Resumo
Objetivo:
Empresas e credores podem adiar certas decisões devido a ações que exigem coordenação nas recuperações de empresas. Este artigo investiga atrasos na votação de planos de recuperação durante as assembleias gerais de credores no Brasil.
Metodologia:
Utilizando uma amostra de 120 planos de recuperação coletados manualmente, apresentamos análises descritivas e de regressão (mínimos quadrados ordinários, ou MQO, Poisson, regressões binomiais negativas e quantílicas) para mostrar as principais características dos atrasos na votação.
Resultados:
Nossos resultados revelaram que uma alta concentração de dívida entre as classes de credores está relacionada a menos atrasos. Além disso, um número maior de bancos e credores com garantia real que possuem direitos de crédito na recuperação está positivamente correlacionado com os atrasos. Por fim, argumentamos que os planos de recuperação que requerem tempo adicional para a votação estão relacionados a propostas de desinvestimento.
Contribuições:
Ainda faltam resultados empíricos baseados na avaliação de características dos vários credores e da proposta de recuperação apresentada no plano de recuperação da empresa. Este é o primeiro artigo no Brasil que explora como os conflitos de interesse entre as classes de credores podem estar relacionados aos atrasos. Nosso artigo contribui para a literatura desenvolvida por Gilson (1990), Gilson et al. (1990), Brown et al. (1993), Franks e Tourus (1994), Helwege (1999), Ayotte e Morrison (2009), Ponticelli (2012) e Ivashina et al. (2015) sobre as características dos atrasos na votação do plano de recuperação durante os casos de reestruturação. Corroboramos os resultados obtidos em trabalhos anteriores e fornecemos uma análise do papel desempenhado por cada classe de credores no atraso da votação do plano em empresas brasileiras.
Palavras-chave:
Atraso; recuperação de empresas; reunião de credores; lei de falências
Abstract
Purpose:
Firms and creditors may delay certain decisions in corporate reorganizations because of actions that require coordination. This paper investigates delays in voting on reorganization plans during claimholder general meetings in Brazil.
Design/methodology/approach:
Using a sample of 120 hand-collected reorganization plans, we present descriptive and regression (OLS, Poisson, negative binomial, and quantile) analyses to show the primary characteristics of delayed votes.
Findings:
Our results revealed that a high concentration of debt among the different classes of claimholders appeared to be related to fewer delays. Moreover, a higher number of banks and secured creditors with claims in the reorganization appeared to be positively correlated with delays. Finally, we argue that reorganization plans that require additional time to reach a vote are related to divestment proposals.
Originality/value:
There is still a lack of empirical results based on evaluations of multiple creditor characteristics and the reorganization proposals presented in firms’ reorganization plans. This is the first paper in Brazil to explore how conflicts of interest among different classes of creditors may relate to delays. Our paper contributes to the literature developed by Gilson (1990), Gilson et al. (1990), Brown et al. (1993), Franks and Tourus (1994), Helwege (1999), Ayotte and Morrison (2009), Ponticelli (2012), and Ivashina et al. (2015) regarding the characteristics of delaying reorganization plan votes during restructuring cases. We corroborate the results obtained by previous papers and provide an analysis of the role played by each class of claimholder in delaying plan votes for Brazilian firms
Keywords:
Delay; corporate reorganization; creditors’ meeting; bankruptcy law
1 Introdução
Este artigo utiliza uma nova base de dados de atrasos na recuperação de empresas falidas. A literatura anterior aborda a importância da coordenação e negociação durante o período de recuperação, no qual a assimetria de informações e os conflitos de interesse parecem desempenhar um papel crucial. Evidências teóricas sobre a teoria da barganha afirmam que pode ocorrer atrasos consideráveis na obtenção de acordos quando houver disparidades informacionais entre as partes (Kennan & Wilson, 1990Kennan, J., & Wilson, R. (1990). Theories of bargaining delays. Science, 249(4973), 1124-1128.) e quando o número de negociadores for grande (Cai, 2000Cai, H. (2000). Delay in multilateral bargaining under complete information. Journal of Economic Theory, 93(2), 260-276.).
Concentrando-se no Código de Falências dos Capítulos 11 e 7, os pesquisadores observaram que podem ocorrer atrasos nos modelos que incorporam informação imperfeita quando as partes compartilham poder de barganha. O Capítulo 11 reduz os problemas de coordenação, agrupando os credores em classes de acordo com seus direitos nas recuperações judiciais. Na prática, no entanto, os contratos parecem incompletos e os investidores e o sistema judicial não podem oferecer condições suficientes para fazer valer todos os direitos. O problema de holdout aumenta a dificuldade de resolver problemas financeiros e, ocasionalmente, credores ou devedores podem preferir adiar a votação do plano de recuperação para exigir condições mais aceitáveis e confiáveis.
De acordo com Ivashina, Iverson e Smith (2016Ivashina, V., Iverson, B., & Smith, D. C. (2016). The ownership and trading of debt claims in Chapter 11 restructurings. Journal of Financial Economics, 119(2), 316-335.), os administradores de direitos de crédito são contratados pelos devedores do Capítulo 11 para organizar e disponibilizar informações sobre todos os direitos de crédito e os titulares desses direitos. Os administradores são representantes que coletam as decisões dos credores sobre o plano de reestruturação. No entanto, as condições de negociação relacionadas a um atraso na votação do plano de recuperação não podem ser avaliadas para cada credor votante em todas as classes porque os credores não se reúnem em uma Assembleia.
Devido à ausência de dados adequados sobre o assuntos nos EUA, o conhecimento sobre os atrasos nos planos de recuperação das empresas em dificuldade é limitado. Os comitês de credores nos EUA, por exemplo, geralmente incluem somente representantes de credores quirografários. É difícil, portanto, identificar como as diferentes classes de credores decidem votar ou adiar o plano de recuperação em cada caso. Os interesses de grupos distintos podem divergir com frequência em casos de recuperação. Os dados fornecidos pelos representantes dos comitês podem, portanto, não capturar adequadamente os motivos relacionados a cada período de atraso. O objetivo deste artigo é identificar esses motivos.
