny J. Gilmer (NSTA, Baltimore, 2008), p.1.].

Neste trabalho desenvolvemos e aplicamos uma proposta didática que pretende conciliar a metodologia POE de aprendizagem ativa, com a estratégia das analogias ponte. Uma crítica pertinente de Smith e diSessa [17[17] J.P. Smith, A.A. diSessa and J. Roschelle, Journal of the Learning Sciences 3, 114 (1993).] aponta que uso exclusivo do conflito cognitivo pode minar a confiança dos estudantes em sua própria capacidade, expondo a inadequação de suas ideias. Para White e Gunstone [1[1] R. White and R. Gunstone, Probing Understanding (Falmer, London, 1992).] é importante que mesmo diante de conflitos cognitivos os aprendizes confiem na sua capacidade de aplicar os seus modelos conceituais para compreender os fenômenos.

Então, propomos intercalar uma situação de conflito cognitivo (experimento discrepante) seguida por outra correlacionada, mas de resultado previsível que sirva de analogia ponte (experimento ponte). Essa abordagem múltipla permite que os alunos possam desenvolver um modelo consistente para justificar os dados anômalos do experimento discrepante, usando os conceitos âncoras que vêm naturalmente à tona no experimento ponte.

Para a análise qualitativa das respostas dos estudantes foi utilizada o referencial teórico de Chinn e Brewer [8[8] C.A. Chinn and W.F. Brewer, Review of Educational Research 63, 1 (1993).] para diferentes tipos de reação perante experiências cujos resultados são anômalos. A chamada taxonomia de reações é constituída por oito categorias distintas que abarcam as possíveis atitudes diante de qualquer informação, evidência ou experiência, cujo resultado contradiz concepções de natureza geral, tantos de estudantes quanto de pesquisadores [18[18] C.A. Chinn and W.F. Brewer, Journal of Research in Science Teaching 35, 623 (1998).] (Tabela 1). Seus resultados proporcionam um sólido referencial para investigar as atitudes, diante de dados anômalos, mas ainda existem poucos trabalhos que empreguem essa taxonomia como suporte teórico para avaliar os benefícios e limites de metodologias de aprendizagem ativa, baseadas em conflito cognitivo [3[3] C.W. Liew, Effectiveness of Predict-Observe-Explain Technique (LAP Lambert Academic Publishing, Saarbrücken, 2009).,19[19] O.N. Borges, A.T. Borges, M.V.D. Silva and A.D.T. Gomes, in: Atas do VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Física (EPEF), edited by Deise Miranda Vianna (SBF, Águas de Lindóia, 2002), p.1.]

Tabela 1
Tipo de resposta dos indivíduos perante dados anômalos e suas descrições, segundo a classificação de Chinn e Brewer.

Existem três vantagens do uso do seu referencial teórico na análise da comportamento do alunos diante de dados anômalos [18[18] C.A. Chinn and W.F. Brewer, Journal of Research in Science Teaching 35, 623 (1998).]. A primeira é possibilitar uma compreensão das dificuldades dos alunos diante de resultados discrepantes que acarretam na manutenção das concepções prévias. A segunda vantagem é proporcionar ao professor aspectos importantes do raciocínio dos alunos que podem ser incorporadas ao planejamento didático. A terceira vantagem é servir de fundação para uma pesquisa sobre o motivo pelo qual os alunos manifestam diferentes reações. Esse conhecimento serviria para aperfeiçoar as estratégias de ensino que fazem uso do conflito cognitivo em sala de aula.

O presente trabalho pretende buscar evidências que possam esclarecer, a partir do referencial teórico de Chinn e Brewer, as seguintes questões pertinentes em estudos experimentais que empreguem metodologias de aprendizagem ativa baseadas em conflito cognitivo e analogias ponte.

Questão de investigação 1: O uso isolado da metodologia POE de aprendizagem ativa é uma estratégia eficiente?

Questão de investigação 2: A analogia do experimento ponte conseguiu resgatar o conceito âncora correlacionado ao experimento discrepante?

Questão de investigação 3: A metodologia de aprendizagem ativa formada pela combinação do conflito cognitivo com a analogia ponte foi eficiente em promover uma mudança nas reações dos alunos?

