Acessibilidade / Reportar erro

Cisto subglótico: uma causa rara de estridor laríngeo

CARTA AO EDITOR

Cisto subglótico: uma causa rara de estridor laríngeo

Ascedio José RodriguesI; Silvia Regina CardosoII; Diamari Caramelo Ricci CeredaIII; Manoel Ernesto Peçanha GonçalvesIV

IMédico Assistente, Departamento de Pneumologia, Setor de Endoscopia Respiratória, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

IIMédica Assistente, Departamento de Endoscopia Respiratória, Instituto da Criança, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

IIIMédico Assistente, Departamento de Endoscopia Respiratória, Instituto da Criança, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

IVMédico Chefe, Departamento de Endoscopia Respiratória, Instituto da Criança, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

Ao Editor:

Cistos subglóticos (CSGs) são uma causa rara de obstrução das vias aéreas em crianças, e poucos casos foram relatados.(1-4) O primeiro foi publicado em 1968, quando Wigger & Tang relataram o caso de um lactente que morreu de obstrução das vias aéreas causada por CSGs.(1) Avanços médicos, maiores taxas de sobrevivência para bebês prematuros e equipamentos diagnósticos melhores aumentaram o número de casos de CSGs relatados nas últimas três décadas, a maioria dos quais ocorreu em lactentes que haviam sido neonatos extremamente prematuros e sofrido desconforto respiratório, tendo sido, portanto, intubados e tratados em UTI neonatal.(3,5) Os sintomas de cistos laríngeos dependem do tamanho e da localização do cisto e incluem mudança do tom de voz, disfonia, rouquidão, disfagia, estridor laríngeo e dispneia.(6) É comum o diagnóstico incorreto de laringomalácia, asma, crupe ou outras doenças, pois a doença se manifesta na forma de infecções respiratórias recorrentes, estridor e sibilância. Em casos graves não tratados, pode ocorrer morte.

Recentemente tratamos uma lactente de 16 meses de idade que nascera prematuramente (29 semanas) e, logo após o nascimento, apresentara desconforto respiratório, motivo pelo qual precisou de intubação. A lactente permaneceu intubada durante 30 dias na UTI neonatal de nosso hospital. Não houve episódios de extubação acidental ou de falha da extubação. A lactente foi extubada, apresentou boa evolução e permaneceu no hospital por mais dois meses para que ganhasse peso. Recebeu alta sem queixas respiratórias e permaneceu em acompanhamento pediátrico. Nos primeiros 6 meses de vida, a lactente apresentou coriza, tosse, sibilância e dispneia leve. Foi levada ao pronto-socorro, onde recebeu o diagnóstico de crupe. Foi tratada com prednisolona oral e epinefrina nebulizada. A paciente apresentou melhora parcial dos sintomas e, embora apresentasse estridor leve, recebeu alta hospitalar e passou a receber tratamento domiciliar. O estridor leve persistiu, ocorrendo diariamente até os 8 meses de idade, quando a dispneia e o desconforto respiratório pioraram e foram acompanhados de estridor laríngeo. No mesmo pronto-socorro, a paciente recebeu novo tratamento para crupe e novamente recebeu alta hospitalar para ser tratada em casa. Continuou a apresentar estridor diariamente até os 11 meses de idade, quando apresentou desconforto respiratório grave com dispneia, estridor laríngeo, rouquidão e tosse. Foi internada para tratamento e investigação do estridor e foi submetida a fibrolaringoscopia devido à suspeita de doença congênita da laringe. O procedimento revelou um estreitamento da subglote, e a paciente foi submetida a broncoscopia rígida para confirmação diagnóstica e tratamento da condição. Antes do procedimento, a lactente apresentava estridor bifásico, choro rouco, tosse fraca e dispneia. Apresentava SpO2 = 95% em ar ambiente. A broncoscopia rígida, realizada sob anestesia geral, revelou uma lesão cística, compatível com CSG, na parede lateral direita. A obstrução estava reduzindo o fluxo aéreo da paciente em 80%. O cisto foi rompido pela passagem do broncoscópio rígido, e a lactente apresentou melhora dos sintomas. Entretanto, 1 mês depois, houve recidiva do estridor e da dispneia. Após a confirmação da recidiva do CSG, realizou-se um segundo procedimento endoscópico: laringoscopia de suspensão e marsupialização com pinça em forma de cálice. Posteriormente, os sintomas resolveram completamente. Até o momento em que este relato foi redigido (6 meses após o último tratamento), não houvera recidivas.