No Brasil, diferentemente dos EUA, os credores se reúnem para votar um plano de recuperação. As atas da Assembleia registram os eventos dessas reuniões, fornecendo evidências das demandas dos credores por alterações adicionais e por respostas dos devedores às suas considerações e sugestões. Além disso, é possível observar quais credores compareceram para votar no plano, suas reivindicações e o resultado da votação. Argumentamos que essas condições nos permitem obter informações valiosas sobre as características das decisões relacionadas ao atraso na votação devido à nossa capacidade de observar o processo realizado quando diferentes classes e tipos de credores se reúnem na Assembleia de Credores e decidem adiar a votação sobre a recuperação.
Exploramos estatísticas descritivas de recuperações e correlações controladas em nossas regressões sem sugerir causalidade. Até onde sabemos, ainda faltam resultados empíricos baseados na avaliação de características de vários credores e na proposta de recuperação apresentada no plano de recuperação da empresa. Este é o primeiro artigo no Brasil a explorar como os conflitos de interesse entre as classes de credores podem estar relacionados aos atrasos (mais dias para votar no plano de recuperação) no processo de recuperação após a nova lei brasileira de falências.
Este artigo segue uma estratégia semelhante à de Kaplan e Stromberg (2002), destacando as estatísticas descritivas de bancos de dados que sofrem de viés de amostragem que não podem ser excluídos por quase-experimentos. Por esse motivo, não abordamos a causalidade em nosso estudo. Como não podemos controlar decisões anteriores sobre estrutura de capital, níveis de liquidez e outras variáveis das demonstrações financeiras que tornam a resolução da dificuldade mais (ou até menos) complexa durante o processo de recuperação, é possível que nossas regressões apresentem algum viés atribuível ao problema de variável omitida.
A decisão de adiar a votação do plano de recuperação pode causar vários danos aos credores e empresas no Brasil. Os credores não podem receber qualquer valor antes da votação do plano de recuperação. O dinheiro a ser recuperado pelos credores não renderá juros durante o atraso. Essa condição é particularmente importante no Brasil, que possui uma das maiores taxas de juros do mundo. Além disso, os bancos devem provisionar 100% do valor do empréstimo nos casos de recuperação como garantia da operação. Isso pode reduzir os ganhos bancários, porque os bancos ganham menos nessa situação em comparação com outras alternativas de mercado. As empresas não podem obter novos recursos para continuar sua operação até os credores decidirem sobre a recuperação ou liquidação. Atrasos maiores na votação do plano de recuperação podem aumentar a dificuldade da recuperação.
Ao contrário dos comitês de credores dos EUA, os comitês de credores oficiais do Brasil são raramente formados. Em geral, os comitês de credores do Brasil possuem três tipos de representantes: trabalhadores, a classe não quirografária, conhecida como garantia real, e a quirografária. Decidimos não apurar as informações da classe IV (microempresa e empresa de pequeno porte) porque a quantidade de casos em nossa amostra foi mínima.
Nossos dados se originaram de empresas e do site de determinados administradores judiciais no Brasil e são compostos por 120 planos de recuperação que datam de 2005 a 2015. Optamos por começar em 2005 porque, naquele ano, foi promulgada a nova lei brasileira de falências. Nosso estudo fornece, portanto, informações sobre as características da resolução de problemas financeiros das empresas no Brasil, considerando 10 anos de dados após o início da nova lei brasileira de falências.
Em nossa amostra, observamos certos casos em que os credores precisavam de mais de 100 dias para votar no plano de recuperação. O quartil mais alto da nossa amostra revelou que era necessária uma média de 101 dias para votar no plano de recuperação. Após estudar as características dos diferentes tipos de atrasos, demonstramos que o atraso médio é maior quando todas as classes estão encarregadas de votar no plano de recuperação, ao passo que o atraso diminui consideravelmente quando apenas uma classe está votando no plano. Ao segregar as análises das dificuldades econômicas, observamos que o atraso médio é maior para níveis mais baixos de dificuldade econômica (retorno do setor) para credores com garantia real e quirografários.
Nossos resultados revelaram que uma alta concentração de dívida entre as classes de credores está relacionada a menos atrasos. Além disso, um número maior de bancos e credores com garantial real que possuem direitos de crédito na recuperação está positivamente correlacionado com os atrasos. Não encontramos resultados estatisticamente significativos em relação ao número de trabalhadores e credores quirografários em nossas regressões.
Por fim, argumentamos que os planos de recuperação que requerem tempo adicional para a votação estão relacionados a propostas de desinvestimento. As atas das assembleias gerais mostram que são necessárias muitas rodadas de discussão para determinar os ativos que devem ser vendidos para gerar dinheiro. Os credores geralmente observam o preço mínimo aceitável a ser adotado. Além disso, as empresas encontram algumas dificuldades em obter a permissão de credores com garantia real para vender os ativos alocados aos credores como garantia antes do período de recuperação.
Nosso artigo contribui para a literatura desenvolvida por Gilson (1990Gilson, S. C., John, K., & Lang, L. H. P. (1990). Troubled debt restructurings: An empirical study of private reorganization of firms in default. Journal of Financial Economics, 27(2), 315-353.), Gilson, John e Lang (1990), Brown, James e Mooradian (1993Brown, D. T., James, C. M., & Mooradian, R. M. (1993). The information content of distressed restructurings involving public and private debt claims. Journal of Financial Economics, 33(1), 93-118.), Franks e Tourus (1994Franks, J. R., & Torous, W. N. (1994). A comparison of financial recontracting in distressed exchanges and Chapter 11 reorganizations. Journal of Financial Economics, 35(3), 349-370.), Helwege (1999Helwege, J. (1999). How long do junk bonds spend in default? The Journal of Finance, 54(1), 341-357.), Ayotte e Morrison (2009Ayotte, K. M., & Morrison, E. R. (2009). Creditor control and conflict in Chapter 11. Journal of Legal Analysis, 1(2), 511-551.), Ponticelli (2012Ponticelli, J. 2012. Court enforcement and firm productivity: Evidence from a bankruptcy reform in Brazil. Bocconi, Barcelona.) e Ivashina et al. (2016Ivashina, V., Iverson, B., & Smith, D. C. (2016). The ownership and trading of debt claims in Chapter 11 restructurings. Journal of Financial Economics, 119(2), 316-335.) sobre as características dos atrasos na votação do plano de recuperação durante os casos de reestruturação. Corroboramos os resultados obtidos em trabalhos anteriores e fornecemos uma análise do papel desempenhado por cada classe de credor no atraso da votação do plano em empresas brasileiras.