2. Apresentação e discussão dos experimentos

O primeiro experimento reproduz o caso onde um objeto estreito é colocado sobre o eixo principal, entre o foco e o vértice do espelho côncavo, que é tradicional nos livros didáticos [20[20] B. Alvarenga e A. Máximo, Física, Vol. 2 (Scipione, São Paulo, 2013).,21[21] A. Gaspar, Física, Vol. 2 (Editora Ática, São Paulo, 2013).]. No arranjo experimental utilizamos um banco óptico, uma régua milimetrada, um espelho esférico côncavo grande de fácil aquisição (espelho de maquiagem), uma vela, uma webcam e um computador conectado ao projetor multimídia. A webcam faz o papel do olho humano (observador) e a sua imagem é projetada na tela, evitando que os alunos tenham de se colocar individualmente na frente do espelho para fazer a observação.

A razão dessa escolha é que esse experimento fornece um resultado que é discrepante. Uma das concepções prévias mais difundidas entre os estudantes é que os espelhos côncavos, como aqueles usados para maquiagem do rosto, sempre aumentam a imagem [22[22] F.L. da Silveira, R. Axt e M.A. Pires, Revista Brasileira de Ensino de Física 26, 19 (2004).]. Portanto, essa experiência é o estopim para surgimento de um conflito cognitivo que pretendemos investigar.

No questionário POE, a primeira questão solicita aos alunos que desenhem os raios principais, obtenham a imagem da vela e calculem as suas características. Todos os grupos obtém uma imagem virtual, direita e maior do que o objeto. A mera aplicação das equações de Gauss para os pontos conjugados e o Aumento Linear Transversal (AL) confirma essa expectativa. Se forem substituídos os seguintes valores da posição da vela (objeto) p= +25 cm e da distância focal do espelho f=+50 cm, nas equações, obtém-se a posição da imagem p= −50 cm e AL igual 2.

Porém, uma imagem virtual não pode ser projetada nem medida diretamente, sendo apenas observada. A Figura 1 ilustra claramente que um observador na posição x= 50 cm sobre o eixo principal, não verá uma imagem duas vezes maior como “previsto” pelo AL, mas, ao contrário, verá uma imagem duas vezes menor, pois o ângulo visual da imagem (β) é a metade do ângulo visual do objeto (α) [23[23] V.L.B. de Jesus and D.G.G. Sasaki, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 1506 (2013).].

Figura 1
Objeto colocado entre o vértice e o foco do espelho na posição p = 25 cm. A distância focal (f) é 50 cm e o observador está sobre o eixo principal na posição x = 50 cm. A imagem é virtual, direita e localizada em p’ = −50 cm. A imagem tem um Aumento Linear transversal (AL) igual a 2, mas nota-se claramente que o ângulo visual da imagem (β) é menor do que o ângulo visual do objeto (α).

O ângulo visual é fundamental para compreender a noção de tamanho relativo de um objeto e também que as dimensões de uma imagem dependem da posição do observador. Além disso, sem o conceito de aumento angular, derivado do ângulo visual, é impossível compreender o funcionamento de alguns instrumentos ópticos, tais como a lupa simples e o telescópio.

O segundo experimento é uma demonstração do efeito do ângulo visual no tamanho relativo entre objetos. Para ilustrar esse fato, colocamos na posição 50 cm atrás do vértice do espelho, duas velas grudadas com o dobro do tamanho e o dobro de largura da vela que se encontra na frente do espelho. Essa vela dupla apesar de ter o dobro das dimensões será vista com metade do tamanho pois essa a uma distância quatro vezes maior do observador do que a vela simples.

O segundo experimento tem um resultado que é normalmente esperado pelos alunos e serve para corroborar a concepção prévia correta que os alunos possuem acerca da influência da distância sobre a visualização das dimensões de um corpo.

3. Metodologia

Os alunos foram divididos em grupos limitados ao mínimo de 3 e o máximo de 6 membros por grupo, conforme descrito abaixo:

  • Turma A – 38 alunos divididos em 8 grupos.

  • Turma B – 34 alunos divididos em 7 grupos.

  • Turma C – 16 alunos divididos em 4 grupos.

  • Turma D – 36 alunos divididos em 7 grupos.

Cada bancada recebeu um questionário dividido em duas seções: experimento 1 e experimento 2. Por sua vez, cada experimento era subdividido em três partes: previsão, observação e explicação, de acordo com a metodologia POE. Através de perguntas predominantemente conceituais, instigou-se os alunos a estabelecerem conexões entre suas concepções prévias e os resultados obtidos em cada etapa das experiências. Esse procedimento também possibilitou um registro formal do desenvolvimento dos modelos dos alunos ao longo de todo o processo.