Embora raros, os CSGs podem causar significativa obstrução das vias aéreas, a qual é reversível se diagnosticada precocemente.(5) Recentemente, o CSG tornou-se um achado mais comum em lactentes previamente intubados. Dos lactentes que apresentam estridor e são submetidos a laringoscopia direta ou broncoscopia, CSGs são diagnosticados em 7%.(3,4) Além disso, o CSG é um processo relacionado à intubação e é uma causa incomum de estridor em lactentes.(7) Quando estiverem lidando com bebês prematuros que receberam alta da UTI e que apresentam obstrução das vias aéreas, os médicos devem considerar a hipótese de CSG.(3) Em crianças com estridor recorrente, a laringoscopia é o padrão ouro para o diagnóstico de CSGs, pois permite a detecção precoce de doenças da laringe, inclusive de casos raros de cistos. A intubação ainda é o principal meio de suporte ventilatório em neonatos extremamente prematuros e pode induzir trauma subglótico local, que é a explicação lógica para a gênese de CSGs. Descreveu-se a sequência de eventos que se inicia com lesão subglótica e culmina em formação de CSG e acredita-se que envolva dilaceração aguda da mucosa e ulceração, seguidas de necrose, granulação e cicatrização do tecido afetado. Esse processo de cicatrização resulta, em alguns casos, em fibrose subepitelial e metaplasia escamosa, com posterior obstrução de glândulas mucosas e formação de cisto.(8-10) Dentre os tratamentos para CSG, a marsupialização endoscópica revelou-se o mais eficaz e o que mais reduz o potencial de recidivas. É possível que a aplicação tópica de mitomicina C desempenhe um papel especial no manejo desses cistos, pois pode reduzir as cicatrizes pós-marsupialização e a recidiva do cisto. Outros métodos para o tratamento de CSGs incluem a observação (em casos de cistos bem pequenos) e a punção broncoscópica do cisto. Mesmo quando os CSGs são tratados de maneira apropriada (cirurgicamente ou clinicamente), há recidiva em 19-60% dos casos, especialmente nos primeiros 4 meses após o procedimento inicial.(2,3,5) Um histórico de intubação, prematuridade e estridor deve levantar a suspeita clínica de CSG.(3) Todos os pacientes com estridor recorrente devem ser submetidos a laringoscopia a fim de acelerar o diagnóstico e o tratamento.

  • 1. Wigger HJ, Tang P. Fatal laryngeal obstruction by iatrogenic subglottic cyst. J Pediatr. 1968;72(6):815-20.
  • 2. Lim J, Hellier W, Harcourt J, Leighton S, Albert D. Subglottic cysts: the Great Ormond Street experience. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2003;67(5):461-5.
  • 3. Watson GJ, Malik TH, Khan NA, Sheehan PZ, Rothera MP. Acquired paediatric subglottic cysts: a series from Manchester. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2007;71(4):533-8.
  • 4. Downing GJ, Hayen LK, Kilbride HW. Acquired subglottic cysts in the low-birth-weight infant. Characteristics, treatment, and outcome. Am J Dis Child. 1993;147(9):971-4.
  • 5. Agada FO, Bell J, Knight L. Subglottic cysts in children: a 10-year review. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2006;70(8):1485-8.
  • 6. Lee WS, Tsai CS, Lin CH, Lee CC, Hsu HT. Airway obstruction caused by a congenital epiglottic cyst. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2000;53(3):229-33.
  • 7. Steehler MK, Groblewski JC, Milmoe GJ, Harley EH. Management of subglottic cysts with Mitomycin-C-A case series and literature review. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2011;75(3):360-3.
  • 8. Gould SJ, Young M. Subglottic ulceration and healing following endotracheal intubation in the neonate: a morphometric study. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1992;101(10):815-20.
  • 9. Hawkins DB. Hyaline membrane disease of the neonate prolonged intubation in management: effects on the larynx. Laryngoscope. 1978;88(2 Pt 1):201-24.
  • 10. Duynstee ML, de Krijger RR, Monnier P, Verwoerd CD, Verwoerd-Verhoef HL. Subglottic stenosis after endolaryngeal intubation in infants and children: result of wound healing processes. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2002;62(1):1-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2012
  • Data do Fascículo
    Fev 2012
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia SCS Quadra 1, Bl. K salas 203/204, 70398-900 - Brasília - DF - Brasil, Fone/Fax: 0800 61 6218 ramal 211, (55 61)3245-1030/6218 ramal 211 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: jbp@sbpt.org.br