A estrutura deste artigo segue o seguinte formato. O segundo capítulo discute a literatura relacionada e fornece informações sobre os tipos de atrasos na votação dos planos de recuperação de acordo com a lei brasileira de falências. O terceiro capítulo apresenta uma descrição dos nossos dados e o quarto capítulo descreve nossa estratégia de análise empírica. O quinto capítulo fornece nossos resultados empíricos e o sexto capítulo apresenta nossas conclusões.
2 Atrasos durante o processo de recuperação de empresas
Conseguimos identificar os resultados dos pedidos feitos conforme o Capítulo 11 e do desempenho pós-falência analisando Gilson (1990Gilson, S. C., John, K., & Lang, L. H. P. (1990). Troubled debt restructurings: An empirical study of private reorganization of firms in default. Journal of Financial Economics, 27(2), 315-353.), Hotchkiss (1995Hotchkiss, E. S. (1995). Postbankruptcy performance and management turnover. The Journal of Finance, 50(1), 3-21.) e Kalay, Singhal e Tashjian (2007Kalay, A., Singhal, R., & Tashjian, E. (2007). Is chapter 11 costly? Journal of Finance Economics, 84(3), 772-796.). Apesar das contribuições significativas que foram feitas sobre o tema da recuperação, ainda não houve uma análise ampla e profunda dos atrasos que ocorrem durante o processo de recuperação.
A teoria da negociação dinâmica é rica e suporta previsões do tempo necessário para a resolução. O modelo clássico de Rubinstein (1982Rubinstein, A. (1982). Perfect equilibrium in a bargaining model. Econometrica, 50(1), 97-109.) prevê concordância imediata para a perfeição em subjogos com informações simétricas. Admati e Perry (1987Admati, A. R., & Perry, M. (1987). Strategic delay in bargaining. The Review of Economic Studies, 54(3), 345-364.) estudaram um jogo de barganha com informações incompletas para entender o tempo entre as ofertas, e descobriram que um atraso indica a força do negociador. Estudos sobre atrasos também são realizados em outras áreas do conhecimento (Das, Ghosh & Subudhi, 2014Das, D. K., Ghosh, S., & Subudhi, B. (2014). Tolerable delay-margin improvement for systems with input-output delays using dynamic delayed feedback controllers. Applied Mathematics and Computation, 230(1), 57-64.; Zhang, Knopse & Tsiotras, 2001Zhang, J., Knopse, C. R., & Tsiotras, P. (2001). Stability of time-delay systems: Equivalence between Lyapunov and Scaled small-gain conditions. IEEE Transactions on Automatic Control 46(3), 482-486.).
Gale (1995Gale, D. (1995). Dynamic coordination games. Economic Theory, 5(1), 1-18.) argumenta que atrasos são ineficientes porque o ganho social não ocorre quando os jogadores descontam o futuro. Em jogos de coordenação, pode ser benéfico para um investidor individual adiar; no entanto, os investidores se sairiam melhor se tomassem uma decisão imediata. Evidências teóricas também suportam a ocorrência de atrasos quando há disparidades de informações entre as partes (Kennan & Wilson, 1990Kennan, J., & Wilson, R. (1990). Theories of bargaining delays. Science, 249(4973), 1124-1128.) e o número de negociadores é grande (Cai, 2000Cai, H. (2000). Delay in multilateral bargaining under complete information. Journal of Economic Theory, 93(2), 260-276.).
Adler, Capkun e Weiss (2012) acreditam que atrasos ocorrem quando administradores têm o poder de interferir na decisão sobre se uma empresa deve pedir falência. De acordo com a seção 1102 do Capítulo 11, um comitê de credores representa o interesse dos detentores de direito de crédito durante o processo de recuperação; portanto, é difícil avaliar as interações entre credores de diferentes classes ao votar em um plano de recuperação. Ivashina et al. (2016Ivashina, V., Iverson, B., & Smith, D. C. (2016). The ownership and trading of debt claims in Chapter 11 restructurings. Journal of Financial Economics, 119(2), 316-335.) demonstram que a concentração de credores é uma variável-chave que explica a velocidade da recuperação durante as reestruturações e fornecem evidências de que a concentração de titularidade (crédito total dos dez maiores credores) está fortemente associada aos resultados das falências.
Além disso, vários documentos sugeriram que o nível da dívida bancária afeta o direito de crédito em casos de falência; tais artigos incluem Asquith, Gertner e Scharfstein (1994Asquith, P., Gertner, R., & Scharfstein, D. (1994). Anatomy of financial distress: An examination of junk-bond issuers. The Quarterly Journal of Economics, 109(3), 625-658.), Brown et al. (1993Brown, D. T., James, C. M., & Mooradian, R. M. (1993). The information content of distressed restructurings involving public and private debt claims. Journal of Financial Economics, 33(1), 93-118.), Gilson (1990Gilson, S. C., John, K., & Lang, L. H. P. (1990). Troubled debt restructurings: An empirical study of private reorganization of firms in default. Journal of Financial Economics, 27(2), 315-353.), Gilson et al. (1990) e James (1996James, C. (1996). Bank debt restructurings and the composition of exchange offers in financial distress. The Journal of Finance, 51(2), 711-727.). Helwege (1999Helwege, J. (1999). How long do junk bonds spend in default? The Journal of Finance, 54(1), 341-357.), por exemplo, considera que a dívida bancária está positivamente relacionada a uma menor reestruturação de dívida.