Inicialmente, o professor apresentou o experimento discrepante (experimento 1) e permitiu que os alunos tirassem dúvidas sobre os objetivos e o funcionamento do experimento. Depois, os alunos foram solicitados a fazer suas previsões individualmente (Predict) e conversar com os colegas de grupo sobre os motivos que justificavam as suas ideias. Todas as respostas foram registradas no questionário. Então, o professor realizou a experiência e projetou a imagem capturada pela webcam na parede da sala.

A Figura 2 mostra simultaneamente o primeiro aparato experimental sobre a bancada e a projeção numa tela grande da vela e sua respectiva imagem virtual associada pelo espelho côncavo, capturadas pela webcam. A vela (objeto) está colocada entre o vértice e o foco do espelho, na posição p = 25 cm. A webcam (observador) está sobre o eixo principal na posição x = 50 cm. O aumento linear transversal (AL) da imagem vale 2. Porém, percebe-se claramente que a imagem (em segundo plano na projeção na parede) é duas vezes menor do que o objeto (em primeiro plano na projeção). Quando os alunos foram confrontados com um resultado que é claramente divergente da sua previsão, houve uma massiva reação de perplexidade e excitação na turma.

Figura 2
Na parte inferior da foto, a vela (objeto) está colocada entre o vértice e o foco do espelho, na posição p = 25 cm. A webcam (observador) está sobre o eixo principal na posição x = 50 cm. O aumento linear transversal (AL) da imagem vale 2. Porém, percebe-se que a imagem (em segundo plano na projeção na parede) é duas vezes menor do que o objeto (em primeiro plano na projeção).

Então, eles então retornaram ao questionário e descreveram aquilo que eles observaram, apontando as diferenças em relação à sua previsão (Observe). Com o objetivo exclusivo de avaliar se o conflito cognitivo pode provocar uma mudança da teoria, foi pedido que os alunos tentassem justificar o fato da observação ter sido diferente da previsão (Explain).

A segunda experiência serviu como um complemento da primeira, desempenhando o papel de uma analogia ponte. A Figura 3 exibe o novo aparato experimental sobre a bancada e a projeção em tela grande da a “vela-objeto” (à esquerda) e da“vela-imagem” (à direita). A “vela-imagem” tem o dobro da altura e da largura da “vela-objeto”, como previsto pela equação do aumento linear transversal para os parâmetros usados na experiência. Porém, a “vela-imagem” (em segundo plano na projeção da parede) é visualizada com a metade da altura e da largura da “vela-objeto” (em primeiro plano na projeção da parede). Isso ocorre devido ao efeito do ângulo visual.

Figura 3
Vemos à esquerda a “vela-objeto” e à direita a “vela-imagem”. A “vela-imagem” tem o dobro da altura e da largura da “vela-objeto”, como previsto pela equação do aumento linear transversal para os parâmetros usados na experiência. Porém, a “vela-imagem” (em segundo plano na projeção da parede) é visualizada com a metade da altura e da largura da “vela-objeto” (em primeiro plano na projeção da parede). Isso ocorre devido ao efeito do ângulo visual.

O resultado do experimento ponte (experimento 2) é, na maioria dos casos, previsto corretamente pelos alunos usando as suas ideais prévias sobre tamanho relativo dos objetos. Essas ideias subjazem a construção do conceito âncora de ângulo visual fundamental para a resolução do conflito cognitivo gerado pelo primeiro experimento. Depois foi solicitado que os alunos utilizassem os resultados previstos corretamente no experimento ponte e explicassem novamente os resultados anômalos do experimento discrepante.

4. Resultados

4.1. Experimento discrepante

Como esperado, não houve nenhuma resposta que se enquadrasse na categoria “ignorar”, pois a discrepância era tão flagrante que não havia como ser desprezada. Além disso, também não houve nenhum caso do tipo “incerteza”, pois foi permitido que os alunos incrédulos pudessem posicionar os olhos junto à câmera e visualizar diretamente o espelho, o objeto (vela) e a sua imagem conjugada.

Uma análise quantitativa dos resultados revelou que a grande maioria dos grupos (69,2%) não interpretou a divergência como um indicativo da necessidade de reverem seus modelos conceituais (Tabela 2).

Tabela 2
Tabulação dos tipos de respostas dos grupos para a etapa explicação do experimento discrepante, em cada turma, segundo a taxonomia de Chinn e Brewer.