Segundo Baird e Ramussen (2002Baird, D. G., & Rasmussen, R. K., 2002. The end of bankruptcy. Stanford Law Review, 55(173), 751-789.) e Broadie, Chernov e Sundaresan (2007Broadie, M., Chernov, M., & Sundaresan, S. (2007). Optimal debt and equity values in the presence of Chapter 7 and Chapter 11. The Journal of Finance 62(3), 1341-1377.), Kalay, Singhal e Tashjian (2007Kalay, A., Singhal, R., & Tashjian, E. (2007). Is chapter 11 costly? Journal of Finance Economics, 84(3), 772-796.) e LoPucki (2003LoPucki, L. M. 2003. The nature of the bankrupt firm: A response to Baird and Rasmussen’s ´the end of bankruptcy´. Stanford Law Review, 56(3), 645-671.), os credores seniores dominam as recuperações judiciais. Eles demonstram que as empresas com mais classes de dívida apresentam pior desempenho na reorganização.
Outros trabalhos destacam a importância da nova lei brasileira de falências. Senbet e Wang (2010Senbet, L. W., & Wang, T. Y. (2010). Corporate financial distress and bankruptcy: A survey. Foundations and trends in finance, 5(4), 243-335) apontam que a versão antiga da lei era ineficiente. Anapolsky e Woods (2013Anapolsky, J. M., & Woods, J. F. (2013). Pitfalls in Brazilian bankruptcy law for international bond investors. Journal of Business & Technology Law, 8(2), 397-450.) fornecem uma comparação entre a lei brasileira de falências e os códigos dos Capítulos 11 e 7. Eles mostram melhorias na lei brasileira de falências. Araujo, Ferreira e Funchal (2012Araujo, A. P., Ferreira, R. V. X., & Funchal, B. (2012). The Brazilian bankruptcy law experience. Journal Corporate Finance 18(4), 994-1004.) demonstram que as empresas enfrentavam níveis mais altos de dívida de longo prazo e uma redução no custo de capital quando a Lei 11.101 entrou em vigor no Brasil. Silva e Saito (2018Silva, V. A. B., & Saito, R. (2018). Corporate restructuring: Empirical evidence on the approval of the reorganization Plan. RAUSP Management Journal 53(1), 49-62.) estudam a aprovação de planos de recuperação e Silva, Sampaio e Gallucci (2018) analisam a relação entre pedidos de recuperação e variáveis macroeconômicas.
Este artigo apresenta evidências de atrasos na decretação de planos de recuperação com base na concentração da dívida, no número de credores e no papel dos bancos. O próximo capítulo inclui uma breve explicação do processo de votação do plano de recuperação no Brasil.
2.1 Como é possível adiar a votação de um plano de acordo com a lei brasileira de falências?
Após 2005, o procedimento de reestruturação financeira no Brasil se aproximou do procedimento usado nas falências conduzidas de acordo com os Capítulos 7 e 11 da lei norte-americana. A lei brasileira de falências também oferece às empresas em dificuldade a possibilidade de escolher entre recuperação judicial e extrajudicial. As três classes de credores (trabalhista, com garantia real e quirografária) podem optar por aprovar ou rejeitar o plano de recuperação. Quando um detentor de direito de crédito não concorda com as condições do plano, os credores devem convocar uma Assembleia para votar o plano.
Os credores são divididos em três classes para fins de contagem de votos (não consideramos a classe IV em virtude do número reduzido de informações em nossa amostra). Os credores trabalhistas são classificados como categoria I, os credores com garantia real são classificados como categoria II e os credores quirografários, como categoria III. Em geral, os credores fiscais e os credores detentores de empréstimos garantidos pela alienação fiduciária de ativos não estão sujeitos à recuperação; portanto, eles não participam da sessão de votação para a aprovação do plano.
A votação deve obter o consentimento das três classes de credores. Para credores com garantia real e quirografários, o plano deve ser aceito pela maioria dos credores na assembleia e pelo menos metade do valor total da dívida de cada classe deve estar representada. A aprovação da dívida trabalhista exige a maioria dos votos dos credores. Se o plano não for aprovado, a empresa enfrenta a falência.
A primeira oportunidade para postergar uma votação do plano de recuperação ocorre na primeira Assembleia. Na primeira convocação, há a exigência de quórum para dar início à assembleia (mais da metade do direito de crédito de cada classe de dívida). Depois disso, não há requisito de quórum. É importante destacar uma das diferenças entre a lei brasileira de falências e o capítulo 11.
No Brasil, os credores não podem votar pelo correio, devem comparecer à assembleia geral se quiserem votar no plano de recuperação. Um representante legal pode, no entanto, representar um credor mediante autorização do administrador judicial.
Outro ponto importante a considerar é a reivindicação de tratamento separado na lei brasileira de falências. Comparada à lei norte-americana, a lei brasileira considera cada credor na apuração dos votos. Essa diferença na lei brasileira pode estar relacionada a atrasos devido a quórum, pois comparecer à assembleia ou contratar um representante pode ser mais caro do que o valor em dinheiro que um determinado credor possa ter disponível. Portanto, atrasos tornam-se uma questão de negociação entre empresa e credores, pois não há exigência de quórum após a primeira assembleia geral.
3 Descrição de dados
Coletamos dados de participações com direito de crédito de 120 empresas brasileiras que entraram com pedido de recuperação após 2005 (ano em que a nova lei brasileira de falências foi promulgada). Uma pequena parte de nossos dados teve como origem uma das principais varas brasileiras (Vara de Falências e Recuperação Judicial) em São Paulo, sendo os dados restantes obtidos de empresas e do site de alguns administradores judiciais. Temos 24, 20, 19 e 10 casos em 2012, 2009 e 2013, 2011 e 2010, respectivamente. Os outros anos apresentam menos de 10 casos cada em nossa amostra.
Como poucas empresas de capital aberto no Brasil entraram com pedido de recuperação desde 2005, a maior parte da nossa amostra originou-se de empresas de capital fechado. Empresas de capital aberto e de capital fechado podem ser classificadas como sociedades anônimas (S.A.) de acordo com a lei brasileira. De forma simplificada, as empresas de capital fechado são classificadas como sociedades anônimas se a empresa tiver permissão para emitir títulos privados (S.A.), e como limitadas (LTDA.) se a empresa não estiver autorizada a emitir títulos privados.
Obtivemos nossos dados de 3 documentos utilizados no processo de recuperação: o plano de recuperação, as atas das assembleias gerais e as descrições do valor a ser recuperado por cada credor.
O plano de recuperação deve apresentar uma descrição geral da empresa, uma descrição detalhada do pagamento dos credores, o método de recuperação a ser adotado e uma avaliação profissional dos ativos que pertencem à empresa em recuperação.
As atas da assembleia geral fornecem informações sobre o processo de quórum, o valor representado por cada classe de credores que votam no plano, as discussões e sugestões que ocorrem durante a assembleia e as decisões tomadas por cada classe de credores em relação à sua aceitação ou rejeição do plano através de seus votos.
Quando uma pessoa (advogado da empresa ou um credor pessoa física) propõe evitar a votação do plano durante a assembleia, o administrador judicial registra o resultado do atraso da votação e define a data e o local para a próxima votação pelos credores no plano de recuperação e as modificações.
A lista de credores apresenta a relação de credores com os respectivos valores, fornecendo informações sobre o valor devido a cada credor das classes trabalhista, créditos com garantia real e quirografária. Portanto, podemos acessar não apenas o valor total que uma empresa deve pagar a cada classe, mas também o valor associado ao direito de cada credor. A Tabela 1 resume as estatísticas básicas para cada variável coletada dos documentos mencionados acima.
Constatamos que a idade média das empresas estudadas (desde o nascimento até a data da reestruturação) era de aproximadamente 31 anos. Aproximadamente sete bancos são predominantes durante a reestruturação. As estatísticas descritivas mostram que as empresas receberam financiamento de 18 bancos diferentes. Apresentamos um resumo de nossas estatísticas na Tabela 2 agrupando as informações de acordo com as características do atraso. A amostra de tempo foi dividida em grupos com base no atraso. Separamos todas as observações para os casos conforme o seguinte critério: sem atraso, atrasos de até 10 dias, atrasos entre 10 dias e um mês, atrasos entre um e dois meses e atrasos superiores a dois meses. A Tabela 2 fornece informações sobre os valores médios das diferentes variáveis. O número de reuniões que ocorreram de acordo com o atraso médio, o número de bancos que participam da recuperação, a idade da empresa em recuperação, a quantidade e a parcela da dívida dos credores de cada classe com direito de votar no plano e a parcela do total de créditos devidos aos dez maiores credores (com e sem bancos).
A amostra apresenta uma concentração mais alta em atrasos mais curtos (atrasos de no máximo 10 dias), o que geralmente ocorre devido aos requisitos de quórum durante a primeira assembleia geral. Por um período de no máximo 10 dias, ocorreram no máximo duas assembleias. Atrasos de um ou dois meses foram menos dispersos, enquanto atrasos superiores a dois meses foram mais dispersos.
A Tabela 3 apresenta as características das mesmas variáveis de acordo com o setor e a região. Agrupamos todas as empresas de acordo com a classificação setorial apresentada pela Bloomberg. Obtivemos observações para os 6 setores a seguir: materiais básicos, cíclico, não cíclico, energia, industrial e serviços públicos.
Nossa amostra está concentrada principalmente nos setores industrial e não cíclico e menos no setor de materiais básicos. O atraso médio é mais longo para as empresas do setor de energia, e mais curto para as empresas do setor de serviços públicos. Também é interessante observar que o número de bancos é maior para empresas do setor de energia. A concentração maior de empresas em nossa amostra está no Sudeste e no Sul. No entanto, o maior atraso médio ocorreu no Norte (com dois casos de recuperação).
As características de atrasos da amostra estão divididas pela causa do atraso e pelo grupo causador do atraso, sendo apresentadas na Tabela 4. Nesta tabela, separamos os atrasos originados devido a quórum dos atrasos que ocorreram devido à exigência pelos credores de modificações no plano original ou à exigência de tempo adicional pela empresa para realizar as modificações.
Ao segregar a amostra em classes de dívida de acordo com grupos de credores, observamos que um número maior de credores trabalhistas está envolvido em casos que apresentam atrasos causados por essa classe. No entanto, descobrimos que esses atrasos são geralmente causados por um requisito de quórum.
3.1 Problemas de seleção de amostra
A maioria dos dados coletados em nossa amostra foi obtida em sites de empresas e administradores judiciais. Portanto, está claro que nossas empresas em processo de reestruturação não foram selecionadas aleatoriamente, nossa amostra pode apresentar viés em relação a uma região específica. Como demonstrado na Tabela 3, apresentamos uma maior concentração de dados para o sudeste e sul e apenas alguns casos do norte e nordeste. Segundo Ponticelli (2012Ponticelli, J. 2012. Court enforcement and firm productivity: Evidence from a bankruptcy reform in Brazil. Bocconi, Barcelona.), o Brasil está dividido em 2.738 jurisdições, que podem ser tratadas como um único município ou abranger um grupo de municípios. Doze jurisdições possuem varas de falências especializadas. Ponticelli indicou que cada jurisdição no Brasil possui 1,6 varas cíveis em média.
Ponticelli (2012Ponticelli, J. 2012. Court enforcement and firm productivity: Evidence from a bankruptcy reform in Brazil. Bocconi, Barcelona.) observou que há no estado de São Paulo um congestionamento de varas cíveis, o que é consistente com a nossa amostra, pois um número maior de observações foi obtido do Sudeste, que possuía mais de 10 varas diferentes apenas em São Paulo. Ponticelli também mostrou que o congestionamento de varas no Sudeste é pior do que em outras regiões e indicou que as empresas no Brasil estão extremamente concentradas no Sul e no Sudeste.