Destacam-se pelo maior número percentual, os grupos que rejeitaram os dados anômalos (30,8% do total). Esses grupos se dividiram entre aqueles que alegavam erros metodológicos, tais como: a webcam é diferente do olho humano e, além disso, está num nível abaixo da vela (grupo 6 – turma A) e entre os que acusavam algum tipo de fraude: falcatrua da webcam ou o espelho não é côncavo e sim convexo (grupo 1 – turma D).

O tipo “exclusão” corresponde a 11,5% do total de grupos. Um dos grupos assumiu a posição extrema de refutar a própria premissa de que é possível construir modelos teóricos matemáticos em ciência alegando que: contas no papel são inexatas, pois não equivalem à realidade (grupo 7 – turma B).

Também com 11,5% do total de grupos, tivemos o tipo “reinterpretação”, ilustrado pelo seguinte: porque observamos o objeto e a imagem atrás deles, ou seja, de um ponto diferente do local do objeto, o que modifica o resultado final (grupo 1 – turma C).

A “abstenção” representou somente 7,7% dos resultados. O caso mais comum desse tipo ocorre quando o aluno deixa as respostas em branco. Contudo, também podem ser consideradas respostas vagas que mostram que houve uma decisão consciente de renunciar a uma explicação. Por exemplo: o professor falou na sala que o espelho côncavo a imagem formada seria maior (grupo 3 – turma D).

O tipo “mudança periférica” também ficou com apenas 7,7% das respostas. Os grupos propuseram alterar a expressão matemática do Aumento Linear transversal (AL), o que fica claramente enunciado na seguinte resposta: a distância entre o observador e o vértice é o dobro da distância entre a vela e o vértice, logo pela fórmula do AL=-pvelapobs=-12. A nova imagem foi reduzida 2 vezes (grupo 7 – turma A). Certamente, os alunos consideram o AL como se fosse uma hipótese secundária passível de alteração, ignorando que a fórmula modificada por eles é, na verdade, proveniente de uma demonstração geométrica.

Por fim, o último tipo que é a “mudança da teoria” ocorreu em 30,8% dos grupos. Os alunos foram capazes de perceber que a visualização da imagem não é uma característica intrínseca, mas depende da posição do observador. Isso claramente se deduz das seguintes respostas: Não foi considerado observador na previsão. Na experiência, a distância entre o observador e a imagem altera a observação (grupo 3 – turma B). Observamos a imagem mais longe que o objeto e consequentemente esta parece menor (grupo 4 – turma B).

Com base nas reações dos alunos, sob a perspectiva da Taxonomia de Chinn e Brewer, podemos responder a primeira questão de investigação do trabalho

Questão de investigação 1: O uso isolado da metodologia POE de aprendizagem ativa é uma estratégia eficiente?

Embora a estratégia de gerar um conflito cognitivo seja importante para despertar o interesse dos alunos e fomentar discussões, ela isoladamente foi pouco eficaz. De fato, somente 30,8% dos grupos desenvolveram uma mudança da teoria e a análise qualitativa das explicações dos alunos revelou que nenhum deles foi capaz de construir conceitos novos que são necessários para explicar o fenômeno de acordo com o modelo científico vigente.

4.2. Experimento ponte

A maioria esmagadora dos grupos (92,3% do total) conseguiu prever corretamente o resultado e justificar de forma adequada relacionando o conceito de tamanho relativo com a distância do observador aos objetos. Porém, terá sido suficiente para responder a segunda questão de investigação do trabalho?

Questão de investigação 2: A analogia do experimento ponte conseguiu resgatar o conceito âncora correlacionado ao experimento discrepante?

Um percentual de acertos de tamanha magnitude é um indicativo de que a escolha do conceito âncora e da analogia ponte preencheram as características de convicção e imaginabilidade propostas por Clement para um bom conceito âncora e analogia ponte [16[16] A.L. Stephens and J.J. Clement, in: Proceedings of the NARST Annual Meeting edited by Penny J. Gilmer (NSTA, Baltimore, 2008), p.1.]. Embora, os alunos não empreguem explicitamente o termo ângulo visual, fica evidente nas suas justificativas a compreensão dessa ideia âncora. Por exemplo, destacamos o seguinte extrato: veremos a vela pequena maior, pois ela está a 25 cm do ponto de visualização, enquanto a outra, apesar de ter o dobro do tamanho, está numa distância 4 vezes maior (grupo 7 – turma D).

Além disso, todos os grupos (30,8% do total) que já haviam, depois do experimento discrepante, realizado uma mudança da teoria, mantiveram a resposta, após o experimento ponte. Isso indica que o experimento ponte não causou ruído, satisfazendo a característica de validade de uma boa âncora e analogia ponte.

Por fim, a análise dos resultados da combinação dos dois experimentos pode responder a questão de investigação 3?

Questão de investigação 3: A metodologia de aprendizagem ativa formada pela combinação do conflito cognitivo com a analogia ponte foi eficiente em promover uma mudança nas reações dos alunos?

Ao final do primeiro experimento, 69,2% dos grupos se distribuíram em tipos de respostas que não significavam mudança da teoria. Após o segundo experimento, 73,3% dos grupos assumiram uma mudança da teoria para descrever os dados anômalos do experimento. Essa mudança nas ideias dos estudantes pode ser atribuída a característica de transferibilidade de um bom conceito âncora e analogia ponte. A Figura 4 sintetiza a variação percentual das reações dos alunos entre o experimento discrepante e o experimento ponte

Figura 4
Comparação da distribuição percentual dos tipos de reação dos grupos em relação aos dados anômalos após o experimento discrepante e após o experimento ponte

Os resultados oriundos da taxonomia de Chinn e Brewer permitem concluir que o experimento ponte proporcionou uma conexão entre as ideias intuitivas corretas sobre ângulo visual e os resultados discrepantes do primeiro experimento. Aqueles grupos que conseguiram estabelecer essa correlação atingiram uma compreensão integrada das duas experiências, reformularam os as suas concepções prévias e lograram uma explicação coerente dos dados anômalos. A análise qualitativa dos questionários também evidencia um aumento no refinamento conceitual e operacional dos argumentos, como podemos constatar na Tabela 3.

Tabela 3
Seleção de algumas explicações qualitativas para o experimento discrepante, antes e depois do experimento ponte.

Um dos grupos foi capaz de ir além das ideias de tamanho relativo de objetos e a sua relação com a posição do observador e explicitou o conceito de ângulo visual, através de argumentos que se apoiavam em desenhos, como se depreende do seguinte extrato: Pois tanto o olho como a webcam possui um “anteparo” onde a imagem é projetada. O ângulo de visão da vela é grande dando a ilusão que ela é maior do que a imagem (o grupo também colocou um desenho mostrando as distâncias, os tamanhos e os ângulos visuais) (grupo 2 – turma C).

5. Conclusões

O referencial teórico de Chinn e Brewer mostrou-se apropriado para classificar as respostas dos alunos frente aos dados anômalos do experimento discrepante, bem como detectar as mudanças ocorridas nessas reações sob a influência do experimento ponte. Além disso, seis das oito categorias definidas na taxonomia de reações serviram como fio condutor no processo de avaliação qualitativa do desenvolvimento da aprendizagem dos alunos.

A estratégia de gerar um conflito cognitivo através de um experimento discrepante em relação às concepções prévias dos alunos foi suficiente em fomentar a reflexão, mas somente 30,8% do total de grupos lograram uma mudança da teoria.

A realização do experimento ponte foi fundamental para recuperar as ideias prévias pertinentes (conceitos âncora) relacionadas com o conceito de tamanho relativo devido à distância do observador aos objetos. A maioria esmagadora dos grupos (92,3% do total) conseguiu prever corretamente o resultado e justificá-lo apenas empregando o conceito intuitivo de ângulo visual. Contudo, a sua principal consequência foi propiciar uma conexão entre os conceitos âncora resgatados, de modo a explicar os resultados surpreendentes do experimento discrepante.

A comparação da classificação das respostas dos grupos entre o experimento discrepante e o experimento ponte, demonstrou uma reversão da distribuição percentual em relação à reação aos dados anômalos. No primeiro experimento, a grande maioria dos grupos (69,2% do total) se dividiu em tipos de respostas que não representavam mudança da teoria. Após o segundo experimento, 73,3% dos grupos assumiram uma mudança da teoria. Do ponto de vista qualitativo, constatou-se um aprimoramento conceitual dos modelos teóricos produzidos pelos alunos, quando comparadas as explicações dos resultados anômalos registradas, após cada experimento.

A contribuição original mais significativa deste trabalho foi mostrar elementos que indicam que a estratégia de associar uma experiência discrepante, que provoque o conflito cognitivo, com outro experimento ponte, que resgate as ideias âncora correlacionadas, viabilizou uma mudança da teoria da maioria dos alunos.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos Professores Alcina Maria Testa Braz da Silva e Alexandre Lopes de Oliveira pelos comentários e sugestões.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    07 Out 2016
  • Aceito
    15 Nov 2016
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