Outra fonte considerável de viés de seleção está relacionada à forma como os dados foram coletados eletronicamente. As empresas maiores podem ter acesso a recursos adicionais que lhes permitem colocar seus dados on-line ou podem contratar grandes escritórios de advocacia que possam executar essa tarefa em seu nome. Como as atas da Assembleia fornecem informações sobre o advogado que representa a empresa em processo de recuperação e o administrador judicial, pudemos investigar um padrão relacionado a advogados nos dados de nossa amostra. Concluímos que os casos em nossa amostra estão dispersos entre vários advogados. Portanto, acreditamos que essa dispersão reduz a possibilidade de agrupar processos de recuperação mais rápidos ou mais lentos de acordo com um único advogado, embora não elimine a possibilidade de um determinado advogado se especializar em casos de recuperação mais complexos ou mais fáceis.
Iverson (2017Iverson, B. (2017). Get in line: Chapter 11 restructuring in crowded bankruptcy courts. Management Science, 64(11), 4967-5460.) indicou que as empresas com processos de recuperação em tribunais sobrecarregados passam mais tempo em processo falência e, quando os cronogramas dos juízes ficam mais sobrecarregados, um número maior de planos de recuperação é aprovado.
Conseguimos analisar a concentração de casos de nossa amostra nas mãos de administradores judiciais. A Tabela 5 mostra os níveis mais baixo, mediano e mais alto de atrasos para os casos de nossa amostra, com sete dos administradores judiciais mais frequentes.
Há uma distribuição considerável de atrasos e um administrador específico está associado a um atraso médio que é duas vezes maior em comparação com o de outros administradores. Portanto, acreditamos que, se houver um viés em nossa amostra, ele estará associado à concentração de casos em determinadas regiões e em juízes específicos.
4 Estratégia empírica da análise
Nosso objetivo é apresentar análises descritivas e econométricas baseadas em nossos resultados para mostrar as principais características dos atrasos nas votações. Nossa análise descritiva está focada nas características do atraso na votação. Aqui, estamos interessados em entender o relacionamento entre as classes de credores e os atrasos. Primeiramente, separamos os possíveis tipos de atraso de acordo com suas características. Os atrasos estão separados de acordo com a causa (atrasos causados por requisitos de quórum) e a assembleia (características do atraso em cada assembleia geral). Essa análise considera a presença de classes de credores com poder de voto no plano.
A última etapa desta análise descritiva considera um substituto para os problemas econômicos vivenciados pelas empresas da amostra. O substituto das dificuldades econômicas é importante porque as condições que permitem que uma empresa gere os recursos para pagar seus credores podem estar relacionadas a casos de recuperação mais ou menos complexos. Portanto, coletamos os lucros antes de impostos de empresas de capital aberto brasileiras pertencentes à mesma concentração setorial das empresas em nossos dados. Portanto, essa análise se concentra na avaliação dos atrasos nas votações quando a empresa em recuperação pertence a um setor que se encontra em melhores ou piores condições. Essa análise é um esforço adicional para observar o que ocorre em casos que podem ser considerados mais ou menos complexos.
4.1 Especificação econométrica
Embora não abordemos a causalidade neste artigo, acreditamos que é importante observar como os atrasos na votação do plano estão relacionados a diferentes variáveis sob certos fatores de controle. Realizamos várias regressões para analisar a relação entre o atraso e as variáveis independentes. A variável dependente é o atraso na votação do plano de recuperação calculado em dias. Nossa equação empírica é especificada da seguinte forma:
As variáveis “Conc” indicam a concentração de direito de crédito em cada uma das classes e a parcela desses direitos nos 10 principais credores. Como uma concentração maior de financiamento em uma classe de credores aumenta o alinhamento de todas as perspectivas, espera-se que os credores adotem uma decisão consensual mais rapidamente em relação às situações em que os direitos de crédito estão mais dispersos entre as classes de credores (Ivashina et al., 2016Ivashina, V., Iverson, B., & Smith, D. C. (2016). The ownership and trading of debt claims in Chapter 11 restructurings. Journal of Financial Economics, 119(2), 316-335.).
A variável “Number_of_Banks” apresenta o número de bancos que operam na lista de credores. As variáveis que indicam o número de LC, SC e UC mostram o número de credores de cada grupo que participam da votação na Assembleia (credores trabalhistas, garantia real e quirografários). Tipo é uma variável de controle que é igual a 1 se a empresa em processo de recuperação for uma S.A. e zero se for uma LTDA. Uma vez que não podemos controlar o porte da empresa olhando para seus ativos (não temos informações sobre ativos de empresas de capital fechado), controlamos o tipo de empresa para atenuar uma possível relação entre porte e atraso. Além disso, acreditamos que o controle do tipo de empresa e do número de trabalhadores (classe trabalhista) nos fornece uma boa medição do porte da empresa. A variável de controle “Payment-years” especifica o período declarado pela empresa para liquidar sua dívida. Esperamos mais barganhas (atrasos maiores) quando uma empresa apresenta mais tempo para pagar a dívida aos credores.
Finalmente, a variável “Sector-return” captura o EBITDA médio dos últimos 3 anos dividido pelo valor contábil total de todas as empresas listadas como uma medida da lucratividade de um determinado setor. O nível de dificuldade econômica pode influenciar a maneira como os credores decidem o futuro de uma empresa. Quando o setor enfrenta dificuldades, a resolução da situação de dificuldade econômica pode ser mais difícil.
Todos os testes posteriores mantêm as variáveis adotadas na equação 1. A hipótese nula de nossas equações é que nenhuma das variáveis explicativas mencionadas acima influencia o atraso da votação no plano. As hipóteses a seguir são consistentes com as de trabalhos anteriores.
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H1: A concentração de crédito (ambas as classes e os 10 principais) em dinheiro pode influenciar o atraso, permitindo disparidades menores entre os credores (Ivashina et al., 2016Ivashina, V., Iverson, B., & Smith, D. C. (2016). The ownership and trading of debt claims in Chapter 11 restructurings. Journal of Financial Economics, 119(2), 316-335.). Portanto, esperamos um sinal negativo em nossas regressões ( e são < 0).
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H2: O número de bancos pode influenciar o atraso aumentando o processo de negociação e os problemas de coordenação (Helwege, 1999Helwege, J. (1999). How long do junk bonds spend in default? The Journal of Finance, 54(1), 341-357.). Portanto, esperamos um sinal positivo em nossas regressões ( > 0).
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H3: Finalmente, o número de credores em cada classe (LC, SC e UC) também pode influenciar o atraso, aumentando o processo de negociação e os conflitos de interesse, porque o problema de holdout pode se intensificar (Kennan & Wilson, 1990Kennan, J., & Wilson, R. (1990). Theories of bargaining delays. Science, 249(4973), 1124-1128.). Portanto, esperamos um sinal positivo em nossas regressões ( > 0; > 0 e > 0).
Primeiramente, executamos uma regressão utilizando o método dos Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) considerando o atraso da amostra completa. Além disso, utilizamos o modelo de regressão de Poisson para estimar o número de atrasos como uma função de nossas variáveis explicativas. Como o atraso é classificado como variável na categoria de dados de contagem (número de dias para votar o plano de recuperação), é correto executar uma regressão de Poisson porque nossa variável leva apenas um número finito e positivo de valores. No entanto, os critérios de igualdade para média-variância nos modelos de regressão de Poisson apresentam a suposição de equidispersão (as estimativas dos modelos de regressão de Poisson são ineficientes em casos de superdispersão). Seguimos Cameron e Trivedi (1990Cameron, A. C., & Trivedi, P. K. (1990). Regression-based tests for overdispersion in the Poisson Model. Journal of Econometrics, 46(3), 347-364.) para abordar a questão da superdispersão e executar um modelo de regressão Binomial Negativa. Adotamos erros padrão robustos em nossas regressões para ajustar problemas de heterocedasticidade. Também fornecemos o fator de inflação da variância (VIF, na sigla em inglês) na Tabela 6 para demonstrar que os nossos dados não apresentam problemas de multicolinearidade. Depois disso, também controlamos os efeitos fixos do ano.
5 Resultados
A primeira parte da nossa análise captura como um atraso depende das características do plano de recuperação. A Tabela 7 apresenta essa segregação. Ao separar os tipos de atraso de acordo com o quórum e os grupos de credores (Painel A), mostramos que credores quirografários e trabalhistas são os principais responsáveis pelos atrasos devido a quórum.
O mesmo número de observações está disponível para votações com atraso quando somente credores quirografários, e credores quirografários e trabalhistas em conjunto não comparecem à primeira convocação da assembleia geral. Individualmente, os credores trabalhistas são a segunda maior causa de atraso na votação devido aos requisitos de quórum na primeira Assembleia. Há alguns poucos casos em que os credores com garantia real são responsáveis pelo atraso na votação devido a requisitos de quórum. Esse resultado mostra que os credores com garantia real geralmente não são responsáveis pelo atraso na votação por falta de comparecimento. Esse grupo é composto por vários credores no Brasil e eles parecem ser a classe de credores presente com maior frequência nas assembleias.
Também é interessante observar que, em muitos casos, conjuntamente credores trabalhistas e quirografários causam atrasos devido a quórum. Essas classes geralmente têm um grande número de credores e, quando o valor da dívida está mais disperso entre os credores, muitos detentores de títulos de dívida podem negligenciar o caso de recuperação, pois os custos de participação associados podem ser maiores do que o valor que receberão. Os custos associados à contratação de um advogado para o caso, por exemplo, podem ser mais altos do que o valor específico que um credor tem a receber. Além disso, identificamos vários casos em nossa amostra em que a classe de credores trabalhistas estava representada como um grupo. Aparentemente, uma estratégia de votação semelhante à prevista pelo capítulo 11, na qual administradores coletam todos os votos, poderia ajudar a reduzir o problema de atrasos relacionados ao quórum.
A Tabela 7 demonstra que vários casos de atraso foram causados pelas demandas dos credores. A ata da Assembleia revela que os credores ocasionalmente argumentam contra uma condição específica do plano e solicitam alterações ou o devedor pode perceber que precisará oferecer termos melhores para obter a aprovação dos credores durante a assembleia. Além disso, o devedor pode iniciar a assembleia geral solicitando um atraso de vários dias, pois novas condições devem ser delineadas no plano.
Como muitos credores contratam um advogado para participar da assembleia, é quase sempre o caso desses advogados solicitarem um atraso para explicar as modificações propostas na Assembleia a seus clientes. Em vários casos, os credores votam no plano sem solicitar modificações. Constatamos que, na maioria dos casos, o devedor solicita um atraso para preparar uma modificação no plano original a fim de convencer a classe de credores garantia real.
Portanto, fica claro que os atrasos causados pelos requisitos de quórum geralmente são causados por credores quirografários e trabalhistas e que outros atrasos estão relacionados aos devedores que modificam o plano original de acordo com as sugestões das classes de credores. Em nossa amostra, foram necessárias, no máximo, três rodadas de atraso. Além da evolução no quórum para cada classe de credores, mostramos o atraso segregado por rodadas. Os resultados indicam o atraso entre as assembleias com base no tipo de atraso na votação do plano.
Nos casos em que não há atraso na primeira assembleia devido a requisitos de quórum, o processo de negociação poderá se intensificar e o devedor poderá solicitar um adiamento para preparar um plano melhor de acordo com as indicações dos credores. Como o atraso do credor (pelo menos para as classes trabalhista e quirografária) na primeira assembleia geralmente é causado por um requisito de quórum, o período médio de dias para o atraso é curto. No entanto, quando o atraso é causado por sugestões da classe de credores com garantia real na primeira assembleia, o período de dias para o atraso fica mais próximo ao causado pelo devedor para a implementação de modificações no plano de recuperação. Da mesma forma, o período médio de dias para atrasos causados por credores quirografários na segunda assembleia é um pouco maior que o causado pelo devedor para uma segunda assembleia.
Uma explicação possível para esse resultado pode ser a de que os incentivos para credores quirografários estejam mais estreitamente alinhados com os dos acionistas. Portanto, é lógico propor modificações que impeçam o plano de ser rejeitado durante a assembleia. Segundo os dados, as negociações se tornam mais intensas após a primeira rodada. Em nossa amostra, o único caso em que um atraso causado por credores trabalhistas não era relacionado a quórum ocorreu porque o devedor estava próximo de promover uma nova avaliação de ativos para vender seus ativos e pagar toda a dívida trabalhista.
A Tabela 8 apresenta o agrupamento de empresas de acordo com o retorno de seu setor. O atraso médio é maior quando o faturamento do setor é mais baixo para as classes de crédito com garantia real e quirografária. Portanto, condições econômicas piores no setor ao qual uma empresa pertence parecem ter importância, principalmente nos atrasos exigidos pelos credores com garantia real e quirografários. Em tais condições, a estratégia do devedor para continuar as operações se torna menos confiável, porque pode ser mais difícil obter fluxos de caixa futuros positivos.
Acreditamos que a nossa análise de regressão pode corroborar os resultados obtidos pela análise descritiva. A Tabela 9 mostra o resultado para as regressões MQO, de Poisson e binomial negativa do atraso, considerando nossa amostra completa. Também controlamos os efeitos fixos do ano em cada modelo de regressão. O atraso variável continua sendo o intervalo de tempo (em dias) entre a primeira assembleia geral e a assembleia final na qual o plano de recuperação recebe uma votação. Como não tínhamos informações equilibradas para cada variável de nossas empresas, perdemos algumas observações para executar nossas regressões.
A Tabela 9 indica que o coeficiente da variável concentração de classe é negativo e significativo. Essa constatação é consistente com a H1 deste estudo, e acreditamos que significado é simples. Como uma concentração maior de financiamento em uma classe de credores aumenta o alinhamento de todas as perspectivas, espera-se que os credores adotem uma decisão consensual mais rapidamente em relação às situações em que os direitos de crédito estão mais dispersos entre as classes de credores.
Portanto, uma maior concentração de reivindicações em uma classe específica pode ajudar a reduzir problemas relacionados à coordenação e holdouts de credores. Nossos resultados são consistentes com os de Ivashina et al. (2016Ivashina, V., Iverson, B., & Smith, D. C. (2016). The ownership and trading of debt claims in Chapter 11 restructurings. Journal of Financial Economics, 119(2), 316-335.). Além disso, encontramos também um resultado positivo e estatisticamente significativo para o número de bancos e o número de credores com garantia real em nossas regressões. Conforme apresentado por Kennan e Cai (2000Cai, H. (2000). Delay in multilateral bargaining under complete information. Journal of Economic Theory, 93(2), 260-276.) e Wilson (1990), mais credores votantes estão associados a atrasos maiores.
Além disso, no Brasil, credores garantia real geralmente são bancos. Mostramos que um maior número de bancos no processo de recuperação torna a resolução mais complexa e o processo de negociação mais intenso, uma vez que um número maior de bancos está associado a atrasos maiores. Corroboramos os resultados de Helwege (1999Helwege, J. (1999). How long do junk bonds spend in default? The Journal of Finance, 54(1), 341-357.), que especifica que a dívida bancária está positivamente relacionada a um número menor de reestruturação de dívida. Também demonstramos que um número maior de anos para liquidar a dívida está relacionado a atrasos maiores.
A Tabela 10 mostra que os planos de recuperação que requerem mais tempo até a votação final estão correlacionados com as propostas de desinvestimento. Isso revela que muitas rodadas de discussão são necessárias para escolher os ativos que devem ser vendidos para gerar fundos. A Tabela 10 também apresenta a proposta geral de pagamento aos credores segregado por quartis de atraso. Atrasos maiores também apresentam uma parcela maior do desconto da dívida.
Por fim, é possível que se argumente que nossos resultados anteriores podem apresentar algumas complicações mesmo após a “winsorização” (análises de médias são sensíveis à presença de alguns valores discrepantes). Portanto, também executamos um modelo de regressão quantílica para a nossa especificação anterior. A Tabela 11 fornece os resultados para as nossas três especificações de quantis (25%, 50% e 75%). Podemos notar que os nossos principais resultados permanecem robustos.
6 Conclusões
Neste artigo, estudamos as características dos atrasos nas votações durante processos de recuperação, com base em uma amostra de 120 empresas brasileiras, de 2005 a 2015. Até onde sabemos, este é o primeiro artigo a avaliar atrasos nas votações de planos de recuperação de acordo com a interação de cada participante na Assembleia.
Acreditamos que este artigo contribui para a literatura sobre recuperação e falência, fornecendo informações importantes sobre as características dos atrasos relacionados. Nossos resultados indicam que uma concentração maior de direito de crédito está negativamente correlacionada a atrasos. Concluímos que uma concentração de financiamento durante a reestruturação pode influenciar os atrasos nas votações devido a exigências de devedores e credores; no entanto, esse fator não parece ter impacto na decisão dos credores de evitar comparecer na primeira Assembleia.
Nossos resultados demonstram também que, por longos períodos de atraso, a concentração do direito de crédito entre as classes permanece significativa e mantém o mesmo sinal. Além disso, o número de bancos e credores garantia real que participam do processo de recuperação está positivamente correlacionado a atrasos mais prolongados.
Este artigo possui certas limitações. Nossos resultados econométricos corroboram apenas a nossa análise descritiva, controlando a análise de atraso com grupos maiores de variáveis para demonstrar uma relação. Assim, pesquisas futuras devem ser conduzidas para demonstrar a causalidade entre as classes de credores e os atrasos na votação.
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Avaliado pelo sistema:
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Editor responsável:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
30 Nov 2020 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 2020
Histórico
-
Recebido
30 Jun 2018 -
Aceito
31 Jul 2019